27/03/2013

Há quem nos diga que os porcos voarão

Público,
27/3/2013

Santana Castilho *


1. Quando, em dois de Janeiro passado, antecipei nesta coluna o descambar da situação do país, logo no fim do primeiro trimestre da execução do orçamento de 2013, não fui original. Tão-só acompanhava a voz dos que não acreditavam que algum dia os porcos voassem. Aumentou o desemprego. Cresceu o défice e a dívida. Galoparam a recessão e o sofrimento dos portugueses. E, enquanto a realidade evidencia que nenhum problema foi resolvido e todos se agravaram, há quem diga, de cara dura, que é uma questão de tempo, que sim, que os porcos voarão. 

2. Crato regressou da sua viagem à volta da Terra, em 14 dias, depois de a troika ter aviado a sétima avaliação. Fez bem. Assim, a troika decidiu por ele, sem lhe perguntar se concordava com a chuva. Nada do que se passa, aliás, depreende-se das declarações do ministro à chegada, tem a ver com ele, porque, disse, “… o mundo está a mudar muito depressa …”, “… a situação política é volátil …” e, além disso, “… não há nenhum ministro que decida tudo por si…”. Querem razão mais científica e tempo mais propício para um saltinho à China, Chile e Brasil? 

3. E que se passa, afinal? 

Em Março de 2010, sob a epígrafe “Europa 2020 – Estratégia para um Crescimento Inteligente, Sustentável e Inclusivo”, a Comissão Europeia desenhou um plano de revitalização da sua economia, que considerava indispensável diminuir a taxa de abandono escolar precoce para 10 por cento e elevar para 40 por cento a dos diplomados com o ensino superior, na faixa etária dos 30 aos 34 anos. 

Dados estatísticos, recentemente divulgados por David Justino, no âmbito de um trabalho que desenvolve no seio do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, revelam que a Taxa de Abandono Escolar (percentagem de jovens dos 10 aos 15 anos, que nunca frequentaram o ensino básico ou que o abandonaram sem concluir o 3º ciclo) se cifra em 1,7 e que a Taxa de Abandono Precoce (percentagem da população com idade compreendida entre os 18 e os 24 anos, que não frequentou o ensino secundário ou o abandonou sem o ter concluído) se fixa em 27,1. Estes dois indicadores, expressos em números absolutos, significam, respectivamente, 11 mil 417 e 220 mil 472 indivíduos. 

Pois é neste contexto que o Governo anunciou a passagem ao regime de mobilidade especial, modo eufemístico de mascarar o despedimento posterior, de 10 mil professores, que se somam aos 15 mil já dispensados este ano, tudo a acrescer a uma perda de rendimento da classe (considerado o aumento da carga horária) da ordem dos 30 por cento e a um concurso, em preparação, a reger por regras próprias dos tempos feudais. É sem uma réstia de pensamento estratégico para a Educação nacional e políticas centradas na destruição acéfala do que se conseguiu, e foi muito, apesar dos erros, que procuramos o futuro? É com professores mal pagos (não me venham contradizer com dados da OCDE, inflacionados por níveis salariais do último escalão da grelha salarial congelada, onde não há um único professor, e referidos a tempos anteriores aos cortes brutais dos últimos anos), apavorados pela ameaça do desemprego, desnorteados pela legalidade em construção, que lhes pode fixar o local de trabalho a mais de 300 quilómetros da residência e os sujeita a mais ignominiosas iniquidades, sempre introduzidas por cada uma das sucessivas alterações aos diplomas de concurso, sem visão de conjunto, que ajudaremos a economia a endireitar-se? É lançando na selva do mercado de trabalho jovens sem as qualificações básicas exigidas pela Europa, que combatemos a sua taxa de desemprego, a rondar já os 50 por cento? É cruzando os braços ante mais de dois milhões de activos, que não concluíram o ensino secundário, que melhoraremos a competitividade da nossa economia? Resolveremos o défice e a dívida cortando, sem critério nem visão, no essencial, a educação e a formação de um povo? Obliterados pela pressão do urgente, continuaremos a regredir no importante? 

Num estudo recente promovido pela Comissão Europeia, Portugal e Roménia são os únicos estados que reduziram as despesas públicas com a educação, em percentagem do PIB. Consignando-lhe 3,8 por cento de um PIB que caiu para valores próximos dos 152 mil 156 milhões, quando, em 2010, gastávamos 5 por cento de um PIB que se cifrava em 167 mil e 500 milhões, Portugal reduziu, neste curtíssimo período, 2 mil 594 milhões de euros com a educação. No memorando assinado com a troika, em Maio de 2011, fixavam-se os cortes em 195 milhões, em 2012, e 175 milhões, em 2013. A resposta às perguntas que formulei acima foi dada pela comissária europeia para a Educação, quando apresentou o estudo: “Se os estados-membros não investirem suficientemente na modernização da educação e das competências, ficaremos aquém dos nossos concorrentes mundiais e será mais difícil combater o desemprego juvenil”. 

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)


comentários retirados daqui:

Amália Nunes Como sempre brilhante e assertivo, sr. Professor. 
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Horácio Ruivo Professor, admiro a sua extraordinária capacidade de exposição e de crítica.
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Rui Nunes Tenho acompanhado desde sempre as crónicas do Prof. Santana Castilho e realmente tem-se confirmado as suas previsões! Sempre achei que seria a Educação a pagar a "factura" dos 4 mil milhões... A Saúde está espremida, o Estado precisa da Justiça em tempos de austeridade, resta a Educação pois claro! Só que como refere o Prof. e bem, há muito trabalho a fazer nomeadamente na diminuição da Taxa de Abandono Precoce... Resposta? Colocar a cabeça debaixo de terra, neste caso viajar e dizer que nada pode fazer! Se não está lá a fazer nada Sr. Ministro então DEMITA-SE e dê oportunidade a alguém de fazer muito mais com menos.
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Leontina Tavares Mais uma vez brilhante Professor, uma "voz" atenta e reflexiva.
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Felicidade Peixoto Mais um artigo excelente e que me faz sentir, como nos últimos tempos, que o setor da educação está entregue a mentecaptos... Uma profissão, que iniciei por paixão há quase 25 anos, transformou-se no meu maior suplício. Vou para a escola pelos cabelos qual mulher de primitivo... E assim vai o mundo... Não há ninguém que nos possa tirar desta torre de Babel, onde ninguém se entende...
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Conceição Fragoso admirável a sua capacidade de analise....e nunca falha,,,esta é a verdade...grande Mestre...grande professor que tive o prazer de ter como meu formador,,,saudades,,,admiração,,,bem haja,,,,
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13/03/2013

Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei?

Público,
13 de Março de 2013

por  Santana Castilho *

Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei? 


A última manifestação, de 2 de Março, expôs, na rua, o isolamento do Governo. Gaspar e Passos são hoje figuras grotescas, que a maioria dos portugueses detesta. Arrogando-se de uma infalibilidade destroçada pelo incumprimento sistemático de todas as previsões e de todas as metas a que se propuseram, custasse o que custasse, comportam-se como autistas políticos e sociais. São colaboracionistas perfeitos, porque estão sempre mais à frente que as exigências dos ocupantes, convencidos de uma inevitabilidade que vai juncando o seu caminho de vidas destroçadas. Este caldo de cultura política insensata propala-se, como mal endémico, aos “ajudantes” e, destes, às terceiras, quartas e a todas as linhas da penúria administrativa e burocrática que gera. Segue-se a permissão clássica para os fiéis calcarem a lei e transformarem o Estado de direito no Estado dos amigos. Façam o favor de visitar dois exemplos, que medram no condado de Crato, com perfeito e cabal conhecimento de destacados cortesãos: 

1. Desde Julho de 2011 que a inépcia do Ministério da Educação e Ciência permitiu que transitasse para os tribunais aquilo que tinha obrigação de ter resolvido num minuto. Durante um ano e meio, o cargo de director do Agrupamento de Escolas de Dr. João Araújo Correia foi usurpado pela acção de um impostor e pela omissão de vários serviços do ministério. O director faleceu ainda na pendência de um recurso e já não conheceu a decisão definitiva da Justiça, que mandou repetir o processo, com a sua exclusão do concurso. Vejo, perplexo, que o Conselho Geral do Agrupamento, que deve dar cumprimento à decisão judicial, é presidido por um recém-condenado a prisão, com pena suspensa, e envolvimento activo nos antecedentes. O Ministério da Educação e Ciência assiste com candura celestial. O meu prognóstico é que tudo vai voltar aos tribunais, sob o conveniente sono eterno da tutela. 

 2. Tenho à minha frente a documentação de uma cena canalha, ocorrida a 26 de Setembro de 2012, na Direcção-Regional de Lisboa e Vale do Tejo, presidida pelo Dr. José Alberto Duarte, agora director-geral dos Estabelecimentos Escolares. Por incompetência dos serviços, foi mandada apresentar à Junta Médica uma professora já aposentada, sobre a qual, obviamente, o ministério não tinha poder hierárquico. Apesar disso, a professora compareceu, com o relatório médico pedido e o respectivo dossier clínico. A presidente da junta recebeu-a aos gritos. Recusou ver o dossier clínico. Sem deontologia mínima, pôs em causa o relatório do colega e a especialidade do mesmo. Ignorante, fez exigências que a Lei não permitia. Malcriada, tratou com desumanidade uma cidadã fragilizada por doença grave e prolongada. Juntou-se ao festim uma funcionária administrativa, tão rude e ignorante como a médica. A professora reagiu. No acto e posteriormente. Requereu ao director-regional a instauração de um processo de inquérito, para apuramento de responsabilidades. Narrou e denunciou a forma bizarra de funcionamento daquela Junta Médica, que chegou com uma hora de atraso para atender cerca de meia centena de professores doentes, todos convocados para a mesma hora. Questionou a relevância de pseudo exames, que duram dois a três minutos. Denunciou a falsificação grosseira de um documento, feita à sua frente, sem qualquer pudor. Protestou conhecer os nomes dos membros da Junta, designadamente da presidente (desconhecidos nos serviços, inclusive pelo próprio Chefe de Divisão) com o intuito, que referiu, de apresentar queixa à Ordem dos Médicos. Requereu informação sobre a entidade contratada, os termos contratuais precisos e preço em que assentou o negócio público que permitiu o funcionamento daquela junta médica, cujo conhecimento público permanece escamoteado, ao arrepio das normas vigentes. O silêncio foi a resposta. Dois meses volvidos, a professora invocou o Código do Procedimento Administrativo para saber do andamento do processo. Citou os termos precisos dos preceitos legais que estavam a ser violados, nomeadamente o direito de obter resposta no prazo máximo de 10 dias. Advertiu o então director-regional para o boicote em que incorria ao exercício de direitos que assistiam à reclamante. Mais dois meses de silêncio. A professora deduziu, então, queixa disciplinar, junto do secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, contra o Dr. José Alberto Duarte, entretanto promovido a director-geral dos Estabelecimentos Escolares. E voltou a requerer as informações sistematicamente sonegadas. Já lá vai mais um mês de mudez oficial. Agora temos mais um prevaricador. Quem se julgam estes figurões? Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 


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comentários retirados daqui:

Duarte Ferreira Estas e outras injustiças tem de ser denunciadas! Obrigado, Santana Castilho!!
Eduardo Coelho Só me apetece ser grosseiro. O seu alto exemplo cívico e moral, Sr. Professor, é a única coisa que me impede de o ser aqui e agora. Bem haja.
Afonso Henriques É tudo uma vergonha. Sobre os Directores já lhe tinha dado a minha opinião. É a maior aberrração na Educação desde 1974. Com Director não faz sentido tanto alarido com a avaliação dos professores. És amigo tens boa nota, se não és estás tramado. Quanto à segunda questão parece um ditadura do teceiro mundo. Só nos resta a esperança, nos poucos, Santana Castilhos e Fernandos Loureiros (o dos bancos) deste país.
Amélia Santos Rosa Grotescos,arrepiantes,orgulhosos, vaidosos...Gostam do cacetismo,são inglórios e injustos. Saúde,educação,justiça e tudo mais!Quem defende os mais fragilizados?Uma vergonha nacional, uma tragédia colectiva! Bem hajas por pores a limpos tua hábil e verdadeira opinião! Contamos contigo,amigo! Juntamos ao eu os nossos corações e a nossa revolta!..........! --"