A republiqueta
Santana Castilho*
A atmosfera política portuguesa está mergulhada numa cultura de incongruências, oportunismos, servilismos e mentiras, para proteger responsáveis de tribos sem ética. A verdade, a liberdade e a justiça vão perdendo significado. Se seguirmos a sucessão dos episódios dos últimos dias, compreendemos o descrédito do Governo e a pequenez das tômbolas partidárias. Os cidadãos portugueses que ainda não desistiram de votar deveriam inquietar-se com os acontecimentos políticos mais recentes.
- A República está a virar republiqueta. Em Março de 2020, António Costa era contra o estado de emergência, mas Marcelo decretou-o. Agora, com os papéis invertidos, após uma troca de picardias entre ambos, que a decência dispensava, depois da festança do Sporting e do regabofe da Liga dos Campeões, o desorientado António Costa, sem anuência presidencial nem escrutínio da AR, confinou três milhões de portugueses. Será que a variante da terra dele só ataca de sexta à tarde a segunda de madrugada? A Constituição (artigos 19º e 44º) é papel molhado? Que moral lhe sobra depois de tudo isto?
- É impossível eximir Fernando Medina da responsabilidade política por um acto de enorme gravidade, responsabilidade que aumentou quando entrou num vórtice manipulatório dos factos, para reduzir uma delação hedionda a rotina burocrática. A CML atentou contra direitos humanos protegidos por tratados internacionais, contra a Constituição e contra a nossa dignidade. O responsável máximo pela CML é Fernando Medina. Não chega terminar uma auditoria nada independente com o despedimento de um cabeça-de-turco. Não chega pedir desculpa ou exonerar o porteiro, como se os dados tivessem descido a escadaria central dos Paços do Concelho sem ele os ver. Perante a dimensão do desastre, o Ministério de Administração Interna, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Comissão Nacional de Protecção de Dados, alertados em Março, devem também explicar porque não actuaram, sob o risco de vermos todo o Governo como um antro de incúria e indiferença.
- O anterior vai de passo síncrono com uma lei aprovada pelo Parlamento e promulgada pelo Presidente da República, que instituiu o controlo da liberdade de expressão e a censura a posteriori, num remake inqualificável da ditadura salazarista.
- A elite pífia da Iniciativa Liberal usou a liberdade de manifestação dos partidos políticos para fazer aquilo que foi interditado aos lisboetas. Mas o sórdido expediente teve um mérito: quando políticos recorrem a metáforas de ódio e se entregam à alarvidade de furar com setas as imagens dos seus adversários políticos, os eleitores podem extrapolar o que deles se espera se chegarem ao poder.
- Dois pavões sociopatas, gestores de recursos humanos da TAP, que sobrevive sugando o erário público, pavonearam-se em modo bacoco nas redes sociais, por estarem a recrutar em Madrid, depois de terem despedido em Lisboa. Reduzi-los a espanadores resolveria o problema, não fora a desumanização que personificaram ser transversal a tantas instituições que o Estado protege.
- Perguntava-me eu por que razão toda a selecção continua em funções, apesar de um dos seus ter sido sinalizado como infectado, quando na escola, logo que uma criança testa positivo, toda a turma, mesmo testando negativo, fica em quarentena. Marcelo esclareceu: a Educação não é uma actividade essencial, o futebol é uma actividade fundamental.
- No passado dia 11, PS, PSD, CDS e IL uniram-se na AR para impedir a integração nos quadros de todos os professores com 5 ou mais anos de serviço até 2022. Estes partidos não só se opuseram a um acto de elementar justiça como atentaram contra a resolução da recorrente falta de professores em muitas escolas do país. Uns trocos agora importaram mais do que a educação das gerações vindouras. Se verificarmos o dinheiro efectivamente gasto, que não o inicialmente orçamentado, no sector da Educação, em percentagem do PIB, constata-se que o seu peso diminuiu sempre, desde 2014.
A enorme suscetibilidade da sociedade a todo o tipo de manipulações, que o medo da covid-19 ofereceu a políticos sem sensibilidade e bom senso, torna talvez inútil referir tudo isto. Mas, como na parábola do colibri, pelo menos cumpro a minha parte. Porque não podemos continuar numa vida que não é vida, arruinando a saúde mental e psíquica para combater uma doença do corpo.
*Professor do ensino superior