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01/06/2016

Marcelo, Costa e il Gattopardo

no Público
1 de Junho de 2016

por Santana Castilho*

1. A 18 de Maio, no Casino do Estoril, Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar um entendimento entre o Estado e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo. Nesse sentido, invocou o que António Costa havia dito a 13 de Maio (não foi na Cova de Iria. Foi no Parlamento, sob pressão dele próprio, Marcelo). E que disse Costa? Que haveria outras parcerias (pré-escolar, ensinos artístico, profissional e de adultos) para compensar o que era cortado aos contratos de associação.
Duas instituições (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e Associação Nacional de Escolas Profissionais) apressaram-se a reagir ao contrário do Presidente, isto é, com desconfiança, à eventual entrada de novos parceiros (colégios privados) nas áreas que já ocupam. Mostraram-se apreensivas (com toda a razão), face à eventual criação de novas redundâncias. É que parece redesenhar-se, pela subtil intervenção de Marcelo, o que a pena de Giuseppe Tomasi di Lampedusa imortalizou no romance Il Gattopardo: “se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.
Compensar? Mas compensar o quê? Ao falar assim, Costa assumiu que a política seguida é injusta e por tal vai compensar os “prejudicados”. Curvado à Igreja e a Marcelo, Costa deu um tiro no pé. Por outro lado, ao falar da expansão do pré-escolar, Costa devia saber, obviamente, que colégios apetrechados para o 2º e 3º ciclos do básico e secundário têm professores que não estão habilitados para a educação de infância. E devia saber, antes, se as escolas públicas e as escolas privadas já instaladas poderiam absorver as outras expansões. Ora nem uma nem outra coisa Costa sabe. Surpreendente? Não! Sempre que Costa falou de Educação, mostrou que nada sabe. Sequer o que disse na véspera ou escreveu no seu próprio programa de Governo.

2. A 26 de Maio, Marcelo recebeu os representantes do movimento Defesa da Escola Ponto, promotores da manifestação de 29. À saída de Belém, o movimento falou e, horas volvidas, emitiu um comunicado com a reprodução de frases de Marcelo. Disse o movimento ter recebido a garantia de que Marcelo ia tentar, junto de Costa, obter “um ponto de equilíbrio” e que o Presidente havia pedido para lhe enviarem a versão completa de um parecer do Prof. Vieira de Andrade, que concluiria pela ilegalidade da decisão do Ministério da Educação. Amarelo terá ficado Marcelo, quando soube do comunicado. Com efeito, Belém apressou-se a clarificar que as citações não passavam de interpretações do movimento sobre a conversa e que o comunicado não tinha sido abordado durante a audiência. Mas o movimento reiterou os termos do comunicado e disse que não retirava uma palavra do que lá estava. Ecos convenientes da polémica foram emitidos pela Rádio Renascença no dia seguinte, quando noticiou estar a Presidência da República directamente envolvida na procura de um consenso e o Governo a estudar a aplicação dos cortes, não no próximo ano (que seria de transição), mas no outro. O paralelo com o que resultou da intervenção de Marcelo em matéria de exames estava estabelecido. E o subliminar comprometimento de Marcelo estava feito. Por mais desmentidos que se seguissem. Porque o Presidente se pôs a jeito. A curiosidade do cidadão comum é agora legítima: o Presidente da República também receberá os promotores da manifestação, de sentido oposto, do próximo dia 18 de Junho? Inaugurou-se, para futuro, uma precedência de “audiências abertas” aos organizadores de manifestações nacionais?

3. No fim de Abril, a Secretária de Estado Adjunta e da Educação solicitou um parecer à Procuradora-Geral da República sobre o objecto dos contratos de associação, formulando duas simples perguntas: podem os colégios abrir novas turmas ao longo dos três anos de vigência dos contratos em curso? São ilegais, por conflituarem com a Lei de Bases do Sistema Educativo e com a Constituição, disposições contidas no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que não condicionam os contratos de associação à verificação de carência de rede pública na respectiva área geográfica a que respeitem? No fundo, o cerne do conflito. Para responder a isto, a Procuradoria escreveu 57 páginas. Li e reli leis, decretos, portarias e artigos citados ad nauseam, numa produção prolixa em extremo, que parece preordenada para que os cidadãos não entendam o que dizem os doutos procuradores. Com ajuda de Kafka resisti e posso garantir que o que lá está é o reconhecimento da razão que assiste ao ministério da educação. Fim de papo? Não! Esfreguem os olhos! Três dezenas de escolas ligadas à Igreja são coisa pouca para que o Episcopado se envolvesse, de modo pouco usual, numa luta política, aliado a empresas privadas. Os contratos são fumo. O fogo vem de trás. De quando se começou a arredar o Estado do lugar que lhe compete: na Educação, na Saúde e, naturalmente, na Segurança Social. É para esse “mercado” mais vasto que olham os que pagaram as t-shirts amarelas, os autocarros, os farnéis e o comboio.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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