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02/03/2011

Portugal e o Norte de África

in Público, 2 de Março de 2011

Portugal e o Norte de África

Santana Castilho *

Para 12 de Março está marcado mais um protesto público. Não é promovido por direcções sindicais cristalizadas, mas tão-pouco prima pela originalidade de iniciativas: os aderentes descerão a avenida mais simbólica, a da Liberdade, de um Portugal refém. Uma circunstância, porém, é nova: as redes sociais estão a ser usadas como meio convocatório, como parece ter acontecido no Norte de África, e o protesto sucede após uma convulsão por contágio que surpreendeu o mundo, quer pelos resultados, quer pela rapidez com que foram obtidos. As motivações sociais do protesto, ponderadas as diferenças de níveis, são idênticas. Com efeito, lá como cá, a degradação da sociedade foi-se tornando insustentável. Bem sei que não posso comparar ditaduras com democracias. Mas quando estas são meramente formais e politicamente mal geridas, como acontece em Portugal, alguns resultados não diferem. É o caso da ruptura definitiva entre governantes e governados e o abismo insuportável entre os ricos e os pobres. Na Tunísia, no Egipto e na Líbia, a falta de alternativas trouxe as pessoas para a rua. Em Portugal, o desemprego, a diminuição dos salários e o aumento da carga fiscal está a lançar os portugueses no desespero. E a isso responde o Governo com autismo e a Oposição com inércia.

A Educação vive num ambiente de miséria onde, ao bom estilo do terceiro mundo, a penúria generalizada contrasta com a opulência dos negócios da Parque Escolar. A Lei de Bases do Sistema Educativo estipula, claramente, que os critérios pedagógicos e científicos prevalecerão sempre sobre os administrativos. Mas a prática governativa dita o contrário. Cada vez há menos pessoal de apoio nas escolas, afectando a vigilância dos recreios, o apoio aos laboratórios, o funcionamento das bibliotecas, reprografias, bares e refeitórios.

A arrastada avaliação do desempenho dos professores constitui uns dos processos mais macabros e perniciosos da gestão do sistema de ensino. Entre tantas barbaridades técnicas abordadas nesta coluna, as posições públicas tomadas por uma centena de escolas estabeleceram consensos esmagadores: muitas grelhas utilizadas tornam o processo ridículo e uma autêntica lotaria; continuam por esclarecer e clarificar centenas de dúvidas levantadas pelas escolas e pelos professores relatores; a subjectividade e a arbitrariedade são a norma; o sistema de quotas reduz a apregoada avaliação do mérito a uma pobre palhaçada, quando desce administrativamente as classificações atribuídas e torna incoerentes as notações quantitativas e qualitativas; a carga impensável de trabalho caricato e burocrático que o sistema supõe varreu a actividade de ensinar da prioridade dos professores e prejudicou criminosamente os alunos; qualquer resquício de preocupação formativa está banido do processo e a cooperação entre docentes deu lugar a um crescente ambiente de desconfiança e hostilidade.

A proposta de organização do próximo ano lectivo oficializou o óbito do Ministério da Educação. A respectiva ministra resignou e aceitou simplesmente passar a assessora de Teixeira dos Santos. Tudo o que aí se projecta reduziu a simples custo dispensável qualquer investimento em educação. Assim: serão eliminados de uma penada serviços de supervisão cruciais para o combate ao famigerado abandono escolar; os projectos educativos, até aqui ditos obrigatórios e tidos como fundamentais, bem assim como tudo quanto seja funcionamento de clubes de actividades não curriculares essenciais à integração dos alunos, vão para o lixo; e os apoios aos alunos com necessidades educativas especiais, já em acelerada extinção, são agora definitivamente pulverizados. Tudo isto porque a lei de bases supracitada foi revista em baixa administrativa e econométrica pelo Mubarack do Terreiro do Paço, que determinou a radical redução dos créditos horários a atribuir às escolas. Mas esta limpeza administrativa, determinada pela cegueira dos cortes sem critério, foi mais longe e actuou ditatorialmente decretando que actividades de índole lectiva passam a integrar a componente não lectiva dos horários dos professores. Consequências? Fica ferido de morte o desporto escolar, a educação para a saúde, a mediação que minorava as atribulações vividas nos problemáticos cursos EFA e todas as estruturas intermédias de uma gestão que já foi amputada de membros, tempos e salários. E a lista deste gaseamento pedagógico das escolas públicas continuaria com a redução drástica do número de docentes e a desastrada reorganização curricular.

A tudo isto, como respondeu o maior partido da oposição? Que se tenha ouvido, com uma deplorável proposta de implosão do Ministério da Educação e sequente substituição por uma agência externa e com um inimaginável pedido ao Tribunal de Contas para que determine aquilo que tinha obrigação estrita de conhecer, que eu próprio publiquei sem nunca ter sido desmentido e que está ao alcance de qualquer cidadão disposto a fazer cálculos simples, a partir de documentação pública fiável.

Surpreenderá, neste contexto, a não-aceitação na Assembleia da República dos projectos que visavam corrigir os vencimentos obscenos dos gestores das empresas públicas? Então se esses cargos estão reservados para os que agora estão na política activa, como resulta evidente da rotatividade de funções que a história atesta, e a podridão ética só se distingue da África do Norte pelos níveis, que não pela substância, que esperaríamos?


* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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