30/12/2015

Tempos novos, conluios de sempre

no Público
30 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

Quando, depois de tantos impostos que pagamos, se morre por falta de assistência médica num hospital central de Lisboa, quando milhares de filhos de emigrantes são expulsos de aulas de língua pátria por falta de pagamento de uma propina inconstitucional, quando se calca a dignidade dos pobres dando-lhes 80 cêntimos mensais de aumento de pensão social, não é o simples anúncio de que os tempos são novos que os mudam. É preciso mais, fazer diferente, selar conúbios. 

1. Tivessem Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís uma réstia de dignidade política e já teriam vindo a público responder às gravíssimas acusações que lhes foram feitas por António Costa e Mário Centeno, a propósito do Banif. Com esta entrada, não se conclua que aprovo a solução encontrada. Com efeito, nenhum português esclarecido aceita a passividade do Banco de Portugal perante o arrastar da solução do Banif, que outra explicação não tem que não a servidão política à saída limpa e aos interesses eleitorais da coligação PSD/CDS. Como nenhum português esclarecido aceita uma solução que deixa sem resposta tantas perguntas, que abalroam as consciências dos que acreditaram que os tempos seriam novos. Quem já ganhou e vai ganhar com o que os contribuintes já perderam e vão perder? Quem concedeu créditos e quem os não pagou? Quem promoveu a fuga de informação que originou a corrida aos depósitos? Que interesses resultaram protegidos quando Costa e Centeno impediram que a resolução do Banif ocorresse em 2016, rejeitando, assim, a solidariedade europeia e impedindo que o BCE liderasse o processo no âmbito da união bancária e apurasse, em auditoria externa, as responsabilidades do bloco central da teia financeira? Como entender que o mesmo Governo que se escandalizou com a venda da falida TAP por 10 milhões de euros, venha agora obrigar-nos a pagar quase três mil milhões para que um banco estrangeiro fique com o Banif, limpinho de todos os prejuízos, numa solução que Passos Coelho achou inteligente e só o PSD viabilizou no parlamento? 

2. A gestão da Educação continua entregue ao acaso, desconcertada, cabendo a iniciativa à AR e tornando claro que o PS não tem problemas identificados e prioridades estabelecidas. Primeiro foram abolidos os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo, cujo programa não continha tal medida. E, surpreendentemente, os deputados do PS votaram à revelia do seu próprio programa de Governo. Seguiu-se a extinção da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), com a aprovação dos projectos de lei do BE e do PCP. Os deputados do PS voltaram a votar contra o programa de Governo, que apenas postulava a suspensão da prova, “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Apenas um deputado, Paulo Trigo Pereira, se absteve, depois de ter defendido publicamente a PACC (Público de 7.12.15) com uma imprecisão de monta. Com efeito, depois de invocar a alta qualidade do respectivo sistema de ensino, afirmou que a Finlândia tem uma prova semelhante. Mas a verdade é que não tem. E basta ler o texto que o próprio citou para verificar que confundiu um exame rigoroso de fim de secundário e entrada na universidade com um exame aplicado a quem detém um grau académico de mestre, pelo menos, e um título profissional de professor.

No primeiro debate em que António Costa participou como primeiro-ministro, Paulo Portas perguntou-lhe se acabariam os exames dos 6º e 9º anos. Costa mandou-o ler o programa de Governo, afirmando que o mesmo era “muito claro quanto às provas que serão mantidas”. Costa errou. Costa mostrou desconhecer o programa do seu próprio Governo, que nada diz sobre as provas que serão mantidas ou eliminadas, apenas referindo a intenção de reavaliar a sua realização. E, cereja no topo do desconcerto, na manhã desse mesmo dia, o ministro da Educação havia garantido que não seriam tomadas decisões sobre os exames sem ser ouvida a comunidade educativa.

Perante o apagamento do Ministério da Educação, com a AR a substituir o Governo, seguem-se mais duas iniciativas da Oposição, sobre as metas e o financiamento do ensino privado.

Enquanto isto, na Universidade de Coimbra contratam-se bolseiros como cobradores de propinas, há unidades de investigação sem dinheiro para funcionarem, a incompetente direcção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, responsável pelo vergonhoso processo de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento continua em funções (como, aliás, substancial parte das chefias apostadas em se oporem a uma efectiva mudança política) e a primeira iniciativa do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi pedir à OCDE que, daqui a 18 meses, faça o favor de nos comunicar o que decidiu sobre o nosso futuro! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/12/2015

Alô ministro, está cá?

no Público
16 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho *

Quem me tem lido sabe bem como considerava grave que a coligação PSD/CDS pudesse ter consolidado, em novo Governo, o desastre educacional que construiu no anterior. O caminho estava delineado a partir do famigerado “Guião para a Reforma do Estado”: criação de “escolas independentes”, instituição do cheque-ensino e reforço dos contratos de associação. A generalização do ensino vocacional para os marginalizados da vida, a aprovação (à revelia da Constituição) de um novo ordenamento jurídico para o ensino privado, a municipalização da educação (consagrando a predominância da gestão administrativa sobre a pedagógica) e a criação de cursos “inferiores” (sem atribuição de grau académico) no ensino superior politécnico, foram alguns dos instrumentos iniciais, que culminariam com a revisão (então em preparação) da Lei de Bases do Sistema Educativo. A reviravolta política que António Costa protagonizou barrou este caminho, que estava a construir uma escola pública pobre, mínima, para a maioria, e uma escola rica, privada (mas financiada pelos impostos de todos), para alguns. Mas dizer que a legislatura desfavorável a uma escola pública sólida ficou para trás e que se está a iniciar um novo tempo político não chega. Era preciso ter soluções e um plano de acção objectivo, corolário óbvio de problemas identificados e prioridades estabelecidas. E isso não existe. Basta ler o programa de Governo do PS para a Educação, um repositório de meras intenções e de banalidades que, entre outros tópicos vitais ausentes, nada diz sobre a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo, indicia que a municipalização é para continuar, deixa sem referências clarificadoras o financiamento, a gestão das escolas, os “curricula” escolares, os mega-agrupamentos, as metas, as condições de trabalho dos professores e o regime de concursos, designadamente a extinção das BCE. E basta interpretar os primeiros sinais que já foram dados, a saber:

1. O programa do Governo em funções refere a intenção de “reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade” e não a sua extinção imediata. Mas os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico foram abolidos no parlamento, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo. O programa do Governo em funções estabelece a suspensão da PACC (Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos), “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Mas a dita foi liminarmente extinta por via de projectos de lei do BE e do PCP.

Quem me tem lido sabe bem que aprovo uma e outra medida. Mas não deviam ter esta forma de resolução. Outrossim, deveriam ter sido determinadas pelo Governo, como matérias que são, sem qualquer dúvida, de administração educativa. As medidas vão-se sucedendo de modo avulso e com um cunho de urgência desgarrada. Com prudência mínima, exigível, poderíamos ser poupados a este espectáculo. O tempo que o Presidente da República usou em demasia para permitir a entrada em funções de António Costa, podia e devia ter sido aproveitado para preparar um programa de Governo que, no mínimo, previsse o que já havia sido acordado entre PS, Bloco, PCP e Verdes.

2. O programa de Governo anuncia o fim do ensino vocacional. Recorde-se que esta modalidade de ensino procurava, supostamente, ensinar uma profissão a alunos com um passado de insucesso escolar. Recorde-se que sempre considerei um erro forçar uma orientação de cunho profissional numa idade precoce, quando todos deveriam cumprir um programa de formação básica, preliminar à prossecução de estudos secundários, esses sim, orientados para uma via profissionalizante ou de preparação para o superior. Mas esta constatação não resolve, por si, o problema sobejamente conhecido: há uma faixa considerável de alunos que nunca cumprirá o ensino obrigatório sem respostas específicas, que removam as dificuldades que têm. Que sucederá aos alunos que cumprem a sua escolaridade obrigatória nesta via? Terminam nela o plano de estudos até aqui previsto? Ou são imediatamente integrados no designado ensino regular? Se assim for, como fazer essa transição, sendo certo que em várias disciplinas as matérias ensinadas eram reduzidas no vocacional e muitos alunos tinham, repito, perfis de reprovações repetidas e dificuldades de vária ordem assumidas? Estão preparadas respostas adequadas? Está previsto dinheiro para as financiar?

Os problemas do ensino não se resolvem com mais ou menos exames. Precisam de medidas sociais promotoras de combate à pobreza, medidas pedagógicas de fundo, condições laborais dos professores humanizadas e valorizadas e envolvimento sério e exigente das respectivas instituições de formação inicial.

Sobre tudo isto, o que pensa o novo ministro da Educação? Está cá? Pensará algo? Ou tem o Bloco e o PCP para pensarem por ele?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

07/12/2015

ESE-IPVC - 35.º aniversário

Correio do Minho
2015-11-13

Santana Castilho defende mais respostas para o ensino especial   



A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE-IPVC) celebrou esta semana o 35.º aniversário e contou com Santana Castilho, docente universitário, que defendeu na ocasião a necessidade de “reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais” e ainda “reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação no 4.º e 6.º anos de escolaridade”. 
Em dia de festa, a tuna do IPVC abriu as comemorações com uma atuação que precedeu os responsáveis da instituição. Rui Teixeira, presidente do IPVC, e César Sá, director da ESE-IPVC, dirigiram os seus discursos à academia, abrindo alas para a palavra do convidado. 
Numa lição académica, Santana Castilho dissertou sob o tema ‘O Estado da Educação no Dealbar da XIII Legislatura: Passado Recente e Futuro desejável’. 
Centrado em três grandes vertentes, o seu discurso científico abordou o impacto da globalização na educação a nível mundial, europeu e nacional, o estado da educação em Portugal até ao presente e, por último, apontou medidas fundamentais e ações estruturantes para melhorar o sistema educativo em Portugal. 
Entre as ideias defendidas pelo professor do ensino superior, o orador principal destacou ainda a importância da cultura e expressão artística como essenciais ao desenvolvimento, discursando sobre “as elevadas cargas curriculares actuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças” e a urgência de “recuperar a importância das artes, expressões e actividades físicas e desportivas”.

02/12/2015

Quando se confunde a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras

no Público
2 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

1. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, o desemprego voltou a subir, a emigração não parou, o investimento não cresceu, o débil crescimento económico estagnou e os casos TAP e Novo Banco agigantaram-se (na TAP vendem-se terrenos e prédios para pagar a factura da compra e no banco há que injectar 1400 milhões até ao fim do ano).

Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, António Costa foi dizendo, cá, que havia chegado o novo tempo: o da recuperação de salários e pensões, da descida de impostos, do investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e na Cultura, do fim da austeridade. E foi dizendo, lá, em Bruxelas, que cumpriria as regras orçamentais acordadas, baixando défice e dívida.

Subida a ladeira do poder, também aqui o tempo é novo: o de cumprir, fazendo.

2. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, vieram a público dois importantes relatórios em que se analisa a Educação nacional. Refiro-me ao Estado da Educação 2015, do Conselho Nacional de Educação, e ao Education at a Glance 2015, da OCDE. Pelo primeiro, ficámos a saber que o insucesso escolar aumentou nos últimos três anos, em todos os anos da escolaridade, enquanto diminuiu, pela primeira vez em 41 anos de democracia, a taxa de cobertura do pré-escolar. Com o segundo, verificamos que a diferença entre gerações, no que a qualificações respeita, é a maior de todos os países que integram a OCDE e que o esforço das famílias para financiar os estudos superiores é o maior da União Europeia. A um e a outro registo não é alheia a natureza da ideologia que pontificou na última legislatura, durante a qual todas as políticas públicas foram marcadas por uma “economização” bruta, que as redefiniu e geriu como se de simples mercadorias se tratasse, propalando-se mesmo a ideia segundo a qual os direitos humanos fundamentais, as dimensões básicas da vida, em que a Educação se inclui, dependem da conjuntura económica por que se passa.

3. Se relativamente ao tópico 1 aguardo para ver, relativamente ao 2 já vi, de António Costa, que chegue.

Vi disparates de quem não sabe do que fala em matéria de concursos de professores e banalidades no mais, quando apresentou 55 propostas de intervenção, a que chamou “o primeiro capítulo do programa de Governo”. Referi-o nesta coluna em 6 de Maio transacto.

Vi generalidades, recuperação de tristes conceitos de Maria de Lurdes Rodrigues, propostas ocas e ideias implícitas de pouca consideração pelos professores portugueses, em sede de programa eleitoral. Tratei-o em artigos de 12 de Agosto e de 9 de Setembro.

E vi, por fim, o epílogo de um percurso, que desvaloriza a complexidade dos problemas do sistema de ensino, quando nomeia para a pasta um jovem cientista de 38 anos, de mérito reconhecido internacionalmente na sua área, mas que saiu do país aos 23, viveu os últimos 15 no estrangeiro e de quem não se conhece uma linha escrita sobre Educação, ou um pensamento expresso sobre o tema. A naturalidade e a candura com que Tiago Brandão Rodrigues fala das coisas que viveu geram empatia imediata e genuína. Isto, que é muito para uma primeira impressão, é pouco mais que nada para fazer rápido o que é urgente, em matéria de Educação.

Que se seguirá? O Parlamento a governar e Tiago Rodrigues na lapela de Costa, a ver?

O fim dos exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, que sempre defendi, merecia um processo diferente daquele que igualmente sempre critiquei: a mesma lógica impositiva que os criou foi usada para os abolir.

Estes exames, de que sempre discordei, repito, são um epifenómeno menor de uma questão maior, qual seja a de conferir coerência à avaliação educacional, dando instrumentos e meios para tornar eficaz a sua vertente mais nobre, a formativa, a única que pode resolver o insucesso e o abandono. Gostaria de ter visto serenidade onde se pode apontar ímpeto revanchista. Gostaria de ter visto um normativo global do Governo em vez de uma intervenção casuística da Assembleia. Gostaria de ter visto preocupação democrática para obter compromissos de prazo suficiente, que parassem o faz/desfaz em que vivemos há 41 anos, perdendo recursos e tempo, sem audição dos que estudam e investigam, sem respeito pelos alunos, pelos pais e pelos professores. Gostaria de ter visto uma Esquerda superior, preocupada com o que a Direita sempre desprezou.

Oxalá me engane e a breve trecho o jovem ministro da Educação me tenha aqui a retractar-me do que hoje escrevo. Mas a convicção de momento é que perdemos um cientista de gabarito sem ganharmos um ministro capaz, porque António Costa confundiu a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

01/12/2015

apresentação: Mataram as Searas

um romance/novela de José Caldeira Duarte,
apresentado hoje pelo Professor Santana Castilho

....... clicar para ampliar: 



18/11/2015

O tempo e os ódios

no Público
18 de Novembro de 2015
por Santana Castilho*
 
Já se disse muito sobre o fanatismo religioso, que reduz a zero séculos de civilização. A barbaridade que Paris acaba de viver, mais uma, fez-nos retomar o tema, mantendo-se, na maior parte das análises, o foco apenas apontado ao fanatismo religioso: de um lado os “maus”, do outro os “bons”. Talvez devêssemos ampliar o campo das análises, para responder a perguntas que deveríamos estar a formular, com o intuito de intervirmos, de modo mais eficaz, nas nossas escolas e na nossa sociedade.

Comecemos por recordar algumas, apenas algumas, de tantas outras barbaridades recentes, cujos autores pertenciam às comunidades que atacaram:

A 20 de Abril de 1999, aconteceu no instituto Columbine o massacre que viria a dar filme. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, ambos estudantes, atacaram alunos e professores, ferindo 24 e matando 15.

A 26 de Abril de 2002, na Alemanha, Robert Steinhäuser, de 19 anos, voltou à escola donde fora expulso e matou 13 professores, dois antigos colegas e um polícia.

Em Setembro de 2004, dissidentes chechenos assaltaram uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte, onde sequestraram 1200 reféns, entre crianças e adultos. Tomada de assalto por forças russas, morreram na escola 386 pessoas e foram feridas 700.

Em 2005, Cho Seung-Hui, estudante sul-coreano de 23 anos, há 15 emigrado nos Estados Unidos, descrito como perturbado e solitário e referenciado por importunar colegas com telefonemas e mensagens, trancou com correntes as portas da universidade Virginia Tech e matou, uma a uma, 32 pessoas.

A 22 de julho de 2011, ocorreu uma violenta explosão na zona dos edifícios do governo, em Oslo, a que se seguiu o massacre na ilha de Utoya, com um balanço de 77 mortos, a maioria jovens que participavam numa espécie de universidade de verão, organizada pelo Partido Trabalhista Norueguês. Anders Behring Breivik, de 32 anos, o autor, foi descrito como nacionalista de extrema-direita, inimigo da sociedade multicultural e defensor do anti- islamismo.

Em Dezembro de 2012, Adam Lanza, jovem de 20 anos, protegido com um colete à prova de balas e vestido de negro, depois de ter assassinado a própria mãe, entrou na escola primária de Sandy Hook, em Newtown, também nos Estados Unidos da América, e matou 20 crianças e seis adultos.

Posto isto, as perguntas:

Como nasceu o ódio que levou os jovens protagonistas citados, nascidos no ocidente “civilizado” ou educados nas suas escolas, a fazerem o que fizeram?

Como se justifica que jovens europeus abandonem a cultura e os valores em que viveram para se envolverem voluntariamente, com dádiva da própria vida, em acções extremistas, de culturas fanáticas? Que atracção os motiva, que desilusões os catapultam, que ódios os animam, que desespero os alimenta? É o quê? É porquê?

Que ódios bombardeiam hospitais, assaltam escolas e assassinam em salas de concerto?

As constituições dos estados democráticos têm teoricamente acolhido a educação como componente nuclear do bem-estar social. Mas nem sempre a têm promovido, na prática, a partir do enraizamento sólido dos valores civilizacionais herdados. A substituição da visão personalista pela utilitarista tem empobrecido a nossa filosofia de ensino e aberto portas a desesperos e fanatismos. A solidão e o abandono, tantas vezes característicos desta via, podem ser compensados com o aliciamento fácil para pertencer a grupos fanáticos, dotados de cativantes espíritos de corpo, sejam eles religiosos ou políticos.

Talvez fosse tempo de roubar tempo ao tempo, ao tempo dedicado às chamadas disciplinas estruturantes, para termos algum tempo para olhar o modo como empregam o seu tempo os jovens para os quais nem a Escola, nem as famílias, nem a sociedade, têm tempo.

Talvez seja tempo de todos, particularmente os que definem as políticas de educação, relerem uma carta a um professor, transcrita no livro Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001, de João Viegas Fernandes:
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados…
… Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". 

Porque, digo eu, parece não termos aprendido com a História. Porque, insisto eu, podemos policiar ruas e caminhos, estádios e salas de concerto, mas só pais, professores, tolerância, justiça e amor moldam consciências.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/11/2015

“O Estado da Educação”: palestra em Barcelos

Palestra 
“O Estado da Educação” 
por Professor Doutor Santana Castilho 
(2015-11-19) 

O Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria tem a honra de convidar Vª Ex.ª para assistir a uma palestra subordinada ao tema “O estado da educação“. 

CONVITE -“Palestra Estado da Educação” 

ver mais: http://aeaf.edu.pt/?p=5289

Contactos
Escola Secundária Alcaides de Faria
Av. João Duarte, 405
4750-175, Barcelos, Portugal

Atendimento ao Público: Segunda-feira a Sexta-feira das 09:00h às 17:00h
Tlf: 253 801 060

04/11/2015

A esquerda e um novo encontro com a história constitucional

no Público
4 de Novembro de 2015

por Santana Castilho*

As afirmações que se seguem são correctas no essencial, ainda que uma análise mais longa pudesse melhorá-las, com detalhes:

1. Nos 41 anos da nossa democracia, o PS suportou demasiadas vezes políticas de direita, corroendo, assim, a sua matriz ideológica.

2. Porque o PS, finalmente, resolveu fazer diferente e negociar com o PCP, PEV e BE, logo soaram as trombetas do alarme social e financeiro, sopradas pelos monopolistas do “arco da governação”.

3. A tradição de desentendimento político entre a esquerda e a acusação sistemática de que PC, PEV e BE preferiam o protesto à responsabilidade de governar, agora que parecem em vias de reversão, viraram virtude para os arautos da inevitabilidade. Assumiram-nas como garantidas e aterroriza-os a hipótese de se ter fechado esse ciclo.

Não lhe conhecemos nem a forma nem a fórmula, são muitos que não o querem, mas acredito que a esquerda portuguesa se prepara para um novo encontro com a nossa história constitucional. O que daí resultará tem risco alto e as fragilidades à partida são evidentes, como é próprio das mudanças relevantes em política. Porém, se desse encontro sair um governo de legislatura, teremos, definitivamente e sem retorno, uma outra forma de fazer política em Portugal. Ao contrário, se falhar, contemos com uma longa hegemonia da direita, reforçada pela provável maioria que conquistará em eleições antecipadas, que governará com o absolutismo que lhe conhecemos e a que juntará boa dose de previsível vingança. Antecipa-o o discurso de Cavaco Silva e a linguagem dos avençados do “ajustamento” e da doutrina do “não há alternativa”, agora em perda, mas bem patente nas televisões e na imprensa.
A evolução problemática (e pouco falada) das finanças públicas de alguns países do norte da Europa, Alemanha inclusa, poderá abrir novas janelas negociais à rigidez do Tratado Orçamental, quem sabe mesmo se à desejável discussão sobre a sustentabilidade das dívidas soberanas. Com efeito, ao invés da relevância dada ao acordo transatlântico, (que sem sequer ter sido, ainda, assinado, já foi, pelo Presidente da República, surpreendentemente, incluído na lista das obrigações de Portugal) pouco ou nada se disse na comunicação social sobre a 107ª sessão plenária da ONU, que “decidiu elaborar e aprovar, mediante um processo de negociações intergovernamentais, um instrumento jurídico multilateral para os processos de reestruturação das dívidas soberanas”. Porém, enquanto essas janelas não forem abertas, é essencial cumprir o Tratado Orçamental, ainda que com políticas diferentes daquelas que, recentemente, sonegaram direitos e aumentaram as desigualdades sociais, sendo vital que PCP, PEV e BE o aceitem e aceitem que é bem melhor ser o PS a fazê-lo que qualquer direita enraivecida.
Posto isto, recordemos o óbvio e alguns factos: as eleições legislativas não nos permitem escolher o primeiro-ministro, mas, outrossim, 230 deputados, ainda que o seu resultado influencie, de acordo com a Constituição, a indigitação deste; a coligação PSD/CDS ganhou as eleições, com 38% dos votos expressos (2.079.049); o PS, PCP, PEV e BE, ainda que não tenham concorrido coligados, obtiveram, em conjunto, 51% dos votos apurados (2.736.845); se avaliarmos os resultados tomando por referência o número de eleitores potenciais, poderemos afirmar que apenas 21,9% dos portugueses manifestaram o seu apoio à coligação PSD/CDS; mais do que Cavaco Silva, é António Costa quem tem, agora, o poder de decidir sobre o futuro Governo do país; que se saiba, nenhum partido impôs ao PS, para que um Governo de esquerda seja constituído com estabilidade e apoio parlamentar, a violação de qualquer dos tratados internacionais que Portugal subscreveu, ainda que algum deles lhes não mereça concordância.
Tudo visto, o acordo que unirá a esquerda implica um equilíbrio difícil entre programas políticos diferentes e uma realidade pautada pela força dos mercados e pelo poder financeiro da ganância e da especulação. A esquerda tem que saber suportar as influências das ondas de rumores postos a circular sobre eventuais avanços e recuos. Tem que enfrentar um tempo mediático, dissonante do tempo necessário a negociações complexas e sérias. Tem que resistir a discutir na praça pública aquilo que só sob reserva negocial pode terminar em compromisso entre quatro organizações políticas que, tendo propósitos comuns, têm muitas divergências sobre a forma de os conseguir.
Termos em que só a virtude da prudência se pode opor, com sucesso, ao desassossego das falanges de direita, compreensível e irremediavelmente feridas pela síndrome de Hubris (perda de contacto com a realidade, própria de governantes excessivos, que se julgam detentores da verdade única).

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

21/10/2015

Coincidências surpreendentes

no Público,
21 de Outubro de 2015

por Santana Castilho*

Nas vascas da morte anunciada das políticas educativas que mais comprometeram o futuro de todos nós, houve coincidências que surpreenderam. Uma, coloca graves questões. As outras acabarão diluídas na espuma noticiosa dos dias, depois de contagiarem, subliminarmente, a opinião pública. Recordemo-las:  

- O fim da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) coincidiu com o fim de Nuno Crato. Mas o fim da prova, que agrediu a dignidade e o emprego de milhares, é o início de problemas sérios, que pedem soluções urgentes. É preciso apurar quem foi excluído de concursos por não ter passado na PACC, indemnizar quem foi prejudicado por isso e corrigir, quanto ao futuro, os atropelos que resultaram da ilegalidade cometida. E é, naturalmente, preciso devolver aos prejudicados as quantias pagas por uma prova ferida da inconstitucionalidade agora decretada.

É patético que, neste momento político, Nuno Crato afirme que a PACC é para continuar e é deplorável vê-lo refugiar-se no argumento segundo o qual o erro não foi cometido por ele mas por quem o antecedeu há oito anos.

Espero bem que da solução parlamentar e governativa a que se chegar resulte uma intervenção profunda no modelo de selecção e formação inicial dos professores, cuja exigência é genericamente insuficiente nos planos cultural, científico e didáctico e resulte, ainda, a utilização do período probatório para os fins para que foi criado.

- Um estudo da Universidade Nova de Lisboa, fartamente glosado na imprensa, concluiu que as escolas privadas com maus resultados nos rankings fecham e as públicas não.

Curiosamente, este estudo (e a forma como foi divulgado) deu conforto à política seguida de privilegiar o privado em detrimento do público, apesar de ser óbvio que os rankings apenas medem uma dimensão (resultados em exames) das muitas (e bem mais importantes) que dão corpo às aprendizagens, apesar de ser óbvio que os rankings mudariam se trocássemos os alunos que as escolas públicas têm que receber pelos alunos que os colégios de topo livremente seleccionam e apesar de outro estudo, o “Estado da Educação 2014”, do Conselho Nacional da Educação, dizer que, entre 2005 e 2014, fecharam 5737 estabelecimentos de ensino público, enquanto abriram 239 estabelecimentos de ensino privado.

- Outro estudo, também generosamente referido na imprensa, conduzido por uma investigadora norte-americana, convidada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, apurou que o sucesso escolar dos alunos portugueses não depende da dimensão das turmas, mas sim da qualidade dos professores, aprovou as metas e defendeu mais avaliação para todos, designadamente recomendando que os resultados obtidos pelos alunos contem para a classificação do trabalho dos professores. Sendo certo que considero erradas as conclusões da douta investigadora americana (as razões e os argumentos estão amplamente expostos nesta coluna, em artigos anteriores), é extremamente curiosa a coincidência entre a sua divulgação e o tempo político que vivemos, com Nuno Crato, surpreendentemente, a afirmar que o seu trabalho “vai manter-se”.

- Um terceiro estudo, este com chancela europeia (Eurydice), a que a imprensa deu farta atenção, disse que, tomado o PIB per capita por referência, os professores portugueses estão entre os mais bem pagos.

Ora o estudo teve por base valores brutos de diplomas legais completamente desactualizados e não valores líquidos finais. Com efeito, ignorou os cortes salariais vigentes desde 2011, as medidas fiscais extraordinárias e a circunstância de nenhum professor português poder hoje alcançar o topo da carreira. Para quem me lê, deixo um outro modo de olhar para o problema: o salário ilíquido dos professores contratados varia entre 777,60 e 1266,76 euros e o de um professor do quadro, do 1º escalão, igualmente ilíquido, é de 1385,98 euros, todos, de facto, obrigados a mais de 50 horas de trabalho por semana.

Curiosamente, esta notícia deu conforto à intenção, anunciada pelo Governo cessante, de desvalorizar a carreira dos professores, em sede da chamada Tabela Remuneratória Única.

As referências curtas que acabo de fazer a situações que interessam ao nosso sistema de ensino podem ser aprofundadas através da leitura de “A Escola e o Desempenho dos Alunos” (122 páginas editadas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos), “O Estado da Educação 2014” (385 páginas editadas pelo Conselho Nacional de Educação) e Acórdão nº 509/2015 (33 páginas produzidas por um juiz relator do Tribunal Constitucional). Para ler tudo, gastei cerca de 30 horas. Num quadro de penúria (a vários títulos) da nossa imprensa, quantos jornalistas da nossa praça, no âmbito da voracidade noticiosa em que se movem, poderão consumir esse tempo e, assim, cruzar factos e dados, cuja necessidade de conhecimento é aguçada pelas coincidências que citei?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

12/10/2015

O Futuro da Escola Pública


Ciclo de Debates e Reflexões 2015 – Portugal e o Futuro
organizado pelo Núcleo Pensamento Inusitado em parceria com a GRACI – Grémio das Artes e Ciências
O Futuro da Escola Pública 

orador: PROFESSOR SANTANA CASTILHO

21 de Outubro (quarta-feira) — 20h30
no Café Restaurante Martinho da Arcada

jantar, seguido de debate conduzido pelo jornalista Fernando Sobral do Jornal Negócios


07/10/2015

Sem memória, o povo falou

no Público,
7/10/2015

por Santana Castilho*

Temos que aceitar a democracia, particularmente quando ela nos contraria. Mas é natural que fiquemos desapontados e legítimo que, respeitando-os, analisemos os resultados. Os eleitores romperam o ciclo dos últimos quatro anos, retirando 28 deputados (falta apurar quatro) e cerca de 750 mil votos à coligação. Mas, na realidade, preferiram a continuidade à mudança. O povo português é hoje o único na Europa a premiar com uma vitória eleitoral os responsáveis por quatro anos de austeridade desumana. Por falta de memória? Por medo? Seja por que for, há que respeitar a escolha.
Os portugueses escolheram perdoar à coligação, como se de nada relevante se tratasse, 19 violações da Constituição da República Portuguesa, decretadas pelo Tribunal Constitucional (entre elas, as relativas aos orçamentos de Estado de 2012, 2013 e 2014, Código do Trabalho, Código de Processo Penal, Código de Processo Civil, Rendimento Social de Inserção, requalificação dos funcionários públicos, despedimentos sem justa causa, cortes salariais na função pública e enriquecimento ilícito, por duas vezes).

Os portugueses escolheram passar uma esponja sobre um Governo que promoveu o empobrecimento generalizado e o agravamento das desigualdades sociais, presidido por um cidadão que incumpriu o que prometeu para lá chegar, mentindo repetidamente ao povo. 

Os portugueses escolheram permitir a continuidade em funções de um Governo que incentivou a emigração de quase meio milhão de concidadãos em quatro anos, que vendeu os activos portugueses mais rentáveis, que paralisou a Justiça, que promoveu o declínio da escola pública e do Sistema Nacional de Saúde.

Os portugueses escolheram aceitar que os salários e as pensões continuem a ser cortados e as crises bancárias continuem a ser pagas com os impostos de todos. É certa a necessidade de recapitalizar o Novo Banco. Dizem os responsáveis, que os portugueses reelegeram, que o dinheiro virá do Fundo de Resolução. Digo eu que virá dos contribuintes e já disse a Comissão Europeia, há dias, que os impostos podem aumentar. A seguir virá o orçamento de 2016, altura para aparecer o corte de 600 milhões nas pensões, prometido à UE. E se a meta do défice não for cumprida em 2015, o que é provável, o reforço da austeridade em 2016 é óbvio. Assim votaram os portugueses, que não terão de que se queixar.

Os portugueses escolheram as propostas da coligação sobre o decantado plafonamento, significando isso a descapitalização do sistema público, com o consequente corte de pensões e subsídios, a bem da sustentabilidade.

Vale aos portugueses, por ora, que a incompreensível escolha que fizeram não chegou à maioria absoluta.

A coligação PSD/CDS venceu as eleições, mas tem à sua frente uma maioria absoluta de deputados que se lhe opõem. O PS sofreu uma derrota pesada e António Costa começou uma existência difícil, legitimamente questionado dentro do partido. Belo pântano que estas eleições deixaram à Nação!

Diz a imprensa que Cavaco receberá hoje (escrevo a 6 de Outubro) Passos Coelho. Não será, ainda, para o convidar a formar Governo. Mas isso irá acontecer, sendo para já adquirido que António Costa não se demite, porque rejeita aplicar a si próprio o veredicto que aplicou a Seguro.

Passos já afirmou publicamente querer negociar com o PS. E negociar o quê? Só pode ser uma de duas coisas: constituição de um Governo de que o PS faça parte, ou um acordo de incidência parlamentar. Se conseguir uma ou outra coisa, terá um mínimo de estabilidade para começar a governar e ficará adiado o provável cenário futuro de eleições antecipadas. Mas se o PS aceitasse participar num Governo de bloco central, para mais em posição de menoridade, entraria em modo de suicídio político garantido. Admito que, não dando esse passo e em nome do que assume ser o interesse nacional (engolindo Costa o que disse em campanha), viabilize o orçamento de Estado a apresentar pela coligação, que lhe fará algumas cedências. Teremos, assim, a continuação da austeridade (que Wolfgang Schaeuble já saudou, sem decoro) e tempo ganho pelo PS para se entender internamente, de modo a não repetir, em situação de eleições antecipadas que se seguirão, os ziguezagues e os erros graves que cometeu nestas.

O PIB recuou para os valores de há 4 anos. A dívida pública, de que se fala muito, e a dívida privada, de que se fala pouco, esmagam os particulares e o Estado. O futuro de Portugal é função destas duas variáveis, que nos tornam dependentes do que a Europa (leia-se Alemanha) decidir corrigir em sede de Tratado Orçamental. Com o resultado destas eleições, não teremos um Governo que pugne por uma verdadeira união monetária, alicerçada na indispensável integração fiscal e orçamental, sem a qual a crise das dívidas soberanas continuará a impedir o investimento, o consumo e o emprego. Foi isto que os eleitores, que deram a vitória à coligação, desprezaram.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

30/09/2015

Lançamento do livro " Inquietem-se!"

 
Foi ontem, no El Corte Inglés, 

o lançamento do novo livro 
do Professor Santana Castilho, 
INQUIETEM-SE!

com apresentação 
do Professor Sampaio da Nóvoa



Âmbito Cultural El Corte Inglés Lisboa:
https://www.facebook.com/AmbitoCulturalElCorteInglesLisboa/photos/



 --- mais fotos do evento aqui:


23/09/2015

Normalidade ou anormalidade domada?

no Público,
23 de Setembro de 2015

por Santana Castilho *

A imagem que perdura neste início de ano-lectivo é de “normalidade”. Pelo menos, como tal se vai falando na comunicação social, na ausência dos escândalos que marcaram o ano passado. Em plena campanha eleitoral, a Educação parece ser um grande tabu, protegida por um qualquer acordo entre os protagonistas, de referir pouco, de aprofundar ainda menos.

Domados, os professores regressaram aos seus postos, tristes, desmotivados e descrentes.
Será normal que um professor possa ser contratado por uma escola, sem submissão a um concurso, quando a lei fundamental diz “que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (artº 47, nº 2 da CRP)?

Será normal que um professor, acabado de sair da escola de formação, ocupe um posto de trabalho numa escola, quando outro, do mesmo grupo de recrutamento, com dezenas de anos de contratos consecutivos com o ministério da Educação, fica no desemprego?

Será normal que a um professor com 30 anos de serviço num quadro de escola seja recusado um lugar em benefício de um colega recém-vinculado, em pleno período probatório, ou seja, sem sequer ter ainda um vínculo confirmado?

Será normal termos acabado de assistir a dezenas de casos de professores que, tendo um lugar de quadro e tendo concorrido para se aproximarem da residência, foram miseravelmente ludibriados, sem reacção adequada por parte dos sindicatos, por, afinal, a “vaga” para que concorreram não existir?

O Tribunal de Justiça da União Europeia tomou há dias uma decisão que visa impedir que, no espaço comunitário, se ultrapassem 48 horas de trabalho semanal. Diz a decisão que as deslocações de casa para o local de trabalho, sempre que esse local seja variável, passam a contar para o cômputo final a considerar no horário. Ora parece-me bem que os sindicatos estejam atentos ao precedente estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e inquiram, junto dos tribunais nacionais, se a norma se aplica aos professores itinerantes, cujos locais de trabalho são vários.

Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com duração superior às 48 horas, que o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu como linha vermelha? Exagero meu? Então façamos um exercício, que está longe de configurar as situações mais desfavoráveis.

Tomemos por referência uma distribuição “simpática” de serviço, nada extrema, (há muito pior) de um hipotético professor com 6 turmas, 25 alunos por turma e 3 níveis de ensino (7º, 8º e 9º anos). Tomemos ainda por referência as 13 semanas que estão estabelecidas no calendário escolar oficial, como duração do 1º período lectivo de 2015-16. Continuemos em cenários que pequem por defeito: as turmas do mesmo nível são exactamente homogéneas, não necessitando de aulas diferentes, e o professor tem os mesmos alunos duas vezes por semana. Então, este professor terá que preparar 6 aulas diferentes em cada semana. Se pensarmos numa hora de trabalho para preparar cada lição (o que é mais que razoável), estaremos a falar de 6 horas por semana. Nas 13 do período, resultarão 78 horas.

O nosso hipotético professor vai fazer 2 testes a cada turma. Nas 13 semanas lectivas fará 12 testes. Voltemos a considerar apenas uma hora para conceber cada teste (concebê-lo propriamente, desenhar a grelha de classificação e digitar tudo requer mais tempo). Claro está que os testes têm que ser corrigidos. Se o nosso professor cobaia for razoavelmente experiente e despachado, vamos dar-lhe meia hora para corrigir cada um dos 300 testes. Feitas as contas, transitam para a soma final 162 horas.

O que se aprende tem que ser “apreendido”. Os exercícios de aplicação e de pesquisa são necessários. Então agora, com a “orientação para os resultados” com que o assediam em permanência, o nosso professor não pode prescindir dos trabalhos de casa e de outros tipos de práticas. Imaginemos que apenas pede um trabalho em cada semana e que vê cada um deles nuns simples 5 minutos. Então teremos de contabilizar mais 162 horas e meia, relativas a todo o período.

Se este professor reservar 2 escassas horas por semana para cuidar da sua formação contínua e actualização científica, são mais 26 que devemos somar no fim.

Acrescentemos, finalmente, as horas de aulas e as denominadas horas de componente não lectiva “de estabelecimento”. São mais 318 horas e meia. Somemos tudo e dividamos pelas 13 semanas, para ver o número de horas que o professor trabalhou em cada semana: 57 horas!

Além disto, há actividades extracurriculares, visitas de estudo, conversas com alunos e pais, reuniões que não caem dentro das horas não lectivas de estabelecimento e, em anos de exames, pelo menos, algumas aulas suplementares.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

22/09/2015

INQUIETEM-SE! - lançamento - convite


..... um convite à inquietude:

29 de Setembro (3ª feira) , às 18.30 

Lançamento do novo livro do Professor Santana Castilho 


apresentação pelo Professor Sampaio da Nóvoa

no El Corte Inglés, em Lisboa


09/09/2015

A carta que António Costa não escreveu

no Público,
9/9/2015

por Santana Castilho *

A menos de um mês das legislativas, António Costa vai para o debate de logo à noite com uma pressão sobre os ombros bem maior que a do seu opositor. Porque a mensagem do PS não tem passado, apesar de ter um favorável cenário para que passasse: quatro anos de aplicação de uma receita de austeridade, que gerou sofrimento generalizado e famílias inteiras lançadas na pobreza e que não conseguiu cumprir um só dos objectivos.

Não foi elegante o processo que trocou António José Seguro por António Costa. Mas assentava num argumento forte: face a um Governo desgastado, a curta margem com que Seguro acabava de vencer as eleições inquietava. As sondagens mostram agora a coligação PSD/CDS-PP quase a par do PS. Para quem a tinha, o mesmo argumento deve tornar essa inquietação bem maior.

Pode uma política responsável por 4 anos de retrocesso e empobrecimento mobilizar 34,8% dos portugueses (intenção de voto na PAF segundo a sondagem da Eurosondagem, relativa a Agosto)? A explicação só pode estar na falta de propostas concretas, que tornem as alternativas credíveis, e num excesso de discurso sobre economia e finanças, que já cansa. Ora é neste quadro que os 20% de indecisos ganham importância acrescida e terão motivado António Costa a escrever-lhes oito cartas. Uma delas, a que ele não escreveu, deveria ter corrigido a vacuidade do discurso do PS sobre Educação. Dir-se-ia que António Costa não se deu conta de que o assunto interessa a cerca de 2 milhões de alunos, 4 milhões de pais e um pouco mais de 150 mil professores (incluo os desempregados).

Quando, em Março, António Costa apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o primeiro capítulo do programa de Governo", a Educação não mereceu epígrafe própria. No documento Uma Década para Portugal, apresentado publicamente após um concurso de professores com 26.573 candidatos para 1.954 vagas, o PS falava de estabelecer incentivos à fixação de professores em zonas menos atractivas, como se tivéssemos alguma dificuldade em preencher algum lugar em qualquer parte do país. E deste começo nada auspicioso, partiu para um programa eleitoral cheio de generalidades, algumas banalidades e várias inconveniências (PACC, exames de 4º e 6º anos, municipalização, escola a tempo inteiro e formação a rodos para os professores, por exemplo).

Ora na carta que não escreveu, António Costa poderia ter dito que, se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo, com as seguintes medidas concretas, que poderia ter decidido acrescentar ao seu programa:

- Alterar o modelo de gestão das escolas, entregando a professores eleitos por professores a responsabilidade efectiva de as gerir, devolvendo-lhes a democraticidade perdida e conferindo-lhes ampla autonomia.

- Recuperar a figura tradicional de escola como unidade orgânica, com gestão própria, de modo a devolver às escolas a identidade que os agrupamentos lhes retiraram.

- Conferir aos quadros de pessoal das escolas a dimensão adequada às suas necessidades permanentes.

- Permitir que as escolas com problemas ensaiem turmas reduzidas e tenham dois professores por turma, em situações específicas.

- Retomar a universalização das aulas com 50 minutos de duração.

- Reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais.

- Substituir o estatuto do aluno, de carácter nacional, por simples códigos de conduta, construídos dentro de cada escola.

- Despojar o processo disciplinar escolar das garantias que hoje tem, similares às do processo penal, conferindo-lhe carácter sumário, de natureza pedagógica, com medidas definitivas e executórias da responsabilidade exclusiva dos órgãos pedagógicos da escola.

- Conferir aos professores estatuto de autoridade pública, com todas as consequências legais. - Criar serviços de orientação escolar, vocacional e tutorial nas escolas.

- Diminuir a taxa de reprovações, identificando precocemente os obstáculos à aprendizagem e conferindo às escolas meios materiais e humanos para superá-los, reconhecendo que os alunos têm ritmos e necessidades diferentes.

- Criar um departamento de desenvolvimento curricular, especializado e permanente, que substituiria a cultura assente em grupos ad hoc, sempre que se operam intervenções em planos de estudo e programas.

- Redefinir globalmente os planos de estudo e os programas disciplinares, expurgando-os dos milhares de metas incumpríveis, sem sentido nem escala humana razoável.

- Diminuir as elevadas cargas curriculares actuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças e recuperando a importância das artes, expressões e actividades físicas e desportivas.

- Reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação nos 4º e 6º anos de escolaridade.

- Dignificar o ensino profissional e interditar qualquer adopção vocacional em idade precoce. - Atrasar a entrada no ensino básico para os sete anos de idade.

- Conceber um estatuto de carreira docente, em que os professores portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão e fixe um referencial deontológico claro.

- Revogar de imediato o actual modelo de avaliação do desempenho dos professores, que perderá o seu carácter universal e será substituído por instrumentos definidos autonomamente em cada unidade orgânica, privilegiando a avaliação do desempenho da Escola, enquanto somatório do desempenho dos seus actores, sendo certo que contextos científicos e pedagógicos diferentes não podem ser avaliados do mesmo modo.

- Reavaliar e reformular toda a legislação que regula os concursos e a contratação dos professores, aceitando que devem ter sempre natureza nacional, com base na graduação profissional dos candidatos.

- Redefinir toda a missão e estrutura da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, orientando-a prioritariamente para a vertente pedagógica.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

26/08/2015

Para os pais que não são professores, isto pode ser difícil de entender

no Público,
26 de Agosto de 2015

por Santana Castilho*

É real e de conhecimento pessoal. Tem 53 anos, 26 de profissão a que se entregou com amor, hoje cansado. Estava efectivo a 160 quilómetros diários (80 para lá e 80 para cá) da casa onde vive com duas filhas. Concorreu para mudança de quadro de escola, para se aproximar da residência. Conseguiu colocação numa escola 40 quilómetros mais perto (20 para lá e 20 para cá). Dois dias depois, o absurdo caiu-lhe em cima: a escola onde o colocaram não tem horário para ele. Alma angustiada, empurraram-no para a dança macabra da “mobilidade por ausência de componente lectiva”, que pode terminar em “requalificação” e despedimento.
Está apresentado. É um dos muitos, com vidas adiadas. Algumas, para sempre! É professor.
Daqui a dias vai falar-se, muito, do costume: das crianças que voltam às aulas, do que os pais gastaram para lá as pôr e das escolas que ainda não abriram. Não se falará, certamente, da situação profissional dos professores.

São muitos os estudos que têm procurado estabelecer o impacto das condições de trabalho na saúde física e mental dos profissionais. Esse impacto, em organizações humanamente evoluídas, é também assumido como um dos indicadores determinantes do grau de eficácia das organizações. Claro está que não estou a falar do nosso ministério da Educação, para quem pouco importa que cresçam exponencialmente os níveis de ansiedade dos professores e diminuam os que medem a motivação profissional. É outra a eficácia que atrai o interesse do ministério.

O stress ocupacional crónico (desequilíbrio entre as exigências e a capacidade de lhes responder) está genericamente presente na classe dos professores e pode originar o chamado burnout, entendido como um estádio continuado de fadiga física e psicológica. Sendo um problema das pessoas, é, antes, um problema do clima social criado e das organizações para as quais as pessoas trabalham.

Um pouco por toda a parte, é a insuspeita OCDE que o diz, os professores apresentam índices de mal-estar superiores, quando comparados com outros profissionais. A Organização Internacional do Trabalho classificou a profissão como de risco físico e mental e os que lidam de perto com os professores portugueses identificam níveis consideráveis de exaustão emocional, face ao aumento de situações problemáticas e desagradáveis, designadamente impotência para reagir e resolver perturbações de comportamento por parte dos alunos, e conflitos importantes de compatibilização da vida profissional com a vida pessoal e familiar.

Há dias, noticiava-se num telejornal que os médicos do hospital de Faro estavam exaustos. Motivo? O aumento sazonal da população estava a obrigá-los a 48 horas de “banco” por semana. É fácil avaliar o nível de responsabilidade que se abate sobre um médico, particularmente em serviço de urgências. Não é difícil admitir que os médicos têm limites humanos e que tal stress imposto diminui, forçosamente, a capacidade para responderem ao que lhes é pedido. Se, genericamente, não terei dificuldade em ganhar apoiantes para o que acabo de afirmar, o mesmo não direi quando a reflexão analisa os níveis de responsabilidade, stress e carga de trabalho a que os professores estão sujeitos.

As referências habituais à carga de trabalho dos professores raramente procuram perceber a influência que ela pode ter na qualidade das aprendizagens dos alunos e no contributo que dá (ou não dá) para o seu processo de desenvolvimento humano. Outrossim, quase sempre se centram em comparações injustas e descabidas, a maior parte das vezes movidas por essa chaga que é a inveja social. E por aqui chego ao que deu título à crónica de hoje. Estava no blog de Diana Ravitch, que muitos professores conhecerão. Não sei eu, nem sabe ela, quem foi o autor. Mas é uma bela proposta. Pode ser que muitos pais portugueses a aceitem, quando em breve voltarem a levar os filhos à escola. Reza assim, em tradução livre:
“Cinco dias por semana, ensinamos os vossos filhos./Significa isso que os educamos./ Que brincamos com eles./ Que os disciplinamos./Que nos divertimos com eles./ Que os consolamos./ Que os elogiamos./ Que os questionamos./Que batemos com a cabeça na parede por causa deles./ Que rimos com eles./ Que nos preocupamos com eles./ Que tomamos conta deles./ Que sabemos coisas deles./ Que investimos neles./ Que os protegemos./ Que os amamos./
Todos nos deixaríamos matar pelos vossos filhos./ Não está escrito em lado nenhum./ Não faz parte do manual do professor./ Não vem citado nos nossos contratos./ Mas todos o faríamos.
Por isso, por favor, hoje à noite, dêem aos vossos filhos, sim, um abraço muito, muito apertado. Mas na segunda-feira, se virem os professores dos vossos filhos, abracem-nos também a eles.”

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

12/08/2015

Um olhar breve sobre os programas eleitorais

no Público,
12 de Agosto de 2015

por Santana Castilho


Não podendo ser exaustivo nesta análise, fico-me por algumas perguntas e comentários, relativos a temas mais controversos. 

Depois de ler os programas eleitorais vindos a público, há uma primeira pergunta que se impõe: do ponto de vista das previsões económicas e financeiras que estabelecem, serão o programa eleitoral do PS e o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2015-2019 (o verdadeiro programa eleitoral da coligação PSD/CDS) substancialmente diferentes? Para responder importa tomar por referência as variações previstas em cada um deles, relativamente a indicadores clássicos, isto é, PIB, FBCF (Formação Bruta do Capital Fixo, relevante por dar uma noção da evolução da capacidade de produção do país), exportações, consumo público, consumo privado, custo unitário do trabalho, prestações sociais e taxa de desemprego. 

Tendo os dois programas como objectivos a redução do saldo orçamental, actualmente negativo, o aumento do saldo primário (receitas menos despesas sem juros da dívida) e a diminuição da dívida pública, tudo junto supondo uma forte redução, no mínimo contenção, da despesa pública, como conciliar isso com as promessas de melhoria de prestações nas áreas sociais, designadamente na Educação? 

Afirmando o PS que quer criar mais emprego e melhor emprego, será isso compatível com a diminuição do custo unitário do trabalho, que propõe? 

Poder-se-á crescer economicamente, única via para criar emprego, respeitando as regras do Tratado Orçamental, que impõem um défice orçamental abaixo dos 3% e uma dívida pública que não supere 60% do PIB? 

A expansão do ensino pré-escolar é a medida que faz o pleno nos programas eleitorais do PS, PSD/CDS-PP, CDU, BE e Livre, no que à educação respeita. O programa do PSD/CDS-PP, sem surpresa, propõe a continuação de um caminho ruinoso para o sistema de ensino. O programa do PS é um repositório de generalidades, não se pronunciando ou sendo dúbio sobre muitos aspectos importantes (PACC e municipalização, por exemplo) e retomando conceitos que melhor ficariam no limbo do passado (escola a tempo inteiro, entre outros). 

É chocante ver que, subliminarmente, o PS tem uma ideia pouco favorável da competência dos professores portugueses, tal é a avalanche de intenções de desenvolver e relançar formação de todo o tipo: inicial e contínua; nos domínios da pedagogia, da didáctica e das competências técnicas. Para nenhuma área de actividade que o programa aborda se prevê tratamento semelhante para os respectivos profissionais. Não há formação reforçada para médicos, engenheiros, enfermeiros, advogados, juízes ou políticos. Mas sobra para os professores. Tem um significado. 

O PS, em matéria de educação, tem um esqueleto no armário. Chama-se Maria de Lurdes Rodrigues. Com este programa não se libertou dele. Um bom exemplo é a recuperação do conceito de escola a tempo inteiro. Que quer isso dizer? 

Temos hoje milhares de pequenos emigrantes do quotidiano, que andam dezenas de quilómetros para ir à escola. São as vítimas do encerramento compulsivo de milhares de pequenas escolas das suas aldeias. Juntam-se a outros milhares de crianças nacionalizadas em nome dum estranho conceito de escola a tempo inteiro. Todas juntas, constituem uma espécie de órfãs de pais trabalhadores, com quem pouco estão. É preciso debater o papel que este sequestro e este desenraizamento podem jogar no comportamento destas crianças. 

O PS fala de reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade. Depois de tudo o que já foi dito, estão claros os argumentos e os fundamentos para ser pró ou contra. Faltou coragem para assumir um lado. 

O PS fala em criar mecanismos de incentivo à fixação de professores em zonas menos atractivas. Como se nos concursos tivéssemos vagas sem candidatos, quando o país conhece que o fenómeno é o inverso, na expressão de milhares a disputarem cada horário, seja ele aonde for. Sobre ideias para devolver condições de trabalho dignas e esperança de futuro numa carreira congelada há mais de uma década e em marcha de retrocesso acelerado há duas legislaturas, o silêncio é olímpico. 

O BE prevê a criação de bolsas de empréstimos de manuais escolares. É algo que já existe um pouco por todo o país, por iniciativa de várias organizações de cidadãos. O movimento é socialmente meritório, particularmente no quadro das dificuldades que as famílias vivem. Mas a generalização da medida merece ponderação. Será que o papel do livro, mesmo que didáctico (sem falar dos dicionários, gramáticas e atlas geográficos, por exemplo) caduca com o fim da frequência da escola? Estamos conscientes de que se não fomentarmos a propriedade dos livros escolares estaremos, provavelmente, a varrer de milhares e milhares de lares portugueses os únicos livros que algum dia lá entraram? A reposta a esta pergunta é implicitamente dada pelo PSD/CDS-PP que, embora de modo faseado, quer acabar com os manuais escolares em suporte papel, substituindo-os por conteúdos digitais. Saberão em que país vivem? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

29/07/2015

Um concurso cruel, um ministério podre

no Público,
29 de Julho de 2015

por Santana Castilho*

Escrevo imediatamente após o encerramento do concurso de colocação de professores, designado por Bolsa de Contratação de Escola, roleta russa absurda que ditou o caos do início do ano escolar transacto, com milhares de alunos sem aulas por mais de um mês.

A evidente subjectividade dos critérios da edição deste ano (onde é possível a formatação de lugares por medida) dará uma cascata de ultrapassagens injustas de uns candidatos por outos, numa autêntica corrida de sobrevivência, marcada pela incompetência de um ministério podre.

Para um exíguo número de vagas, estamos em presença, uma vez mais, de uma lista de critérios imbecis, com que se pretende mascarar o único indicador sensato que poderia trazer um mínimo de seriedade e exequibilidade ao processo: a graduação profissional dos candidatos.

Para um exíguo número de vagas, antecipa-se um monumental número de reclamações, que terão por corolário um previsível atraso na colocação de professores, embora de menor dimensão relativamente ao que se verificou no ano passado.

Num inaceitável prazo de quatro dias úteis (22 a 27 de Julho, com um sábado e domingo de permeio), as escolas foram literalmente inundadas com pedidos de declarações de comprovação de dados, que os candidatos deveriam inserir na plataforma informática, através da qual concorriam.

É impossível conceber um quadro de respostas correctas para os parâmetros com que os candidatos foram confrontados. Quem foi prudente perante a constância das dúvidas (caso, por exemplo, da formação contínua creditada) e não arriscou vir a ser confrontado com “falsas declarações”, prejudicando-se, poderá ser ultrapassado por outros, mais ligeiros na interpretação dos dados.

Como resolver a impossibilidade (real) de comprovação atempada de circunstâncias (cargos e realizações), declaradas de boa-fé, há uma dezena de anos?

O exercício do cargo de director de turma foi ponderado de modo diferente em escolas diferentes.

Face à ausência de um quadro inequívoco de referência, a interpretação do que devia ser considerado “outras formações relevantes”, para cada grupo de recrutamento, tornou-se uma charada.

A desproporcionalidade entre funções exercidas é evidente (vale mais ser “coordenador”, por um dia, de um projecto inserido no Plano Anual de Actividades, que “colaborador” ou “participante” em vários, por toda a vida).

Uma “experiência” em projecto TEIP poderá valer uma colocação em 2015-16.

Este concurso, de complexidade inaudita, foi um escaparate de crueldade burocrática, que sujeitou milhares de cidadãos a processos tresloucados. O surreal esclarecimento prestado pela Direcção-Geral da Administração Escolar, sob a forma de “Aviso”, escassas horas antes do respectivo encerramento, depois de assistir passivamente à confusão instalada, prova-o para a posteridade.

Ao defender a BCE, com as repercussões que ela tem na vida dos professores que não têm influências ou cartão partidário, Nuno Crato devia responder ao que nunca respondeu:

- No contexto presente, com uma procura esmagadoramente superior à oferta, que instrumentos, em sede de BCE, garantem a contratação dos mais habilitados e experientes e a equidade no acesso ao emprego público, que a Constituição protege?

- Que dados concretos, que não impressões subjectivas, que disfuncionalidades objectivas aponta ao sistema, quando se contrataram os professores com base numa lista nacional, ordenada segundo a graduação profissional?

Mas este é tão-só um epifenómeno de uma estratégia política de degradação sócio-económica programada de uma classe profissional, demasiado numerosa e heterogénea para se unir eficazmente, com salários definitivamente reduzidos, progressão na carreira ad eternum suspensa e, agora, sob o cutelo contínuo da “mobilidade especial” e da “municipalização”. Insidiosamente, a conflitualidade e a sobrevivência impuseram-se como modus vivendi predominante nas escolas. O objectivo de muitos, ante a pressão psicológica e emocional a que estão sujeitos (recorde-se, a propósito, um recente estudo de investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, onde é referido que metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão), é manter o salário a troco de subserviência hierárquica pouco digna.

Quando Nuno Crato puxou pela cabeça para ver como implodiria o ministério que sempre criticou, tinha duas soluções: ou motivava os professores, dignificando-os, ou proletarizava-os, balcanizando-os. Escolheu a segunda opção, a mais fácil, a que já vinha de trás. Precarizou-os, fiscalizou-os e limpou-os da última réstia de autoridade, dizendo, cinicamente, que lhes dava autonomia acrescida. Não implodiu a casa que hoje comanda. Apodreceu-a.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/07/2015

Jornadas Agrupamento de Escolas de Carregado



http://www.cfperoalenquer.pt/

Dia 16 de julho

9:00h – Iguais, diferentes ou especiais: depende do olhar! – Balanço conclusivo Célia Nogueira

10:00h - Histórias de vida 11:00h – Intervalo para café 11:15h – “Histórias iguais de meninos especiais” ou serão “Histórias especiais de meninos diferentes” ou “Histórias especiais de meninos iguais”? Santana Castilho e Carla Andrino

12:45h - Debate

13:00h - Sessão de encerramento

13:30h - Almoço

15/07/2015

Falemos de rigor e de seriedade

no Público
15 de julho de 2015

por Santana Castilho *

Uma análise do discurso de Nuno Crato, antes e depois de ser ministro, tropeça profusamente na recorrência com que se encontra o termo “rigor”. Mas o rigor é inatingível sem conhecimento profundo do universo em que se opera e sem seriedade intelectual e política. Em fim de mandato, Nuno Crato não será recordado pelo rigor.

A ignorância a que me refiro, sobre a complexidade de um sistema de ensino, está particularmente patente na escabrosa reforma curricular que Nuno Crato promoveu, marcada por reminiscências doutrinárias do seu debute político. Com efeito, adoptou o clássico princípio do materialismo dialéctico (aumentando a quantidade transformamos a qualidade da realidade) ao desenvolvimento curricular. Aumentou a carga horária das disciplinas a que chamou de estruturantes (desconhecendo que a natureza estruturante ou instrumental das disciplinas se altera em função de contextos e não resulta de simples enunciação mas sim de fundamentação, coisa que nunca fez) e despejou avalanches de exames sobre as escolas, convencido de que, assim, o saber aumentaria. Mas não aumentou nem aumentará, só por isso.

O tempo para aprender é importante. Mas mais importante é o que se faz com esse tempo. Aumentar a carga horária a um aluno que não entende o que lhe dizem é, tão-só, aumentar-lhe o suplício e desenvolver-lhe o ódio à Escola. Manter sentado, durante o mesmo tempo, um infante de 10 anos ou um jovem de 18, um aluno interessado ou um aluno justificadamente desinteressado, dá resultados diferentes.

A revisão curricular de Nuno Crato obedeceu a uma lógica invertida: iniciou-se com a distribuição das horas por cada disciplina, prosseguiu com a definição das metas de aprendizagem e terminou com a aprovação de novos programas. Ou seja: sem se saberem as razões da necessidade de consignar determinado número de horas a determinada disciplina, porque programas e metas ainda estavam para vir, consignou-se. O recém homologado programa de Português para o ensino básico, com as suas quase 1000 metas (leu bem, leitor, mil metas) é um belo paradigma da insanidade pedagógica a que chegámos. O problema é que a inadequação deste e de outros programas aos estudantes a que se destinam é algo impossível de explicar a quem chamou ocultas às ciências da Educação e substituiu a pedagogia pela contabilidade. A quem privilegiou umas ciências em detrimento das outras, que explicam o sentido da vida e a natureza do Homem. A quem, em nome da formação técnica, estreitou a porta de entrada das humanidades, das artes, do desporto e da cidadania completa.

A falta de seriedade intelectual e política supera a ignorância. Colhamos exemplos neste fecho de ano escolar. A subida da média do exame de Matemática A, acabada de conhecer, um dos melhores resultados de sempre, diz o quê? O que se afirmou no editorial do Público de segunda-feira, isto é, que sim, os exames são um instrumento político. Só que o ministro é neste momento o comentador que, em 2008, acusava Maria de Lurdes Rodrigues de fazer o mesmo que agora se verificou. É aquele que vociferava no Plano Inclinado contra a impossibilidade de se fazerem comparações de resultados de um ano para o outro, exactamente como agora, no dizer do presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, a mesma que era presidida por Nuno Crato em 2008. É aquele que nos toma por tolos, invocando a independência de um IAVE que ele paga, cujos órgãos de direcção, com uma única excepção, são nomeados pelo Governo, sob proposta dele. E que disse o presidente do Conselho Científico do IAVE, o único órgão não nomeado pelo Governo, em Coimbra, em 16 de Maio passado? Que o Ministério da Educação e Ciência condiciona o IAVE, preordenando o resultado dos exames. Como acabamos de verificar.

A diminuição da taxa de reprovações nos anos de exame, tão celebrada pelo Ministério da Educação e Ciência, tem uma razão para quem não se fica pelas letras gordas: é que, em contrapartida, está a aumentar o número daqueles que ficam retidos nos anos intermédios. Penalizadas pelos resultados das classificações (créditos de horas), pressionadas pela febre dos exames, as escolas deixam para trás os que têm dificuldades de aprendizagem e os que pertencem a famílias social e economicamente mais débeis. Circunstância para que contribui, do mesmo passo, a crescente desmotivação dos professores, sobrecarregados de trabalho, sujeitos há anos ao congelamento de carreiras e a cortes salariais, muitos sem projecto de vida e expostos a despedimentos sumários.

Se na próxima legislatura a Educação continuar governada apenas por paradigmas utilitários e econométricos, não conseguiremos compreender socialmente, quanto mais resolver, os grandes problemas que se colocam aos alunos, às famílias, aos professores, numa palavra, ao país.

* Professor do ensino superior

01/07/2015

Danos e dolo

no Público,
1 de Julho de 2015

por Santana Castilho *

Parafraseando José Saramago, há uma regra fundamental que é, simplesmente, não calar. Não calar!

1. O despacho nº 7031 - A/2015 introduz o ensino de mandarim em algumas escolas secundárias públicas no próximo ano-lectivo. Os professores serão chineses e as despesas correm por conta da República Popular da China, mediante um protocolo com o Instituto Confúcio. Este instituto tem por objectivo imediato a promoção da língua e da cultura chinesas. Mas outros vêm a seguir, ou mesmo antes, pese embora tratar-se de matérias a que Confúcio era avesso. Com efeito, logo que a iniciativa foi conhecida, chegaram notícias de experiências idênticas de países ocidentais, que cancelaram acordos similares por ameaça à liberdade académica (vigilância indesejável de estudantes e actos de censura). Dito nada pelo Ministério da Educação sobre este começo menos auspicioso, sobram perguntas, a saber: que diz o ministro à suspeita transnacional (França, Suécia, EUA e Canadá, entre outros) quanto à utilização do Instituto Confúcio como instrumento de promoção da ideologia do governo chinês? Poderemos aceitar que uma disciplina curricular do sistema de ensino nacional seja leccionada por professores estrangeiros, escolhidos pelo governo da China, pagos pelo governo da China e com programas elaborados por uma instituição que obedece ao governo da China? Conhecida que é a complexidade extrema da aprendizagem do mandarim, particularmente no que à escrita respeita, fará sentido iniciá-la … no 11º ano? Terá a iniciativa relevância que a justifique? Pensará o grande timoneiro Nuno Crato substituir o Inglês (cujos exames acabou de entregar a outra instituição estrangeira) pelo mandarim, como língua de negócios? Ou tão-só se apresta, pragmaticamente, a facilitar a vida aos futuros donos disto tudo, numa visão futurista antecipada pela genialidade de Paulo Futre?

A indústria do financiamento alienou por completo a solidez pedagógica das decisões e transformou o currículo escolar numa manta de retalhos de experimentalismos sem coerência.

O ministério de Nuno Crato ficará marcado por um contínuo de soluções aos solavancos, determinadas pela ânsia de responder a um sistema político e económico que exige do ensino resultados com impacto rápido no sistema produtivo. Uma simples lógica de obediência a mecanismos simplistas de mercado, com total desprezo pela vertente personalista da acção educativa e pela necessidade de colher aceitação social para as políticas educativas.

2. Quando, em Novembro de 2013, o Governo aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, revendo por decreto o artigo 75º da Constituição da República, porque derrogou por essa via o carácter supletivo do ensino privado nele contido, escrevi que a regulamentação que se seguiria criaria uma engenharia social e económica similar às parcerias público-privadas. Aí está tudo confirmado pela Portaria nº 172-A/2015 e aviso de abertura do concurso subsequente. São 656 turmas dos 5º, 7º e 10º anos, num total superior a 16.400 alunos, que poderão sair do ensino público para o privado, com o financiamento garantido pelo Estado, à razão de 80.500 euros por turma. Estaremos a falar de uma despesa pública que se aproximará dos 150 milhões de euros. Esta despesa é nova, soma-se ao financiamento do mesmo género que o Estado já suporta e, na maior parte dos concelhos em análise, as escolas públicas têm capacidade para receber os respectivos alunos. Querer tornar indiferenciáveis, por via da falsa questão da liberdade de escolha, o sistema de ensino público, sem fins lucrativos, e o sistema de ensino privado, com fins lucrativos, é uma subtileza ardilosamente concebida por este Governo para fazer implodir o princípio da responsabilidade do Estado no que toca ao ensino de todos os portugueses.

O que influencia mais a produtividade das organizações? A qualidade dos que gerem ou a competência dos que trabalham? Quando a organização sob análise é o sistema de ensino, diz-me o conhecimento empírico, longo, e o estudo de anos, muitos, que outras fossem as políticas e outros seriam os resultados. Com os mesmos professores. Com os mesmos alunos.

3. A crise da Grécia é a crise de todos nós. Desistimos dos velhos e vamos desistindo da escola pública e do serviço nacional de saúde. Ao invés de elevar padrões de vida, aceitamos generalizar a pobreza. A cultura europeia cede ao ensino apressado do mandarim, na esperança de suprir uma união económica que falhou. Atarantados, não distinguimos danos de dolo.

Admito que seja ainda exagerado falar-se de fascismo pós-moderno. Mas o crescimento da violência legal aplicada à solução de problemas políticos, sem réstia de democraticidade, mesmo que apenas formal, dará, a breve trecho, se continuarmos assim, total legitimidade ao uso da expressão. É aceitável a penhora da casa de família por dívidas irrisórias? Impor à paulada o desacordo ortográfico? Tomar eleitores por escravos sem pio de eurocratas não eleitos, na paródia sinistra em que a Europa se transformou?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

19/06/2015

A educação e o ensino em Portugal


sábado, 20 de Junho de 2015,
no ISEG,
às 15h15,
com o Professor SANTANA CASTILHO:

  • O Ensino de hoje responde às necessidades reais do país e pode ser visto como a alavanca do desenvolvimento socioeconómico nacional ? 
  • Como garantir uma melhor qualidade do ensino ?



 


O ISEG recebe este sábado, 20 de junho, a partir das 15h00, a conferência "Educar para o futuro. Qual o modelo de ensino para as novas gerações?", promovido pelo Fórum de Reflexão Económica e Social. Convidamos todos a participar neste evento, que se propõe refletir sobre dois grandes temas:

1. A educação e o ensino em Portugal

2. Os aspetos demográficos no Sistema de Ensino

O convite e o programa estão disponíveis através dos links abaixo:

 > Convite

> Programa

17/06/2015

As duas troikas e a comunicação social

no Público,
17 de Junho de 2015

por Santana Castilho *

1. A governação de Sócrates foi julgada nas últimas eleições. Nas próximas devemos julgar a governação de duas troikas: a estrangeira e a nacional, composta por Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva. O rasto impressivo desta troika nacional não pode ser iludido pelo apaziguamento dos mercados e pelos elogios hipócritas dos credores, mas antes recordado pelas imagens degradantes dos últimos dias, quando vimos centenas de portugueses passarem noites inteiras numa fila, esperando uma senha para fazerem uma colonoscopia. Ao estado a que o Estado chegou! Literalmente destroçado por um Governo que procurou alistar jovens, trabalhadores privados e activos contra velhos, funcionários públicos e reformados. Que fez a dívida galgar 20 pontos percentuais, apesar de ter vendido toda a economia pública relevante (parte da banca, EDP, CTT, ANA, REN, PT, Tranquilidade, Espírito Santo Saúde e TAP). Que tenta dissimular, com as “Linhas de Orientação para Elaboração do Programa Eleitoral”, o PEC que enviou para Bruxelas: mais austeridade, mais despedimentos e mais extorsão de salários e pensões.


2. A informação produzida pela comunicação social deve visar o esclarecimento dos cidadãos. A diversidade e a pertinência das opiniões publicadas devem favorecer a reflexão dos leitores. Não sendo difícil, num plano ético, concordarmos com as premissas anteriores, assalta-nos a pergunta óbvia, ao passar para o plano prático: a comunicação social contribui sempre para reforçar o juízo crítico dos cidadãos ou, outrossim, confunde-os amiúde? Que responda cada leitor, cuja verdadeira liberdade cívica depende, cada vez mais, da sua própria capacidade para manter activa uma certa memória mediática e ler para além do que é escrito.

O impacto dos exames na vida de todos nós e a duração das actividades lectivas voltaram à actualidade. Contribuíram para a retoma destes temas uma entrevista concedida ao Público por Hélder de Sousa, presidente do Iave, uma proposta do Conselho de Escolas e a posição assumida pelo presidente de uma das confederações de associações de pais (Confap). Hélder de Sousa disse que os exames não estão a gerar melhorias nas aprendizagens e que o treino intensivo para os exames “é o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula”, atribuindo, subliminarmente, a responsabilidade aos mesmos do costume: escolas e professores. O Conselho de Escolas propôs uma pausa de dois dias a meio do primeiro período escolar. O presidente da Confap defendeu onze meses de aulas e um mês de férias.

Em editorial de 14 passado, o Público emitiu opinião. Depois de apoiar o diagnóstico de Hélder de Sousa, clamou por tempo para ensinar o que não se aprende, escrevendo: “… E é por isso que não se entende a proposta agora feita pelo Conselho das Escolas ao Ministério da Educação, de fazer uma pausa no meio do primeiro período de aulas. Quando toda a gente se queixa, inclusivamente os professores, de falta de tempo para dar as matérias e quando já existem tantas férias escolares, esta é uma ideia ao arrepio de todas as exigências. E que não abona nada a favor da imagem das escolas.”

Estes diferentes contributos, coincidentes no apoio a uma forma de ver as coisas, justificam outro, o meu, claramente diferente. Hélder de Sousa é bem-vindo ao clube dos que sempre pensaram e disseram que os exames não melhoram, por si só, o desempenho das escolas, dos alunos e dos professores. Falta-lhe assumir agora que, tal como fazer uma análise ao sangue em jejum e outra ao deitar não combate o excesso de colesterol, também a paranóia classificativa que gere, com exames a mais, quantas vezes inadequados e mal feitos, tem que ser corrigida. E, sobretudo, não venha iludir a opinião pública (acompanhado pelo editorialista do Público) dizendo que a pressão e o treino intensivo podem ser rejeitados pelos professores e pelas escolas. Não podem. Não são eles que definem as políticas. É o ministro. Não foram eles que indexaram prémios e castigos, de escolas e professores, ao resultado dos exames. Foi o ministro. Não foram eles que alienaram os pais com a paranóia dos rankings. Foram ministros, este e outros, com a ajuda da comunicação social (e papel relevante para o Público, pioneiro na construção dos rankings).

Ao presidente da Confap permito-me sugerir que, em vez de ajudar a enterrar ainda mais a infância dos filhos, sequestrados na escola 11 horas por dia, 11 meses no ano, questione antes um modelo de sociedade que substitui pais naturais por pai adoptivos: os professores. Ao editorialista do Público peço que considere a hipótese de encontrar o tempo que reputa necessário para ensinar o que está mal aprendido na diminuição da bárbara extensão dos programas. E recordo-lhe que as crianças portuguesas do primeiro ano da escolaridade obrigatória têm uma carga lectiva anual de 936 horas, enquanto as finlandesas, universalmente celebradas pelos resultados que obtêm, se ficam por … 569.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)