23/03/2016

A palhaçada

no Público
23 e Março de 2016

por Santana Castilho*

Segundo a Rádio Renascença, o diploma que instituía o modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico poderia ser vetado. Para o evitar, Governo e presidência da República, leia-se Tiago Rodrigues e Isabel Alçada, terão negociado um regime transitório, que assenta na não obrigatoriedade das provas de aferição e na possibilidade de ressuscitar os exames dos 4º e 6ºanos, ainda que sem contarem para classificação.
O que de mais generoso me ocorre para qualificar este quadro cobarde, gerador de confusão e instabilidade, caracterizado por três modelos de avaliação num mesmo ano lectivo, três, é que se trata de uma deriva de irresponsáveis. A ser verdade o que disse a Renascença, como pode ter passado pela cabeça do Presidente da República vetar um diploma que, por mais sem sentido que fosse (e era) não feria nenhuma disposição da Constituição e leis correlatas? Como entender que Marcelo presidente passe a vetar normativos de governo, porque Marcelo, comentador, os criticou?
E porquê cobarde? Porque uma decisão que deveria ser da exclusiva responsabilidade do Governo acaba, farisaicamente, entregue às escolas. Em dois meses, haverá escolas que, com aulas, reuniões e férias pelo meio, irão conceber e fazer os exames que a estrutura do IAVE, profissional, especializada e em tarefa exclusiva, faria num ano inteiro. Umas escolas terão provas, outras não. Uns alunos farão exames, outros não. A cascata das legítimas discordâncias sobrará para as escolas. Porque um ministro imaturo brincou às democracias e às autonomias com uma ex-ministra, perita em acordos envenenados.
Vimos o que nunca deveríamos ter visto. Os exames foram abolidos, já quase a meio do ano lectivo, com os votos dos deputados do PS, na manhã seguinte à tomada de posse do governo do PS, cujo programa não continha tal medida. No primeiro debate em que participou como primeiro-ministro, António Costa, desconhecendo o programa do seu próprio governo, afirmou que o exame do 6ºano não estaria em causa, para ser desmentido, dias depois, pelo ministro da Educação.
Estamos todos lembrados do modo precipitado e arrogante que pôs fim aos exames, contra o parecer de muitos, Conselho Nacional de Educação e Conselho de Escolas incluídos. Coisa nociva para o sistema, a exterminar, por isso, com urgência, dizia o ministro em Janeiro passado. E agora podem ser feitos nas escolas que o decidam?
É patética a invocação da autonomia da Escola para justificar esta palhaçada já que, no mesmo momento, o ministro lhe anuncia o fim para daqui a uns meses. Isto é, glória suprema, a autonomia das escolas, agora, decide. Mas no próximo ano lectivo já decidiu ele, pensem as escolas o que pensarem. Melhor tributo à hipocrisia não podia ser prestado, para não falar da permanente incerteza introduzida no espírito das crianças e das suas famílias e no planeamento do trabalho das escolas e dos seus professores.
Mas o desconhecimento e o amadorismo de quem governa estão patentes noutros acontecimentos.
Em rigor, os exames de Cambridge não desapareceram. Apenas foram suspensos.
A PACC não desapareceu. Apenas foi subtraída como requisito de concurso. Continua firme no Estatuto da Carreira Docente, todo ele, aliás, intocável. Como se não fosse algo que um ministro conhecedor e um partido respeitador da profissão docente não tivessem que refazer com urgência máxima.
A revisão da legislação sobre concursos (DL nº 9/2016, de 7 de Março) é desoladoramente pobre em substância e indigente em fundamentação. A forma usada para remover a Bolsa de Contratação de Escola (BCE) suscita um receio legítimo: a eliminação parece ser simplesmente temporária, isto é, cosmética agora, mais do mesmo em breve. Com efeito, se por um lado se invoca a morosidade e complexidade operacionais para extinguir, exprime-se, por outro, a intenção de recuperar, no futuro, o modelo que tornou a BCE um instrumento de impensáveis dislates e odiosas injustiças. Basta ler o diploma.
A norma-travão, que mais não foi que um expediente usado pelo anterior governo para tornear a Directiva 1999/70/CE, de 28 de Junho, da Comissão Europeia, venceu e persiste. Assim, continua a impor a entrada nos quadros de todos os professores que tenham cinco contratos de trabalho, anuais, completos e sucessivos, quando a directiva citada e a nossa lei do trabalho estipulam três. E apenas se aplica a partir da data em que foi instituída, deixando de fora os muitos docentes que, em períodos anteriores, cumpriram os requisitos.
Os mecanismos de recondução e renovação automática de contratos, isentos de concurso, instrumentos que derrogam liminarmente a justiça, a equidade e a Constituição (art. 47º, 2) resultaram incólumes. Assim, ao rigor e à transparência, PS e Tiago Brandão Rodrigues preferiram a tômbola e as águas turvas.
*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/03/2016

espectáculo, jantar e tertúlia

com a presença do Professor Santana Castilho 

"Portugal está no limiar de uma viragem. Ou se afunda e perde a pouca soberania que lhe resta, ou muda de paradigmas para se regenerar. Mas não o pode fazer sem refundar o seu sistema educativo. Há medidas imediatas que podem alterar, de um dia para o outro, a penosa vida das escolas. Assim o próximo ministro da Educação tenha reflexão produzida que lhe permita fazer rápido o que é urgente. Um ministro competente terá certamente ideias fortes e formadas. Mas falhará se não perceber que as não pode impor. Terá que demonstrar. Terá que liderar um processo de adesão colectiva, que acolha os outros. Terá que transformar o confronto permanente em cooperação."  

8 de abril 2016 - 20:20h


Não resistir a uma ideia nova nem a um vinho velho

COLABORACIONISTAS

(a partir de John Hodge)

Moscovo, 1938: um lugar perigoso para se ter sentido de humor e ainda mais para se ter sentido de liberdade. O escritor Mikhail Bulgakov, vivendo entre dissidentes, perseguido pela polícia secreta, tem ambos. E eis que lhe oferecem um cálice envenenado: encarregam-no de escrever uma peça de teatro sobre a juventude de Stalin, para celebrar o sexagésimo aniversário deste. 

Um espetáculo que volta a olhar para uma época utilizando

     a História, 
       o sentido de humor, 
       o arrepio 
       o convívio de um  jantar a meio 
       a partilha em Tertúlia informal com o convidado:  

Dr. Santana Castilho


Local: Palácio dos Aciprestes - Fundação Marquês de Pombal
            Av. Tomás Ribeiro, nº 18, Linda-a-Velha

Versão e encenação:  Carlos Carvalheiro

Produção:                    Fatias de Cá

Parceria:                   





reservas:


Telefone: 960 303 991 

33,33€ incluindo jantar

comprar bilhete aqui: http://www.fatiasdeca.net/loja/bilhetes.aspx?id=26&p=0

09/03/2016

Cem e sem

 
no Público
9 de Março de 2016

por Santana Castilho*


1. Cem dias passados, o Governo do PS, apoiado pelo PCP, BE e Verdes, provou ter uma capacidade notável de adaptação. Aguentou-se no primeiro lance, o da aprovação de um programa dúbio de governo. Sobreviveu ao golpe que ofereceu, em saldo, o Banif ao Santander, logrando mesmo o apoio do PSD para aprovar o orçamento rectificativo que viabilizou a negociata. Levantou (foi obra) o PCP, pela primeira vez em 40 anos, para aprovar o OE 2016, saído de um belo joguinho de cintura com Bruxelas. E, cereja no topo da geringonça, 46 páginas de erratas depois, eis que a radical Moody’s lhe conferiu um invulgar elogio. Cavaco Silva desta vez não o disse, mas certamente que voltou a pensar ser coisa da virgem de Fátima.

Nestes cem dias, de fé no fim da austeridade, recuperaram-se feriados perdidos. Operaram-se exíguas melhorias para as famílias de mais baixos recursos. Reverteram-se privatizações. Extinguiram-se exames. Prometeram-se (para uns) 35 em vez de 40 horas de trabalho. Aumentou-se o salário mínimo. Apresentou-se à EDP a factura da tarifa social de energia e aos fundos imobiliários a nota para pagarem o IMI e o IMT de que estavam isentos.

Seguir-se-á a realidade, que diluirá tendências populistas e começou já a ser reconhecida com 800 milhões de novos impostos. A realidade que liga o crescimento económico, a justiça social, a dignidade nacional e o futuro do país ao fim dos abusos da banca e à renegociação da dívida, que sufocam tudo e todos, incluindo qualquer fé e qualquer governo que actue de modo híbrido, querendo, como este, simultâneamente, contentar a ortodoxia europeia, PCP, Bloco e Verdes. Neste quadro, os próximos episódios (procedimentos do Semestre Europeu, designadamente Plano B) deste jogo de realidade versus fé apenas testarão quanto tempo António Costa conseguirá, do mesmo passo, ser poder e contrapoder, bom aluno para Bruxelas e suficientemente rebelde para o Bloco, Verdes e PCP. Citando Pacheco Pereira (Público de 27.2.16), “… há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são. Na política, o país está num impasse, mas parece que não …”.

2. Sem qualidade, começam a revelar-se os discursos (e as políticas) dos dois dignitários da Educação. Ouvi o do ensino superior, no parlamento, abalroar, de forma reiterada (o que afasta o lapso simples para expor a ignorância grave) o presente do conjuntivo do verbo ter. “Tenhemos”, senhor ministro? E traulitar, sem rebuço, o pretérito perfeito do indicativo de intervir. “Interviram”, senhor ministro? E li-o (Público de 27.2.16), defendendo (alô, alô, BE, PCP e Verdes) a precarização do emprego dos professores e investigadores do seu sector. Flexibilizar o emprego científico, senhor ministro? Quando mais de 40% dos docentes e investigadores do ensino superior têm vínculos precários? Não terá cuspido no dedo errado para “virar a página”?

O ministro da Educação, igualmente no parlamento, também repetiu o tique que se lhe começa a pegar à pele, qual seja uma certa tendência arrogante para manipular os factos. “Ao contrário do que alguns disseram, o Orçamento do Estado para Educação em 2016 cresce 303 milhões de euros (+ 5.3%) quando comparado com o que o governo anterior inscreveu no orçamento para 2015. De 5716 milhões de euros para 6019 milhões de euros”, disse o ministro. E disse mais que só “podemos comparar o que é comparável”. Ora no momento em que “alguns” disseram haver um corte de 82 milhões (-1,4%) já se sabia quanto o Governo anterior tinha efectivamente gasto com a Educação. E gastou mais 82 milhões do que este se propõe gastar em 2016. Que queria o ministro? Que se ignorasse o que já era conhecido? Não comparámos velocidade com toucinho, senhor ministro. Comparámos euros gastos com euros que o senhor disse que ia gastar. E o senhor disse que tenciona gastar menos 82 milhões que o seu antecessor de facto gastou. E a esse corte de 82 milhões, para compararmos o que é comparável, isto é, conhecer a verdadeira dimensão do corte nominal das actividades da escola pública, com os dados existentes no momento em que “alguns” falaram, temos que somar os 14,4 milhões que pagará a mais ao ensino privado e o aumento dos gastos salariais dos professores. Se já fez as contas, teria sido mais sério confessar o número no parlamento.

Hoje, os novos donos das novas certezas decidem ontem e estudam amanhã. Levianamente. Os professores, que não são donos deles próprios, sujeitam-se, quando pouco mudou. A frustração não desapareceu mas a capacidade de espera cresceu. Às salas dos professores não voltou a familiaridade, a colaboração mútua e a confiança que de lá desapareceram com Maria de Lurdes Rodrigues  e Nuno Crato. Os sinais de narcisismo dos novos poderosos contrastam com os traços de psicose dos que perderam o poder. Os anúncios de ideias de futuro, sem ideias e medidas de presente, não combatem a depressão colectiva que ameaça a escola pública.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

24/02/2016

Escola a mais, pais a menos

no Público
24 de Fevereiro de 2016

por Santana Castilho*

Três meses volvidos sobre o início de funções do Governo, temos, na Educação, um Orçamento de Estado pior que o último de Passos Coelho e umas Grandes Opções do Plano para 2016-2019 (Proposta de Lei n.º 11/XIII) que não são melhores. Se não é claro quem manda no ministério da Educação, é já claro quem não manda, apesar de algumas tiradas fanfarrãs e pouco respeito por quem pensa diferente. Decididamente, António Costa menosprezou a Educação e resolveu-a protegendo a impreparação do ministro com a sombra tutelar de Maria de Lurdes Rodrigues. Cruzando o orçamento com as opções, resultam projectadas para a legislatura (se o Governo a concluir) medidas sem dinheiro para as pagar e persistência em bandeiras erradas do PS de outros tempos. Um bom exemplo é o alargamento da “Escola a Tempo Inteiro” (permanência na escola das 08.30 às 19.30) a todos os alunos do ensino básico, que já estava no programa do Governo e é reafirmado nas Grandes Opções do Plano (pág. 110).

A falta de tempo para os pais se dedicarem ao crescimento dos filhos é um problema social real e grave. Mas encontrar pais de substituição (professores e outros técnicos) e lar alternativo (escola) é acrescentar ao primeiro um segundo problema. A este propósito, o défice de conhecimento do Governo é preocupante quando lamenta (pág. 20 das opções) que a taxa de “escolarização efectiva (sic) antes dos três anos” seja apenas de 45,9%. E quando se regozija, a seguir, por essa taxa ficar “claramente acima dos 27,7 % da Finlândia”. Isto é, o PS ainda não percebeu que, no caso vertente, taxa baixa é melhor que taxa alta. E não percebeu porque insiste no desígnio, pedagógica e socialmente aberrante, de nacionalizar as crianças e facilitar a escravização dos pais. Perceberá o PS que, na sociedade que defende, cada vez mais as crianças não são crianças? Que não têm tempo para brincar livremente, a actividade mais séria do seu crescimento? Que mais escola não significa melhor educação? Que a falta de presença e disponibilidade dos pais impede a consolidação dos laços afectivos profundos, que caracterizam a relação pais/filhos? Que essa ausência dificulta o desenvolvimento da personalidade das crianças, o qual requer figuras claras de referência? Que só cresce a necessidade de mais berçários porque aumenta o peso do trabalho desregulado e mal pago? Que a prevalência dos interesses profissionais sobre o direito ao bem-estar mental das crianças tem reflexos nefastos no futuro de todos nós?

Só há uma maneira de encarar isto e a alarmante baixa taxa de natalidade, geradora de um saldo demográfico persistentemente negativo, qual seja a de proteger verdadeiramente as crianças e a maternidade, admitindo novas formas de organização do trabalho e reduzindo a carga horária de um dos progenitores, pelo menos, até que os filhos concluam o ensino básico. Como fazem os países mais avançados, que há muito concluíram, à luz da abundante produção científica sobre psicologia do desenvolvimento, que resulta inaceitável guardar crianças na escola em jornadas contínuas de 10 a 12 horas, como já hoje se verifica em muitos casos.

É tempo de trazermos a debate modelos alternativos de organização do trabalho e de fixação dos seus horários. Não são só os escolhos postos à maternidade que o justifica. São, também, os problemas suscitados pelo desemprego persistente, pela natureza cada vez mais precária do emprego, pelo crescimento do peso das mulheres no preenchimento do trabalho disponível e pelo aumento constante do tempo de vida, sem reflexo satisfatório na percepção da utilidade social dos mais idosos, que não podem, não devem nem aceitam ser reduzidos a simples fardos da sociedade. É, também, ainda, a necessidade de encarar e resolver um paradoxo inaceitável: se a crise atirou uns para a inactividade, obrigou outros, muitos, a dupla actividade, paga a preço singelo.

Não fora isto determinante e, mesmo com técnicos qualificados em trabalho não curricular e recursos que não existem (se a iniciativa custou em 2006, só para o 1º ciclo do básico, cerca de 100 milhões de euros, em quanto importaria hoje para um universo de quase 900.000 alunos?), a tipologia dominante na organização dos espaços das escolas, que é a sala de aula, inviabilizaria a generalização proposta. Faltam ginásios, recintos desportivos de ar livre e espaços para actividades expressivas (teatro, música, artes plásticas, etc.), pelo que não nos iludamos: a persistir no erro, duplicaremos apenas, sem sucesso, actividades rígidas, de cariz escolar. E porque os níveis de desenvolvimento são diferentes, reter em reclusão tão prolongada adolescentes do 9º ano pode provocar episódios reactivos que não se verificam com crianças do 1º ciclo.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

10/02/2016

O orçamento do Estado e a “circulatura” do quadrado ...

no Público,
10 de Fevereiro de 2016

por Santana Castilho *


O orçamento do Estado e a “circulatura” do quadrado 
As 50 sombras que David Justino não tem


1. Para titular este artigo apropriei-me de um neologismo feliz que Bagão Félix criou, porque exprime bem o processo técnico (não teria sido melhor que António Costa o assumisse como político?) que nos trouxe ao orçamento de 2016. 
O plano macroeconómico do PS não contemplava o aumento de impostos. O aumento previsto era o dos rendimentos líquidos dos portugueses, designadamente por via da redução da TSU. Podíamos questionar a viabilidade de êxito da proposta, mas não podíamos deixar de lhe reconhecer coerência. Porém, essa coerência esfumou-se entre os acordos com a esquerda parlamentar e as negociações com Bruxelas, dando lugar a um caminho de fraco norte e forte risco. 

Os benefícios deste orçamento resumem-se à função pública e à restauração e são parcos para virar a página da austeridade, quando o aumento líquido da receita fiscal e contributiva ultrapassa os 2.600 milhões de euros. Este é um orçamento simplesmente menos servil, com execução no fio da navalha e sem dinheiro, como serão todos, não importa de que governo, enquanto não for reduzido o peso e o custo da dívida. Porque a “circulatura” do quadrado só se consegue no domínio da mistificação política. 

Todavia, devemos reconhecê-lo, António Costa venceu o dramatismo ridículo de certa comunicação social, o discurso caceteiro da direita, o teatro majestaticamente rasteiro da Comissão Europeia e conseguiu valorizar o Estado e os seus servidores e promover alguma justiça social, de que o fim das benesses fiscais aos fundos imobiliários em sede de IMI e a extensão da tarifa social da energia são os melhores exemplos. 

Se lhe concedo, portanto, um sinal débil de virar de página, quando chegamos à Educação a página vira para trás e a desilusão tem, para quem se iludiu, o exacto tamanho da ilusão. O orçamento para a Educação é pior que o último de Passos Coelho e Crato. Cai em 2016 cerca de 1,4%, menos 82 milhões de euros. O corte nominal para as diferentes actividades será ainda bem maior se considerarmos que do bolo geral sairá o aumento dos gastos salariais e sairá o aumento de 6% das dotações para o ensino particular e cooperativo (14,4 milhões de euros de compromissos assumidos pelo anterior governo). Neste quadro, que credibilidade atribuir à prometida universalidade do pré-escolar dos três aos cinco anos, à generalização (perniciosa) da Escola a Tempo Inteiro, ao reforço da Acção Social Escolar e aos programas de Educação e Formação de Adultos, Nacional de Promoção do Sucesso Escolar e de Desenvolvimento do Ensino Artístico Especializado? 

Para os desprevenidos torna-se agora claro o papel menor que a Educação representa para António Costa. A “circulatura” que concebeu assenta na alimentação de uma divisão que lhe serve: de um lado uma Direita arrogante, que muito fez em detrimento da Escola pública; do outro, uma Esquerda igualmente fanática, que acaba por comprometer, pela imprudência e pelo facilitismo dos métodos, o que diz querer promover. 

2. Se o Tribunal Constitucional declarou ilegal a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), resultam ilegais os impedimentos postos aos docentes contratados nos processos de candidatura nos anos lectivos de 2013-14 e 2014-15. Se esta constatação parece óbvia, já o mesmo não se dirá quanto ao modo de ressarcir os prejudicados. Com efeito, a reconstituição do que poderia ter acontecido não passa apenas por uma reconstrução de listas, com base em graduações profissionais. Suporia conhecer o que não chegou a ser manifestado, isto é, as preferências dos putativos candidatos, tarefa impossível. 

Quando uma panela de pressão é destapada sem o cuidado prévio de diminuir a pressão interior, o conteúdo pode saltar para a cara de inexperientes incautos. 

3. Sou amigo pessoal de David Justino e tenho por ele apreço e consideração intelectual. Com frequência, encontramo-nos e discutimos política e política de Educação. Se em matéria de tintos, que apreciamos em conjunto, jamais discordámos, divergimos abundantemente em temas políticos. Ele aprecia Eric Hanushek, eu não. Ele acredita que agrupar escolas foi solução, eu não. Ele aceita que a dimensão das turmas não importa, eu não. A lista daquilo em que discordamos é provavelmente mais extensa do que a lista daquilo em que estamos de acordo. Posto isto, permito-me agora responder à pergunta “Quantos Justinos há, afinal?” (“As 50 sombras de Justino”, Público de 26/1/16) formulada por Pedro José Pereira. Há um, cuja seriedade está bem acima de qualquer processo de intenções. O carácter obsessivo do romance, por alguns descrito como pornografia para mamãs, cujo título parece ter inspirado o articulista, poderá explicar a prosa rasteira. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

27/01/2016

Então, que tal?

no Público
27 de Janeiro de 2016

por Santana Castilho *

1. Dois meses corridos sobre a entrada em funções do novo Governo, considerando todos os anúncios de mudança e o que já foi mudado, venho perguntar aos professores de sala- de-aula: então, que tal? 

Da última vez que os contei, eram 11 os documentos, com 18 itens de referência obrigatória, que uma simples reunião de turma de final de período gerava. Há sinais de alívio desta burocracia gratuita? As esferográficas continuam a ser compradas através de concursos públicos centralizados, via plataforma informática? Em tempos de reversão, fala-se por aí que cada escola vai voltar a ser escola? Ou está tudo sereno, na molhada do agrupamento? Já discutem um novo modelo de gestão, que traga democraticidade à coisa, ou estão bem sob o jugo de vários pequeninos ditadores? O vosso quadro de pessoal está em vias de ter uma dimensão adequada às necessidades? Já perceberam como a vossa carga desumana de trabalho não remunerado vai ser aliviada? Já reorganizaram as vossas vidas para responderem zelosamente ao acréscimo de provas a corrigir com a ressurreição das provas de aferição? Já trabalham para definir que recursos e que meios a vossa escola vai ter para combater as dificuldades dos alunos? Já decidiram algo sobre a reversão das aulas de 90 minutos? Embora já habituado, notei que há poucos dias (Escola Secundária Jorge Peixinho, no Montijo) um colega nosso levou um valente murro de um aluno, em plena sala de aula. Pergunto-vos se já notaram indícios de que algo vai mudar em matéria de disciplina. Fala-se por aí em tornar público o crime de agressão a um professor? Ou está tudo tranquilo e a indisciplina é coisa que não vos aflige? Serviços de orientação escolar, vocacional ou tutorial? Diz-se algo? Sobre o que se seguirá ao fim do vocacional em idade precoce, consta algo? Necessidades educativas especiais, minorias étnicas, culturais e religiosas? Fala-se disso? Têm corrido bem as reuniões com os sindicatos para alterar o estatuto da carreira docente? 

Desculpem! Reli isto, um décimo do que gostaria de vos perguntar, e reconheço a minha inconveniência: que importam estas minudências se os exames acabaram? 


2. O fim da denominada Bolsa de Contratação de Escola (BCE), instrumento que permitia que escolas com contratos de autonomia ou integrantes dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) fixassem critérios próprios para contratar professores, é uma medida positiva, por pôr fim a uma roleta-russa absurda, geradora de processos tresloucados, que vitimaram milhares de professores. 

Mas a morosidade na colocação (21 dias em média por cada docente) numa burocracia inaudita, balizada por 2,3 milhões de candidaturas a 7573 concursos no presente ano, sendo relevante, não é argumento primeiro. Mas foi o que o ministro invocou. 

Tão-pouco me parece aceitável insistir em reivindicar poder para fixar critérios próprios, por isso fazer parte dos contratos de autonomia. Mas foi o que invocaram o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. 

Termos em que parece pertinente recordar que o argumento primeiro é o que o artigo 47º da Constituição da República Portuguesa fixa, quando determina que “todos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade”. Com efeito, o carácter universal deste direito de acesso foi denegado a milhares de professores, por via de 1149 páginas de critérios imbecis e grotescos, definidos para só servirem a alguns. E porque o momento é próprio e o tempo é novo, recorde-se, ainda, toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, relativa à directiva 1999/70/CE, que aponta numa só direcção, legal e justa: vinculação aos quadros de todos os professores que, desde 2001, sejam titulares de mais de três contratos anuais sucessivos. 


3. A DBRS, a agência de notação financeira que tem sido generosa com a dívida do Estado português, deu sinais de impaciência (leia-se de profundo desagrado) com a pulverização sem critério dos créditos de alguns credores seniores do Novo Banco. Se daí resultar um abaixamento do rating (leia-se o débil elo que nos liga à protecção do BCE) será com um ruidoso “paf!” que explodirá a nossa reputação, já em queda nos mercados, sem que qualquer coligação nos acuda e a António Costa. É que, por muito que não gostemos deles (e eu não gosto), os mercados existem e sem os tomar em conta o esboço de orçamento não passará de um esboço de desgraça. É que tomar de assalto o Rato e driblar Seguro foi fácil. Fintar o resto para chegar a São Bento requereu engenho e arte. Mas para conseguir ultrapassar a ortodoxia financeira de Bruxelas e garantir as migalhas que o esboço distribui, não chega o sorriso crónico de Centeno. Bendito seja Costa se vier a ter razão para me chamar Velho do Restelo! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/01/2016

afirmar Abril - cumprir a Constituição

Foi ontem, em Évora: uma iniciativa da candidatura de Edgar Silva:
Professor SANTANA CASTILHO e "Os Valores de Abril na Constituição. As Funções Sociais do Estado" 


– Dia 15 de Janeiro, 21h00, na Universidade de Évora, sala 131. Sessão pública "Os Valores de Abril na Constituição. As Funções Sociais do Estado" coma a participação dos seguintes oradores: Renato do Carmo (Observatório das Desigualdades); José Manuel Jara (Médico); Manuel Pires da Rocha (Director do Conservatório de Música de Coimbra); Santana Castilho (Docente Universitário).


13/01/2016

O admirável novo tempo da Educação

no Público
13 de Janeiro de 2015

por Santana Castilho*

Ao divulgar o “Modelo Integrado de Avaliação Externa das Aprendizagens no Ensino Básico”, o ministro da Educação deu o seu contributo para a balbúrdia em que se transformou o “novo tempo” em matéria de Educação. Desmentiu a resposta que, na AR, António Costa havia dado a Paulo Portas, sobre os exames nacionais do ensino básico. Mas nessa resposta, António Costa também havia desmentido afirmações de Tiago Brandão e havia mostrado que não fazia a mínima ideia do que dizia o programa do seu próprio Governo sobre o tema. A estes insólitos já se acrescentava essoutro de, por duas vezes, os deputados do PS terem votado em massa contra o programa do Governo PS (PACC e abolição do exame do 4º ano). Por outro lado, o modelo divulgado assume-se, contraditoriamente, proposta e decisão. E fala de ter ouvido actores que garantem que não foram ouvidos. O caso mais relevante é o do Conselho Nacional de Educação, que não foi ouvido e que, na mesma altura, tornou público um parecer que se opõe ao que o ministro decidiu. Parecer esse que é tanto mais relevante quanto é certo que foi aprovado por uma enorme maioria de conselheiros (4 votos contra, em cerca de 50). Para cúmulo, dos três projectos de lei sobre a matéria, pendentes na AR, um (fim do exame do 9.º ano) poderá, ainda, invalidar parte importante da decisão de Tiago Rodrigues.

Nada disto é normal e tudo isto é lamentável. Quem como eu foi, eventualmente, o mais persistente crítico da desastrosa política de Nuno Crato (a quem censurei o improviso, a falta de fundamentação, o autoritarismo e o desrespeito pelos professores) está à vontade para lamentar o frenesim sem critério a que se assiste e justifica críticas idênticas.

Porquê recuperar provas que já usámos (ver despacho nº 5437, de 18/2/2000) e se revelaram inúteis? A persistir no erro, porquê os anos intermédios e não os anos finais? Porquê de modo universal e não por amostragem, como se faz, por exemplo, em sede do PISA? Porquê à bruta, já com o ano a meio, menosprezando o trabalho de planeamento dos professores e a estabilidade mínima devida aos alunos? Ponderou-se o que sentirão os alunos que se sujeitaram ao exame do 4º ano no ano passado e este ano voltam a ter outra prova no 5º, enquanto os colegas do 6º ficaram dispensados de maçadas até ao 8º? Se um dos argumentos para acabar com o exame do 4º ano foi a imaturidade própria de tão tenra idade, o argumento não é aplicável agora aos alunos do 2º, bem mais imaturos porque bem mais novos? Sendo positivo retirar as provas do meio de Maio, acreditam que os alunos do 8º ano, já em férias, se deslocarão empenhados à escola para fazerem uma prova que não conta para nada?

Os exames, em si, apuram resultados. Uma má classificação obtida por um aluno num exame não nos informa sobre as razões pelas quais isso aconteceu. Assim, a intervenção sobre os resultados só é possível se actuarmos sobre os processos. Aqui reside o grande problema da Educação nacional, já que continuamos obcecadamente a ocupar-nos das diversas formas de medir os resultados em vez de identificar e remover, atempadamente, os obstáculos que impedem a aprendizagem. A interpretação, à luz da literatura e da investigação científica actuais, dos dados estatísticos apurados evidencia a ausência de correlação entre o número de exames dos sistemas de ensino e o verdadeiro sucesso escolar dos alunos. Num sistema de ensino de massas, os exames são importantes, no tempo certo e na dose adequada, particularmente como instrumentos de certificação e relativização das classificações internas. Mas se a avaliação do desempenho dos alunos apurada através de exames não servir para a gestão desse desempenho, então os exames não servem para nada.

De há muito que defendo a tese segundo a qual os governos das duas últimas legislaturas se identificaram ideologicamente pela obsessão de reduzir toda a avaliação educacional a simples alinhamentos em escalas quantitativas. Dessa persistência política, de quase uma década, resultou um poder dominante, em nome da eficácia e da eficiência, de controlo social dos professores e dos organismos pedagógicos, que tudo pretende vigiar através de resultados, índices e rankings, qual autoridade única e unificadora de práticas, qual versão moderna de fascismo. O poder a que me refiro tem dominado a gestão do curriculum, orientando-o predominantemente para responder aos exames, retirando autonomia às escolas e liberdade aos professores. Não compreendendo que a complexidade dos processos de aquisição de competências e conhecimentos dos alunos, de índole tão diversa e níveis tão dispersos, supõe o uso de instrumentos e métodos de avaliação igualmente diferentes, bem mais compatíveis com a natureza contínua da avaliação interna que com o carácter casuístico da avaliação externa, este ministro, fazendo diferente, não foi além da eterna desconfiança nos professores. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

30/12/2015

Tempos novos, conluios de sempre

no Público
30 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

Quando, depois de tantos impostos que pagamos, se morre por falta de assistência médica num hospital central de Lisboa, quando milhares de filhos de emigrantes são expulsos de aulas de língua pátria por falta de pagamento de uma propina inconstitucional, quando se calca a dignidade dos pobres dando-lhes 80 cêntimos mensais de aumento de pensão social, não é o simples anúncio de que os tempos são novos que os mudam. É preciso mais, fazer diferente, selar conúbios. 

1. Tivessem Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís uma réstia de dignidade política e já teriam vindo a público responder às gravíssimas acusações que lhes foram feitas por António Costa e Mário Centeno, a propósito do Banif. Com esta entrada, não se conclua que aprovo a solução encontrada. Com efeito, nenhum português esclarecido aceita a passividade do Banco de Portugal perante o arrastar da solução do Banif, que outra explicação não tem que não a servidão política à saída limpa e aos interesses eleitorais da coligação PSD/CDS. Como nenhum português esclarecido aceita uma solução que deixa sem resposta tantas perguntas, que abalroam as consciências dos que acreditaram que os tempos seriam novos. Quem já ganhou e vai ganhar com o que os contribuintes já perderam e vão perder? Quem concedeu créditos e quem os não pagou? Quem promoveu a fuga de informação que originou a corrida aos depósitos? Que interesses resultaram protegidos quando Costa e Centeno impediram que a resolução do Banif ocorresse em 2016, rejeitando, assim, a solidariedade europeia e impedindo que o BCE liderasse o processo no âmbito da união bancária e apurasse, em auditoria externa, as responsabilidades do bloco central da teia financeira? Como entender que o mesmo Governo que se escandalizou com a venda da falida TAP por 10 milhões de euros, venha agora obrigar-nos a pagar quase três mil milhões para que um banco estrangeiro fique com o Banif, limpinho de todos os prejuízos, numa solução que Passos Coelho achou inteligente e só o PSD viabilizou no parlamento? 

2. A gestão da Educação continua entregue ao acaso, desconcertada, cabendo a iniciativa à AR e tornando claro que o PS não tem problemas identificados e prioridades estabelecidas. Primeiro foram abolidos os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo, cujo programa não continha tal medida. E, surpreendentemente, os deputados do PS votaram à revelia do seu próprio programa de Governo. Seguiu-se a extinção da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), com a aprovação dos projectos de lei do BE e do PCP. Os deputados do PS voltaram a votar contra o programa de Governo, que apenas postulava a suspensão da prova, “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Apenas um deputado, Paulo Trigo Pereira, se absteve, depois de ter defendido publicamente a PACC (Público de 7.12.15) com uma imprecisão de monta. Com efeito, depois de invocar a alta qualidade do respectivo sistema de ensino, afirmou que a Finlândia tem uma prova semelhante. Mas a verdade é que não tem. E basta ler o texto que o próprio citou para verificar que confundiu um exame rigoroso de fim de secundário e entrada na universidade com um exame aplicado a quem detém um grau académico de mestre, pelo menos, e um título profissional de professor.

No primeiro debate em que António Costa participou como primeiro-ministro, Paulo Portas perguntou-lhe se acabariam os exames dos 6º e 9º anos. Costa mandou-o ler o programa de Governo, afirmando que o mesmo era “muito claro quanto às provas que serão mantidas”. Costa errou. Costa mostrou desconhecer o programa do seu próprio Governo, que nada diz sobre as provas que serão mantidas ou eliminadas, apenas referindo a intenção de reavaliar a sua realização. E, cereja no topo do desconcerto, na manhã desse mesmo dia, o ministro da Educação havia garantido que não seriam tomadas decisões sobre os exames sem ser ouvida a comunidade educativa.

Perante o apagamento do Ministério da Educação, com a AR a substituir o Governo, seguem-se mais duas iniciativas da Oposição, sobre as metas e o financiamento do ensino privado.

Enquanto isto, na Universidade de Coimbra contratam-se bolseiros como cobradores de propinas, há unidades de investigação sem dinheiro para funcionarem, a incompetente direcção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, responsável pelo vergonhoso processo de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento continua em funções (como, aliás, substancial parte das chefias apostadas em se oporem a uma efectiva mudança política) e a primeira iniciativa do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi pedir à OCDE que, daqui a 18 meses, faça o favor de nos comunicar o que decidiu sobre o nosso futuro! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/12/2015

Alô ministro, está cá?

no Público
16 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho *

Quem me tem lido sabe bem como considerava grave que a coligação PSD/CDS pudesse ter consolidado, em novo Governo, o desastre educacional que construiu no anterior. O caminho estava delineado a partir do famigerado “Guião para a Reforma do Estado”: criação de “escolas independentes”, instituição do cheque-ensino e reforço dos contratos de associação. A generalização do ensino vocacional para os marginalizados da vida, a aprovação (à revelia da Constituição) de um novo ordenamento jurídico para o ensino privado, a municipalização da educação (consagrando a predominância da gestão administrativa sobre a pedagógica) e a criação de cursos “inferiores” (sem atribuição de grau académico) no ensino superior politécnico, foram alguns dos instrumentos iniciais, que culminariam com a revisão (então em preparação) da Lei de Bases do Sistema Educativo. A reviravolta política que António Costa protagonizou barrou este caminho, que estava a construir uma escola pública pobre, mínima, para a maioria, e uma escola rica, privada (mas financiada pelos impostos de todos), para alguns. Mas dizer que a legislatura desfavorável a uma escola pública sólida ficou para trás e que se está a iniciar um novo tempo político não chega. Era preciso ter soluções e um plano de acção objectivo, corolário óbvio de problemas identificados e prioridades estabelecidas. E isso não existe. Basta ler o programa de Governo do PS para a Educação, um repositório de meras intenções e de banalidades que, entre outros tópicos vitais ausentes, nada diz sobre a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo, indicia que a municipalização é para continuar, deixa sem referências clarificadoras o financiamento, a gestão das escolas, os “curricula” escolares, os mega-agrupamentos, as metas, as condições de trabalho dos professores e o regime de concursos, designadamente a extinção das BCE. E basta interpretar os primeiros sinais que já foram dados, a saber:

1. O programa do Governo em funções refere a intenção de “reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade” e não a sua extinção imediata. Mas os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico foram abolidos no parlamento, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo. O programa do Governo em funções estabelece a suspensão da PACC (Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos), “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Mas a dita foi liminarmente extinta por via de projectos de lei do BE e do PCP.

Quem me tem lido sabe bem que aprovo uma e outra medida. Mas não deviam ter esta forma de resolução. Outrossim, deveriam ter sido determinadas pelo Governo, como matérias que são, sem qualquer dúvida, de administração educativa. As medidas vão-se sucedendo de modo avulso e com um cunho de urgência desgarrada. Com prudência mínima, exigível, poderíamos ser poupados a este espectáculo. O tempo que o Presidente da República usou em demasia para permitir a entrada em funções de António Costa, podia e devia ter sido aproveitado para preparar um programa de Governo que, no mínimo, previsse o que já havia sido acordado entre PS, Bloco, PCP e Verdes.

2. O programa de Governo anuncia o fim do ensino vocacional. Recorde-se que esta modalidade de ensino procurava, supostamente, ensinar uma profissão a alunos com um passado de insucesso escolar. Recorde-se que sempre considerei um erro forçar uma orientação de cunho profissional numa idade precoce, quando todos deveriam cumprir um programa de formação básica, preliminar à prossecução de estudos secundários, esses sim, orientados para uma via profissionalizante ou de preparação para o superior. Mas esta constatação não resolve, por si, o problema sobejamente conhecido: há uma faixa considerável de alunos que nunca cumprirá o ensino obrigatório sem respostas específicas, que removam as dificuldades que têm. Que sucederá aos alunos que cumprem a sua escolaridade obrigatória nesta via? Terminam nela o plano de estudos até aqui previsto? Ou são imediatamente integrados no designado ensino regular? Se assim for, como fazer essa transição, sendo certo que em várias disciplinas as matérias ensinadas eram reduzidas no vocacional e muitos alunos tinham, repito, perfis de reprovações repetidas e dificuldades de vária ordem assumidas? Estão preparadas respostas adequadas? Está previsto dinheiro para as financiar?

Os problemas do ensino não se resolvem com mais ou menos exames. Precisam de medidas sociais promotoras de combate à pobreza, medidas pedagógicas de fundo, condições laborais dos professores humanizadas e valorizadas e envolvimento sério e exigente das respectivas instituições de formação inicial.

Sobre tudo isto, o que pensa o novo ministro da Educação? Está cá? Pensará algo? Ou tem o Bloco e o PCP para pensarem por ele?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

07/12/2015

ESE-IPVC - 35.º aniversário

Correio do Minho
2015-11-13

Santana Castilho defende mais respostas para o ensino especial   



A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE-IPVC) celebrou esta semana o 35.º aniversário e contou com Santana Castilho, docente universitário, que defendeu na ocasião a necessidade de “reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais” e ainda “reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação no 4.º e 6.º anos de escolaridade”. 
Em dia de festa, a tuna do IPVC abriu as comemorações com uma atuação que precedeu os responsáveis da instituição. Rui Teixeira, presidente do IPVC, e César Sá, director da ESE-IPVC, dirigiram os seus discursos à academia, abrindo alas para a palavra do convidado. 
Numa lição académica, Santana Castilho dissertou sob o tema ‘O Estado da Educação no Dealbar da XIII Legislatura: Passado Recente e Futuro desejável’. 
Centrado em três grandes vertentes, o seu discurso científico abordou o impacto da globalização na educação a nível mundial, europeu e nacional, o estado da educação em Portugal até ao presente e, por último, apontou medidas fundamentais e ações estruturantes para melhorar o sistema educativo em Portugal. 
Entre as ideias defendidas pelo professor do ensino superior, o orador principal destacou ainda a importância da cultura e expressão artística como essenciais ao desenvolvimento, discursando sobre “as elevadas cargas curriculares actuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças” e a urgência de “recuperar a importância das artes, expressões e actividades físicas e desportivas”.

02/12/2015

Quando se confunde a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras

no Público
2 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

1. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, o desemprego voltou a subir, a emigração não parou, o investimento não cresceu, o débil crescimento económico estagnou e os casos TAP e Novo Banco agigantaram-se (na TAP vendem-se terrenos e prédios para pagar a factura da compra e no banco há que injectar 1400 milhões até ao fim do ano).

Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, António Costa foi dizendo, cá, que havia chegado o novo tempo: o da recuperação de salários e pensões, da descida de impostos, do investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e na Cultura, do fim da austeridade. E foi dizendo, lá, em Bruxelas, que cumpriria as regras orçamentais acordadas, baixando défice e dívida.

Subida a ladeira do poder, também aqui o tempo é novo: o de cumprir, fazendo.

2. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, vieram a público dois importantes relatórios em que se analisa a Educação nacional. Refiro-me ao Estado da Educação 2015, do Conselho Nacional de Educação, e ao Education at a Glance 2015, da OCDE. Pelo primeiro, ficámos a saber que o insucesso escolar aumentou nos últimos três anos, em todos os anos da escolaridade, enquanto diminuiu, pela primeira vez em 41 anos de democracia, a taxa de cobertura do pré-escolar. Com o segundo, verificamos que a diferença entre gerações, no que a qualificações respeita, é a maior de todos os países que integram a OCDE e que o esforço das famílias para financiar os estudos superiores é o maior da União Europeia. A um e a outro registo não é alheia a natureza da ideologia que pontificou na última legislatura, durante a qual todas as políticas públicas foram marcadas por uma “economização” bruta, que as redefiniu e geriu como se de simples mercadorias se tratasse, propalando-se mesmo a ideia segundo a qual os direitos humanos fundamentais, as dimensões básicas da vida, em que a Educação se inclui, dependem da conjuntura económica por que se passa.

3. Se relativamente ao tópico 1 aguardo para ver, relativamente ao 2 já vi, de António Costa, que chegue.

Vi disparates de quem não sabe do que fala em matéria de concursos de professores e banalidades no mais, quando apresentou 55 propostas de intervenção, a que chamou “o primeiro capítulo do programa de Governo”. Referi-o nesta coluna em 6 de Maio transacto.

Vi generalidades, recuperação de tristes conceitos de Maria de Lurdes Rodrigues, propostas ocas e ideias implícitas de pouca consideração pelos professores portugueses, em sede de programa eleitoral. Tratei-o em artigos de 12 de Agosto e de 9 de Setembro.

E vi, por fim, o epílogo de um percurso, que desvaloriza a complexidade dos problemas do sistema de ensino, quando nomeia para a pasta um jovem cientista de 38 anos, de mérito reconhecido internacionalmente na sua área, mas que saiu do país aos 23, viveu os últimos 15 no estrangeiro e de quem não se conhece uma linha escrita sobre Educação, ou um pensamento expresso sobre o tema. A naturalidade e a candura com que Tiago Brandão Rodrigues fala das coisas que viveu geram empatia imediata e genuína. Isto, que é muito para uma primeira impressão, é pouco mais que nada para fazer rápido o que é urgente, em matéria de Educação.

Que se seguirá? O Parlamento a governar e Tiago Rodrigues na lapela de Costa, a ver?

O fim dos exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, que sempre defendi, merecia um processo diferente daquele que igualmente sempre critiquei: a mesma lógica impositiva que os criou foi usada para os abolir.

Estes exames, de que sempre discordei, repito, são um epifenómeno menor de uma questão maior, qual seja a de conferir coerência à avaliação educacional, dando instrumentos e meios para tornar eficaz a sua vertente mais nobre, a formativa, a única que pode resolver o insucesso e o abandono. Gostaria de ter visto serenidade onde se pode apontar ímpeto revanchista. Gostaria de ter visto um normativo global do Governo em vez de uma intervenção casuística da Assembleia. Gostaria de ter visto preocupação democrática para obter compromissos de prazo suficiente, que parassem o faz/desfaz em que vivemos há 41 anos, perdendo recursos e tempo, sem audição dos que estudam e investigam, sem respeito pelos alunos, pelos pais e pelos professores. Gostaria de ter visto uma Esquerda superior, preocupada com o que a Direita sempre desprezou.

Oxalá me engane e a breve trecho o jovem ministro da Educação me tenha aqui a retractar-me do que hoje escrevo. Mas a convicção de momento é que perdemos um cientista de gabarito sem ganharmos um ministro capaz, porque António Costa confundiu a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

01/12/2015

apresentação: Mataram as Searas

um romance/novela de José Caldeira Duarte,
apresentado hoje pelo Professor Santana Castilho

....... clicar para ampliar: 



18/11/2015

O tempo e os ódios

no Público
18 de Novembro de 2015
por Santana Castilho*
 
Já se disse muito sobre o fanatismo religioso, que reduz a zero séculos de civilização. A barbaridade que Paris acaba de viver, mais uma, fez-nos retomar o tema, mantendo-se, na maior parte das análises, o foco apenas apontado ao fanatismo religioso: de um lado os “maus”, do outro os “bons”. Talvez devêssemos ampliar o campo das análises, para responder a perguntas que deveríamos estar a formular, com o intuito de intervirmos, de modo mais eficaz, nas nossas escolas e na nossa sociedade.

Comecemos por recordar algumas, apenas algumas, de tantas outras barbaridades recentes, cujos autores pertenciam às comunidades que atacaram:

A 20 de Abril de 1999, aconteceu no instituto Columbine o massacre que viria a dar filme. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, ambos estudantes, atacaram alunos e professores, ferindo 24 e matando 15.

A 26 de Abril de 2002, na Alemanha, Robert Steinhäuser, de 19 anos, voltou à escola donde fora expulso e matou 13 professores, dois antigos colegas e um polícia.

Em Setembro de 2004, dissidentes chechenos assaltaram uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte, onde sequestraram 1200 reféns, entre crianças e adultos. Tomada de assalto por forças russas, morreram na escola 386 pessoas e foram feridas 700.

Em 2005, Cho Seung-Hui, estudante sul-coreano de 23 anos, há 15 emigrado nos Estados Unidos, descrito como perturbado e solitário e referenciado por importunar colegas com telefonemas e mensagens, trancou com correntes as portas da universidade Virginia Tech e matou, uma a uma, 32 pessoas.

A 22 de julho de 2011, ocorreu uma violenta explosão na zona dos edifícios do governo, em Oslo, a que se seguiu o massacre na ilha de Utoya, com um balanço de 77 mortos, a maioria jovens que participavam numa espécie de universidade de verão, organizada pelo Partido Trabalhista Norueguês. Anders Behring Breivik, de 32 anos, o autor, foi descrito como nacionalista de extrema-direita, inimigo da sociedade multicultural e defensor do anti- islamismo.

Em Dezembro de 2012, Adam Lanza, jovem de 20 anos, protegido com um colete à prova de balas e vestido de negro, depois de ter assassinado a própria mãe, entrou na escola primária de Sandy Hook, em Newtown, também nos Estados Unidos da América, e matou 20 crianças e seis adultos.

Posto isto, as perguntas:

Como nasceu o ódio que levou os jovens protagonistas citados, nascidos no ocidente “civilizado” ou educados nas suas escolas, a fazerem o que fizeram?

Como se justifica que jovens europeus abandonem a cultura e os valores em que viveram para se envolverem voluntariamente, com dádiva da própria vida, em acções extremistas, de culturas fanáticas? Que atracção os motiva, que desilusões os catapultam, que ódios os animam, que desespero os alimenta? É o quê? É porquê?

Que ódios bombardeiam hospitais, assaltam escolas e assassinam em salas de concerto?

As constituições dos estados democráticos têm teoricamente acolhido a educação como componente nuclear do bem-estar social. Mas nem sempre a têm promovido, na prática, a partir do enraizamento sólido dos valores civilizacionais herdados. A substituição da visão personalista pela utilitarista tem empobrecido a nossa filosofia de ensino e aberto portas a desesperos e fanatismos. A solidão e o abandono, tantas vezes característicos desta via, podem ser compensados com o aliciamento fácil para pertencer a grupos fanáticos, dotados de cativantes espíritos de corpo, sejam eles religiosos ou políticos.

Talvez fosse tempo de roubar tempo ao tempo, ao tempo dedicado às chamadas disciplinas estruturantes, para termos algum tempo para olhar o modo como empregam o seu tempo os jovens para os quais nem a Escola, nem as famílias, nem a sociedade, têm tempo.

Talvez seja tempo de todos, particularmente os que definem as políticas de educação, relerem uma carta a um professor, transcrita no livro Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001, de João Viegas Fernandes:
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados…
… Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". 

Porque, digo eu, parece não termos aprendido com a História. Porque, insisto eu, podemos policiar ruas e caminhos, estádios e salas de concerto, mas só pais, professores, tolerância, justiça e amor moldam consciências.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/11/2015

“O Estado da Educação”: palestra em Barcelos

Palestra 
“O Estado da Educação” 
por Professor Doutor Santana Castilho 
(2015-11-19) 

O Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria tem a honra de convidar Vª Ex.ª para assistir a uma palestra subordinada ao tema “O estado da educação“. 

CONVITE -“Palestra Estado da Educação” 

ver mais: http://aeaf.edu.pt/?p=5289

Contactos
Escola Secundária Alcaides de Faria
Av. João Duarte, 405
4750-175, Barcelos, Portugal

Atendimento ao Público: Segunda-feira a Sexta-feira das 09:00h às 17:00h
Tlf: 253 801 060