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18/11/2015

O tempo e os ódios

no Público
18 de Novembro de 2015
por Santana Castilho*
 
Já se disse muito sobre o fanatismo religioso, que reduz a zero séculos de civilização. A barbaridade que Paris acaba de viver, mais uma, fez-nos retomar o tema, mantendo-se, na maior parte das análises, o foco apenas apontado ao fanatismo religioso: de um lado os “maus”, do outro os “bons”. Talvez devêssemos ampliar o campo das análises, para responder a perguntas que deveríamos estar a formular, com o intuito de intervirmos, de modo mais eficaz, nas nossas escolas e na nossa sociedade.

Comecemos por recordar algumas, apenas algumas, de tantas outras barbaridades recentes, cujos autores pertenciam às comunidades que atacaram:

A 20 de Abril de 1999, aconteceu no instituto Columbine o massacre que viria a dar filme. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, ambos estudantes, atacaram alunos e professores, ferindo 24 e matando 15.

A 26 de Abril de 2002, na Alemanha, Robert Steinhäuser, de 19 anos, voltou à escola donde fora expulso e matou 13 professores, dois antigos colegas e um polícia.

Em Setembro de 2004, dissidentes chechenos assaltaram uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte, onde sequestraram 1200 reféns, entre crianças e adultos. Tomada de assalto por forças russas, morreram na escola 386 pessoas e foram feridas 700.

Em 2005, Cho Seung-Hui, estudante sul-coreano de 23 anos, há 15 emigrado nos Estados Unidos, descrito como perturbado e solitário e referenciado por importunar colegas com telefonemas e mensagens, trancou com correntes as portas da universidade Virginia Tech e matou, uma a uma, 32 pessoas.

A 22 de julho de 2011, ocorreu uma violenta explosão na zona dos edifícios do governo, em Oslo, a que se seguiu o massacre na ilha de Utoya, com um balanço de 77 mortos, a maioria jovens que participavam numa espécie de universidade de verão, organizada pelo Partido Trabalhista Norueguês. Anders Behring Breivik, de 32 anos, o autor, foi descrito como nacionalista de extrema-direita, inimigo da sociedade multicultural e defensor do anti- islamismo.

Em Dezembro de 2012, Adam Lanza, jovem de 20 anos, protegido com um colete à prova de balas e vestido de negro, depois de ter assassinado a própria mãe, entrou na escola primária de Sandy Hook, em Newtown, também nos Estados Unidos da América, e matou 20 crianças e seis adultos.

Posto isto, as perguntas:

Como nasceu o ódio que levou os jovens protagonistas citados, nascidos no ocidente “civilizado” ou educados nas suas escolas, a fazerem o que fizeram?

Como se justifica que jovens europeus abandonem a cultura e os valores em que viveram para se envolverem voluntariamente, com dádiva da própria vida, em acções extremistas, de culturas fanáticas? Que atracção os motiva, que desilusões os catapultam, que ódios os animam, que desespero os alimenta? É o quê? É porquê?

Que ódios bombardeiam hospitais, assaltam escolas e assassinam em salas de concerto?

As constituições dos estados democráticos têm teoricamente acolhido a educação como componente nuclear do bem-estar social. Mas nem sempre a têm promovido, na prática, a partir do enraizamento sólido dos valores civilizacionais herdados. A substituição da visão personalista pela utilitarista tem empobrecido a nossa filosofia de ensino e aberto portas a desesperos e fanatismos. A solidão e o abandono, tantas vezes característicos desta via, podem ser compensados com o aliciamento fácil para pertencer a grupos fanáticos, dotados de cativantes espíritos de corpo, sejam eles religiosos ou políticos.

Talvez fosse tempo de roubar tempo ao tempo, ao tempo dedicado às chamadas disciplinas estruturantes, para termos algum tempo para olhar o modo como empregam o seu tempo os jovens para os quais nem a Escola, nem as famílias, nem a sociedade, têm tempo.

Talvez seja tempo de todos, particularmente os que definem as políticas de educação, relerem uma carta a um professor, transcrita no livro Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001, de João Viegas Fernandes:
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados…
… Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". 

Porque, digo eu, parece não termos aprendido com a História. Porque, insisto eu, podemos policiar ruas e caminhos, estádios e salas de concerto, mas só pais, professores, tolerância, justiça e amor moldam consciências.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/11/2015

“O Estado da Educação”: palestra em Barcelos

Palestra 
“O Estado da Educação” 
por Professor Doutor Santana Castilho 
(2015-11-19) 

O Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria tem a honra de convidar Vª Ex.ª para assistir a uma palestra subordinada ao tema “O estado da educação“. 

CONVITE -“Palestra Estado da Educação” 

ver mais: http://aeaf.edu.pt/?p=5289

Contactos
Escola Secundária Alcaides de Faria
Av. João Duarte, 405
4750-175, Barcelos, Portugal

Atendimento ao Público: Segunda-feira a Sexta-feira das 09:00h às 17:00h
Tlf: 253 801 060

04/11/2015

A esquerda e um novo encontro com a história constitucional

no Público
4 de Novembro de 2015

por Santana Castilho*

As afirmações que se seguem são correctas no essencial, ainda que uma análise mais longa pudesse melhorá-las, com detalhes:

1. Nos 41 anos da nossa democracia, o PS suportou demasiadas vezes políticas de direita, corroendo, assim, a sua matriz ideológica.

2. Porque o PS, finalmente, resolveu fazer diferente e negociar com o PCP, PEV e BE, logo soaram as trombetas do alarme social e financeiro, sopradas pelos monopolistas do “arco da governação”.

3. A tradição de desentendimento político entre a esquerda e a acusação sistemática de que PC, PEV e BE preferiam o protesto à responsabilidade de governar, agora que parecem em vias de reversão, viraram virtude para os arautos da inevitabilidade. Assumiram-nas como garantidas e aterroriza-os a hipótese de se ter fechado esse ciclo.

Não lhe conhecemos nem a forma nem a fórmula, são muitos que não o querem, mas acredito que a esquerda portuguesa se prepara para um novo encontro com a nossa história constitucional. O que daí resultará tem risco alto e as fragilidades à partida são evidentes, como é próprio das mudanças relevantes em política. Porém, se desse encontro sair um governo de legislatura, teremos, definitivamente e sem retorno, uma outra forma de fazer política em Portugal. Ao contrário, se falhar, contemos com uma longa hegemonia da direita, reforçada pela provável maioria que conquistará em eleições antecipadas, que governará com o absolutismo que lhe conhecemos e a que juntará boa dose de previsível vingança. Antecipa-o o discurso de Cavaco Silva e a linguagem dos avençados do “ajustamento” e da doutrina do “não há alternativa”, agora em perda, mas bem patente nas televisões e na imprensa.
A evolução problemática (e pouco falada) das finanças públicas de alguns países do norte da Europa, Alemanha inclusa, poderá abrir novas janelas negociais à rigidez do Tratado Orçamental, quem sabe mesmo se à desejável discussão sobre a sustentabilidade das dívidas soberanas. Com efeito, ao invés da relevância dada ao acordo transatlântico, (que sem sequer ter sido, ainda, assinado, já foi, pelo Presidente da República, surpreendentemente, incluído na lista das obrigações de Portugal) pouco ou nada se disse na comunicação social sobre a 107ª sessão plenária da ONU, que “decidiu elaborar e aprovar, mediante um processo de negociações intergovernamentais, um instrumento jurídico multilateral para os processos de reestruturação das dívidas soberanas”. Porém, enquanto essas janelas não forem abertas, é essencial cumprir o Tratado Orçamental, ainda que com políticas diferentes daquelas que, recentemente, sonegaram direitos e aumentaram as desigualdades sociais, sendo vital que PCP, PEV e BE o aceitem e aceitem que é bem melhor ser o PS a fazê-lo que qualquer direita enraivecida.
Posto isto, recordemos o óbvio e alguns factos: as eleições legislativas não nos permitem escolher o primeiro-ministro, mas, outrossim, 230 deputados, ainda que o seu resultado influencie, de acordo com a Constituição, a indigitação deste; a coligação PSD/CDS ganhou as eleições, com 38% dos votos expressos (2.079.049); o PS, PCP, PEV e BE, ainda que não tenham concorrido coligados, obtiveram, em conjunto, 51% dos votos apurados (2.736.845); se avaliarmos os resultados tomando por referência o número de eleitores potenciais, poderemos afirmar que apenas 21,9% dos portugueses manifestaram o seu apoio à coligação PSD/CDS; mais do que Cavaco Silva, é António Costa quem tem, agora, o poder de decidir sobre o futuro Governo do país; que se saiba, nenhum partido impôs ao PS, para que um Governo de esquerda seja constituído com estabilidade e apoio parlamentar, a violação de qualquer dos tratados internacionais que Portugal subscreveu, ainda que algum deles lhes não mereça concordância.
Tudo visto, o acordo que unirá a esquerda implica um equilíbrio difícil entre programas políticos diferentes e uma realidade pautada pela força dos mercados e pelo poder financeiro da ganância e da especulação. A esquerda tem que saber suportar as influências das ondas de rumores postos a circular sobre eventuais avanços e recuos. Tem que enfrentar um tempo mediático, dissonante do tempo necessário a negociações complexas e sérias. Tem que resistir a discutir na praça pública aquilo que só sob reserva negocial pode terminar em compromisso entre quatro organizações políticas que, tendo propósitos comuns, têm muitas divergências sobre a forma de os conseguir.
Termos em que só a virtude da prudência se pode opor, com sucesso, ao desassossego das falanges de direita, compreensível e irremediavelmente feridas pela síndrome de Hubris (perda de contacto com a realidade, própria de governantes excessivos, que se julgam detentores da verdade única).

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)