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04/01/2023

A luta dos professores contra um governo poluto

 

in Público

4/1/2022

por Santana Castilho*

 

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Bertolt Brecht

Em nove meses de governo, o resultado de uma maioria absoluta poluta e nepotista é uma pazada de demissões pelos mais escabrosos motivos e um ano lectivo que recomeçou num clima de conflitualidade como há muito não se vivia. Com efeito, na educação, o ambiente é de um profundo mal-estar, gerado por ondas de desorientação e deslumbramentos vazios de racionalidade, assentes em sucessivas torrentes de solicitações asfixiantes, sob nomes pomposamente modernos mas substantivamente inúteis,que tornaram num suplício o nobre acto de ensinar. 

Na acção deste governo é possível identificar padrões de comportamento político: quando as escolhas se revelam imprudentes, os autores não assumem a responsabilidade; quando as situações configuram escândalos, os responsáveis políticos rasgam as vestes para garantir que as desconheciam; quando os casos se acumulam, o líder da casta vocifera: habituem-se!

Sem subtilezas linguísticas, António Costa é o verdadeiro responsável por um governo poluto, que tem reduzido os professores a simples funcionários, cada vez mais desautorizados e despromovidos socialmente. 

António Costa deu campo aberto ao narcisismo político de aventureiros irresponsáveis e fez ouvidos de mercador ao que pensa a maioria dos professores de sala de aula sobre as madraças da flexibilidade e da inclusão, criadas para pastorear incautos e transformar velharias falhadas em tendências pedagógicas novas. 

António Costa é o verdadeiro responsável por, de modo cruel e perverso, ter posto a sociedade e a opinião pública contra os professores, para lhes retirar o direito à greve, para lhes retirar força salarialpara lhes roubar o tempo de trabalho cumprido. Com o seu cínico jeito, nomeou mordomos, que odeiam os docentes, em lugar de ministros, sem perceber que morre lentamente uma sociedade que não acarinha os seus professores. Agora,finalmente, tem os docentes na rua a lutar contra diversas fidalguias partidárias (sindicalismo tradicional incluído) e a reclamar o direito de ensinar em paz, antes que acabem, definitivamente, abandonados num país onde o acto pedagógico livre se transforme em prática administrativa ou obediência doutrinária

O que, na senda dos anteriores, reconheçamos, os governos de António Costa fizeram foi tão miserável e tirânico que os professores se sentiram, finalmente, convocados para dizer não a anos de decisões catastróficas para o ensino público. Agora, das duas, uma: ou os professores ganham ou o país perde. Porque o Costa, João, autor material, com o alheamento do Costa, António, autor moral, têm vindo a promover o lento homicídio do ensino público e a pôr em causa o futuro das crianças e dos jovens alunos portugueses. Porque a pedagogia e as didácticas assentes na ciência são distintas das proclamações de João Costa e prosélitos, assentes em dogmas fanáticos. 

Muitas críticas à greve dos professores parecem não lhes reconhecer o direito à luta por melhores condições de trabalho e pela retoma da dignidade profissional e esquecer que a greve é um instituto de manifestação de descontentamento, constitucionalmente consagrado na nossa democracia representativa. Por outro lado, para que a democracia seja mais do que apenas formalmente representativa, qualquer governo deve permanecer aberto e atento à expressividade das greves. Só assim o exercício da apregoada “soberania do povo” ganha sentido durante os quatro anos que separam os ciclos eleitorais. 

Por tudo isto, os professores precisam hoje da solidariedade dos pais. Porque não há futuro para os seus filhos sem educação, não há educação sem ensino público e não há ensino público sem professores dignificados. Por tudo isto, os pais não podem deixar os professores a lutar sozinhos. Todavia, temos uma comunidade parental que tem ficado passiva perante o rasto de destruição do ensino público, porque ainda não compreendeu como tem sido gerida a educação, particularmente na esfera pública. Espero bem que sejam agora muitos os pais portugueses que passem a compreender como a luta dos professores é, também, uma luta pelo futuro dos seus filhos.

 

*Professor do ensino superior

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