no Público
15 de Fevereiro de 2023
por Santana Castilho*
Em protesto contra um vasto número de questões que se foram acumulando, sem resposta, ao longo de sucessivos governos e anos, há mais de dois meses que estão activas greves no sector da Educação. Neste período, ocorreram quatro grandes manifestações em Lisboa e muitas mais por todo o país. Analisando o fenómeno, não importa sob que ângulo, é forçoso reconhecer que ele só é explicável por haver uma genuína, verdadeiramente espontânea rejeição dos professores relativamente às políticas que lhes têm sido impostas.
Se descermos ao detalhe, as causas mais próximas são, entre outras, uma crescente falta de professores, de professores de educação especial e psicólogos, de pessoal não docente, queixas relativas ao facilitismo e à indisciplina galopantes, ao aumento exponencial da inútil sucata burocrática, à precariedade, às regras abusivas que dificultam a progressão na carreira, ao desadequado e iníquo modelo de avaliação do desempenho, à extorsão de tempo de serviço, a salários baixos, ao tratamento desumano dispensado aos professores velhos e doentes e ao menosprezo pelos alunos mais vulneráveis, em nome de uma “inclusão” que exclui.
Se virmos de cima, é afinal a escola mínima, amputada de conhecimento e orientada para formar cidadãos disponíveis para aceitar trabalho apenas remunerado com salário mínimo, que os professores contestam. É este ensino público para os pobres, enquanto os ricos fogem para os melhores colégios privados, que os professores rejeitam.
Com efeito, passaram-se sete anos sob influência de uma ideologia pedagógica que reduziu os professores a meros receptores de directivas para produzir sucesso martelado e certificar a ignorância. Sete anos de uma propaganda que fala da geração mais preparada de sempre, quando apenas se trata, coisa bem diferente, da geração que mais tempo permaneceu, obrigatoriamente, na escola. Ora se houvesse dúvidas sobre a determinação dos professores em romper com o estado a que chegou o sistema de ensino, elas foram varridas pela gigantesca manifestação de sábado passado.
Aqui chegados, subsiste a dúvida maior: estará, finalmente, o Governo consciente de que tem de negociar ou, outrossim, continuará com a esperança, como maliciosamente o Presidente da República sugeriu, em que "há um momento em que a simpatia, que de facto há na opinião pública em relação à causa dos professores, pode virar-se contra eles"?
Se prevalecer a primeira hipótese, que me parece imperiosa e a única admissível, o Governo tem de negociar com seriedade, remover o seu descolamento da realidade, até aqui patenteado, corrigir a inércia para responder à crise e aceitar que o problema da recuperação do tempo de serviço não pode ser iludido. Tem custos? Naturalmente que sim. Mas os sindicatos já se manifestaram receptíveis a dilui-los ao longo de vários anos e a soluções parciais, para quem por elas opte, de traduzir parte deles em tempo válido para efeito de reforma. Tudo por forma a não prejudicar o equilíbrio das contas públicas. Por outro lado, importa recordar que, já em 2019, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República disse ser essa uma falsa questão, apresentando custos para a recuperação total de todo o tempo de serviço de todas as carreiras especiais da função pública bem inferiores aos que o Ministério das Finanças invoca.
A propósito do decantado “equilíbrio das nossas contas públicas", Fernando Medina, em entrevista à TVI, disse recentemente: "O país não tem só professores”. Fernando Medina tem razão. O país não tem só os professores. Tem o escândalo da TAP (3.200 milhões) para pagar, os desmandos dos bancos (22.049 milhões, segundo números recentes do Tribunal de Contas) para amortizar, a Jornada Mundial da Juventude (80 milhões) para organizar, a Brisa (140 milhões) para compensar, a Ucrânia (250 milhões) para ajudar, mais, entre tantas outras “liberalidades”, os politicamente muito convenientes aumentos dos magistrados e juízes, de 2019, e as milionárias e imorais indemnizações de agora e do futuro, para continuar a “honrar”.
Mas, se não agora, quando perceberia o Governo que tem de fazer justiça?
*Professor do ensino superior