28/04/2015

debate em Almada

fotos de Vanda Barreiros Lima e Silva

em 27 de Abril de 2015,

Debate sobre a Municipalização da Educação, 
no âmbito das comemorações do 41° aniversário do SPGL
Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, Almada 

com intervenções de:
  • Santana Castilho
  • Mário Nogueira
  • João Barroso
  • António Nabarrete




22/04/2015

Submersos em metas grotescas e exames inadequados

no Público,
22 de Abril de 2015

por Santana Castilho *

Dar-se-ão os cidadãos conta de que o sistema nacional de ensino está praticamente por conta de exames até final do ano-lectivo?

O curso normal das aulas e do trabalho lectivo do 3º período tem sido consideravelmente perturbado pelas acções de formação previstas para os 2200 professores envolvidos no Preliminary English Test for Schools. Conforme já escrevi nesta coluna, o direito às aulas por parte dos alunos cedeu ao “direito” de uma instituição estrangeira utilizar professores pagos pelo Estado português, para os industriar na aplicação de instrumentos com os quais impõe a supremacia de uma língua de negócios, num quadro comunitário multicultural e plurilinguístico. E não são apenas as aulas sacrificadas. É também o restante trabalho não lectivo desses professores, de que serão dispensados durante o resto do ano. Alguém o fará, em injusta sobrecarga, ou ficará por fazer. Volto ao tema, porque ele toca o inadmissível.

A 7 de Fevereiro, a jornalista Maria João Lopes descreveu no Público a “fábrica” da Cambridge English Language Assessment, que produz os testes aplicados nas escolas portuguesas. A expressão “fábrica” é dela e é feliz, porque é de uma fábrica que se trata: fábrica de exames, fábrica de domínio linguístico e fábrica de dinheiro. São 21 mil metros quadrados de área, onde não entram sacos pessoais nem telemóveis, 9 quilómetros de estantes e um armazém de 30 mil caixas de enunciados devolvidos (convenientemente, os denominados testes de Cambridge não são públicos, não podendo aqueles que a eles se submetem ficar com os enunciados, fotocopiá-los ou fotografá-los), tudo vigiado por 180 câmaras. Espalhados pelo mundo, esclareceu-nos Maria João Lopes, a fábrica tem mais de 500 funcionários, para além de dezenas de milhares de examinadores e professores, entre outros profissionais. No último ano foram feitos 5 milhões de testes e outorgados 7 milhões de certificados, distribuídos por 170 países clientes, que pagam os serviços requeridos. E quem paga os custos enormes de toda a logística portuguesa? Disse Nuno Crato, quando deu a boa nova ao país, que não era o Estado, outrossim os parceiros de uma sui generis e filantrópica PPP, a saber: Banco BPI, S.A., Porto Editora, Lda., Novabase, S.A., GlobeStar Systems, Inc. e Fundação Bissaya Barreto. Em momento de anúncio de novo assalto ao financiamento da Segurança Social (reincidência na ideia de baixar a TSU das empresas) e de mais uma bordoada no Estado de Direito e na sua credibilidade (corte de 600 milhões nas reformas), convinha que o ministro da Educação, ou alguém por ele, explicasse por que razão o nº6 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 36/2015 (que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2015) reza assim:
“Durante o ano económico de 2015, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) pode efetuar, com recurso ao procedimento de ajuste direto, a despesa relativa à aquisição de serviços para a realização do teste diagnóstico de Inglês e para a emissão do certificado de proficiência linguística”.

Enquanto isto, até 8 de Maio decorrem, em 248 escolas seleccionadas aleatoriamente, os exames a que se sujeitam cerca de 10 mil alunos de 15 anos de idade, no quadro do famoso PISA. E daqui a pouco mais de um mês, teremos os alunos dos 4º e 6º anos também em exames, com as metas de Português e Matemática a voltarem à berlinda. De professores de uma e outra disciplina, com quem fui trocando impressões, não encontrei um único que não referisse a impossibilidade de tratar, com adequação pedagógica mínima, a extensão das matérias impostas, tanto mais quanto foi pouco eficaz, como era facilmente previsível, o plano de recuperação das aulas perdidas com o calamitoso arranque do ano-lectivo. Todos referiram o conflito gritante entre a necessidade de tempo para consolidar o que se aprende e a extensão daquilo que a alteração de programas significou, circunstância agravada pela frequente incoerência entre metas e programas, entre conteúdos e estádios de desenvolvimento psicológico e cognitivo dos alunos e pela forte instabilidade que os desastrados processos usados transferiram para escolas, alunos e professores.

Seguir-se-ão os exames do 9º e 12º anos, sob comando do patusco IAVE e a previsível trapalhada trazida pela obrigatoriedade da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, que poderá custar, teoricamente, até quatro valores aos que não respeitem a palhaçada em que foram apanhados.

Quando a destruição estiver concertada e o afastamento temporal permitir a análise desapaixonada, de Crato serão claras as marcas que sobram para a história: brutal redução do financiamento da Educação, subjugação do público ao privado e do personalismo ao utilitarismo e deriva desvairada para tudo subordinar a metas grotescas e exames inadequados.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

18/04/2015

Os Desafios da Escola Pública

.
4ª feira, 22 de Abril 
às 15h
com o PROFESSOR SANTANA CASTILHO:
os desafios da escola pública


Escola Básica Arqueólogo Mário Cardoso 
Rua Monte da Ínsua - Vila de Ponte 
Apartado 4090 
4801-908 Caldas das Taipas 

Telefones: Atendimento geral (pbx):253479790

"da escola que temos à escola que queremos"



DA ESCOLA QUE TEMOS À ESCOLA QUE QUEREMOS: 
com SANTANA CASTILHO 
21 de Abril às 21 horas 

Na Escola Secundária de Paredes, na próxima terça feira, às 21:00 horas, o professor Santana Castilho, uma das vozes mais emblemáticas nas questões educativas actuais e um crítico muito severo das linhas de acção do MEC, vai analisar os seguintes temas:
Como pensar e/ou resolver as equações que se seguem?
  • Sistema de Avaliação dos Alunos + Sistema de Avaliação dos Professores versus Rankings das Escolas e a Avaliação das Próprias Instituições. 
  • A Tendência para a Uniformização e a Centralização versus A Necessidade de Diversificação e de Descentralização 
  • Por que razão, no desenvolvimento das políticas educativas do pós 25 de abril, assistimos constantemente a um movimento de fazer-desfazer, qual Penélope, das políticas desenhadas para o sistema educativo português, mesmo naquelas que assentam em fundamentos científico-pedagógicos já testados e validados? 
  • E por que razão, face a tal facto, a comunidade científica e educativa opta pelo silêncio diante do poder?


Escola Secundária de Paredes
Rua António Araújo
4580-045 Paredes

telefone-255 782 127
fax-255 782 890
geral@esparedes.pt


Paredes é uma cidade portuguesa no Distrito do Porto, região Norte e subregião do Tâmega, com cerca de 12 654 habitantes. É sede de um município com 156,56 km² de área e 85 428 habitantes (2004), subdividido em 24 freguesias. O município é limitado a norte pelo município de Paços de Ferreira, a leste por Lousada e por Penafiel, a sudoeste por Gondomar e a oeste por Valongo. Fica na comunidade urbana do Vale do Sousa. O concelho foi criado em 1836, sucedendo, em grande parte, ao antigo concelho de Aguiar de Sousa. Presentemente o município de Paredes tem três cidades: Paredes, Rebordosa e São o Salvador de Lordelo, e uma cidade em estatuto especial, Gandra. fonte: http://portalnacional.com.pt/porto/paredes/

08/04/2015

A Educação afunda-se com Nuno Crato a tocar no convés

no Público,
8 de Abril de 2015

por Santana Castilho *

A saga experimentalista de Nuno Crato continua a saltar de programa em programa com a leveza dos hipopótamos. Chegou a hora do Português para o ensino básico, agora em falsa discussão pública até ao próximo dia 17. Porquê falsa? Porque a apreciação das sugestões produzidas (só incautos perderão tempo a sugerir seja o que for neste contexto) cabe ao mesmo comité de crânios que concebeu o programa que definiu, só para os primeiros quatro anos, os hilariantes 105 objectivos e os kafkianos 308 descritores que guiam, qual lâmpada de Aladino, o respectivo ensino. Para afinar o diapasão da crítica, recordemos três das que passarão a ser as 1.000 metas, do 1º ao 9º ano, do cientismo cratiano:

- “Ler corretamente, por minuto, no mínimo 40 palavras de uma lista de palavras de um texto apresentadas quase aleatoriamente”. Se julgávamos que uma escolha era aleatória ou não era, ficámos a saber que há, ainda, o “quase aleatoriamente”.

- “Escrever quase sem erros uma lista de 60 palavras em situação de ditado”. Se não souberem como determinar o que é “quase sem erros”, não se detenham a inquirir o rigor matemático de Nuno Crato. Ele também não pode saber.

 - “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada) ”. Tivesse a escola assim treinado o aluno Cavaco Silva e o insigne presidente nunca nos teria tratado por “cidadões”.

O ministro, que passa a vida a invocar a avaliação externa e independente, depois de submeter o escrutínio das críticas a juízes que actuarão em causa própria, decidiu que apenas serão “integrados os elementos suscetíveis de enriquecer e melhorar a proposta inicial” (site da Direcção-Geral de Educação). Excluiu, assim, convenientemente, a hipótese de os contributos apontarem para a manutenção pura e simples do programa actual. Atitude séria? Não. Mas coerente, porquanto a sua hipócrita independência está personificada no “externo” IAVE. Mais, ainda. Quando, em acto falhado, se lê no site citado que o programa “deverá ser homologado no final de abril”, confessa-se, implicitamente, a ineficácia superveniente a uma discussão pública, que só pode ser de fachada.

Posto isto, formulo perguntas cuja resposta é não. Foi apresentada alguma avaliação fundamentada sobre a inadequação do programa que se quer substituir? Foram ouvidos os docentes que desde 2009 têm leccionado esse programa? Foi considerada a abundante produção científica (psicolinguística, didáctica e literacia) sobre o ensino das línguas maternas nos países com que nos comparamos em avaliações internacionais? As respostas circunscrevem-se a um rotundo não porque a génese da iniciativa radica no achismo. O arauto do cientismo de chinelo achou, em despacho, que era preciso agora enquadrar e dar coerência às suas notáveis metas, esquecendo que havia dito o contrário, quando as lançou e foi alertado para a circunstância dessas metas personificarem, além da patetice métrica, o desrespeito pelo programa vigente. E persiste na manipulação grosseira, chamando ajustamento entre programa e metas ao que é um evidente novo programa, servido por pressupostos bem diferentes, que abalroa de modo bruto tudo o que se fez desde 2009.

As práticas que o programa preconiza, cuja análise exaustiva não cabe neste curto espaço (cite-se, por todas, a substituição da compreensão oral pela memorização mecânica) sobressaem de uma molhada metodológica (a confusão entre conceitos, objectivos e ímpetos declarativos tornam a coisa simplesmente imprestável para qualquer orientação séria) e tipificam a vã glória de Nuno Crato: retroceder três décadas e sacralizar as piores práticas. Este programa impõe o que o Conselho Nacional de Educação diz estar errado. Este programa retira qualquer espaço de liberdade aos professores e impede a recuperação dos alunos em dificuldade, no dizer da Associação de Professores de Português. Este programa tem uma extensão irrealista face à natureza psicopedagógica das crianças a que se destina. Este programa é obsessivo em relação aos exames.

O homem que se referiu às ciências da educação como ocultas ficará, paradoxalmente, notabilizado por contaminar o sistema educativo com um cientismo econometrista baixo, que alastra perigosamente, aprisionando os docentes e reduzindo-os a um funcionalismo imposto pela burocratização normativa.

A política de Crato abandonou o conhecimento sobre o ser integral e fixou-se numa concepção utilitarista, dramaticamente redutora. Com este precedente, o caminho para a perversão interpretativa da missão da Escola e dos professores ficou aberto à preponderância grotesca das metas, com consequências lesivas no futuro de todos.

A Educação afunda-se com Nuno Crato a tocar no convés.

* Professor do ensino superior (s. castilho@netcabo.pt)

25/03/2015

A Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames

no Público,
25/3/2015
por Santana Castilho*

A Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames


Para facilitar a leitura deste artigo, começo por um pequeno glossário:

Nuno Crato – Presbítero da Suprema Congregação dos Santos Exames, em nome da qual vem destruindo a escola pública e perseguindo os professores. Oficialmente designado por ministro da Educação.

IAVE – Sigla de Instituto de Avaliação Educativa. Sucedeu ao Gabinete de Avaliação Educacional, num lance típico de algo mudar para tudo ficar na mesma. O presbítero, que financia a coisa e propõe os nomes para que o Governo designe quem manda na coisa, repete até à exaustão que aquilo é independente, julgando que prega a papalvos. Aquilo passa pelos erros que comete e pelas indigências que promove com a resiliência dos irresponsáveis.

Cambridge English Language Assessment – Organização privada sem fins lucrativos, o que não significa que não facture generosamente o que faz e não pague principescamente a quem a serve. Pagar principescamente e gastar alarvemente é desiderato de algumas Non Profit Organizations.

PET – Do inglês, comumente entendido como animal de estimação, é aqui o acrónimo de Preliminary English Test for Schools. Personifica o mais actual exame de estimação de Nuno Crato.

PACC – Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. É o cordão umbilical que liga Nuno Crato a Maria de Lurdes Rodrigues em matéria de vexame público do ensino superior e da classe docente. O facto de persistir, depois de classificada pelo próprio Conselho Científico do IAVE como prova sem validade, fiabilidade ou autenticidade, mostra de quem o IAVE depende e contra quem manifesta a sua independência.

Despachado o glossário, passemos ao calvário. Começou a mobilização da máquina da escola pública para operacionalizar o PET, teste que pretende certificar o domínio do nível de proficiência B1 em língua inglesa, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. O teste implica uma considerável sobrecarga de trabalho escravo para os professores e um notório prejuízo do curso normal das actividades lectivas. O direito às aulas por parte dos alunos cedeu ao “direito” de uma instituição estrangeira utilizar professores pagos pelo Estado português, para os industriar na aplicação de instrumentos com os quais impõe a supremacia de uma língua, num quadro comunitário multicultural e plurilinguístico, vexando-os e vexando as universidades portuguesas. Falo de 2150 docentes licenciados, mestrados ou doutorados, que irão obrigatoriamente ao beija-mão de Cambridge. Com efeito, os graus académicos que o ensino superior português conferiu foram liminarmente ignorados pela Cambridge English Language Assessment, tendo os professores portugueses que se submeter a uma prova que verificará a sua proficiência linguística. Para serem classificadores de uma prova obrigatória dos alunos do 9º ano do ensino obrigatório português, os professores portugueses são obrigados a sujeitar-se a uma prova atentatória do seu profissionalismo docente. O IAVE comparou, para as justificar, as exigências da Cambridge English Language Assessment com a formação e certificação a que ele próprio, IAVE, sujeita os professores portugueses, antes de os reconhecer capazes de classificarem os exames nacionais. Ou seja, a inteligência feudal daquela excrescência administrativa justificou a anormalidade B com a anormalidade A. Mas não ficam por aqui as surpresas que a vassalagem do ministro da Educação permitiu.

O artigo 9º do respectivo regulamento de aplicação consigna que o teste não é público e sublinha “que não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, ou transmitido por qualquer forma ou por qualquer formato, processo eletrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia, digitalização ou gravação”. Secreto pois, em nome da transparência.

À prova é atribuído um carácter de “diagnóstico”, sendo certo que apenas se lhe conhece um efeito: a atribuição de um certificado, facultativo mas ao preço de 25 euros, representando um potencial encaixe para a instituição sem fins lucrativos da ordem dos 2 milhões. Quanto ao mais, isto é, como serão utilizados os resultados, prevalece o segredo, quer para pais, quer para alunos, quer para professores.

Também começará hoje, se os tribunais não o impedirem, a segunda parte da PACC. Compreendendo-os, dói-me ver tantos colegas sujeitarem-se, sacrificando a dignidade profissional e independência intelectual, a tal fogueira inquisitória. A somar-se aos outros anacronismos, soubemos agora que uma necessidade fisiológica superveniente em Faro ou Braga só poderá ser satisfeita sob vigilância a designar pela direcção local e mediante autorização a solicitar ao real júri nacional. Assim, ou com coragem de se fazer acompanhar de competente vaso sanitário e lata para se aliviar na própria sala de tão imprópria prova. Tudo a bem da uma classificação asseada e em nome da Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

11/03/2015

O potencial destruidor de Nuno Crato

no Público,
11/3/2015

por Santana Castilho *

1. A comunicação social referiu-se abundantemente a um documento produzido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o problema das reprovações (“retenções” na novilíngua vigente). O tratamento jornalístico glosou os aspectos mais susceptíveis de chamar a atenção do grande público, tirando conclusões que não estão no documento ou dando uma interpretação descontextualizada a recomendações feitas. É o caso do custo das reprovações. Alguém multiplicou o número de “retidos” anualmente (150.000) por 4.000 euros (custo médio atribuído por aluno) para concluir que as ditas reprovações significam a perda de 600 milhões de euros. Ora é bom de ver que o custo de funcionamento das turmas pelas quais estão dispersos os alunos que reprovam não se altera por eles reprovarem no final do ano, num sistema de ensino com obrigatoriedade de permanência até aos 18 anos. É de outra natureza o prejuízo e as contas não se fazem assim. Mas a imprecisão foi amplamente propalada. E é o caso de se ter passado implicitamente a mensagem de o CNE sugerir transições administrativas, coisa que o documento não defende. Tudo, talvez, porque a narrativa da análise do CNE é descuidada, a linguagem pouco clara e as ideias se contradizem por vezes. Veja-se, por exemplo, a afirmação feita na página 6 (“… Desta forma, poder-se-á concluir que as elevadas taxas de retenção não decorrem do enquadramento legal …”), desmentida na página 7 (“… O carácter restritivo das condições de transição, previstas no enquadramento legal dirigido ao ensino básico, revela-se contraproducente …”). Mas, o mais relevante, que a imprensa não destacou, é que o documento do CNE reprova em toda a linha as políticas de Nuno Crato, quando censura: “a existência de legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas”; “as formas e critérios de distribuição de serviço letivo”; “a distribuição das cargas horárias das áreas disciplinares”; “a imposição, em final de ciclo, das condições de transição, independentemente da via de prosseguimento de estudos pretendida”; “a construção de percursos escolares diversificados, centralmente determinados”; “a existência de um currículo prescritivo balizado por programas excessivamente extensos e por correspondentes metas curriculares anuais e, ainda, por provas de avaliação externa que incidem sobre toda a extensão dos programas”; “as inúmeras tarefas de cariz burocrático que são solicitadas às escolas”; “a sobrevalorização das disciplinas sujeitas a exame em detrimento das restantes áreas do currículo”; “a atribuição de prémio às escolas com bons desempenhos nos exames e provas, através da concessão de horas de crédito para apoio a alunos, não se verificando o reforço de recursos e profissionais para as escolas com alunos em dificuldades”; “a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa” e “o desenvolvimento da prática sistemática de treino para provas”. Tudo visto e considerando que o documento pede ainda para se “reavaliar a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objetivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização”, eu não seria mais demolidor. E tudo isto, que é uma reprovação monumental das políticas seguidas, passou de fininho nas televisões, nas rádios e nos jornais.

2. Abriu um concurso com 1.453 vagas para contratação de professores de Quadro de Zona Pedagógica, cujos critérios de apuramento estão sob reserva dos burocratas, e foi tornada pública a decisão de extinguir 9.500 lugares nos ensinos básico e secundário, em sede de futuro concurso interno para professores do quadro. Trata-se de lugares que desaparecerão se os titulares mudarem de escola ou se reformarem. Continua a grande dança sem nexo, o maquiavélico ritual de sombras e a acumulação de injustiças sancionadas por sucessivas disposições legais, grosseiramente iníquas. Muitos, beneficiados por duvidosas contratações de escola (quantos factores inaceitavelmente subjectivos determinaram reconduções de professores menos graduados em detrimento de outros mais graduados), deixarão à porta colegas mais qualificados, num sistema diabolicamente arquitectado para colocar os professores contratados em vexatória disputa intestina. Da gigantesca trapalhada destaca-se uma “norma travão” que ilude maliciosamente a directiva europeia, quando não considera todos os contratos a partir de 2001 e manipula a seu jeito o conceito de contratos anuais e sucessivos (a directiva em análise considera sucessivos os contratos interrompidos por períodos inferiores a 90 dias).

A controvérsia em que a opinião pública mergulhou, quando confrontada com o carácter inconsciente do primeiro-ministro relativamente às suas obrigações contributivas, explicará parte da placidez da comunicação social face às últimas manifestações do potencial destruidor de Nuno Crato.

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

02/03/2015

Palestra/debate com Prof. Santana Castilho em Rio Maior


O SPGL convida-o a participar numa palestra/debate com o Prof. Santana Castilho, no dia 4 de Março, 4ª feira, pelas 15h30, no auditório da Biblioteca Municipal de Rio Maior, subordinada ao tema: 

ENSINO VOCACIONAL:
uma resposta educativa a manter?

http://spglriomaior.blogspot.pt/2015/02/palestradebate-com-prof-santana.html

28/02/2015

Bater o pé ou abanar a cauda?

no Público,
25/2/2015

por Santana Castilho

1. Foi de subserviência que se tratou quando a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, foi a Berlim a um beija-mão despropositado e se prestou a ser exibida como troféu de colonização moderna pelo sinistro mandarim Wolfgang Schäuble. Foi de obediência servil o triste papel que o primeiro-ministro português representou na Europa, enquanto Yanis Varoufakis lutava por uma dignidade que ele, Passos Coelho, não tem e muito menos entende. O que vai resultar da estratégia do governo grego bater o pé à Alemanha e à mesquinha empresa de negócios em que a Europa se transformou está por apurar. Mas o que resultou dos três anos que o governo português passou a abanar a cauda à senhora Merkel e aos seus capachos já está apurado e traduzido em números. Bastam algumas linhas e outras tantas colunas do Orçamento de Estado para 2015 para verificar que os 92.424 milhões de euros inscritos sob a epígrafe “operações da dívida pública” são mais que o triplo dos 29.000 milhões resultantes da soma do se prevê gastar com educação, saúde, segurança social e outras prestações sociais. Basta recordar os 300 mil emigrados forçados, o milhão e 200 mil desempregados, o milhão e 700 mil sem médico de família, os 23.089 professores, 2.107 enfermeiros, 10.842 administrativos e 21.834 auxiliares despedidos para perceber que quem com isto se sente orgulhoso jamais entenderá quem contra isto bate o pé.

O democrático bater de pé do governo grego tem um significado bem mais extenso que o querer da Syrisa. Merkel compreendeu isso quando apeou Georges Papandreou, logo que ele decidiu referendar a austeridade na Grécia. Tal como já o havia intuído quando mandou o voto dos italianos às malvas e substituiu, tecnocraticamente, sem eleições, Berlusconi por Monti. Mais que tudo, é este medo continuado que a nomenklatura política europeia nutre pelo voto do cidadão comum, suportado pelo abanar de cauda de tantos pequenos chefes, que pode agora, em boa hora, ser posto em causa.


2. Amiúde, órgãos associativos ou institucionais de directores de escolas criticam de modo contundente as políticas impostas pelo Ministério da Educação e Ciência. Quase sempre as críticas são pertinentes e quase sempre as matérias a que se referem acabam tornando mais árdua a tarefa de gerir uma escola e diminuindo a qualidade do serviço público pelo qual são, também, responsáveis. Não raro, ouvi alguns dizerem que estavam nos limites e à beira da ruptura. Mas prosseguem sempre, quando a demissão em bloco poria, num átimo, cobro ao desrespeito de que se queixam e os livraria de genuflectirem ao próximo golpe.

A 16 de Fevereiro, o Conselho de Escolas, uma espécie de adereço que se exibe quando dá jeito, um órgão que está para o Governo como Maria Luís esteve para Schäuble, tornou público um parecer em que acusa o Ministério da Educação e Ciência de transferir para as câmaras a pouca autonomia que as escolas têm e de transformar o sistema de ensino numa “manta de retalhos de subsistemas educativos”, antevendo o nascimento de uma “rede de centros de decisão cuja heterogeneidade política, económica e de disponibilidade de recursos poderá levar à criação no país de uma multiplicidade de planos de estudo, de modelos de gestão das escolas, de modelos de afectação de recursos humanos, materiais e financeiros”. Disse ainda o conselho, no parecer em apreço, que “a decisão sobre tudo o que é essencial para o funcionamento das escolas é tomada fora das mesmas, com base num aparelho burocrático de normativos e aplicações informáticas” ineficiente. Mas todos os conselheiros continuaram em funções, segundo eles pouco mais que decorativas. Estranha forma de protesto a que vai de mão dada com a perene vassalagem ao chefe. Já aqui escrevi e agora repito: que falta faz à Educação a frescura de um momento Syrisa!


3. A subserviência acaba criando nos pequenos chefes um sentimento de grande impunidade. O Diretor-Geral dos Estabelecimentos Escolares, José Alberto Duarte, com o discernimento e a competência que lhe conhecemos, entendeu não ser eticamente reprovável presidir a um júri de selecção de putativos delegados regionais de educação, apesar de um dos opositores, actual chefe de gabinete do secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, partilhar com ele, há anos, a mesma habitação. Denunciada a caldeirada, apimentada em cúmulo pela não divulgação dos critérios de selecção e outras irregularidades convenientes, o chefe de gabinete, em início de acomodação futura, resolveu sair de fininho. Grosso decidiram falar três dos candidatos preteridos, dois dos quais (Alberto Almeida e Maria do Céu Castelo-Branco), curiosamente, com passados de oposição a José Alberto Duarte.

Apesar da onda prevalecente, sempre sobram alguns que dizem não. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

14/02/2015

Municipalização da educação: quietinhos, não respirem, já está!

no Público,
11. 2. 2015

por Santana Castilho

Nuno Crato, Poiares Maduro e os autarcas experimentalistas trataram a Educação como se fosse uma grande rotunda e os professores como pacientes sujeitos a raio X: quietinhos, não respirem, já está!

É o mais generoso que se pode dizer quando se analisa o processo e a proposta de Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências, com que pretendem pôr em prática o que é comummente designado por municipalização da Educação. O processo teve a clareza de um pântano. O documento são 28 páginas de verbo magro e matreirice gorda. Deplorável, para qualquer administração pública decente. Adequado a um Governo a que só falta privatizar o Galo de Barcelos. Passemos a alguns factos ilustrativos da mediocridade, que todos não cabem.

Várias cláusulas da proposta de contrato são ilegais, porque desrespeitam o regime de autonomia, administração e gestão das escolas públicas, fixado em três diplomas (DL n.º 75/2008, de 22 de Abril, DL n.º 224/2009, de 11 de Setembro, e DL n.º 137/2012, de 2 de Julho). É o caso concreto da alteração das competências dos conselhos gerais e dos directores, que só um decreto-lei poderia derrogar. O choque entre a lei e o contrato é mais gritante no caso das escolas com contratos de autonomia. Aqui, são duas portarias (a n.º 265/2012 e a n.º 44/2014) implodidas pela autocracia dos contratantes.

Pelo escândalo que gerou, caiu o convite escabroso para que as câmaras cortassem professores, até ao limite máximo de 5% do número considerado necessário, a troco de 12.500 euros por docente abatido. Mas porque os agiotas não dormem em serviço, a Cláusula 40.ª ampliou o cinismo da poupança a todos os recursos educativos e regulamenta a partilha de 50% dos despojos. Chamam-lhe “incentivos à eficiência”.

O pessoal não docente passa a ser gerido pelas autarquias (Cláusula 19.ª), abrindo-se a porta à utilização do mesmo em qualquer serviço camarário. A Cláusula 21.ª torna ainda mais fácil a contratação de privados para o funcionamento das AEC. A Cláusula 25.ª congela todos os gastos por quatro anos. A Cláusula 39.ª favorece a desvirtuação do trabalho pedagógico sério em benefício dos resultados nos exames. A definição dos critérios para a organização e gestão da rede escolar fica pelouro da autarquia, via verde para a privatização que se pretende. E o empreendedorismo voluntarista que as autarquias podem iniciar com a decisão sobre 25% dos curricula já esboçou os primeiros sinais com o presidente da Câmara de Óbidos a anunciar Filosofia para os alunos do 1.º ciclo do básico, yoga para os do jardim-de-infância e golfe e eco design para os do secundário.

Serão poucos os que guardarão memória do Guião para a Reforma do Estado, apresentado pelo vice-primeiro-ministro e objecto de reunião magna do Governo na Sala do Capítulo do vetusto Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Redigido em corpo 16 e com espaçamento pródigo para suprir em espaço o que lhe faltava em ideias, o documento teve o mérito de fixar em escrita uma agenda de entrega ao mercado das mais importantes funções sociais do Estado, sendo as propostas para a Educação o paradigma claro da intenção de utilizar fundos públicos para financiar negócios privados: criação de escolas concessionadas, instituição do cheque-ensino e reforço dos contratos de associação. Por ironia do destino, a pompa do acto foi servida por circunstância curiosa, que os monges de Cister não protegeram: a imprensa, nacional e internacional, com a prestigiada The Economist à cabeça, dava-nos na mesma altura conta da falência completa da alma mater das escolas concessionadas. A reforma inspiradora, a sueca, iniciada há 20 anos, falhara em toda a linha: a diferença de qualidade entre escolas tornou-se um problema nacional; a segregação social, que antes não existia, cresceu preocupantemente; os resultados dos alunos suecos, medidos pelo PISA, desceram exponencialmente; os gastos públicos não diminuíram; e o ministro sueco da educação anunciava o fim da festa e o retorno das escolas à tutela directa do Estado, reconhecendo que a reforma não poupou, não melhorou e segregou, em nome de uma liberdade de escolha que não funcionou.

Os pressupostos fixados na proposta de delegação de competências em apreço, cruzados com as intenções que já foram anunciadas quanto ao cheque-ensino, poderão repetir no país o que se verificou na Suécia, com a criatividade activa dos grupos económicos a explorarem o negócio até que, anos volvidos, se reconheça a sua falência. Com esta municipalização, os autarcas acabam promovendo políticas a que se oporiam se a iniciativa partisse do Governo central, e o Governo central subtrai-se, maquiavelicamente, aos protestos que as suas políticas originariam. É caso para citar Steve Jobs: “Porquê alistarmo-nos na marinha, se podemos ser piratas?”

29/01/2015

da "intenção escondida" da PACC

Intervenção do Professor Santana Castilho 
na Antena 1
27.1. 2015 

- a partir do minuto 13.20:

http://www.rtp.pt/play/p469/e181035/antena-aberta

excerto:

«Há uma intenção escondida por trás desta iniciativa do ministério, que é a de repercutir aqui, 43 anos depois, estratégias políticas que foram seguidas na Inglaterra, nos Estados Unidos, no tempo de Ronald Reagan e James Callaghan:
- colocar a responsabilidade do falhanço das escolas nos professores;
- desvalorizar a profissão;
- tornar os professores, perante a sociedade, nos responsáveis por uma série de problemas que são do “todo” do país e, com isso, conseguir proletarizar a classe, diminuir salários e, em última análise, promover a privatização do ensino e um retorno a toda uma concepção elitista do sistema educativo português.
É esta a política ‘escondida’ deste governo, em relação à qual esta prova é apenas um dos vários instrumentos usados.

Há uma outra questão sobre que importa reflectir: todos estes fenómenos que vão colhendo o interesse público têm uma raiz, que é a circunstância de nós sacralizarmos esta ideia da competição, de que tudo é mensurável em educação, esquecendo-nos nós de que a actividade lectiva é, fundamentalmente, uma actividade cooperativa, e que é a cooperação que serve as pessoas e as harmoniza, enquanto que a competição serve os números, e serve os conflitos.

Todo este ambientede conflito que hoje se vive na escola (e esta questão da PACC é apenas um dos vectores ...) é um ambiente que tem sido promovido pelo ministério da educação e designadamente por Nuno Crato e é um ambiente que, do meu ponto de vista, não serve o valor mais importante, que é o da formação de pessoas - maduras civicamente, naturalmente conhecedoras e, nos domínios das diferentes ciências, competentes para uma sociedade onde a competição é cada vez mais feroz, mas que não se pode deixar dominar, ainda que viva na tal "economia de mercado", por essa ideia, e transformar-se numa "sociedade de mercado".

É isso que Nuno Crato (e este governo) estão a procurar trazer para as nossas escolas: transformar um local de formação de pessoas num local de formação de autómatos ao serviço desta economia de mercado.