- blogue de homenagem ao Professor Santana Castilho
- uma retribuição (bem pequena) pelo muito que tem feito em defesa dos professores e da Escola Pública.
No domingo voltamos às urnas para eleger os deputados de um parlamento com pouco poder para operar as mudanças, muitas, de que a Europa carece. Sendo assim no plano político-burocrático, blindado para servir os poderosos, a cidadania europeia teria uma oportunidade ímpar (utopia a minha!) para recuperar a dignidade que a ganância levou e a solidariedade desaparecida, que alimentou outrora o sonho europeu. Mas a campanha dos partidos do Governo está a ser um desolador mar de esquecimentos.
Sendo o estado social um dos princípios fundadores da ideia europeia e uma das vertentes mais abalroada pela intervenção que acabamos de sofrer, não ouvimos sobre o tema uma ideia nova, muito menos um par de soluções avançadas.
Sendo certo que está a chegar nova onda de fundos comunitários, esperava eu que a campanha servisse para os candidatos se pronunciarem sobre a forma como encaram as prioridades para os utilizar. E não se tendo dado relevância que baste aos efeitos sociais da crise e ao acentuar dos desequilíbrios entre ricos e pobres, cada vez mais estratificados nos seus mundos, julgava eu que os ia ouvir falar sobre o que se proporiam fazer, uma vez eleitos, para defenderem a coesão social em risco.
Sendo o sistema monetário europeu impeditivo de uma desvalorização da moeda, que tornasse as nossas exportações mais competitivas e desincentivasse as importações, não vimos discutida (porque, entendamo-nos, a matéria não é tabu, menos ainda em tempo de eleições) a permanência no euro, nem sequer abordada a necessária reformulação das políticas que o suportam, a começar pelo papel do Banco Central Europeu, que empresta a um para que nos reemprestem a cinco.
Sendo o chamado “pacto orçamental” mais suicida ainda para a nossa economia que as medidas selvagens de austeridade económica impostas pelo mainstream bem pensante (e bem remunerado), entenderam os candidatos que seria mais interessante perorarem retoricamente sobre quem chamou a troika que explicar aos eleitores as consequências draconianas que esse pacto terá sobre os desesperados a quem pedem o voto.
Sendo a União Europeia, no dizer esclarecido de Pacheco Pereira, “um monstro híbrido e perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a democracia e que acha que ela (a burocracia, clarifico eu) é que sabe como se deve governar a Europa e cada país em particular”, não julgaram os democratas candidatos ao Parlamento Europeu que seria obrigatório discutir o insustentável défice democrático europeu. Preferiram, com essa omissão assassina para a democracia, reforçar a ideia de que a única matéria que na União se sujeita ao voto popular é a sua eleição.
Sendo nós, portugueses, um dos povos que mais sofreram com as políticas erradas da União Europeia, digam os candidatos o que disserem, mais ainda face aos esquecimentos que os assolaram, o escrutínio de domingo será sobre um Governo que foi além da troika. Mesmo com um protocandidato a recomendar “desabafem nas redes sociais, mas não deixem de votar
neles” e outro a proclamar “dever cumprido”, muitos dos que não considerarem inútil o escrutínio de domingo não vão esquecer o que o duo europeu (Comissão Europeia mais Banco Central Europeu) da troika fez ao país e que ficou fora da indigência discursiva dos candidatos dos partidos do Governo:
Compulsando os orçamentos de Estado de 2011 a 2014, verifica-se que o volume dos juros pagos aos credores (28.528 milhões de euros) é quase idêntico ao volume obtido com o corte da despesa pública mais o aumento de impostos (28.247 milhões de euros). Dito de outro modo, a degradação do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, o fecho de maternidades, centros de saúde e repartições de finanças, entre tantos outros serviços, a redução de salários e pensões e o aumento brutal de impostos, com nuances confiscatórias em muitos casos, serviu para pagar só juros aos nossos “benfeitores”, sem que um cêntimo tenha sido abatido ao montante da dívida.
Apesar do discurso impante do Governo e da troika, (o que se compreende porque o falhanço de um é síncrono com o falhanço da outra) em três anos de aplicação de uma receita que não conseguiu cumprir um só dos seus múltiplos objectivos, a dívida da administração pública cresceu à razão média de 23.236 milhões de euros anuais, ou seja, aumentou 69.708 milhões de euros.
Três anos de ajustamento expulsaram do nosso país 250.000 cidadãos e elevaram o desemprego jovem para o número quase redondo dos 50%. Ao mesmo tempo que alguns banqueiros transferiram créditos tóxicos para a nossa dívida pública, a coberto dos golpes que, sendo públicos, persistem impunes, 2 milhões de concidadãos estão condenados sem apelo nem recurso ao limiar da pobreza e a classe média está quase extinta. Salvam-se, reconheçamos, os mais ricos: cresceu o fosso que separa os 10% mais ricos dos 10% mais pobres. E não é só porque diminuiu a “riqueza” dos últimos. É sobretudo porque aumentou, e muito, a dos primeiros.
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
As 10 estratégias de manipulação, segundo Chomsky, são presença profusa na acção do Governo. O processo de saída do programa de assistência financeira e o discurso de Passos Coelho, que o anunciou, ilustram-no.
“Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito na análise racional e pôr fim ao sentido crítico dos indivíduos”, diz Chomsky. Passos tentou-o quando aproveitou a comunicação ao país para vender esperança que não cola e dramatizar com o medo que a fome e o desemprego espalharam. Mas porque a sua palavra está totalmente desacreditada, não o conseguiu. Quando disse “hoje, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu que sairemos do Programa de Assistência sem recorrer a qualquer programa cautelar”, todos sabemos que manipulou a verdade. O Governo não decidiu. Decidiram a Alemanha e a Finlândia e, por elas, a Europa. Quando disse “temos reservas financeiras para um ano, que nos protegem de qualquer perturbação externa”, omitiu que essa almofada financeira, de 10 mil milhões de euros, custa 850 milhões de juros por ano, retirados à educação, à saúde e à protecção dos mais fracos.
O discurso de Passos Coelho foi patética propaganda ferida de credibilidade mínima pelas mentiras da véspera, que o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 evidenciou. Nada do que ele ou o Governo digam merece crédito. Garantiram que a carga fiscal não aumentaria. Mas subiram o IVA e a TSU. Compararam pateticamente a saída da Troika, a 17 de Maio, ao 25 de Abril e a 1640. Até inauguraram relógios em contagem decrescente. E agora, afinal, todos sabemos o que eles sabiam desde o princípio: que a tutela da Comissão Europeia e do FMI vai manter-se até 2037 e 2021, respectivamente.
“Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controlo e escravidão” é estratagema para manter os cidadãos na ignorância, insiste Chomsky. Há 3 anos que Passos assim procede, querendo fazer-nos acreditar que o sonho de modernizar o país foi um erro, que devíamos ter continuado pobres e sem ambições, numa palavra, que fomos irresponsáveis e vivemos acima das nossas possibilidades. Mas diz-nos uma outra análise, mais fina, que a verdadeira história é diversa. Que o modelo de união monetária (sem união política verdadeira, sem união fiscal e sem união bancária) intensificou as desigualdades entre as economias europeias, com o norte a apossar-se das empresas produtivas dos países periféricos. É este desequilíbrio que acentuou o défice comercial dos países do sul e gerou excedentes nos do norte, particularmente na Alemanha. Com este pano de fundo, surgem os irresponsáveis alternativos aos cidadãos “irresponsáveis” do sul: os bancos alemães e todos os bancos que se financiaram junto dos bancos alemães. Com efeito, a grande quantidade de dinheiro drenada para os bancos alemães pela assimetria descrita (700 mil milhões de euros) foi usada para especular, financiando dívida de bancos irlandeses, bolha imobiliária espanhola e mil e um negócios de outros bancos, que se aprovisionaram junto dos bancos alemães. Foi este sôfrego desatino (de bancos que não de cidadãos comuns) que encheu a banca alemã de activos tóxicos. E não resisto a abrir um parêntesis para recordar que Jonathan Alpert, conhecido como o terapeuta de Wall Street, citado pelo Expresso de 17/9/11, disse, referindo-se aos que gerem o modelo económico que nos domina, que “eram gente impulsiva, narcisista, que mede o sucesso pela quantidade de dinheiro, que adora o risco e tem dificuldade em gerir o equilíbrio dos vários elementos da vida (família, trabalho e lazer), cuja maioria (60%), consome drogas, álcool e gasta milhares de dólares em prostitutas".
Quando a crise rebentou, Merkel protegeu os seus banqueiros e todos os banqueiros estrangeiros. Os bancos, irresponsáveis pela forma imprudente com que emprestaram sem rei nem roque, não faliram. Mas os países resgatados (e logo os cidadãos respectivos) ficaram com as suas dívidas. Os nacionais de cada país pagaram aos bancos alemães. E os coelhos deste mundo, reverentes a Merkel, agradeceram-lhe a “ajuda” e acusaram os seus povos de terem vivido acima das suas possibilidades. Mais ainda. Foi a mesma Alemanha que impediu o Banco Central Europeu de fazer o que devia e com isso criou nova e escandalosa vantagem para si mesma: enquanto os juros da divida pública dos outros foram subindo, os seus foram descendo.
No próximo dia 25 de Maio, a Europa vai a votos e com ela as suas políticas de austeridade. Diga o Governo o que disser, é altura de proceder à higiene mínima necessária para lidar com a nossa “saída limpa”. Uma “saída limpa” suja por três anos de voragem, que imolaram os jovens, desempregaram os pais, perseguiram os avós, reduziram o PIB, aumentaram a pobreza e colocaram o país dependente de decisões de fora, com uma dívida pública que cresceu em vez de diminuir.
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)