22/03/2017

Os desaires do Ministério da Educação

no Público
22 de Março de 2017

por Santana Castilho

1. As alterações que o sistema de ensino sofreu nos últimos anos oscilaram entre concepções anglo-saxónicas, de raiz empirista, e ideias construtivistas, de inspiração piagetiana. Estas, hipervalorizando as chamadas ciências da educação. Aquelas, hipervalorizando o conhecimento. O equilíbrio entre estes dois extremos não foi a escolha do secretário de Estado João Costa.

Ao Expresso, João Costa foi claro quando afirmou que nalgumas áreas era impossível trabalhar, por falta de horas disponíveis. E disse que a Educação Física, a História e a Geografia eram disciplinas “descalças” de tempo. Quando lhe perguntaram se Português e Matemática perderiam horas, João Costa respondeu que “algumas terão de perder, claro”. Em declarações ao Correio da Manhã, reafirmou a necessidade de tirar de um lado para pôr no outro. Nem de outro modo poderia ser para permitir, como anunciou, que as escolas decidissem 25% do currículo e nele se incluísse a Área de Projecto e a Educação para a Cidadania, sem aumentar a carga semanal global. Do mesmo passo, repetiu várias vezes que as alterações curriculares se aplicariam já no próximo ano e em todas as escolas.

Agora, António Costa, com receio das repercussões que a leviandade provocasse nas eleições autárquicas, e Marcelo, com o paternalismo que o Governo aceita, meteram o secretário de Estado na ordem e desenharam a retirada: não há cortes e a coisa circunscreve-se a 50 escolas voluntárias. A falta de confiança no Ministério da Educação ficou patente. Repetiu-se o calduço do pai Marcelo que, no ano-lectivo passado, levou os garotos da 5 de Outubro a recuarem em matéria de avaliação no ensino básico. Numa palavra, escreveu-se direito por linhas tortas.

A reforma em causa era apressada e demasiado marcada por uma determinada ideologia. Orquestrou o apoio dos amigos (vide a cena amadora do apoio a João Costa, via uma sua adjunta, exposta no Correio da Manhã), mas não cuidou do apoio dos professores e da sociedade, muito menos de prever o impacto que teria na complexidade de todo o sistema de ensino.

A responsabilidade da ética política em que uma reforma educacional deve assentar exige que se procure um consenso partidário. As mudanças desta envergadura devem ter uma duração garantida para produzirem efeitos, devem acomodar processos de transição ponderada e prever uma campanha de comunicação pública, que explique razões (fundamentadas em diagnósticos sólidos, que não em palpites de ministros que foram aos jogos olímpicos), necessidades (assentes em evidências) e objectivos (expressos em linguagem perceptível, que não em “eduquês” de má memória).


2. O novo normativo sobre concursos retoma, com um pouco de cosmética, a visão do anterior governo do PSD/CDS-PP. A entrada nos quadros continua condicionada pela “norma-travão” e pela chamada vinculação “extraordinária”, que não pelo direito conferido por sucessivas contratações. Recorde-se, a propósito, que o PS votou recentemente, ao lado do PSD e CDS-PP, a inviabilização de um projecto de lei do PCP, que previa a obrigatoriedade de incluir em concurso nacional, por lista graduada universal, todos os lugares, com horário completo, que resultassem de necessidades manifestadas pelas escolas durante três anos consecutivos.

No próximo concurso de mobilidade interna teremos professores do quadro de primeira e professores do quadro de segunda. Mais uma vez, a lista universal de graduação é desprezada, agora por um processo de intenções que interpreta, e penaliza, de forma totalitária, decisões anteriores de permanência em quadros de zona pedagógica. Por tudo isto, resulta de um cinismo atroz o “parlapiê” do preâmbulo do Decreto-Lei nº 28/2017, que, significativamente, não colhe a aprovação de nenhum sindicato de professores. Como o anterior, nesta matéria, o Governo encarou a negociação sindical como mero formalismo legal e ficou claro que, quando as incidências orçamentais relevam, as suas prioridades não se afastam do que Crato serviu.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

08/03/2017

Decisões e homologações

no Público
8 de Março de 2017

por Santana Castilho *

1. Porque nenhuma reforma se compadece com a duração de uma legislatura, o que se ensina e o modo como a escola se organiza para ensinar deveria ser fruto de um amplo entendimento partidário, que não dos impulsos de quem manda em cada momento. Apesar disto obter fácil aprovação geral, seria preciso muito papel e muita paciência para fixar em texto a sucessão de alterações que escolas, alunos e professores têm sofrido nos últimos anos. Mais ainda, a leviandade com que se decide afirma-se, ad nauseam, sem consequências, que não o gáudio dos levianos, a escravização dos professores e a instabilidade dos alunos e das famílias.

“Garantir a estabilidade do trabalho nas escolas, o que pressupõe reformas progressivas, planeadas, negociadas e avaliadas” é um fragmento frásico, promissor, que retirei da página 102 do programa do actual Governo. Mas mudar a pontapé a avaliação dos alunos, como fez o ministro Tiago Rodrigues, a meio do ano, com a trapalhada de os confrontar com três modelos distintos, garantiu estabilidade ao sistema? Mas as “alterações profundas”, que o secretário de Estado João Costa anunciou, virando do avesso os planos curriculares vigentes, são progressivas? Mas a pirueta que a secretária de Estado Alexandra Leitão deu, depois de ter afirmado que os professores da rede privada não podiam concorrer em paridade com os da rede pública, foi negociada com alguém? Mas quem avaliou a experiência da municipalização da educação, para que o Governo a generalize, porque sim?

E aqui ficaria citando, uma a uma, todas as medidas que, em pouco mais de um ano, tudo mudaram, uma vez mais, para que tudo fique na mesma, usando o mesmo modo de actuar que há pouco se combatia, por vir de Crato e da direita, e agora se deixa passar porque vem de Tiago e da esquerda.

Como expressão corrente, o bom senso é a tradução lata da razoabilidade e confunde-se, amiúde, com o senso comum. Mas quando pensado de modo mais profundo, é indissociável do conhecimento e da sabedoria. A decisão política não pode dispensar o bom senso, conceptualmente entendido como a capacidade de decidir com conhecimento. Mas não chega. O bom senso, em política, obriga a que se ponderem as consequências das decisões, somando ao conhecimento as realidades de contexto. O que o conhecimento pode ditar como certo, num contexto, pode resultar errado noutro. Só a sabedoria pode arbitrar este conflito. A ausência de conhecimento e de sabedoria dá lugar ao atrevimento, próprio dos ignorantes. Lamento dizê-lo, mas é isso que caracteriza o processo decisivo deste Governo, em matéria de Educação.


2. Marcelo Rebelo de Sousa, beijoqueiro e abraçador do povo, assume-se, ainda, como pedagogo dos indígenas: quando promulga os diplomas da República, não resiste a explicar porque o faz. Nesses momentos, nota-se a falta em Belém de alguém que lhe recorde que já não é o comentador que, quando falava de Educação, debitava, invariavelmente, incorrecções. Ao promulgar o normativo do Governo, que permite a contratação definitiva de parte dos docentes precários, disse que o fazia atendendo “ao equilíbrio atingido”.
Ora a verdade é que o Ministério da Educação se reuniu com os sindicatos durante dois meses e o papo terminou sem acordo e com a imposição de aspectos que nunca, sequer, estiveram a ser negociados. Ora a verdade é que os sindicatos já apelaram aos partidos para que peçam a apreciação parlamentar do decreto dos concursos. De que equilíbrio falou Marcelo?
O presidente entendeu recordar o óbvio, isto é, que os professores serão “pagos pelo contribuinte através do Orçamento do Estado” e que o Estado “não pode assegurar o emprego de todos”. Melhor seria ter dito que promulgava por imperativo do Código do Trabalho e da Directiva 1999/70/CE e que se trata de professores que já são pagos pelo OE há décadas. E, já agora, poderia ter sublinhado que com esta promulgação safa de indemnizações futuras muitos donos de colégios privados.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)