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31/10/2010

Luís, Leandro, Isabel e José

in Público, 17/3/2010



Luís foi o primeiro a suicidar-se. Luís era professor, tinha 51 anos. Atirou-se ao Tejo a 9 de Fevereiro. Terá escrito: “Se o meu destino é sofrer dando aulas a alunos que não me respeitam e me põem fora de mim, e não tendo eu outras fontes de rendimento, a única solução apaziguadora será o suicídio”.

Leandro suicidou-se depois. Leandro era aluno, tinha 12 anos. Atirou-se ao Tua a 2 de Março. Terá dito: “Não apanho mais, vou-me atirar ao rio!”

Isabel é ministra da Educação. Referindo-se à morte de Luís afirmou: “A vida das crianças deve estar acima dos debates”.

José é director-regional e também se referiu à morte do professor. Disse em eduquês corrente: “Temos de nos esforçar para que estas situações possam ser ultrapassadas. Trata-se de jovens que são na sua generalidade bons alunos e que não podem transportar na sua vida uma situação de culpa que os pode vir a condicionar". E depois de tranquilizar o povo afirmando que tudo será feito para ajudar os alunos, acrescentou cinicamente que o professor morto apresentava “uma fragilidade psicológica desde há muito”.

Luís apaziguou-se e Leandro não leva mais. Estão mortos. Nada lhes posso dizer e de nada lhes serve a raiva que sinto por os ver morrer assim, num país que os vai esquecer, abúlico como anda a esquecer tudo, quando secar a tinta das parangonas e se calarem os telejornais. Mas tenho uma mensagem para Isabel, a ministra, e José, o director-regional. Em memória do Luís e do Leandro.

Comecemos pelo óbvio. As crianças e os jovens de que falaram a ministra da Educação e o director - regional são, antes disso, seres humanos. A simples natureza humana com que vêm ao mundo tanto lhes dá para acariciar patinhos como para arrancar pernas a gafanhotos e cabeças a moscas, com requintes de crueldade. É a educação (aquilo que se acrescenta à simples natureza humana) que vai regulá-los. Aos adultos cabe essa responsabilidade. As vidas dos pequenos delinquentes que chamam impunemente cão, careca e gordo a um adulto de 51 anos, que é seu professor, que até lhe dão “caldos”, que batem nos mais novos com perversidade e sistematicamente, não podem estar acima de qualquer debate. Têm que estar no centro, não só dos debates mas também das medidas que a vida das vítimas exige. Somos todos responsáveis por isso, mais ainda a ministra e o seu director, por via dos cargos que ocupam. Como cidadão e professor, repudio a falta de senso que demonstraram com a forma com que se referiram às duas tragédias.

Temos hoje milhares de pequenos emigrantes do quotidiano, que andam dezenas de quilómetros para ir à escola. São as vítimas do encerramento compulsivo das 4.000 pequenas escolas das suas aldeias. Juntam-se a outros milhares de crianças nacionalizadas em nome dum estranho conceito de escola a tempo inteiro. Todas juntas, constituem uma espécie de órfãs de pais trabalhadores, com quem pouco estão. É preciso debater o papel que este sequestro e este desenraizamento podem jogar no comportamento destas crianças.

A antecessora de Isabel Alçada aumentou o tempo de permanência dos alunos na escola, arregimentou mais 20.000 para o logro do ensino profissional e, qual Luís de Matos de saias, (aliás já acompanhada pela actual ministra) anunciou ao país que o prolongamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos não vai requerer mais professores. Presumo que tão pouco vai requerer mais funcionários que, tudo visto, foram reduzidos em cerca de 20 por cento nos últimos 4 anos. Ser-me-á lícito sugerir que esta falta de vigilância e de coadjuvação ao trabalho dos professores favorece a indisciplina e as agressões em análise?

Por mais voltas que lhe dêem, o maquiavelismo estatístico que subjaz ao estatuto do aluno é indisfarçável. É tempo de derrogar o tabu e colocar à sociedade a questão: o desiderato do ensino obrigatório justifica que se mantenham na escola alguns pequenos selvagens que não querem lá estar nem aprender, com prejuízo irreparável para todos os outros?

Em qualquer profissão, o enquadramento dos que chegam é feito pelos mais experientes. Nos últimos anos 8.000 recusaram a burocracia sem sentido, o novo trabalho escravo, a competição malsã, os comandos mentecaptos. Não antecipam aonde nos pode levar esta política suicidária?

É evidente que há uma crise de autoridade na escola. Quando a estudamos, são esmagadoras duas evidências responsáveis: do ponto de vista interno, as políticas impostas, que desprezam a solução dos problemas e se orientam para a manipulação fraudulenta dos resultados; do ponto de vista externo, a crescente demissão dos pais para imporem disciplina aos seus filhos.

Temos que recuperar o consenso secular entre a família e a escola e entre esta e a sociedade quanto à orientação das gerações mais novas. Porque está errado pensar-se que a escola se realiza sem disciplina, sacrifício e trabalho. Porque está profundamente errado que os pais tenham deixado de ser os primeiros aliados dos professores na modelação dos filhos. A autoridade é uma referência indispensável ao crescimento saudável das crianças. A sua presença deve começar em casa e prosseguir na escola.

Senhora ministra e senhor director – regional:

Há violência diária, grave e sistemática nas escolas portuguesas. Em lugar de a branquear, responsabilizem quem a provoca.

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Santana Castilho, Professor do ensino superior. s.castilho@netcabo.pt

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