20/01/2021

Afinal era o postigo! (versão longa)

 

Afinal era o postigo!

Santana Castilho*

1. Sobre o vírus e a doença que provoca, cientistas invocam estudos, modelos matemáticos e dados estatísticos para contraditarem outros que, socorrendo-se de recursos idênticos, deles divergem. De uns nunca tinha ouvido falar, de outros conheço currículos sólidos e longos. De uns procurei produção científica sujeita a avaliação por pares e não encontrei, de outros li o que está publicado, sob esse requisito de validação.

É este exercício racional que me tem ajudado a construir opinião própria e a blindar contra a cruzada do medo que as televisões continuam a alimentar. Porque mesmo nos piores momentos, é possível viver de pé e pensar, procurando não nos precipitarmos a aderir e só aderir ao que se entende, por via da dúvida construtiva.

2. Não me agrada ver os que censuravam a TINA doutros tempos quererem convencer-me que não há alternativa ao confinamento, aos testes a eito, aos desinfectantes a jorros e à suspensão das liberdades individuais básicas.

Não aceito que António Costa me culpe pelo fracasso da sua governação, cavalgando o medo, porque o medo é o instrumento que mais nos faz desaprender. Sim, o medo tornou-se uma espécie de religião e muitos bispos profanos usam-no como estratégia de poder. Por isso têm medo que o medo acabe.

Rejeito a banalização do estado de emergência (vamos no 9º com o 10º anunciado) e o atropelo a liberdades e garantias dos cidadãos, constitucionalmente protegidas, como forma de gerir a saúde pública. E não me sirvo de teorias da conspiração para destacar o que é evidente: com este expediente cerceiam-se greves e protestos por parte dos que são proibidos de trabalhar, enquanto avança a substituição de postos de trabalho por soluções digitais (professores e médicos incluídos). A pandemia é uma desgraça para a maioria e uma rica oportunidade para alguns. Qualquer ser pensante não paralisado pelo medo tem obrigação ética de procurar perceber porque crescem exponencialmente as fortunas dos mais ricos do mundo, num cenário de devastação económica e de destruição massiva de milhões de pequenos modos tradicionais de ganhar a vida.

Rejeito o cancelamento por decreto dos direitos constitucionais, a intromissão na esfera privada das famílias, a suspensão da democracia para determinar a prisão domiciliária da sociedade inteira, a transformação de seculares modos de vida num imenso parque temático de rituais patéticos, que me reconduzem aos preâmbulos de fascismos doutros tempos.

Governantes sensatos e cultos, independente de qualquer ideologia militante, não poderiam ignorar que a propósito dos danos da covid-19 se ensaiam engenharias sociais, alavancadas pelos avanços fabulosos da digitalização global, que outro fito não têm senão controlar e domesticar a liberdade individual. Porque não sou negacionista, preocupa-me muito o potencial infeccioso do vírus. Mas porque não sou estúpido, preocupam-me muito mais os efeitos colaterais, destruidores, de muitas das medidas tomadas para o combater.

3. Não sei se é fragmento literário ou se aconteceu e alguém me contou. Numa ou noutra hipótese, desconheço o autor. Mas a história narra-se assim: um menino de 4 anos tinha um vizinho idoso, cuja mulher morreu. Ao vê-lo chorar, o menino sentou-se no seu colo. Quando a mãe lhe perguntou o que tinha dito ao velhinho, ele respondeu:

- Nada. Só o ajudei a chorar.

A história estava guardada na minha memória. Saiu de lá e levou-me às lágrimas quando o outro dia vi a expressão, já definitivamente ausente e esmagadoramente macabra, de um velho, a receber a visita de um familiar, dele separado por um vidro. Gostava que os protectores sanitários dos velhos abandonados em lares a lessem.

São os que têm mais de 80 anos que maioritariamente aumentam o actual número diário de mortos, sendo que a covid- 19 apenas é o factor que agrava patologias e fragilidades previamente existentes. E para estes, que vivem em lares ou isolados, falhámos na tomada de medidas diferenciadas. Não é o confinamento que os protege do frio ou resolve as suas carências graves, alimentares e de assistência médica. O confinamento afasta-os da família. E isso vai-os matando aos pedaços. Um confinamento rigoroso baixa a transmissão da infecção mas não evita as mortes dos socialmente mais frágeis, quase 2 milhões que vivem com pensões de reforma abaixo dos 400 euros.

4. Tenhamos a clarividência de reconhecer que a ameaça de ruptura nos hospitais não é nova. Todos os anos os hospitais se aproximam da ruptura por esta altura. Dados disponíveis no site da OMS mostram que em 2018 morreram em Portugal, por gripe e pneumonia, 8.158 pessoas.

As consequências da proliferação do vírus apenas agravaram cenários idênticos doutros anos, tudo resultado do desinvestimento sistemático no SNS, operado na última década. Com efeito, há 10 anos, pelo menos, que começaram a diminuir o número de camas nos hospitais. A redução generalizada de recursos humanos, a insuficiência das estruturas humanas e materiais em cuidados intensivos e a falta de articulação da saúde com a assistência social não são de agora. É de agora o aumento crescente da emigração de médicos e enfermeiros, cuja formação paga por nós acaba posta ao serviço de países terceiros? Revisitem a reportagem da jornalista Ana Leal sobre 15 hospitais do SNS, que passou na TVI24 a 13 de Abril de 2015, e digam-me se o cenário apocalíptico aí documentado se afasta do que hoje é descrito. Neste quadro, era desejável que se apurasse o número dos que morreram por falta de tratamento, por outras causas que não covid-19, particularmente depois da ministra da Saúde se imiscuir nos actos médicos dos hospitais do SNS, suspendendo por despacho as cirurgias prioritárias, designadamente as do foro oncológico.

5. A história das vacinas, um dos recursos mais poderosos da medicina para impedir mortes, está recheada de incidentes, por erros e pressões políticas. Por todos, cito dois:

- A tuberculose, cujo bacilo causador foi descoberto por Robert Koch em 1882, só conheceria uma vacina 45 anos depois, em 1927. Infelizmente, quando foi administrada pela primeira vez, provocou a morte de 72 crianças, por um erro de manipulação, que juntou à vacina bactérias activas.

- O enorme fiasco (custos e efeitos secundários na saúde de muitos cidadãos) que resultou da pressão política do presidente Gerald Ford, em 1976, para que os EUA produzissem uma vacina para uma epidemia que acabou por não se verificar (a gripe suína).

Moderna, Pfizer e BioNTech queimaram etapas de teste em animais e pularam directamente para o ser humano, numa vacina assente em operações de edição genética. Não sei se as 29 mortes verificadas na Noruega e as 55 ocorridas nos EUA, após a administração da vacina da Pfizer, permitem o estabelecimento de uma relação de causa, efeito. Mas deveriam ditar medidas apropriadas até que as respectivas investigações médicas e forenses estejam concluídas. E o discurso único deveria aceitar a perplexidade de quantos receiam eventuais efeitos, a prazo, desta inovação científica, marcada pela fragilidade das tradicionais e cautelosas fases de teste.

A vacina não vai acabar com a circulação do vírus. Vai evitar que quem esteja vacinado tenha doença grave quando se cruzar com o vírus. Com efeito, a 13 deste mês, durante uma conferência do JPMorgan (um dos maiores bancos do mundo, pois claro), Stephane Bancel (CEO da Moderna) afirmou que a covid-19 vai tornar-se endémica, que o SARS-CoV-2 não vai desaparecer e que nós teremos que viver com esse vírus para sempre, opinião partilhada por muitas autoridades de saúde pública e pela própria OMS (Prof. David Heymann, presidente do seu Grupo Consultivo Estratégico).

6. No quadro deste escrito, seria imperiosa uma referência aos testes PCR. Um teste PCR positivo, desde que verdadeiro, identifica no corpo do paciente a presença de matéria viral. Mas não permite concluir que se esteja em presença de um perigo de contágio, já que tal perigo depende da quantidade de matéria viral existente. E são muitos os especialistas que consideram uma insanidade testar qualquer pessoa sem sintomas.

Numa informação divulgada a 14 de Dezembro de 2020, a OMS reconheceu problemas relacionados com os testes PCR, em consequência de acções judiciais (uma delas ocorrida em Portugal) que reclamaram da sua inabilidade para diagnosticar a doença como, aliás, reconheceu explicitamente o próprio inventor, Prof. Kary Mullis, Nobel da Química em 1993. O insuspeito Anthony Fauci declarou publicamente ser totalmente inútil executar testes PCR com 35 ciclos ou mais (e não se conhece, geralmente, o número exato de ciclos que os laboratórios executam durante os testes PCR).

No site da OMS pode ler-se que o teste PCR é um processo de acerto e erro, com muitos falsos positivos. E nessa linha basta atentarmos à saga vivida há dias por Marcelo Rebelo de Sousa (ora positivo, ora negativo, com escassas horas de permeio) e à circunstância de ter visitado um lar de idosos (um lar de idosos, sublinho) na pendência de um teste PCR (cujo resultado, insolitamente, lhe foi comunicado por jornalistas à saída, em frente às câmaras), para ficarmos conversados sobre a fiabilidade do processo.

7. A decisão sobre o confinamento seria sempre crítica e difícil. Mas deveria ser uma decisão de sim ou não. Esta espécie de confinamento é pouco mais que nada. Vamos pagar custos altíssimos para ter benefícios quase nulos. Vamos cilindrar o comércio de rua e atirar para a falência boa parte do nosso tecido produtivo, gerando desemprego, fome e pobreza.

Quando as autoridades nos dizem que 87% dos casos não permitiram a identificação do contágio, confessam que falharam grosseiramente na vertente eventualmente mais eficaz para combater a pandemia: o rastreio e a vigilância epidemiológica.

Ao contrário do que aconteceu em Março, são agora permitidas celebrações religiosas, funcionamento da catequese incluído. O Governo considerou que as confissões religiosas cumpriram sempre as regras de segurança sanitária. Restaurantes, ginásios, cabeleireiros e tantos outros não cumpriram?

Não é difícil aceitar os argumentos de António Costa a favor da escola presencial. Mas há uma incoerência insanável entre a sua retórica em defesa da necessidade de ficarmos em casa e a decisão de manter as escolas abertas, o que significa a mobilidade diária de mais de 2 milhões de pessoas.

É evidente a inconsistência e a arbitrariedade das medidas. Compreende-se que se possa ir à drogaria, mas não à livraria? À missa mas não ao teatro? À catequese mas não à sala de estudo? Aos refeitórios mas não aos restaurantes? Ao postigo do confessionário mas não ao postigo do boteco?

*Professor do ensino superior

Santana Castilho*

1. Sobre o vírus e a doença que provoca, cientistas invocam estudos, modelos matemáticos e dados estatísticos para contraditarem outros que, socorrendo-se de recursos idênticos, deles divergem. De uns nunca tinha ouvido falar, de outros conheço currículos sólidos e longos. De uns procurei produção científica sujeita a avaliação por pares e não encontrei, de outros li o que está publicado, sob esse requisito de validação.

É este exercício racional que me tem ajudado a construir opinião própria e a blindar contra a cruzada do medo que as televisões continuam a alimentar. Porque mesmo nos piores momentos, é possível viver de pé e pensar, procurando não nos precipitarmos a aderir e só aderir ao que se entende, por via da dúvida construtiva.

2. Não me agrada ver os que censuravam a TINA doutros tempos quererem convencer-me que não há alternativa ao confinamento, aos testes a eito, aos desinfectantes a jorros e à suspensão das liberdades individuais básicas.

Não aceito que António Costa me culpe pelo fracasso da sua governação, cavalgando o medo, porque o medo é o instrumento que mais nos faz desaprender. Sim, o medo tornou-se uma espécie de religião e muitos bispos profanos usam-no como estratégia de poder. Por isso têm medo que o medo acabe.

Rejeito a banalização do estado de emergência (vamos no 9º com o 10º anunciado) e o atropelo a liberdades e garantias dos cidadãos, constitucionalmente protegidas, como forma de gerir a saúde pública. E não me sirvo de teorias da conspiração para destacar o que é evidente: com este expediente cerceiam-se greves e protestos por parte dos que são proibidos de trabalhar, enquanto avança a substituição de postos de trabalho por soluções digitais (professores e médicos incluídos). A pandemia é uma desgraça para a maioria e uma rica oportunidade para alguns. Qualquer ser pensante não paralisado pelo medo tem obrigação ética de procurar perceber porque crescem exponencialmente as fortunas dos mais ricos do mundo, num cenário de devastação económica e de destruição massiva de milhões de pequenos modos tradicionais de ganhar a vida.

Rejeito o cancelamento por decreto dos direitos constitucionais, a intromissão na esfera privada das famílias, a suspensão da democracia para determinar a prisão domiciliária da sociedade inteira, a transformação de seculares modos de vida num imenso parque temático de rituais patéticos, que me reconduzem aos preâmbulos de fascismos doutros tempos.

Governantes sensatos e cultos, independente de qualquer ideologia militante, não poderiam ignorar que a propósito dos danos da covid-19 se ensaiam engenharias sociais, alavancadas pelos avanços fabulosos da digitalização global, que outro fito não têm senão controlar e domesticar a liberdade individual. Porque não sou negacionista, preocupa-me muito o potencial infeccioso do vírus. Mas porque não sou estúpido, preocupam-me muito mais os efeitos colaterais, destruidores, de muitas das medidas tomadas para o combater.

3. Não sei se é fragmento literário ou se aconteceu e alguém me contou. Numa ou noutra hipótese, desconheço o autor. Mas a história narra-se assim: um menino de 4 anos tinha um vizinho idoso, cuja mulher morreu. Ao vê-lo chorar, o menino sentou-se no seu colo. Quando a mãe lhe perguntou o que tinha dito ao velhinho, ele respondeu:

- Nada. Só o ajudei a chorar.

A história estava guardada na minha memória. Saiu de lá e levou-me às lágrimas quando o outro dia vi a expressão, já definitivamente ausente e esmagadoramente macabra, de um velho, a receber a visita de um familiar, dele separado por um vidro. Gostava que os protectores sanitários dos velhos abandonados em lares a lessem.

São os que têm mais de 80 anos que maioritariamente aumentam o actual número diário de mortos, sendo que a covid- 19 apenas é o factor que agrava patologias e fragilidades previamente existentes. E para estes, que vivem em lares ou isolados, falhámos na tomada de medidas diferenciadas. Não é o confinamento que os protege do frio ou resolve as suas carências graves, alimentares e de assistência médica. O confinamento afasta-os da família. E isso vai-os matando aos pedaços. Um confinamento rigoroso baixa a transmissão da infecção mas não evita as mortes dos socialmente mais frágeis, quase 2 milhões que vivem com pensões de reforma abaixo dos 400 euros.

4. Tenhamos a clarividência de reconhecer que a ameaça de ruptura nos hospitais não é nova. Todos os anos os hospitais se aproximam da ruptura por esta altura. Dados disponíveis no site da OMS mostram que em 2018 morreram em Portugal, por gripe e pneumonia, 8.158 pessoas.

As consequências da proliferação do vírus apenas agravaram cenários idênticos doutros anos, tudo resultado do desinvestimento sistemático no SNS, operado na última década. Com efeito, há 10 anos, pelo menos, que começaram a diminuir o número de camas nos hospitais. A redução generalizada de recursos humanos, a insuficiência das estruturas humanas e materiais em cuidados intensivos e a falta de articulação da saúde com a assistência social não são de agora. É de agora o aumento crescente da emigração de médicos e enfermeiros, cuja formação paga por nós acaba posta ao serviço de países terceiros? Revisitem a reportagem da jornalista Ana Leal sobre 15 hospitais do SNS, que passou na TVI24 a 13 de Abril de 2015, e digam-me se o cenário apocalíptico aí documentado se afasta do que hoje é descrito. Neste quadro, era desejável que se apurasse o número dos que morreram por falta de tratamento, por outras causas que não covid-19, particularmente depois da ministra da Saúde se imiscuir nos actos médicos dos hospitais do SNS, suspendendo por despacho as cirurgias prioritárias, designadamente as do foro oncológico.

5. A história das vacinas, um dos recursos mais poderosos da medicina para impedir mortes, está recheada de incidentes, por erros e pressões políticas. Por todos, cito dois:

- A tuberculose, cujo bacilo causador foi descoberto por Robert Koch em 1882, só conheceria uma vacina 45 anos depois, em 1927. Infelizmente, quando foi administrada pela primeira vez, provocou a morte de 72 crianças, por um erro de manipulação, que juntou à vacina bactérias activas.

- O enorme fiasco (custos e efeitos secundários na saúde de muitos cidadãos) que resultou da pressão política do presidente Gerald Ford, em 1976, para que os EUA produzissem uma vacina para uma epidemia que acabou por não se verificar (a gripe suína).

Moderna, Pfizer e BioNTech queimaram etapas de teste em animais e pularam directamente para o ser humano, numa vacina assente em operações de edição genética. Não sei se as 29 mortes verificadas na Noruega e as 55 ocorridas nos EUA, após a administração da vacina da Pfizer, permitem o estabelecimento de uma relação de causa, efeito. Mas deveriam ditar medidas apropriadas até que as respectivas investigações médicas e forenses estejam concluídas. E o discurso único deveria aceitar a perplexidade de quantos receiam eventuais efeitos, a prazo, desta inovação científica, marcada pela fragilidade das tradicionais e cautelosas fases de teste.

A vacina não vai acabar com a circulação do vírus. Vai evitar que quem esteja vacinado tenha doença grave quando se cruzar com o vírus. Com efeito, a 13 deste mês, durante uma conferência do JPMorgan (um dos maiores bancos do mundo, pois claro), Stephane Bancel (CEO da Moderna) afirmou que a covid-19 vai tornar-se endémica, que o SARS-CoV-2 não vai desaparecer e que nós teremos que viver com esse vírus para sempre, opinião partilhada por muitas autoridades de saúde pública e pela própria OMS (Prof. David Heymann, presidente do seu Grupo Consultivo Estratégico).

6. No quadro deste escrito, seria imperiosa uma referência aos testes PCR. Um teste PCR positivo, desde que verdadeiro, identifica no corpo do paciente a presença de matéria viral. Mas não permite concluir que se esteja em presença de um perigo de contágio, já que tal perigo depende da quantidade de matéria viral existente. E são muitos os especialistas que consideram uma insanidade testar qualquer pessoa sem sintomas.

Numa informação divulgada a 14 de Dezembro de 2020, a OMS reconheceu problemas relacionados com os testes PCR, em consequência de acções judiciais (uma delas ocorrida em Portugal) que reclamaram da sua inabilidade para diagnosticar a doença como, aliás, reconheceu explicitamente o próprio inventor, Prof. Kary Mullis, Nobel da Química em 1993. O insuspeito Anthony Fauci declarou publicamente ser totalmente inútil executar testes PCR com 35 ciclos ou mais (e não se conhece, geralmente, o número exato de ciclos que os laboratórios executam durante os testes PCR).

No site da OMS pode ler-se que o teste PCR é um processo de acerto e erro, com muitos falsos positivos. E nessa linha basta atentarmos à saga vivida há dias por Marcelo Rebelo de Sousa (ora positivo, ora negativo, com escassas horas de permeio) e à circunstância de ter visitado um lar de idosos (um lar de idosos, sublinho) na pendência de um teste PCR (cujo resultado, insolitamente, lhe foi comunicado por jornalistas à saída, em frente às câmaras), para ficarmos conversados sobre a fiabilidade do processo.

7. A decisão sobre o confinamento seria sempre crítica e difícil. Mas deveria ser uma decisão de sim ou não. Esta espécie de confinamento é pouco mais que nada. Vamos pagar custos altíssimos para ter benefícios quase nulos. Vamos cilindrar o comércio de rua e atirar para a falência boa parte do nosso tecido produtivo, gerando desemprego, fome e pobreza.

Quando as autoridades nos dizem que 87% dos casos não permitiram a identificação do contágio, confessam que falharam grosseiramente na vertente eventualmente mais eficaz para combater a pandemia: o rastreio e a vigilância epidemiológica.

Ao contrário do que aconteceu em Março, são agora permitidas celebrações religiosas, funcionamento da catequese incluído. O Governo considerou que as confissões religiosas cumpriram sempre as regras de segurança sanitária. Restaurantes, ginásios, cabeleireiros e tantos outros não cumpriram?

Não é difícil aceitar os argumentos de António Costa a favor da escola presencial. Mas há uma incoerência insanável entre a sua retórica em defesa da necessidade de ficarmos em casa e a decisão de manter as escolas abertas, o que significa a mobilidade diária de mais de 2 milhões de pessoas.

É evidente a inconsistência e a arbitrariedade das medidas. Compreende-se que se possa ir à drogaria, mas não à livraria? À missa mas não ao teatro? À catequese mas não à sala de estudo? Aos refeitórios mas não aos restaurantes? Ao postigo do confessionário mas não ao postigo do boteco?

*Professor do ensino superior

Afinal era o postigo!

 

Afinal era o postigo!

Santana Castilho*

Não sei se é fragmento literário ou se aconteceu e alguém me contou. Numa ou noutra hipótese, desconheço o autor. Mas a história narra-se assim: um menino de 4 anos tinha um vizinho idoso, cuja mulher morreu. Ao vê-lo chorar, o menino sentou-se no seu colo. Quando a mãe lhe perguntou o que tinha dito ao velhinho, ele respondeu:

- Nada. Só o ajudei a chorar.

A história estava guardada na minha memória. Saiu de lá e levou-me às lágrimas quando o outro dia vi a expressão, já definitivamente ausente e esmagadoramente macabra, de um velho, a receber a visita de um familiar, dele separado por um vidro. Gostava que os protectores sanitários dos velhos abandonados em lares a lessem.

São os que têm mais de 80 anos que maioritariamente aumentam o actual número diário de mortos, sendo que a covid-19 apenas é o factor que agrava patologias e fragilidades previamente existentes. E para estes, que vivem em lares ou isolados, falhámos na tomada de medidas diferenciadas. Não é o confinamento que os protege do frio ou resolve as suas carências graves, alimentares e de assistência médica. O confinamento afasta-os da família. E isso vai-os matando aos pedaços. Um confinamento rigoroso baixa a transmissão da infecção mas não evita as mortes dos socialmente mais frágeis, quase 2 milhões que vivem com pensões de reforma abaixo dos 400 euros.

Tenhamos a clarividência de reconhecer que a ameaça de ruptura nos hospitais não é nova. Todos os anos os hospitais se aproximam da ruptura por esta altura. Dados disponíveis no site da OMS mostram que em 2018 morreram em Portugal, por gripe e pneumonia, 8.158 pessoas.

As consequências da proliferação do vírus apenas agravaram cenários idênticos doutros anos, tudo resultado do desinvestimento sistemático no SNS, operado na última década. Com efeito, há 10 anos, pelo menos, que começaram a diminuir o número de camas nos hospitais. A redução generalizada de recursos humanos, a insuficiência das estruturas humanas e materiais em cuidados intensivos e a falta de articulação da saúde com a assistência social não são de agora. É de agora o aumento crescente da emigração de médicos e enfermeiros, cuja formação paga por nós acaba posta ao serviço de países terceiros? Revisitem a reportagem da jornalista Ana Leal sobre 15 hospitais do SNS, que passou na TVI24 a 13 de Abril de 2015, e digam-me se o cenário apocalíptico aí documentado se afasta do que hoje é descrito. Neste quadro, era desejável que se apurasse o número dos que morreram por falta de tratamento, por outras causas que não covid-19, particularmente depois da ministra da Saúde se imiscuir nos actos médicos dos hospitais do SNS, suspendendo por despacho as cirurgias prioritárias, designadamente as do foro oncológico.

A vacina não vai acabar com a circulação do vírus. Com efeito, a 13 deste mês, Stephane Bancel (CEO da Moderna) afirmou que o SARS-CoV-2 não vai desaparecer e que nós teremos que viver com esse vírus para sempre, opinião partilhada pela própria OMS (Prof. David Heymann, presidente do seu Grupo Consultivo Estratégico).

A decisão sobre o confinamento seria sempre crítica e difícil. Mas deveria ser uma decisão de sim ou não. Esta espécie de confinamento é pouco mais que nada. Vamos pagar custos altíssimos para ter benefícios quase nulos. Vamos cilindrar o comércio de rua e atirar para a falência boa parte do nosso tecido produtivo, gerando desemprego, fome e pobreza.

Quando as autoridades nos dizem que 87% dos casos não permitiram a identificação do contágio, confessam que falharam grosseiramente na vertente eventualmente mais eficaz para combater a pandemia: o rastreio e a vigilância epidemiológica.

Ao contrário do que aconteceu em Março, são agora permitidas celebrações religiosas, funcionamento da catequese incluído. O Governo considerou que as confissões religiosas cumpriram sempre as regras de segurança sanitária. Restaurantes, ginásios, cabeleireiros e tantos outros não cumpriram?

Não é difícil aceitar os argumentos de António Costa a favor da escola presencial. Mas há uma incoerência insanável entre a sua retórica em defesa da necessidade de ficarmos em casa e a decisão de manter as escolas abertas, o que significa a mobilidade diária de mais de 2 milhões de pessoas.

É evidente a inconsistência e a arbitrariedade das medidas. Compreende-se que se possa ir à drogaria, mas não à livraria? À missa mas não ao teatro? À catequese mas não à sala de estudo? Aos refeitórios mas não aos restaurantes? Ao postigo do confessionário mas não ao postigo do boteco?

*Professor do ensino superior

06/01/2021

As sombras de 2020 projectadas em 2021


No fim do ano mais estranho das nossas vidas, é tempo de balanço e prospectiva. Não é rosa o meu olhar numa e na outra vertente porque, enquanto o intelecto me o permitir, não me limitarei a ir com os outros. Outrossim, procurarei chamar a atenção para os bloqueios que atrasam o desenvolvimento do país, protegendo a minha autonomia de pensamento e saúde mental, determinantes da minha condição humana.
 
No momento em que escrevo vem a caminho o oitavo estado de emergência. Com tanta emergência, talvez fosse altura de nos entendermos sobre o futuro. Três tópicos para reflexão:
 
1. Teremos um 2021 com desigualdades sociais agravadas, com a dignidade de muitos posta em causa, designadamente a daqueles que são abandonados em lares, com o pior da crise económica a chegar e a agravar as más condições de habitação, de transportes e de saúde dos que sobrevivem com o salário mínimo ou estão desempregados. Encontrar respostas estruturais justas para estas questões é que é uma verdadeira emergência nacional. 
 
 
2. Em matéria de Educação, o ano de 2020 aprimorou a tónica da legislatura: uma liderança política incapaz que, ao invés de os remover, cria obstáculos. E assim continuaremos em 2021.
O anunciado estudo, envolvendo 30 mil estudantes, com o objectivo de apurar os impactos da suspensão das aulas nas aprendizagens da Matemática, Ciências e Leitura, para depois habilitar as escolas a desenvolverem estratégias de recuperação é, do que afirmo, um exemplo. Uma conclusão genérica sobre situações que mudam de escola para escola, que acrescentará, a cada uma delas, que cada uma delas não saiba já? Que utilidade prática terá este estudo, quando apresentar resultados com a primeira metade do ano corrida? Aquilo de que as escolas necessitariam são recursos e autonomia para resolver os seus problemas. Não de estudos de teóricos líricos, que voam sobre ninhos de fantasias.
No presente, mais do que avaliar o que sabem, era importante perceber o que sentem as crianças privadas de brincar e abraçar os amigos, violentamente impedidas de continuar os seus processos de vinculação social. A pedagogia que vai minando o nosso sistema de ensino é cada vez mais especulativa, normativa e distanciada das evidências empíricas.
 
 
3. O relatório anual do Conselho Nacional de Educação divulgou os números apurados em 2019. São muitas constatações. Retenhamos duas:
 
- Quase um terço dos alunos dos 11 aos 15 anos não gosta da escola e das aulas. Diz o relatório que para 87,2% dos alunos dessa faixa etária a matéria é demasiada, para 84,9% é aborrecida, para 82% difícil e para 77% a avaliação é stressante. 
 
Se há sinal distintivo na pedagogia deste Governo é o retorno ao “eduquês”, com todo um cortejo de inutilidades e facilidades, que promoveram a desconstrução curricular e o laxismo avaliativo. E mesmo assim as crianças e os jovens rejeitam e bocejam? E se retirássemos, por momentos, a atenção das escolas e a fixássemos nos efeitos perniciosos da imersão das novas gerações numa realidade virtual, permissiva e imediatista, que resulta do uso impróprio e alienante de telemóveis, internet e redes sociais?
 
- A percentagem de docentes do ensino público não superior, com idade igual ou superior a 50 anos, (54,1%), não pára de aumentar. A percentagem dos que têm menos de 30 anos (0,6%) não pára de diminuir. Até 2030, mais de metade dos professores do quadro poderá aposentar-se. Das 739 vagas para formação inicial de professores de Educação Básica, em 2019, apenas 384 foram preenchidas.
 
O que o CNE constata é o resultado da acção soez de Maria de Lurdes Rodrigues contra a dignidade dos professores, com a cumplicidade de boa parte da comunicação social e comentadores políticos de então. Muitos dos que hoje clamam por medidas de combate ao envelhecimento da classe encheram linguados de papel difamando-a e criando o ecossistema social que a sinistra ministra cavalgou: operando a degradação do estatuto remuneratório por via da alteração dos escalões da carreira e das regras de transição entre eles; alterando o modelo de gestão das escolas, que substituiu o controlo democrático que os professores tinham sobre elas por directores, na maior parte dos casos simples factotums do Ministério da Educação; sobrecarregando os docentes com tarefas burocráticas absurdas, por forma a transformá-los em seres exauridos, com a reforma por último desígnio. 
 
 
In "Público" de 6.1.21