Passos em falso
Santana Castilho *1. Pareceria elementar que alunos, famílias e professores pudessem confiar no Estado quanto às regras por que se pautam. Parece de senso mínimo que elas não mudem a meio do ano. Mas mudam. E não é de agora. O que é de agora é a incoerência de Nuno Crato, que faz hoje o que, ontem, impiedosamente criticava. Poderemos teorizar sobre as vantagens e as desvantagens de permitir aos alunos que escolham entre apresentar-se ou não à primeira fase dos exames nacionais. Podemos admitir que apenas os casos excepcionais recorram à segunda. Mas o que não podemos aceitar é que se decida sobre isto a meio do ano e, sobretudo, não se preveja alternativa para um impedimento forte, que escape à vontade do aluno e tenha por consequência a perda de um ano. Tal aberração está contida no despacho nº 1942, de 10 de Fevereiro, da secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário. Para que fique mais fácil de entender: um cidadão português, aluno de 18, que não entrou em medicina no ano passado, por insuficiência de média, num país que contrata médicos de 10, estrangeiros, e que tenha passado este ano a estudar para fazer melhoria de nota, se tiver o azar de ser atropelado a caminho do exame da primeira fase, ao qual tem obrigatoriamente que se apresentar, esse cidadão, caros leitores, dizia eu, perde outro ano e volta no próximo. Se não for piegas, ou não emigrar.
2. Na proposta de novas regras para a contratação de docentes, o Governo invoca o “princípio da igualdade” para permitir que os professores das escolas privadas com contrato de associação possam ter acesso à primeira prioridade do respectivo concurso. E sustenta a proposta com a alegação de que aqueles professores prestam serviço público idêntico ao que é prestado pelos professores das escolas públicas. Para que a iniciativa não exalasse cinismo e desonestidade, o Governo deveria tornar definitivos os contratos precários dos milhares de docentes da escola pública, com três anos de contratação. Como acontece aos docentes das escolas privadas. Por uma questão elementar da invocada igualdade.
3. Se os verdadeiros crimes pedagógicos que se têm cometido em Portugal tivessem ocorrido na Islândia, talvez algo tivesse acontecido, responsabilizando civilmente os autores, como Passos Coelho corajosamente defendia, quando era oposição. Uma primeira consequência, mensurável, do disparate dos megas agrupamentos, está aí: o calote feito para transportar crianças das suas aldeias para os depósitos desumanos das cidades cifra-se em 60 milhões de euros e ameaça paralisar o sistema. O país ficaria atónito se mais custos fossem quantificados.
4. O Governo aprovou um tal “Programa de Relançamento do Serviço Público de Emprego”, que prevê pagar a agências que coloquem desempregados. A ideia é que o Instituto de Emprego e Formação Profissional pague ao sector privado para que este faça o que compete àquele. Por outro lado, anuncia-se nova vaga de formação, com cursos de 50 a 300 horas. Era tempo de o Governo aceitar que só há emprego com crescimento económico e que o desemprego não é consequência de falta de formação. Tanto mais que vem aconselhando os mais qualificados a emigrarem e nada fez para cumprir a recomendação da troika no que toca ao ensino profissional. Basta de incoerência e de dinheiro deitado à rua ou investido no progresso de países terceiros.
5. Francisco José Viegas, o escritor e jornalista, faria e diria o que Francisco José Viegas, o secretário de Estado da Cultura, tem feito e dito? Diria ter chegado a “bom porto”, no negócio da venda da Tobis, quando, como candidamente confessou, apenas sabe que a empresa compradora é de “capitais sobretudo angolanos”? O Estado português já vende sem saber a quem? Se, por mera hipótese, um qualquer cartel da droga, a coberto de nome germânico, oferecer bom dinheiro pela TAP, o Estado vende, limitando-se a contar as notas?
6. Os sacrifícios colossais impostos aos portugueses que menos podem reclamam tolerância zero quanto à legitimidade moral das decisões políticas. Infelizmente, essas decisões são cada vez mais opacas e iníquas. O parlamento acaba de inviabilizar uma nova comissão de inquérito ao polvo BPN. Compreendemos porquê. Porque, com raras excepções, assume-se sempre como correia de transmissão da maioria que governa. Porque, neste caso, Passos tende para Sócrates e Gaspar converge com Teixeira dos Santos. Como é possível que uma fraude tão grande só conheça um rosto indiciado, que não condenado? Como é possível que, volvidos 33 meses, não seja pública a trama urdida e não sejam conhecidos os nomes dos que a conceberam, que serão muitos mais que o solitário Oliveira e Costa? À opacidade das condições em que o BPN foi resgatado junta-se agora a falta de transparência das condições em que foi vendido por tuta e meia. Passos como Sócrates, Gaspar como Teixeira dos Santos, actuam como se fossem donos do dinheiro que confiscaram aos contribuintes e acham que não têm que prestar contas públicas sobre o BPN. Por que razão não foi nacionalizada a Sociedade Lusa de Negócios e os seus activos? Qual é, afinal, a quantia total injectada no BPN? Qual era, é, o valor do património imobiliário do BPN?
7. Miguel Relvas decidiu imortalizar o programa de Governo numa edição de luxo para governantes. Foram 100 exemplares a 120 euros cada. No mesmo dia em que a decisão política, imoral, era conhecida, Miguel Relvas exortava na televisão, pedagogicamente, as autarquias a acabarem com as obras de fachada. Aparentemente sem se dar conta que há uma diferença entre um ministro de Estado e um grilo falante.