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26/05/2021

Rankings, indisciplina e violência


no Público

26/5/2021

por Santana Castilho*

Todos os anos, por esta altura, os rankings escolares marcam a discussão pública, incentivada por manchetes acicatadoras de uma disputa insana, que apenas exacerba o vedetismo. Ano após ano, limita-se a questão da qualidade das escolas à comparação do ensino público com o privado, com base nos resultados obtidos nos exames, sendo o argumento mais sério para defender os rankings a evocação da necessidade de avaliação externa. Mas são os rankings avaliação ou estrita classificação, construída a partir de um parâmetro único, qual seja o resultado dos exames? Semelhante visão redutora do que é complexo, acrescenta absolutamente nada ao que pode ser feito para ajudar as escolas que têm mais dificuldades. Então, a escola soçobra ante esta inversão de valores e esta desigualdade de influências. Porque a escola deve ser local de realizações, que não de frustrações, de cooperação, que não de competição. Porque o que é fundamental em qualquer escola é aprender. E aprender não é uma competição.

Pode uma escola ser dissociada de tudo o que nela se faz, para ser salva ou condenada pelas notas que um exíguo número dos seus alunos obtém nos exames? Que acolhimento têm nestes rankings milhares de alunos que, mediante muito esforço pessoal e dos seus professores, superam dramáticas situações de partida, embora sem conseguirem obter classificações elevadas? Pode comparar-se o trabalho a desenvolver com alunos oriundos de ambientes familiares desestruturados, paupérrimos, com o que se acrescenta a alunos de famílias ricas, onde nada falta? Pode comparar-se um sistema que recebe, e bem, todos os alunos (350 mil apoiados pela Acção Social Escolar e 80 mil com necessidades educativas especiais) com outro que os seleciona criteriosamente e só admite os mais dotados e os mais ricos? Pode comparar-se uma escola do interior desertificado com outra de um grande centro urbano, alunos “emigrantes” no seu próprio país, que andam diariamente dezenas de quilómetros para chegarem á “escola de socialização”, com outros que se deslocam no Mercedes do pai? Que aconteceria aos resultados das melhores escolas, no próximo ranking, se fossem obrigadas a trabalhar com os alunos das piores deste?

A indisciplina, a violência (física e psicológica) de uns quantos sobre muitos, cobardemente ignorada ou escondida pelos responsáveis, a começar pelo Ministro da Educação, é o fenómeno que mais prejudica a qualidade do ensino público. A delirante propaganda dos actuais responsáveis acerca de uma inclusão que não existe agravou a tendência para abafar a indisciplina endémica. Mas essa tendência não resiste quando, esporadicamente, a dimensão dos acontecimentos salta as barreiras da censura. Com efeito, precisamente na mesma altura em que o ministro da Educação (as suas afirmações, vazias de existência, nem provocam já resistência) dizia no Porto, a propósito da Cimeira Social da União Europeia, que “Portugal é orgulhosamente conhecido como um país que está na vanguarda da inclusão na educação”, a imprensa noticiava que uma aluna de uma escola da Amadora foi barbaramente espancada numa sala de aulas por colegas, que lhe arrancaram unhas, e que noutra, de Ponte de Sor, onde um jovem já foi esfaqueado, os professores têm medo de dar as aulas, são constantes as agressões, circula droga e houve uma tentativa de violação.

Entendamo-nos, sem tibiezas. Quando um menor agride outro dentro da escola, há duas entidades directamente responsáveis: a escola e os pais do agressor. Mas a escola tem de ter meios e dirigentes capazes de resolver, de modo célere e sem titubear, agressões e vandalismos. Alunos, auxiliares de educação e professores não podem viver aterrorizados por pequenos marginais, que recusam regras mínimas.

O rumo errado das actuais políticas de Educação, perpetuando erros de há muito, conduziu a escola pública para um ambiente de desalento e deixou bloqueado na cave o decantado elevador social. No jogo de enganos em que se transformou o nosso sistema de ensino, os professores têm fome de sentido para a sua verdadeira profissionalidade. Quanto mais os proletarizam, mais humanidade se retira à escola.

*Professor do ensino superior

 

13/05/2021

sobre comentários ...

 Caros leitores deste blogue:

Não sei porquê, os vossos comentários não me ficam visíveis, nem recebo notificação deles, só os encontro se for à procura ...

Assim dei-me conta, hoje (😕) de que seis tinham ido parar ao "spam" ... Já estão publicados. (Por definição e opções do "Blogger", todos os comentários são aceites, incluindo os "anónimos". Não sou eu que decido o que é "spam".)


nota: os blogues, a imensa maioria deles, "morreram", como sabem; foram suplantados pelas redes sociais. Não é bom nem mau, apenas uma realidade incontornável. Continuo a pôr aqui os artigos do Professor Santana Castilho por consideração por ele e pelos eventuais leitores que os procurem.

Facto é que me tenho dedicado pouco aos aspectos técnicos, regras e "layout" que o Blogger alterou / vai alterando. As minhas reiteradas desculpas!

Abraço,

Ana Lima

12/05/2021

Apregoam-se valores, praticam-se conveniências.

Apregoam-se valores, praticam-se conveniências.

Santana Castilho*

1. O Supremo Tribunal Administrativo deu razão a Joaquim Sousa, professor de geografia e antigo director da Escola Básica 123 do Curral das Freiras, e mandou pagar-lhe os vencimentos relativos a seis meses de suspensão, com que foi castigado na sequência de um procedimento disciplinar.

Joaquim Sousa foi o obreiro principal do projecto educativo que levou a escola da vila mais pobre e isolada da Madeira a ser considerada, em 2016, uma escola modelo, tão-só a melhor escola pública no exame de Português do 9.º ano de 2015. De nada lhe valeu o apoio da opinião pública e os apelos feitos ao Presidente da República, aos partidos com assento no parlamento regional e respectivo governo. Os burocratas de serviço falaram mais alto.

Do meu posto de observação segui o kafkiano processo e fui lendo testemunhos de professores e alunos de uma escola profundamente humanizada por Joaquim Sousa. E se nada disse na altura foi porque Bárbara Reis, aqui, em 29 de Março de 2019, disse tudo. A Joaquim Sousa pagaram agora os salários, injustamente sonegados. Mas mandaria a decência mínima que lhe pedissem desculpa pela violência indizível que manchou a honra de um Professor, que acertou, num reino de desacertos. Tanto mais que, por ele, marcaram-lhe, também, a mulher e dois filhos e extinguiram, por via escabrosa, a sua escola modelo. Tudo o que dela resta piorou. Mas tudo parece cumprir, agora, a bíblia dos imprestáveis: o regulamento.

Esta saga mostra que, 47 anos depois, na mente capta de muitos dirigentes públicos, persistem os três grandes princípios da administração pública de outrora: não te rales mas não te entales, a iniciativa vem sempre de cima e nunca ninguém foi castigado por não fazer nada.

2. Inês Trindade, doutorada em Psicologia Clínica e investigadora em medicina comportamental, emigrou aos 30 anos, revoltada por não conseguir sobreviver em Portugal. Contou aqui a sua história (Balada de despedida: a insustentabilidade das carreiras científicas em Portugal, Público de 12.3.21). A balada de despedida desta cientista é um libelo acusatório (mais um) à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que acusa, com exemplos graves, de controlar de modo iníquo e arbitrário a maior parte do financiamento para a ciência. Referindo-se a um concurso de que saiu vencida (Estímulo ao Emprego Científico), disse Inês Trindade que as suas “métricas científicas eram equivalentes às dos cinco investigadores melhor classificados, juntos”, coisa que acontece, afirmou, constantemente, há anos. E falou de outros cientistas que “ficam largos meses desempregados à espera de burocracias infindáveis, ou simplesmente a trabalhar gratuitamente na esperança de um dia obter uma posição”.

3. Estes dois flagrantes da nossa vida colectiva, somados ao debate sobre o Novo Banco ou sobre os acontecimentos de Odemira, são um retrato do país. As crises sucessivas do nosso viver colectivo, da bancarrota de Sócrates à pandemia de Costa, passando pela troika de Passos, mostraram que os gananciosos e os oportunistas políticos apenas tiveram de alterar as formas de manter os seus indecorosos lucros e poder. Porque a demagogia dos discursos esconde sempre que, na política, a única coisa que a dita são os interesses e o poder.

Bem pode António Costa fazer a apologia da solidariedade social, para a Europa ouvir, que a boçalidade consentida de Eduardo Cabrita e a grunhice ignorada de João Galamba dizem o quê e quem ele protege. Bem pode Tiago Brandão Rodrigues, também para a Europa ouvir, proclamar que Portugal “é orgulhosamente conhecido como país que está na vanguarda da inclusão” que, quando já ninguém se lembrar dele, ainda todos estaremos a pagar o custo das suas medidas paroquiais, que criaram um sistema de ensino cada vez menos fermento de espírito crítico e alforge de competências para ler o mundo de forma livre, mas cada vez mais vergado a teorias pedagógicas datadas e às necessidades de um deus mercado de serviços de baixo valor.

Apregoam-se valores, praticam-se conveniências. A propósito, António Costa poderia estar mais atento à imprensa internacional, antes de dizer que não há capacidade de produção de vacinas. Se as patentes fossem levantadas, há fábricas disponíveis para produzir centenas de milhões. Tem a lista aqui:  AP News, 1.3.21  e  The Guardian, 24.4.21.

*Professor do ensino superior

no Público, 12/5/2021