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13/04/2011

O Querido Líder

in Público, 13 de Abril de 2011

Santana Castilho *

1. O laudatório congresso do PS definiu a identidade actual do partido: é uma confraria que não renega o Querido Líder (expressão feliz de um congressista, de inspiração norte-coreana, para designar Sócrates), mesmo que ele conclua a destruição do país, que iniciou há seis anos. Invoco a carta aberta que nesta coluna dirigi a Sócrates, em 6 de Junho de 2005, quando a maioria o venerava e eu previ o que nos esperava, para não me surpreender o que lhe ouvi no congresso e nas massivas e insuportáveis intervenções públicas dos últimos dias. Sócrates é um simples manipulador de responsabilidades e um vulgar trasfego de culpas. A autocrítica não se vislumbra nele. A impunidade que caracteriza a sua actividade política tornou-o cada vez mais arrogante e contumaz na prática de erros. O que nos conduziu ao desastre em que estamos mergulhados foram as políticas desastrosas dos dois governos que chefiou. Foi isso que o deixou sem saída. Para não perder a face, manipulador como é, escondeu-se atrás do PEC IV, que urdiu e negociou com os de fora, traindo os de dentro, sabendo, medindo e desejando as consequências.

Os velhos socialistas, do tempo de Soares, desprezavam a tecnocracia e privilegiavam a política. Em nome da política, meteram o socialismo na gaveta, numa atitude do mais louvável bom senso. Perdeu o socialismo, mas ganhou o país. Os novos “socialistas”, do tempo de Sócrates, descobriram na tecnocracia inferior o instrumento mágico para lhes dar uma imagem de modernidade, que o vazio da sua preparação e a vacuidade das suas ideias jamais poderiam gerar. Deram-lhe estatuto de política e promoveram activamente interesses particulares, em detrimento do interesse público. Que parvos que nós fomos!


2. Que parvos que nós poderemos continuar a ser! As sondagens, valendo o que nem sempre valem, surpreendem-me. Mais de 30 por cento para a mentira e para a luxúria socialista? 

A austeridade será um colete-de-forças para a maioria dos portugueses e para o próximo Governo. Dela ficarão excluídas (e a rir-se de nós) as clientelas já servidas do regabofe socialista. Sendo inevitável, não são inevitáveis algumas soluções para lhe responder. Os senhores que já chegaram a Lisboa não são uma irmandade altruísta, que nos vem salvar. São banqueiros e bancários, que vêm fazer negócio. Vêm contratar um empréstimo no quadro de duas organizações a que pertencemos e para cujo sustento também contribuímos, é bom lembrar. É confrangedor ver economistas e cronistas, mais papistas que o Papa, a darem como consumados mais cortes de salários, corte do subsídio de férias e de Natal, cortes de pensões, numa palavra, corte da goela dos que nada podem. Não se importam de virar a atenção para os gargalos anafados? O que está em causa é desenhar um plano de pagamento de 80 mil milhões de resgate. O emagrecimento do Estado, que os socialistas incharam, e a renegociação das condições leoninas das múltiplas parcerias público-privadas, que esbulharão a Nação durante os próximos 40 anos, são boas hipóteses a considerar. 

É neste quadro que a próxima campanha eleitoral é muito importante. O país precisa de renascer. Compreendo que a economia e as finanças dominem o debate político. Mas é imperioso que nos envolvamos na discussão sobre o que queremos fazer com a Justiça, com a Saúde e com a Educação.

Considero essencial promover consensos sobre os grandes problemas de organização da Nação e do Estado. A minha visão sobre essa organização assenta na aceitação de que a democracia supõe a existência de serviços públicos fundadores da sua própria essência. E destes, dois não me suscitam qualquer dúvida: a Saúde e a Educação. Assim pensando, não me furtarei à discussão, útil e necessária, sobre os respectivos modelos de financiamento. Mas combaterei com a arma que tenho, a palavra, os que visarem destruir a Escola Pública e o Sistema Nacional de Saúde.

Ao Estado o que deve ser estrategicamente do Estado. Ao privado tudo o mais em que o Estado não deve interferir, a não ser para regular, defendendo a qualidade, impondo a ética e preservando o cidadão e o património colectivo da ganância do lucro desmedido. Choca-me que a mesma doença mereça tratamento diferente, consoante o dinheiro que o doente possua. Choca-me que idênticas inteligências e iguais qualidades de trabalho e aplicação ao estudo conduzam a resultados diferentes, em função de condições económicas diferentes. 


3. Cavaco Silva pediu ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse sobre a decisão maioritária da Assembleia da República, que suspendeu a avaliação do desempenho dos professores. Como referi no meu último artigo, o diploma parlamentar podia suscitar a questão da inconstitucionalidade. Por isso, não surpreende a decisão presidencial. Mas a incoerência do presidente, para não lhe chamar parcialidade (Cavaco Silva apoiou sempre Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues nas políticas persecutórias dos professores) não pode passar em claro. Com efeito, com maior razão formal do que a que ora usou, Cavaco Silva não deveria ter deixado passar sem fiscalização os normativos que salvaram as trapalhadas dos exames do 12º ano, no primeiro Governo de Sócrates, deveria ter enviado ao TC o diploma da gestão das escolas, que cilindrou a Lei de Bases do Sistema Educativo, e deveria ter perguntado aos meritíssimos juízes o que é que eles pensam dos cortes salariais dos funcionários públicos. Ou da anormal normalização da retroactividade das leis.

A bem da República. E da Nação. 


* Professor do ensino superior ( s.castilho@netcabo.pt)

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