- blogue de homenagem ao Professor Santana Castilho - uma retribuição (bem pequena) pelo muito que tem feito em defesa dos professores e da Escola Pública.
21/12/2022
E o mentiroso é André Pestana?
18/12/2022
A minha comunicação aos Colegas no início da memorável manifestação de 17.12.22
07/12/2022
Ser grãos para moinho
no Público
7/12/2022
por Santana Castilho*
A degradação do sistema de ensino começou com Maria de Lurdes Rodrigues, a 12 de Março de 2005, e tem vindo num contínuo de responsabilidade partilhada, ao qual, com arredondamentos de pequena monta, 13 anos cabem ao PS e quatro ao PSD.
No passado dia 29, o ministro da Educação fez-se ouvir em conferência de imprensa. Denunciou o que apoda de falsidades sobre as suas intenções. Foi um discurso insidiosamente dúplice, sinuoso, mas estratégico: de recuo em termos de propostas e calculista no que toca à manipulação e à adulteração do que tinha dito antes, para desmobilizar e confundir os mais indignados.
Reagindo à iniciativa do ministro, a FENPROF divulgou todas as propostas que se podem extrair daquilo que ele apresentou (via PowerPoint e em rigor a única referência escrita sobre as alterações em análise) nas reuniões de 22 de Setembro e 8 de Novembro, relativas à revisão do regime de concursos. Mais, requereu as actas e as gravações áudio dessas reuniões.
Cotejando as duas intervenções, parece-me cristalina a conclusão: foi o ministro da Educação que, no momento dois, disse que o ministro da Educação tinha mentido no momento um. Neste quadro, e estando convocada uma greve de professores, que se inicia a nove, é tempo de dizer duas coisas, que se impõem:
- É relevante que tenha sido sob a égide de governos do PS, de António Costa, e a partir de uma perspectiva enviesada da geringonça e PS serem de esquerda, que tenhamos assistido aos maiores e graves atropelos ao direito de greve, instituto fundamental de qualquer sociedade livre: entre outros, mais do que discutíveis requisições civis de enfermeiros e professores, polícias a baterem à porta de motoristas de viaturas de transporte de matérias perigosas e polícia de choque usada para intimidar os grevistas e proteger os fura-greves, no caso dos estivadores.
- Vivemos num país onde as condições de trabalho dos professores têm vindo a ser gradual e crescentemente espezinhadas desde 2005, sem indignação suficiente e eficaz dos próprios, nem expectável sobressalto dos demais cidadãos. E quando um sindicato (STOP) tem a “desfaçatez” de reclamar de modo mais vigoroso, é ostracizado pelos pares, que se apressam sempre a boicotar os combates que não sejam de sua iniciativa. Dito isto, é evidente que, para que as propostas de João Costa se venham a impor, quantas menos sejam as vozes críticas ou discordantes, melhor. Por isso mesmo, são em minha opinião colaboracionistas com o poder todas as lógicas que isolem ou abafem os que queiram sair dos conhecidos rituais dos sindicatos do sistema.
Aqui chegados, é minha convicção que estamos perante um modus operandi que se repete. Primeiro apresentam-se cenários horríveis. Depois vive-se um ritual hipócrita de prolongadas e falsas negociações e caricaturais protestos (abaixo-assinados, cordões humanos, marchas, vigílias, quem sabe se um jantar de Natal, para inovar). No fim, o ministério ganha e os sindicatos também: o primeiro por ter pregado mais um prego no caixão; os segundos por terem “evitado o pior”. Só os professores perdem. Perdem sempre, desde 2005! Já têm pouco para perder, mas vão mobilizar-se em defesa desse pouco, numa manifestação … a quatro de Março do ano que vai vir!
Em vez de promover avanços, os sindicatos do sistema contentam-se com atrasar os retrocessos. Assim, as nossas organizações sindicais têm-se transformado em albergues de inutilidades, enquanto o quotidiano dos professores é cada vez mais penoso. E sendo a gestão da percepcão pública um importante instrumento político, João Costa tem nesta doce oposição sindical um instrumento importante para disfarçar a mediocridade da sua acção. Por tudo isto, seria bom que reflectíssemos sobre o papel dos movimentos independentes de professores e sobre a forma como essas organizações, sem a logística e os recursos das duas grandes federações sindicais, lhes impuseram a dinâmica que conduziu à grande manifestação de 2008.
Disse a FENPROF que a força da luta se mede pelo número dos que nela participam. Digo eu que se mede, antes, pelos resultados conseguidos. Numa luta de professores por melhores condições de trabalho e melhor escola pública, só há um lugar aceitável, se não quisermos ser grãos para moinho: ao lado deles!
*Professor do ensino superior
23/11/2022
E é aqui que estamos, Colegas Professores!
no Público
23/11/2022
por Santana Castilho*
O Ministério da Educação quer atribuir a conselhos locais de directores a responsabilidade de selecionar os professores e passar de quatro para cinco anos os concursos destinados aos dos quadros. Os 10 quadros de zona pedagógica passarão a 23 mapas intermunicipais (as actuais 21 comunidades intermunicipais [CIM] mais as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto). Não há ainda qualquer documento escrito, nem foram referidos os critérios a usar pelos directores. Mas, aparentemente, desaparece a natureza nacional dos concursos de colocação, esvai-se a mobilidade interna e os professores deixam de poder escolher as escolas onde querem trabalhar.
Tendo presente que são as CIM e as áreas metropolitanas que concorrem a fundos estruturais europeus, através de projectos, a Fenprof admitiu a hipótese de os putativos conselhos de directores virem a escolher os professores a partir do interesse desses projectos, para que os respectivos salários possam ser pagos por verbas dos fundos, situação que, recorde-se, já se verifica com professores que leccionam cursos profissionais.
No sábado passado, na Covilhã, António Costa manifestou desejo de chegar a acordo com os sindicatos, para alterar o processo de vinculação a uma carreira em que, disse ele, os professores são obrigados a apresentar-se a concurso de quatro em quatro anos. Das metáforas e imprecisões (os professores não são todos obrigados a concorrer de quatro em quatro anos) com que embeleza as suas tiradas cínicas, exala sempre o mesmo cheiro hipócrita e falso: sim, porque o que está em causa é substituir a escolha, apesar de tudo ainda livre, do professor, pela decisão da Administração, com todo o correlato surto de iniquidades que daí advirão e consagrarão o trabalho sujo que Maria de Lurdes Rodrigues iniciou.
O que está em causa é a imposição de uma engenharia de gestão, que subordina os mais elementares direitos, humanos dos professores e à educação dos alunos, aos mais mesquinhos interesses da austeridade da página virada. O que está em causa é uma proposta que agravará as desigualdades entre as regiões e as crianças e tornará ainda mais precária a vida dos professores, coagindo-os a trabalhar onde não querem. Em rigor, trata-se de fazer precludir os capítulos V e VI do Estatuto da Carreira Docente, que regulam os quadros e os respectivos processos de vinculação. Numa palavra, este é o último prego no caixão que enterrará a carreira e o derradeiro lance para desregular definitivamente a transparência da provisão pública das necessidades docentes.
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Os professores mergulharam num limbo, onde cresce o cansaço e a resignação. O desânimo que os assola radica na impotência dos sindicatos para os defender das decisões tirânicas do Governo. Com efeito, os sindicatos persistem na representação do papel de lamuriosas vítimas enganadas e as lutas sindicais estão cada vez mais aprisionadas pelos interesses das conjunturas partidárias e cada vez menos centradas na eficácia da defesa dos interesses profissionais dos seus representados. Circunscrevem-se à repetição de rotinas e coreografias simbólicas, que fogem sempre dos pontos críticos, onde a intervenção provocaria as almejadas mudanças nas relações de poder. Por medo reverencial e iniciativa nula.
Neste quadro, o STOP promoveu aquilo a que chamou uma sondagem, para apurar que tipo de luta os professores estão dispostos a personificar. Mais um erro do sindicalismo de coro. Há momentos em que o recurso a ouvir as bases denuncia tibieza. Particularmente ante um adversário que não ouve e age humilhando. As bases não precisam, agora, que lhes devolvam a palavra. Precisam de liderança que as galvanize. Precisam de uma convocatória que arrede o medo, some adesões pela ousadia e proteja a sua moleza das botas que a calcam.
Ante a tormenta que se avizinha, a participação democrática vem depois do grito de revolta. É preciso que alguém o dê! É preciso convocar, não sondar. Eu sei que é desproporcionada esta invocação, mas corro o risco:
"Como sabem, há os estados socialistas, os estados ditos comunistas, os estados capitalistas e há o estado a que chegámos."
Para dizer isto, Salgueiro Maia não fez sondagem prévia aos que o acompanharam. A exortação chegou e ninguém deu um passo atrás. E é aqui que estamos, Colegas Professores!
*Professor do ensino superior
09/11/2022
Um mercado, um ministro e um presidente
no Público
9 de Novembro de 2022
por Santana Castilho*
1. A falta de ponderação dos adultos e a imaturidade dos jovens deixa a sociedade moderna incapaz de perceber como a avalanche de estímulos tecnológicos, que submergem literalmente os cidadãos, perturba o equilíbrio desejável entre a vida profissional, a familiar e a pessoal e, por essa via, vai deteriorando a saúde mental dos indivíduos. Neste quadro, a prevalência crescente da digitalização e da inteligência artificial no ambiente escolar ameaça desumanizar o processo de ensino, retirando-lhe laços insubstituíveis de presença, comunicação e conexão humanas. É assustador que a GlobalData, uma empresa colectora de dados e tendências, que depois vende às maiores empresas do mundo para as ajudar a desenvolver os seus negócios, acabe de prever que as salas de aula se transformarão em espaços de aprendizagem totalmente digitais, por via da penetração do mercado das tecnologias na Educação, mercado que atingirá, até 2030, o valor de 538,5 mil milhões de dólares. Para fabricar cretinos digitais, no dizer provocador do neurocientista Michel Desmurget, o preço é alto.
2. O ministro João Costa continua a enganar a opinião pública. Disse, na RTP 3, no dia da última greve, que o Ministério da Educação já colocou mais de 26.000 professores, em resposta a necessidades manifestadas pelas escolas desde o início do ano lectivo. Absolutamente falso. Se estivesse certo o número 26.000, esse número referir-se-ia a vagas postas a concurso e jamais a docentes de identidade distinta. Quantas dessas vagas são repetidas vezes sem conta, porque não são preenchidas e voltam ao processo? Quantas delas acabam ocupadas pelo mesmo professor, quer por serem de curta duração e sucederem-se em cascata, quer porque o docente as reúne para poder ascender a um horário completo?
Mas são as afirmações do próprio ministro que expõem a desfaçatez com que adultera os factos. Com efeito, a 26 de Setembro, durante uma visita a uma escola de Santo Tirso, disse que estava a receber mil pedidos por semana, para substituir professores. Agora, na RTP 3, momentos depois de atirar o número 26.000, para impressionar incautos, afirmou que recebe 600 pedidos por semana. Considerando que decorreram oito semanas de ano lectivo, contas simples expõem a adulteração grosseira dos números, quer falemos de substituições pedidas, quer de docentes envolvidos. Nem a mentir é competente.
Na mesma linha, o Ministério da Educação congratulou-se com o “aumento progressivo dos alunos que concluíram os cursos científico-humanísticos nos três anos esperados, com especial destaque para 2020/21”, ano em que se atingiu “o valor mais elevado desde sempre, 76%, representando um aumento superior a 20 pontos percentuais em relação a 2014/15 (ano de início da série de cálculo do indicador)”.
Entretanto, os resultados das provas de aferição (5º e 8º anos) realizadas em 2021, divulgados pelo IAVE em Maio passado, mostram resultados medíocres. Com efeito, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades oscilou, consoante os domínios de avaliação, entre 2,7% e 44,2%. Mas, na maioria dos domínios, as respostas sem dificuldades ficaram abaixo dos 20%. É assim manifestamente evidente a incoerência que resulta do cruzamento destes dados com o cenário de 76% dos alunos a concluírem o secundário no tempo esperado.
Ao mesmo tempo, um relatório do Eurostat (Children in Poverty or Social Exclusion), revela-nos que, em 2021, precisamente o ano que o Ministério da Educação celebra, 22,9% das crianças e jovens portugueses com menos de 18 anos, viviam em situação de pobreza ou exclusão social. A esta triste realidade, o discurso enviesado e ideologicamente comprometido do Ministério da Educação diz nada. Falar de sucesso nestas circunstâncias pedia ponderação.
3. Num registo, foi confrangedor ver o safanão presidencial, que quase atirou ao chão o entertainer Paddy Cosgrave, no palco da Web Summit. Noutro, foi impróprio, inaceitável, que o Presidente da República se tenha dirigido à ministra Ana Abrunhosa, em público, no tom em que o fez. Forma e conteúdo foram absolutamente inadequados. Entrasse a ministra no despautério, e ainda a poderíamos ter ouvido retorquir que também não lhe perdoava ter avisado um bispo de que estava a ser investigado por eventual encobrimento de abusos sexuais.
*Professor do ensino superior
26/10/2022
Torrar dinheiro, maltratar pessoas
no Público
26710/2022
por Santana Castilho*
1. Sim, eu sei que o OE para 2023 assenta num cenário circunstancial complexo, onde as incertezas dominam. Mas a estagnação que representa relativamente à despesa já consolidada de 2022, tomando por boa a justificação que a redução nominal de 569,1 milhões de euros se deve a transferências para os municípios, tem um inequívoco significado político, qual seja o de não haver um só euro para financiar os problemas mais prementes. Com efeito, com este orçamento é indesmentível que: os professores perderão poder de compra; os professores do continente continuarão à espera de serem ressarcidos do tempo de serviço sonegado (enquanto os colegas da Madeira e dos Açores já o recuperaram); os professores dos quadros continuarão à espera da abolição das iníquas quotas para progressão na carreira; os professores contratados continuarão vítimas da precariedade; o país continuará a ver crescer o número de alunos sem todos os professores (40 mil, um mês depois do início deste ano lectivo), porque este OE é vazio de incentivos à colocação de docentes nas zonas críticas e à atracção dos jovens para a profissão. Em contraponto, são abundantes os sinais de que se continuará a torrar dinheiro com programas de desmaterialização e digitalização, que alimentam o polvo das plataformas informáticas, corroendo, inutilmente, tempo e miolos de quantos trabalham nas escolas.
2. A Portaria n.º 723/2022 autoriza que se torrem 408.906,80€ na contratação de 7.496 juntas médicas, para fiscalizar os professores que pediram mobilidade por doença. Trata-se de uma tarefa impossível, segundo o vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos, que tem por único objetivo lançar lama sobre médicos e professores. Mas, para além disso, o controlo previsto na lei só faria sentido se fosse antes dos processos apreciados. É inútil relativamente aos 4.268 docentes que lograram a mobilidade e é inútil relativamente aos 2.876 que ficaram de fora. Sem falar da total falta de seriedade que a manobra deixa antever e do historial de fraude e falsificação, que aqui denunciei, quando estas juntas já existiram no passado, no direito administrativo isto tem um nome: superveniência da inutilidade do acto.
Ainda a propósito deste processo grotesco, relembro que João Costa disse haver, por semana, mil baixas por doença, apresentadas por professores. Manhosamente, não as reduziu a termos percentuais. Se o tivesse feito, teria falado de 0,76% dos professores. Ora, há dias, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público revelou que quase um quarto dos magistrados, mais precisamente 23,1%, não está ao serviço. De entre as causas destacam-se as baixas médicas, que se cifram em 37,3% daquele número global. Será que o ministro da Educação vai sugerir à colega da Justiça que contrate juntas médicas para fiscalizar os magistrados?
3. Igualmente exemplo duma gestão desumanizada de pessoas é a situação dos técnicos superiores do Ministério da Educação (psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, entre outros) que, após anos de precariedade, conseguiram um vínculo através do programa PREVPAP. A efectivação em análise foi obtida em 2020, no agrupamento ou na escola onde exerceram funções em 2017, aquando da candidatura ao referido programa. Sucede que muitos destes técnicos ficaram colocados a centenas de quilómetros da sua residência, por isso impedidos de conciliar a vida familiar com a vida laboral e prestar apoio e cuidados a terceiros dependentes (filhos menores e ascendentes doentes), para além de confrontados com a duplicação das despesas de alojamento.
Dir-se-á, e é verdade, que o vínculo assentou num acto volitivo e livre do interessado. Mas não menos verdade é que existem pedidos de mobilidade, consignada na lei, por parte de agrupamentos ou escolas não agrupadas, com necessidades prementes e inquestionáveis, que conciliariam os interesses das instituições e dos técnicos, com os inerentes ganhos de ambas as partes, que estão a ser indeferidos pela Direção-Geral da Administração Escolar, sem critério outro que não seja a gestão irracional dos recursos humanos em apreço.
*Professor do ensino superior