23/06/2013

da greve ao exame de português

Política Mesmo, TVI24,
debate  com Santana Castilho, Gabriela Canavilhas, Pedro Lince e Isabel Santos (CONFAP)
18 de Junho de 2013
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19/06/2013

Crato cumpriu. Crato implodiu

in Público, 

19 de Junho de 2013

Santana Castilho*

Em 17 anos de exames nacionais, dos 39 que já leva a democracia, o país nunca tinha assistido a tamanho desastre. A segunda-feira passada marca o dia em que um ministro teimoso, incompetente e irresponsável, implodiu a cave infecta em que transformou o ministério da Educação. A credibilidade foi pulverizada. O rigor substituído pela batota. A seriedade submersa por sujidade humana. Viu-se de tudo. Efectivação de provas na ausência de professores do secretariado de exames, com o correlato incumprimento dos procedimentos obrigatórios, que lhes competiriam. Vigilantes desconhecedores dos normativos processuais para exercerem a função. Vigilantes do 1º ciclo do ensino básico atarantados, sem saber que fazer. Examinandos que indicaram a professores, calcule-se, que nunca tinham vigiado exames, procedimentos de rotina. Exames realizados sem professores suplentes e sem professores coadjuvantes. Exames vigiados por professores que leccionaram a disciplina em exame. Ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre examinandos e vigilantes. Critérios díspares e arbitrários para escolher os que entraram e os que ficaram de fora. Salas invadidas pelos “excluídos” e interrupção das provas que os “admitidos” prestavam. Tumultos que obrigaram à intervenção da polícia. Desacatos ruidosos em lugar do silêncio prescrito. Sigilo grosseiramente quebrado, com o uso descontrolado de telefones e outros meios de comunicação eletrónica. Alunos aglomerados em refeitórios. Provas iniciadas depois do tempo regulamentar. 

O que acabo de sumariar não é exaustivo. Aconteceu em escolas com nome e foi-me testemunhado por professores devidamente identificados. Para além da gravidade dos acontecimentos na Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga, Alves Martins, em Viseu, e Mário Sacramento, em Aveiro, referidos na imprensa, muitos outros poderiam ser nomeados. No agrupamento Tomás Ribeiro, de Tondela, onde estava previsto funcionarem 10 salas, os exames foram iniciados, a horas, em 4. Mas, 20 minutos depois, por sortilégio directivo, acrescentaram-se mais duas salas. Na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, em Abrantes, houve reuniões de avaliação coincidentes com a realização do exame. Os professores presentes em reuniões, que acabaram por não se realizar, foram mobilizados, no momento, para o serviço dos exames. Quem acedeu ficou ubíquo: assinou a presença na reunião e no serviço de exames. 

Ou Crato tem uma réstia de juízo e anula o exame, com o fundamento evidente da violação das normas mínimas que garantem a seriedade e a equidade exigíveis, ou isto termina nos tribunais administrativos. A coisa é um acto académico. Mas o abastardamento da coisa transforma-a num caso de tribunais. Não faltará quem a eles recorra. Porque décimas da coisa determinam o sentido de vidas. 

O Júri Nacional de Exames, que se prestou a cobrir a cobardia política de Crato, não se pode esconder, agora, atrás do mandante. Não há cobardia técnica. Mas há responsabilidade técnica. O Júri Nacional de Exames tem que falar. Já devia ter falado. O País está à espera. 

A Inspecção-Geral da Educação e Ciência tem que falar. Há responsabilidades, muitas, a apurar. O País está a ficar impaciente. 

Crato errou em cascata. Deu como adquirida a definição de serviços mínimos, mas o colégio arbitral não viu jurisprudência onde ele, imprudente, a decretou. Arrogante, fechou a porta que o colégio abriu, sugerindo a mudança do exame para 20. Forçou a realização de um exame sem ter garantidas as condições mínimas exigíveis. Criou um problema duplamente iníquo: de um lado ficou com 55.000 alunos, potenciais reclamantes ganhadores, porque foram submetidos a um exame onde todas as regras foram desrespeitadas; do outro tem 22.000 alunos discriminados, porque não puderam realizar um exame a que tinham direito. Com as normas que pariu, ridicularizou o que sempre sacralizou: uma reunião de avaliação é inviabilizada pela falta de um professor; mas um exame nacional pode realizar-se na ausência de 100.000. Aventureiro, quis esmagar os sindicatos, mas terminou desazado. Se não violou formalmente a lei da greve, o que é discutível, esclareceu-nos a todos, o que é relevante, sobre o conceito em que a tem. Cego, não percebeu que, de cada vez que falava, mais professores aderiam à greve. Incauto, não se deu conta de que as coisas mudaram para os lados da UGT. Demagogo, convidou portugueses mal-amados no seu país, quantos com recalcamentos que Freud explicaria, a derramaram veneno sobre uma classe profissional que deviam estimar. Irresponsável, declarou guerra, e foi abatido. Crato substituiu Relvas. É agora o fardo que o Governo, nas vascas da morte, vai carregar até que Portas marque o velório. Ter ontem Crato nas televisões, de lucidez colapsada, ladeado por dois ajudantes constrangidos em fácies de cangalheiros, não pode ser o fim burlesco da palhaçada. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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comentários daqui:

Vitor Fonseca Meu caro, o ensino implodiu. O Nuno Crato ajudou. O País vai a caminho

Isabel Cluny Um texto perfeito ,duro e que aponta o dedo "ao faz de conta" em que transformaram o ensino .Um ministro nas mãos de estruturas do min.fora da realidade , nunca a 5de outubro teve tanto poder ,é triste ..o fim de quem dizia que esta devia ser implodida!

Manuel Santos Não é só a cratesca personagem que está em causa: o que ele fez, fê-lo enquanto intérprete do projecto totalitário do Governo. É todo o Governo que deve ser derrubado, e já!

Fernando Machado A cereja em cima do bolo vai ser quando sair os resultados do não concurso! Gastou-se tempo e dinheiro, para um concurso só com vagas negativas. Aceito que para a maioria dos colegas contratados não haja vaga no quadro, mas os profs QZP e os que estão longe de casa ( profs. desterrados) haja lugar num agrupamento. Mas preferem ter as pessoas longe de casa e na incerteza de um lugar! Há escolas onde existe uma enorme dificuldade em assegurar os lugares de Direção, Conselho geral, Conselho Pedagógico e outros cargos, pois os professores disponíveis não chegam. Muitos reformaram-se e os outros não podem concorrer (contratados, QZP e os que foram a concurso para se aproximarem de casa) !
Rosa Antónia Tomás Ferreira Obrigada pela lucidez e pela clareza. Só assim se conseguirá ir informando as pessoas porque a desinformação e a desvirtuação da verdade pululam pelos bancos do MEC e não só, transbordando pelos media, colocando em causa a democracia que ainda acredito estar viva em Portugal.
Manuel Rocha Caro amigo professor, disse tudo. Independentemente de estar-se a favor ou contra a greve, estes foram os factos. E, de acordo com os factos, o JNE só tem a reconhecer a ilegalidade e a vergonha do que aconteceu. Se não tomar posição, não restam dúvidas de que abandonámos o estado de direito e caminhámos para algo muito perigoso...
António Almeida O que faz alguém querer ser ministro num governo que pratica terrorismo social? Vaidade pessoal? Pretender ficar na História? Ter mais um dado curricular? Sempre houve gente que se prestou a tudo pelos motivos referidos. Só que o vaidoso anda iludido. Daqui a décadas ninguém se lembrará destes incompetentes, só ser for pelos piores motivos.
Ricardo Gomes da Silva Grande análise! ...a atitude do ministro apenas prova que para ele não é a excelência da educação ou a eficiência das escolas que está em jogo, tudo não passa de gestão pessoal de carreira política onde vale tudo desde que fique bem nos tablóides do dia seguinte, o ministro corrompeu as regras do jogo e se tivesse carácter reconhecia e tirava dai as devidas consequências...mas como nada disso ele é, torna-se assim mais um cancro que vai corroendo a Democracia e penhorando o futuro que todos desejamos aos nossos filhos
Ana Cristina Tudella Mais uma vez...muito bem! Obrigada!
Joao Daniel Gomes Luis Excelente. Vamos aguardar pelas consequências.  
 Isabel Pires Muito obrigada por dar voz ao que nós professores sentimos e que ninguém ouve. vamos ver qual vai ser a saída do ministro para a greve de dia 27!!!!
Maria Manuel Cruz Obrigada PROFESSOR por dar voz a uma classe que devia ser respeitada por toda a sociedade .
Lurdes Simões Obrigada Professor, foi tudo o que descreveu e muito mais, em Oliveira do Hospital, uma formadora do CEF de ajudantes de cozinha, vulgo cozinheira. ( que muito respeito), foi vigiar Português, oh se foi!!
Cristina Raposo Capelo Que artigo fabuloso, PARABÉNS!!! O país precisava de alguém como o senhor doutor à frente dos nossos destinos.
Carmo Pinheiro Excelente! Adorei a análise que fez...
Ernesto Costa A vontade de (C)RATO querer ser ministro de um governo desprezível, manifesta o estilo de um homem carreirista e a negação de inteligência crítica. Do seu passado de extrema esquerda(ex-comunista-maoísta da UDP), perjurou e obnubilou os seus ideais da sua juventude e revela uma falta de carácter congénita. Em relação ao seu «achismo» sobre o "Eduquês" é contra as teorias de Jean Piaget, ignorando os seus grandes contributos , como o das neuro-ciências de António Damásio e, tantos outros (de Paulo Freire a Amartya Sen), para a Educação. O ensino tem a disciplina de Matemática, tem outras disciplinas, como Filosofia, Psicologia e História, que é algo que o governo não tem!...O seu "Eduquês", é negar ou deixar-se capturar por preconceitos ideológicos, a evolução científica na Educação e os resultados de estudos científicos nacionais e internacionais credíveis!...Parabéns, Professor!
Maria Silva Obrigada, Professor! Pelo apoio, pela visão clara e objectiva, por tudo...
José Manuel Pereira Uma descrição perfeita de quem conhece o sistema e sabe do que fala. Tudo isto poderia ter sido evitado!
Ana Cristina Freire Professor, onde estavam os inspetores no dia do exame nacional de Português???
Eduardo Coelho Crato é um erro crasso.
Rute Almeida Obrigado Professor por mais uma vez ser a nossa VOZ!Também gostaria de saber onde se meteram os senhores inspetores, que num dia como este, deveriam sem duvida estar nas escolas?????
 Mário Jorge Mais um grande artigo, apontando factos indesmentíveis. Oxalá que muitos portugueses o leiam e, sobretudo, os professores. Muito obrigado. Exige-se que a comunicação social, nomeadamente, a Televisão lhe dê espaço de antena para poder esclarecer os portugueses sobre a politica da educação ou a falta dela.
Li de Queiroz Mais um GRANDE texto, com a qualidade a que o Prof. Santana Castilho já nos habituou. PARABÉNS!
Filipe Neves Muito bem! É isto que se consegue quando se pretende governar pela prepotência. Em qualquer outra altura, ou num país civilizado, seria inadmissível uma única ocorrência destas, pondo imediatamente em causa a viabilidade do exame. Aqui e agora, esta gente e o próprio Ministro da Educação acha aceitável 1/3 dos alunos inscritos não poder fazer exame, e o mesmo ter decorrido sob infrações gravíssimas na generalidade das escolas! E se dúvidas há, basta olhar para a legislação que rege os exames nacionais e compará-la com o que se passou. Qualquer semelhança foi pura coincidência!
Filipe Neves Pergunta simples: como é que se pode sequer admitir tal distorção da Lei para se adaptar às circunstâncias? Bom, da mesma forma que se têm admitido todas as distorções à Lei e à Constituição que este governo é prodigo em perpetuar. Até quando? Até sermos um Estado fora-da-lei? Pelos vistos, ontem, dia 17, demos mais um passo largo nesse sentido, assim como batermos no fundo do 3º mundo, que é o que realmente estamos a demonstrar objetivamente ser!!!
Migú Garcia Gambôa Obrigada Professor! Uma análise muito bem feita e mais uma vez com enorme dignidade.     

Maria Amado Agradeço ter aceite o meu convite. O senhor é a voz de todos nós, professores oprimidos. Muito poucas pessoas têm a coragem de dizer com todas as letras o que sentimos, Essa é uma das razões porque, desde há muito, não perco as suas publicações. Bem haja e que continue sempre com essa lucidez de espírito e fidelidade à verdade que tanto o caracterizam.