no Público
16/2/2022
por Santana Castilho*
1. Quem conheça minimamente o que se passa no nosso sistema de ensino, e tenha lido o que a Direcção-Geral da Educação publicou (Relatório de Acompanhamento, Monitorização e Avaliação da Autonomia e Flexibilidade Curricular), só pode sentir repulsa pelo descaramento do discurso oficial. A avaliação séria é feita por instâncias independentes, que se pronunciam com base na análise de processos, documentos e resultados. Uma narrativa bajulatória, em que os juízes são os promotores do que é avaliado, é uma fraude.
Aquele relatório é uma infeliz exaltação das pessoas e das políticas que estão a destruir o sistema de ensino. Enquanto nas escolas, 2º período já adiantado, cerca de 30 mil alunos estão sem professor, pelo menos a uma disciplina, a propaganda oficial tortura os números e manipula os factos, para enganar os portugueses. Entendamo-nos: a inovação que o relatório incensa é tão-só a retomada de pedagogias datadas, que falharam quando há décadas foram usadas; a flexibilidade curricular que o relatório elogia é a metáfora oficial para promover a degradação do currículo coerente, com a intencionalidade de conseguir resultados falsos; a autonomia que o relatório glorifica é um disfarce sem vergonha para a pulsão controladora dos dois últimos governos do PS. Daquele relatório não se retira qualquer contributo para resolver os desafios que se colocam ao futuro da Educação.
2. Primeiro foi um juiz de Sintra, que mandou libertar uma família coercivamente posta em prisão domiciliária durante 13 dias, devido a um caso de infecção por SARS-CoV-2. Diligentemente, o magistrado foi mais longe e avisou mesmo as autoridades locais de saúde e as forças policiais de que incorreriam em responsabilidade criminal se tentassem obrigar as vítimas a continuar encerradas na residência.
Depois, em situação similar, outra jovem foi libertada noutro tribunal, por outro juiz, que escreveu na sentença: “A compressão do direito constitucionalmente consagrado da liberdade tem de obedecer à lei e à Constituição, sob pena de, não acontecendo, estarmos a seguir por caminhos perigosos”.
Há dias, foi o Tribunal Constitucional que se pronunciou e disse que o isolamento de turmas durante a situação de calamidade violou a Constituição. E que aconteceu? Do alto do seu pedestal sanitário, o Ministério da Saúde desprezou os acórdãos, ungiu-nos com álcool-gel e garantiu que a norma em causa continuaria em vigor.
Este caminho, que desvaloriza a autoridade do Estado e a sua lei fundamental é, de facto, perigoso. Particularmente porque quem, em Abril de 2020, disse que o confinamento era para manter, “diga a Constituição o que diga”, tem hoje maioria absoluta.
3. De proveniências diversas, foram muitas as loas tecidas a propósito de mais uma vitória nacional: a nossa taxa de abandono escolar precoce fixou-se em 5,9%, quando na União Europeia está estabilizada em torno de 10%. Acontece que esta taxa não mede o que quem rapidamente a elogiou terá pensado. Esta taxa é calculada a partir do Inquérito ao Emprego, que não a partir das bases de dados do Ministério da Educação e dos percursos dos alunos. Dito de outro modo: só ficam sob o radar dos cálculos os jovens entre os 18 e os 24 anos que procuram oficialmente trabalho, sem terem concluído o ensino obrigatório. Não contam para os cálculos os que não se alistem oficialmente ou os que, não tendo concluído os estudos, estejam a frequentar uma qualquer formação, das muitíssimas que existem e mascaram a realidade. Isso mesmo reconheceu uma auditoria do Tribunal de Contas (Junho de 2020), particularmente crítica em relação às metodologias utilizadas para medir o abandono escolar, onde se lê que “não existem, no sistema educativo nacional, indicadores para medir este fenómeno”. No mesmo sentido se pronunciou o Conselho Nacional de Educação (CNE), quando afirmou que os “número reais” do abandono “devem ser superiores aos valores oficiais”.
4. Por leviandade de procedimentos e irresponsabilidade de decisões, 80,32% dos votos dos emigrantes da Europa foram para o lixo. Os 671.322 votos em partidos que não elegeram deputados nos respectivos círculos, aproximadamente 13% dos que entraram nas urnas, foram inúteis. Por cada 19 mil votos, o PS elegeu um deputado. Mas o Livre precisou de 69.000 e o PAN de 82.000. As leis eleitorais servem a democracia?
*Professor do ensino superior