24/04/2013

É mentiroso ou ignorante. Refiro-me a Nuno Crato!

retirado do facebook
publicado (aqui) por Santana Castilho, ontem à noite:
 

Reajo, a quente e indignado, a uma entrevista que acabo de ver em directo, na RTP1, no Telejornal das 20.00. Nuno Crato pode revogar autocraticamente o programa de Matemática para o ensino básico. Porque a Lei não tipifica o crime pedagógico. Pode asnear em público, porque a asneira é livre. Pode escravizar os professores, até que eles consintam. Pode ir mais ao bolso dos pais, se eles não reagirem. Mas não mente sem pudor, nem manipula a opinião pública com descaro, porque eu não deixo. Por dever cívico.

Crato disse que o programa que anulou estava datado e era antigo. Crato mentiu. Pode não gostar dele, mas não pode apagar a actualidade científica e pedagógica que o informa. Datadas e ridículas são as metas que tem parido. As de Matemática, as de Português, as de História, todas. Bafientas. Exalando naftalina. Inaplicáveis. Inúteis, como ele. 

Questionado pelo jornalista quanto ao êxito, internacionalmente reconhecido, dos nossos resultados em Matemática, Crato disse que estávamos a ser comparados com os medíocres e continuávamos abaixo da média. Crato mentiu. Fomos 15º em 50 países. Ficámos muito acima da média. Fomos o país do mundo que mais progrediu nos resultados em Matemática. Ultrapassámos a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. É intelectualmente desonesto dizer o que Crato disse. 

Falando da palhaçada do concurso que tem em mãos, Crato recordou que em 2009 abriram 30.000 vagas, para entrarem poucos mais que 300 professores. Crato mentiu. Foram cerca de 20.000 as vagas de 2009. Quanto aos que vão entrar agora … veremos, adiante, o logro que está a congeminar. 

Interrogado sobre os manuais que irão para o lixo e sobre as actividades de enriquecimento curricular que os pais passarão a pagar, Crato foi artista e saiu de fininho, como um vulgar cínico. 

Parafraseando Almada-Negreiros, o Crato é um soneto dele próprio! Deplorável!

alguns dos comentários:


Evaristo Frois Parabéns pela frontalidade Professor Santana Castilho, assim existissem mais como o senhor, um abraço e continue.

Cristina Araújo Frontalidade acima de tudo! Parabéns Professor Santana Castilho, pela sua incisiva análise!

Luís Salvado Parabéns! Uma vez mais disse tudo o que se impunha. Como sempre, aliás. Uma análise correcta, assertiva e carregada de grandes verdades.
 
P.S: Nuno Crato é naturalmente ignorante e perigosamente mentiroso. Para a história ficará como o ME que se andou a promover na TV, chegou onde ambicionava e destruirá, de forma criminosa, a escola pública.


Cristina Martins Proença Partilha "obrigatória"!!! Reaja Professor... Houvesse mais... E reagíssemos todos juntos!!!

Ana Cristina Tudella Concordo a 100% consigo. Também eu estou indignadissima com as declarações deste ministro e com a quantidade de mentiras ditas. (Ou ignorância demonstrada). Não nos podemos calar...

Ernesto Costa Crato pode ser um bom matemático, mas é um péssimo ministro!...Como pode sujeitar-se a um tão triste papel, a uma tão melancólica e triste Sinecura?!...Obrigado, professor, pela sua coragem!

Sofia Fernandes Bem se vê que está revoltado. Nota-se pela sua escrita!! É bom ler alguém revoltado e indignado com este (des)governo! Nao um alguém qualquer - um ilustre Santana Castilho! Obrigada por o desmentir, ou por lhe insultar a inteligência - é o que ele merece. Que a sua voz não se cale, mas principalmente que a ouçam! 

António Inácio excelente, que não lhe doa a voz nem lhe trema a caneta ou o teclado, alguém tem que dizer "o rei vai nu", bravo, professor
Margarida Borges Obrigada Senhor Professor. É um privilégio poder ler as suas verdades.

Maria Antónia Pinto Também reparei na falta de rigor nos números citados pelo ministro e na linguagem. Gosto das suas cronicas pela acutilância e frontalidade. Obrigada

De regresso ao passado


In "Público" de 24.4.13
por Santana Castilho


1. Nuno Crato, antes de ser ministro, tinha um farol para a Matemática: o TIMMS (Trends in International Mathemathics and Science Study), programa prestigiado internacionalmente, que, de quatro em quatro anos, mede os resultados do ensino da Matemática, num conjunto extenso de países. Clamava pela necessidade de entrarmos nessa roda, onde, em 1995, ocupámos um dos últimos lugares. Talvez por isso, ficámos de fora em 1999, 2003 e 2007. Voltámos em 2011, ano da Graça em que Crato passou a ministro e emudeceu em relação ao TIMMS. Porquê? Porque as pessoas que ele denegriu e os métodos que ele combateu fizeram história no seio do TIMMS. Portugal, em 2011, foi 15º em 50 países. Portugal foi o primeiro na escala que mediu o progresso: foi o país que mais progrediu no universo dos 50 classificados. Portugal foi melhor que a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. E que fez Nuno Crato? Acabou com o programa de Matemática do ensino básico, que contribuiu para um sucesso a que não estávamos habituados. Substituindo qualquer avaliação fundamentada por juízos de valor, alicerçados no “achismo” que o caracteriza. Surdo à indignação dos docentes. Contra as associações de professores da disciplina. Com um comportamento autocrático, guiado pela sua nova luz: a do regresso às décadas do Estado Novo. 

Em linguagem imprecisa e discurso sem rigor, o ministro justifica que o novo programa, que não é ainda conhecido, virá “complementar as metas curriculares”, cujo uso tem tido “resultados muito positivos nas escolas”. Um programa “complementa” metas? As metas a que se refere, ou não estão a ser aplicadas ou suscitam a perplexidade dos professores, que vêem nelas um retrocesso metodológico. Por onde anda o ministro? De que fala? Quem o informa? 

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática admitiu que o novo programa irá originar uma confusão desnecessária. A Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, em sede de discussão pública das metas, em Julho passado, denunciou a incoerência que representavam, face ao programa vigente. João Pedro da Ponte, um dos autores do programa, considera que as metas estabelecidas para a disciplina configuram um recuo de décadas. No juízo que formulou é acompanhado pela presidente da Associação dos Professores de Matemática, organização que, em Março, ameaçou interpor nos tribunais uma acção para impedir a aplicação das metas, por conflituarem com o programa. O ministro parece ter actuado com impulso vingativo. Invocam conflito entre metas e programa? Corrigem-se as metas? Não! Muda-se o programa! 

Borda fora, irresponsavelmente, vão milhares de horas de formação de professores e o envolvimento de anos de um enorme conjunto de instituições. Borda fora, levianamente, vai o financiamento de uma acção que deu resultados, internacionalmente reconhecidos. Borda fora irão os manuais escolares, há pouco aprovados. E alunos e professores aguentarão mais um experimentalismo, pedagogicamente criminoso, decidido por um rematado incompetente. 

2. Correm rios de tinta sobre o concurso de professores. Não repetirei o que é público, o que os directores mais corajosos já denunciaram e o que os mais informados já escreveram. Não há concurso nacional de professores. Há uma coreografia sinistra, uma espécie de dança macabra de lugares, para preparar um despedimento de mais 12.000 docentes. É isso que está em causa. Não as reais necessidades das escolas, muito menos as do país vindouro. As estatísticas disponíveis (DGEEC/MEC, PORDATA), permitem concluir que tínhamos no sistema público de ensino não superior, em 2000, 1.588.177 alunos para 146.040 professores. Em 2011 (últimos dados disponíveis), passámos a ter 1.528.197 alunos para 140.684 professores. Ou seja, o sistema perdeu 59.980 alunos e 5.356 professores, mantendo-se a relação professor/alunos. Não há dados publicados referidos ao momento presente. Mas sabemos que a alteração da escolaridade obrigatória terá considerável impacto na necessidade de professores, sendo certo que a invocada diminuição da natalidade não é expressiva entre 2011 e 2013. E o que aconteceu ao número de professores? Considerando os contratados e os que saíram do sistema, teremos, hoje, cerca de 111.600. Em dois anos, perdemos 29.084 professores. Diminuição da natalidade? Sejam honestos: exclusiva preocupação com a redução de custos, sem nenhuma sensibilidade para o futuro. Porque temos 3.500.000 portugueses com mais de 15 anos, que não têm qualquer diploma ou apenas concluíram o ensino básico. Porque temos 1.500.000 portugueses, entre os 25 e os 44 anos, que não concluíram o ensino secundário. Porque, apesar dos progressos, persiste uma Taxa de Abandono Precoce de 27,1%, a maior da Europa. Porque estamos de regresso ao passado.

comentários (retirados daqui)
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Celeste Matoso Albardeiro Obrigada, mais uma vez. O professor Santana Castilho é uma das poucas pessoas que sabe efetivamente do que fala. Apresenta as suas razões de forma clara, mostra dados, contraria com elementos concretos, desmonta o falacioso e o falso, não embarca em generalidades, etc, etc. E são tão poucos os intelectuais deste país com este calibre mental e simultaneamente corajosos!

Ana Cristina Tudella Muito obrigada professor, pela clareza da sua escrita e pela coragem em criticar a hedionda e irresponsável atitude, deste ministro da educação. Sou uma professora de Matemática, mãe e cidadã preocupada e completamente chocada com a incompetência e desonestidade intlectual deste ME.
Angelina Fernandes Parabéns Professor. Sempre oportunas as suas crónicas...
Mário Jorge Contra factos não há argumentos; os números apresentados por quem os estuda são bem claros-não é pedagógico mudar os programas de cinco em cinco anos. Obrigado Professor Santana Castilho.
Joao Patricio Excelente reflexão. Quem me dera tê-lo na minha escola! Tudo o que diz sobre a matemática é totalmente verdade!! O atual programa é inovador, desenvolve o raciocínio, a comunicação matemática, o cálculo mental, ... E os resultados parece que já começam a ser visíveis.

10/04/2013

A demissão de Relvas e o discurso de Passos: as desventuras dos siameses

Público,
10 de Abril de 3013
a crónica de Santana Castilho *

 A demissão de Relvas e o discurso de Passos: 

as desventuras dos siameses

1. Na demissão de Relvas, o evidente disfarça o importante. É evidente que a degradação de algumas instituições de ensino superior, permitida por uma supervisão que funcionou para elas como o Banco de Portugal para o BPN, foi aproveitada por gente sem escrúpulos. Mas o importante, politicamente falando, era saber por que foi agora, e só agora, imolado Relvas. Por que razão, durante dois meses, as conclusões ficaram congeladas na gaveta de Crato. Por que razão Crato apunhalou Relvas, permitindo-se emitir opinião sobre a validade da licenciatura do, ainda, seu par de Governo, quando o juízo foi por ele próprio requerido ao tribunal. Mereça-nos Relvas a crítica que nos merecer, há normas mínimas de conduta, de que nenhum ministro está dispensado. Não só vi Crato cilindrá-las, como o vejo incensado por fazer o que era sua estrita obrigação e não podia deixar de fazer, dada a mediatização do escândalo. 

Poucos se lembrarão do que disse Mariano Gago, aquando da eclosão da trapalhada com a licenciatura de Sócrates. Mas eu recordo: que a Universidade Independente havia sido auditada todos os anos, excepção feita ao ano-lectivo de 1999/2000, e que só em 2006 se tinha detectado um problema sério (referia-se à falta de pagamento de salários); que, à data dos factos (mais que anómalos), a inspecção tinha concluído, note-se bem, que era boa a qualidade pedagógica e científica da universidade e que era bom o seu funcionamento administrativo. 

Desde Junho de 1999 que o processo de Bolonha constitui a base da reestruturação do ensino superior. Qualidade e harmonização eram as palavras-chave. Mas o binómio quedou-se pelo segundo monómio. Tudo se foi “harmonizando” a favor do negócio e do descomprometimento do Estado na formação superior dos cidadãos. A “eficiência económica”, seja lá o que isso for, tornou-se a estrela que nos conduziria ao “presépio”. Fixados nela, Sócrates e Gago deram ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) 65 milhões de euros, no mesmo ano em que aplicaram o primeiro corte ao financiamento do ensino superior (16%). Seguindo-a, Relvas viu-se “equivalido”. É Bolonha, estúpidos! Esqueçam a prova escrita do regulamento da Lusófona. E a “inspecção” é tão-só o bibelot no púlpito da partitura. 


2. Dizer que a Europa e o euro morreram em Chipre é especular. Mas afirmar que os cipriotas, comparados connosco, conseguiram o dobro do tempo para pagar o seu empréstimo e um juro bem mais favorável, é um facto. Vejamos os números. Chipre: 10.000 milhões a 22 anos e a 2,5%. Portugal: 78.000 milhões a 11 anos de maturidade média e 3,6% de taxa média. Imaginar o Governo português a lutar por condições idênticas é especular. Afirmar que o Governo português não percepciona a diferença entre a realidade e a ficção é um facto, que se retira do pouco que sobrou de Passos, no último domingo: pose e voz. 
Podia ter reconhecido que, ao decidir medidas de austeridade bem mais penalizadoras que aquelas que foram acordadas com a troika, em Maio de 2011, precipitou a queda da economia, a subida brutal do desemprego e a chegada da recessão? Podia. Mas preferiu anunciar mais austeridade. 
Podia ter reconhecido que foi um erro dividir os portugueses entre privados e públicos, velhos e novos, empreendedores e piegas? Podia. Mas preferiu anunciar vingança, a novas catanadas de despedimentos e cortes, precipitando o sucesso da desgraça final. 
Podia ter reconhecido que, em vez de carregar de impostos e confiscos os que alimentam o Estado, deveria ter reduzido as rendas dos que se alimentam do Estado, aliás, como acordado com os credores? Podia. Mas preferiu continuar a desconhecer a raiz do problema. 
Podia ter reconhecido que foi um erro hostilizar a oposição e os parceiros sociais, destruindo o consenso político e social de 2011? Podia. Mas, inspirado em Salazar, preferiu ficar orgulhosamente só. 
Podia ter reconhecido que a sua política europeia, de colagem acrítica aos interesses do Norte e da Alemanha, em detrimento de Portugal, do Sul e da periferia, foi deplorável? Podia. Mas preferiu ir a Dublin, de dedo apontado ao Tribunal Constitucional, como sacristão de Schauble, assistir à suprema missa dos interesses dos mercados financeiros, à espera das migalhas que tombem do festim dos juros das dívidas soberanas. 
Podia ter reconhecido o rotundo falhanço da sua estratégia económica e financeira e aproveitado o momento para remodelar ministros e políticas? Podia. Mas preferiu contratar um grotesco vendedor de pipocas (iniciativa do defunto Relvas, via “youtube”) e dois duros “técnicos especialistas” (golpe d’asa do seu pequeno Moedas) para acompanharem a execução do memorando, um de 21, outro de 22 anos, ambos com a relevante experiência de um estágio de três meses, não remunerado.

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

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comentários retirados daqui:

  • Amélia Santos Rosa Como sempre quero felicitar-te por esta brilhante observação!

  • Mário Jorge Obrigado por nos (e lhes) oferecer mais uma lição ....

  • Patrícia Santos Parabéns!
  • Celeste Matoso Albardeiro Como sempre, as suas palavras nunca são mera retórica erudita. É um homem que sabe pensar e dizer. O seu espírito crítico e inteligência são para nós uma verdadeira prenda. Obrigada.

  • Joaquim Conde Como sempre!