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06/02/2019

Palavras para quê?

no Público
6/2/2019

por Santana Castilho*


1. Palavras para quê? Para fixar os factos e garantir que a anedota aconteceu. Primeiro, em Março de 2016, quando PS e BE falaram em congelar o valor máximo das propinas, disse que era matéria estabilizada, na qual o Governo não devia interferir. Em Outubro de 2018, quando o BE anunciou que o valor máximo das propinas seria reduzido de 212 euros, não só não se opôs, como passou a defender o fim das ditas. Em Janeiro deste ano, por ocasião da Convenção Nacional do Ensino Superior, atazanou as hostes com tiradas impactantes sobre a gratuidade do ensino superior. Há dias, em pirueta antológica, veio dizer no Expresso que o fim das propinas seria … uma medida altamente populista, colando o correspondente epíteto na venerável fronte do Presidente da República e de dois secretários de Estado, que defenderam a morte das ressuscitadas. Falo, obviamente, do patusco ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O mesmo que disse que … nunca tinha falado de propinas e que … em Portugal havia pleno emprego para os doutorados (sem contar, digo eu, os … que estão desempregados, recordando a eloquência de Américo Tomás, na feira de Torres Novas: “hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei”.

2. Os desapercebidos Alexandra Leitão e João Costa assinaram um despacho (n.º 779/2019), que passou despercebido para a maioria dos professores. Estes predadores pedagógicos sugaram de um só sorvo a natureza científico-disciplinar da formação contínua dos professores portugueses e colocaram no seu lugar a doutrinação hipócrita dos decretos-lei 54 (educação inclusiva) e 55 (flexibilidade curricular). O fundamentalismo que os domina impediu-os de perceber que “não se deve tentar explicar ao cego o que é o vermelho, nem convidar o surdo para ouvir Chopin”. A irresponsabilidade que os caracteriza tornou-os incapazes de aceitar que não se podem sujeitar às mesmas provas finais alunos com dois tempos lectivos semanais de História e Geografia de Portugal e alunos com três.

3. O Secretário de Estado da Educação, ele, sempre ele, anunciou que no início de Maio começará o terceiro ciclo de avaliação das escolas, da responsabilidade da Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC). Na altura, esclareceu que a avaliação em causa terá na inclusão o indicador-chave e que as equipas responsáveis passarão a integrar pessoas ”que tiveram funções na escola, para trazer conhecimento de terreno ao processo avaliativo”. O Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino reagiu, considerando grave o que João Costa disse. E foi. Entendamo-nos: naturalmente que o trabalho dos inspectores está sujeito à crítica. Mas a crítica não se pode limitar ao implícito e não fundamentado, muito menos ser hipócrita. Com efeito, a exigência de se ter sido professor para se concorrer a inspector foi retirada dos concursos por quem agora sugere que os inspectores não conhecem as escolas. A decência impõe limites! A manipulação que João Costa tece é simplória: no plano discursivo proclama a autonomia, a isenção e a independência dos organismos. Na esfera operacional, entra por eles dentro como elefante em loja de porcelanas, para impor a sua ideologia. Lembram-se dos inspectores transformados em polícias no final da greve às avaliações do passado ano, num acto intimidatório para consumar uma prática mais tarde considerada ilegal? Deram-se conta da purga que varreu agora o IAVE, a escassos meses dos exames?

4. O último estudo da OCDE (Measuring Innovation in Education) diz que a percentagem de alunos portugueses com acesso a computadores nas aulas caiu brutalmente. No 4º ano de escolaridade, por exemplo, essa percentagem desceu de 47% em 2011 para 14% em 2016. Coerentemente, o Governo vai pagar 10 milhões de euros, mais IVA, em licenças de manuais digitais, que os alunos lerão … nos tampos das carteiras.

5. A Fundação Galp deu pública fé de um inquérito sobre a confiança dos portugueses, relativamente a 18 funções profissionais e sociais. Bombeiros, médicos e professores ocupam as três primeiras posições do respectivo ranking. Os políticos estão na última. Numa sociedade que rumina “excelência” a propósito de qualquer propósito, e não me integrando eu no quadro orgânico das agremiações que veneram rankings, admito que este se adequa ao que descrevi.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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