21/11/2012

Não martelem os dados!


no Público,
21/11/2012
por Santana Castilho

Escrevo este artigo na manhã de terça-feira, 20 de Novembro. À tarde haverá uma conferência de imprensa para divulgar os resultados a que chegou o grupo de trabalho, constituído no fim de 2011, ao qual foi pedido que apurasse o custo do ensino público por aluno e por ano de escolaridade. Tenho o documento à minha frente e, embora o artigo que ora escrevo só saia amanhã, respeito o compromisso que assumi de nada referir antes da respectiva apresentação pública. Posso, todavia, relembrar factos para a tinta que vai correr. 

A Assembleia da República, que aprova o Orçamento de Estado, por natureza o documento onde são detalhadas todas as despesas da Administração Pública, e tem comissões especializadas permanentes, entre elas uma de Orçamento, Finanças e Administração Pública e outra de Educação, Ciência e Cultura, pediu ao Tribunal de Contas (Resolução 95/2011, de 6 de Abril) que apurasse o custo médio por aluno do sistema de ensino. Precisava de o ter feito? Desconhecia os dados? Não! Visava um efeito político. Recorde-se que a iniciativa pertenceu ao PSD, após o corte ao financiamento dos colégios privados com contratos de associação, decidido pelo anterior executivo socialista. Com efeito, a Portaria nº 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, fixou o valor do financiamento em 80.080 euros por turma, quando antes andava por volta dos 114.000, porque, afirmou a ministra Isabel Alçada no parlamento, o custo médio por aluno do ensino público se cifrava nos 3.735 euros. Logo após a posse do actual Governo, Nuno Crato, generoso e à revelia rara da receita da troika, aumentou o financiamento para 85.288 euros por turma. E, embora pendesse o trabalho encomendado ao Tribunal de Contas, foi incumbido um novo grupo de “efectuar os estudos necessários para o apuramento do custo real dos alunos do ensino público por ano de escolaridade, tendo em vista a alteração do modelo de financiamento público aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de contrato de associação” (sublinhado meu). Mais claro, só amanhã! Mas a conversa promete. Várias fontes já a iniciaram, incensando os cálculos do Tribunal de Contas que, preto no branco, diz o próprio tribunal, não têm validade, por datados (os sucessivos pacotes de austeridade derrogaram-nos, sem apelo nem agravo). Corrijo. Há quem apele e com agravo. 

José Manuel Fernandes, citando o estudo e mais tribunício que o próprio tribunal, disse que a recomendável privatização da Educação é agora imperiosa. Falou de monopólio por parte do Estado, ignorando que Portugal ocupa os lugares cimeiros das tabelas que medem a presença do ensino privado nos sistemas nacionais de ensino. Cita a Holanda como exemplo, mas não esclarece os indígenas que no modelo holandês o Estado não permite que as escolas geridas por privados tenham lucro. Perguntava e respondia em artigo deste jornal, de nove deste mês: “Por onde é que se começam a cortar quatro mil milhões? Talvez por onde o Estado é ineficiente, como no quase monopólio da Educação”. Criticando Marcelo Rebelo de Sousa, que usou o vocábulo “vazio” para adjectivar a proposta de Passos Coelho sobre a redefinição das funções do Estado, convidava-nos a trocar “umas ideias mais sérias e menos vazias sobre o assunto”. Mas cingiu-se, afinal, a insinuar a necessidade de privatizar a Educação, usando argumentos financeiros e estatísticos imprecisos ou datados. Com efeito, disse que entre 2009 e 2011 o sistema público de ensino perdeu 100 mil alunos no ensino básico, outros 100 mil no secundário regular e ganhou 8.500 no superior. Tudo para afirmar que o custo por aluno aumentou. Mas as estatísticas oficiais (GEPE/ME e GPEARI/MCTES, citados por PORDATA) mostram que se perderam 52.884 alunos no básico e não 100 mil, 34.640 no secundário e não 100 mil e se ganharam 25.540 no superior e não 8500. O número total de alunos do sistema público de ensino, considerando a educação pré-escolar e os cursos de especialização tecnológica, que José Manuel Fernandes ignora, era 1.902.774 em 2009 e 1.844.317 em 2011. O que dá uma perda de 58.457 alunos e não os 191.500 sugeridos. 

Repensar as funções do Estado sob a “chantagem” de reduzir 4 mil milhões de euros é a pior forma de o fazer. Mas, acima de tudo, não martelem os dados. Trocar umas ideias sérias sobre o assunto é uma boa proposta. Adianto algumas: nos termos da Constituição, o serviço público de ensino é obrigação do Estado; nos termos da Constituição, os portugueses têm a liberdade privada de criar escolas privadas; dinheiros públicos não devem pagar serviços privados de Educação senão quando o Estado não estiver em condições de os prover, termos em que urge garantir que não se financiam escolas privadas sempre que existam escolas públicas para acolher os alunos. Como recomendou a troika e o Tribunal de Contas. 

* Professor do ensino superior

09/11/2012

Crato, um amanuense do M. Finanças

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Orçamento visto do DN -  ontem
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Santana Castilho critica o debate e o orçamento 
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Santana Castilho, especialista na área da educação, considera que se tratou de "um não debate". Na sua opinião os deputados estavam mal preparados e o ministro Nuno Crato não respondeu às perguntas. -- fonte

07/11/2012

Ai aguentamos, aguentamos! Resta saber até quando!

no Público
7/11/2012

por Santana Castilho

Ai aguentamos, aguentamos! Resta saber até quando!

Primeiro foi Vítor Gaspar, afirmando que “existe um desvio entre aquilo que os portugueses querem que o Estado social lhes forneça e os impostos que estão dispostos a pagar por esses serviços”. 
Depois foi Passos Coelho, com mais uma das suas eloquentes trapalhadas, falando da impossibilidade de adiar uma “reforma mais profunda” do Estado (como se já tivesse feito alguma!), caldeando-a com uma coisa que o país inteiro procura agora saber o que significa: “uma refundação do nosso programa de ajustamento”. 
Fechou o triângulo das trivialidades a boçalidade de um banqueiro, com o “ai aguentam, aguentam!”. Três figurões, com um considerável currículo de asneiras recentes nos negócios que dirigem, inquinaram maliciosamente uma questão essencial para todos. Não a de saber como conseguir o impossível, isto é, pagar em escassos anos uma dívida contraída pelo desgoverno de décadas e onerada por juros agiotas. Mas a de saber o que fazer para pôr a economia a crescer e nos aproximarmos de países que, não tendo mais recursos que o nosso, oferecem aos seus concidadãos um Estado social que os servos da senhora Merkel dizem não ser possível manter. 

Porque Gaspar convocou os portugueses a pronunciarem-se sobre a relação entre os impostos que pagam e os serviços que querem e Passos chamou estrangeiros para refundar o Estado, colhi do ministério que melhor acompanho dois ilustrativos exemplos. Antes de lhe dizermos o que queremos, talvez lhes devamos dizer o que pensamos sobre os anacronismos que promovem e nós pagamos. 
Lembram-se do PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da Administração Central)? Como o emblema na lapela dos ministros, queria guiar. E queria começar pelo processo de preparação das leis orgânicas dos ministérios, por forma a torná-los menos dispendiosos e mais simples e flexíveis. Lá estava invocada tal filosofia no preâmbulo do DL 125/2011, que “refundou” os anteriores ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, dando lugar ao actual Ministério da Educação e Ciência.
Vejam então, enunciando as suas diversas componentes “flexíveis”, como ficou simples a simples Direcção-Geral da Educação ,  simplesmente com
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- cinco (!!) direcções de serviços:
  • Direcção de Serviços do Júri Nacional de Exames, 
  • Direcção de Serviços de Desenvolvimento Curricular, 
  • Direcção de Serviços de Educação Especial e Apoios Socioeducativos, 
  • Direcção de Serviços de Projectos Educativos e 
  • Direcção de Serviços de Planeamento e Administração Geral; 
- um gabinete, um apenas: Gabinete de Segurança Escolar; 
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- e “escassas” oito divisões: DEPEB, DES, DEA, DMDDE, DDE, DGOP, DRH e DSIIT, respectivamente,
  • Divisão de Educação Pré-Escolar e do Ensino Básico, 
  • Divisão do Ensino Secundário, 
  • Divisão de Educação Artística, 
  • Divisão de Material Didáctico, Documentação e Edições, 
  • Divisão de Desporto Escolar, 
  • Divisão de Gestão Orçamental e Patrimonial, 
  • Divisão de Recursos Humanos e 
  • Divisão de Sistemas de Informação e Infraestruturas Tecnológicas.
Aprenderam? Para reduzir várias direcções-gerais, juntam-se as divisões delas todas numa só direcção-geral e “refundem-se” os directores-gerais sobrantes em “especialistas” de gabinetes ministeriais. Isso mesmo. 
O segundo exemplo radica nos especialistas e especialistas de especialistas que recheiam os gabinetes do ministro Crato e seus quatro secretários de Estado, que, em boa lógica burocrática, serão, julgo, os especialistas dos especialistas dos especialistas. Quantifiquemos, como eles gostam, e expressemos a “accountability”, como eles dizem, respectiva: 
  • cinco chefes de gabinete,
  • mais 14 adjuntos,
  • mais 12 especialistas,
  • mais nove secretárias pessoais (só o ministro tem três!!!),
  • mais 26 “administrativos”,
  • mais 12 “auxiliares” 
  • e mais 13 motoristas (só o ministro tem quatro!!!!). 
Tudo somado, estamos a falar de 218 mil, 446 euros e 51 cêntimos por mês ou, se preferirem, dois milhões, 621 mil, 358 euros e 12 cêntimos por ano.
E, cereja em cima do bolo, os especialistas e os especialistas dos especialistas não chegam. Para superespecialistas, isto é, para pagar estudos e pareceres encomendados fora do ministério, a privados amigos, Nuno Crato teve, em 2012, 16 milhões, 277 mil, 778 euros. Sim: um milhão, 356 mil, 481 euros e 50 cêntimos por mês. 
E vai ter, em 2013, 12 milhões, 863 mil, 945 euros, isto é, um milhão, 71 mil, 995 euros e 42 cêntimos por mês. Para estudos e pareceres que os especialistas e os especialistas dos especialistas, mais a parafernália administrativa do mais mastodôntico ministério da República apenas teriam que ir buscar à gaveta. Porque está tudo estudado e “parecido”.  

Cruze-se isto com a razia dos despedimentos, a proletarização da classe docente e o retrocesso dos conceitos educativos e, generosamente, há uma palavra que serve: obsceno!


* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

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comentários daqui:

Manuel Santos Obsceno, realmente. Causa nojo, Sua Crateza e quejandos.
 
Luís Sérgio Rolão Mendes Obsceno, pornografia da pior, o país está a desaparecer, a gangrena corrói as escolas e a sociedade portuguesa, temos de correr com estes impostores quanto antes.
 
Luís Salvado Se já existia/existe uma Troika, passámos a contar, também, com uma Troikazinha: Passos Coelho (de cola cartazes a político/parasita profissional), Gaspar (o tecnocrata neoliberal) e Ulrich (personificação do capitalismo, na sua pior vertente). Entretanto, o povo vai sendo explorado até ao tutano e permitindo que as conquistas de Abril e o estado social sejam desmantelados (escola pública como alvo principal) e, complacentemente, aceitando o status quo que nos vão impondo. Desejo, espero e anseio que um novo "25 de Abril" possa restituir a dignidade deste já tão sofrido povo...