28/10/2020

Pau não mata vírus

no Público

28/10/2020

por Santana Castilho*

Vivemos numa sociedade desorientada entre a histeria e o desleixo, perdida no meio de um amontoado de pequenas razões incoerentes, governada por gente que pouco se importa com os danos que o medo impõe. A epifania da liberdade de Abril vai-se diluindo no seio de uma sociedade autoritária, onde, graças ao medo, os cidadãos trocam liberdade por segurança aparente e aceitam que se combata o vírus de pau na mão.

As regras opressoras, o controlo dos direitos individuais, a vigilância intrusiva e os abusos do Estado, consentidos por uma cidadania enfraquecida, vão-nos aproximando de novos autoritarismos, com aparência de democracia. Basta que atentemos em acontecimentos recentes:

- A ideia de nos obrigar a instalar a StayAway Covid era absurda e violadora das mais elementares liberdades. Por isso caiu, como um pesadelo. Mas jamais cairá o que ela revelou sobre a boçalidade política de quem tentou impô-la com recurso à intrusão policial.

- A PSP, diligente a responder à denúncia de um bufo anónimo, entrou na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, interrompeu uma aula e, à porta da sala escancarada para ventilação, multou um professor por, durante uma palestra de quatro horas e meia, ter retirado, por momentos, a máscara que usava. Esclareça-se que os 20 alunos presentes estavam a mais de cinco metros de distância do docente e de costas viradas para ele, atentos a outro professor, que fazia tradução simultânea para inglês. Acresce que o multado falava para um monitor porque, em rigor, se dirigia a 240 alunos que seguiam a aula via net.

- A distopia Orwelliana do 1984 aportou à Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa em 2020, ano da graça do Sars-cov-2, sob forma de vigilância omnipresente: coleiras identificadoras em todos os circulantes e seguranças a controlar e delatar quem infrinja as normas sanitárias. Um sistema por pontos sociais, à chinesa, pode levar os prevaricadores à presença do Grande Irmão, desde que não usem uma máscara limpa e seca no campus universitário.

- Do que recentemente aconteceu numa escola de Rio de Mouro, em Sintra, onde um aluno foi suspenso das aulas por, segundo o próprio, ter partilhado o lanche com um colega que "tinha fome e não comia nada desde a manhã", retive o desmentido da directora, que ao aluno se referiu assim: “Está numa turma onde não conhece ninguém, pelo que no intervalo procura a companhia de colegas de outras turmas, seus colegas do ano passado, algo que este ano tem que ser rigorosamente evitado, mas que ele já ignorou por diversas vezes e por diversas vezes foi alertado. Também foi já alertado para que quando comesse, sem máscara, claro, deveria afastar-se do grupo, algo que ele repetidamente ignora”.

Mais que a espuma das razões discutidas nas redes sociais (aluno generoso versus aluno desobediente) interessa-me o sentido profundo da justiça que a directora aplicou. Terá o aluno de 12 anos entendido a razão pela qual o acto de partilhar é agora punido? Para que quer uma directora a consciência (está numa turma onde não conhece ninguém …) se já tem um regulamento?

Vejo demasiadas escolas mais preocupadas com máscaras, medidas sanitárias e regras, que com aqueles que as têm de cumprir e fazer cumprir. Com as suas perdas emocionais. Com as suas ansiedades. Com o esmagamento dos padrões de vida democrática. Com o mal-estar colectivo. Afinal, com aquilo que uma escola deve ser e ensinar, particularmente num momento de retorno de múltiplos impulsos autoritários que, a propósito da “guerra” ao vírus, abrem caminho para o êxito de agendas indesejáveis. Gradualmente, o absurdo e a anormalidade vão sendo adoptados como o “novo normal”, por uma sociedade domesticada pelo medo e pela perda do senso comum.

A hipocrisia abunda e enoja: festas com dezenas de jovens são apontadas como focos de contágio, enquanto de milhares de passageiros amontoados às horas de ponta nos meios de transporte se diz não haver indício de surtos; pune-se uma criança que partilha um sumo com colegas, mas celebra-se a singeleza do presidente da República, que divide com outra uma bola de Berlim; proíbem-se uns, inconstitucionalmente, de visitarem os seus mortos, quando outros, aos milhares e sem respeito pelas regras vigentes, se amontoam em Portimão para ver a Fórmula 1 e são abençoados pela engraçada Dra. Graça.

*Professor do ensino superior

 

14/10/2020

Assim, falhamos a vida!

Assim, falhamos a vida!

Santana Castilho*

Pouco após a abertura do presente ano-lectivo, foi tornado público o quinto dos seis volumes que dissecam os resultados do PISA 2018. Do documento (Políticas Eficazes, Escolas de Sucesso) retira-se que as referências menos positivas sobre Portugal decorrem, não do desempenho dos alunos e professores, mas das decisões políticas tomadas (falta de equidade, falta de pessoal não docente, insuficiência de equipamentos informáticos e inexistência de acesso rápido à internet).

No atípico ano-lectivo anterior, o chamado ensino à distância, que mais não foi que um conjunto de iniciativas de emergência para acompanhar os alunos, resultou reconhecidamente ineficaz como processo de aprendizagem, particularmente no que respeita aos mais novos: já porque é pedagogicamente inadequado a tal faixa etária, já porque depende de meios tecnológicos que não existem na maioria das escolas. Apesar disto, quando a 18 de Maio o Governo decidiu reabrir as aulas presenciais das disciplinas nucleares de acesso ao ensino superior, fê-lo, erradamente, não para recuperar os atrasos dos mais novos, mas para salvar o ritual dos exames do secundário, escancarando portas a um segundo erro. Com efeito, ficou de rastos a credibilidade dos exames, que perderam toda a lógica estrutural a favor de um caricato livre arbítrio dos examinados, viciando a equidade de entrada no ensino superior (classificadores obrigados a classificar todas as respostas a todas as perguntas opcionais e a escolherem as melhores, sem coerência de critérios, resultou numa escandalosa inflação das notas de entrada).

O que aconteceu nos últimos meses deveria ter-nos levado a refletir sobre múltiplos aspectos da política de ensino, justificando o início de uma mudança necessária. Mas, ao invés disso, as cinco semanas iniciais do presente ano-lectivo, prestes a findar e ditas de recuperação, são, antes, de acumulação. De acumulação de perda de aprendizagens, por falta de professores nas escolas. De facto, logo no começo do ano, faltam professores para lugares que desde o início não foram preenchidos e para lugares entretanto resultantes da apresentação de atestados médicos. A subdiretora-geral da Educação, numa conferência recentemente promovida pelo Conselho Nacional de Educação, disse, e bem, que “não tem havido investimento, nem qualquer trabalho nesta área para inverter a situação”.

Do mesmo passo, as preocupações sanitárias dominantes nos estabelecimentos de ensino, cerceando o direito a brincar, reconhecido na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, esqueceram que os seres que pretendem proteger são crianças e jovens em pleno processo de desenvolvimento, onde etapas queimadas são etapas não recuperáveis. Protege-los proibindo-os de serem crianças foi e está a ser insano.

Notícias vindas a público simulam o que acontecerá a um professor com 32 anos de descontos, que venha a optar pela pré-reforma aos 55 anos, concluindo que ficará com 750 euros mensais durante 11 anos e meio, tempo necessário para atingir a idade legal da reforma. O exercício parte do pressuposto, teoricamente possível, mas na prática errado, de que esse professor estaria no 9º escalão da carreira, quando a maioria está muito longe de tal nível, devido aos conhecidos estrangulamentos administrativos, e por tal razão só poderá contar com cerca de 500/600 euros mensais. Ora semelhante ponto de partida é indigno para começo de conversa e tem um duplo significado: que o Governo despreza a educação e os professores e António Costa é cada vez mais gestor de influências e manobras, que gestor de problemas. Lembremo-nos, a propósito, da recente não-recondução do presidente do Tribunal de Contas, persistente irritante de António Costa desde as dissonâncias à volta do fundo Revita, do episódio do conveniente afastamento de Joana Marques Vidal ou da manipulação em curso no Conselho Geral Independente da RTP.

Ser professor hoje é tarefa árdua, maioritariamente desempenhada por uma classe envelhecida e cansada, que justificaria um reconhecimento e uma valorização social que não existem. Para os poucos que restam jovens, não há carreira que lhes permita construírem projectos de vida familiar, enquanto a sociedade lhes pede que sejam os obreiros principais dos projectos de vida dos alunos que ensinam.

Assim, falhamos a vida!

*Professor do ensino superior

 in Público, 14/10/2020

30/09/2020

O Medo

30 de setembro às 08:43 


Começou um ano lectivo marcado pelo sacrifício de boa parte das necessidades de crescimento de crianças e jovens à decantada segurança sanitária. Os alunos regressados à escola tiveram certamente dificuldade em reconhecer os rostos dos colegas e dos professores, parcialmente tapados por máscaras sanitárias. A comunicação verbal, elemento essencial em aula, sairá fortemente limitada pelas máscaras, dificultando as aprendizagens. A quase supressão dos recreios, as limitações de todo o tipo de convívio e de contacto físico, as restrições ao uso das casas de banho, bares e refeitórios, não contribuirão para o bem-estar dos alunos. 
 
A perturbação angustiante da nossa vida social e das nossas emoções, causada pelo cemitério de números e dados estatísticos sobre a covid-19, pobremente contextualizados e explicados, em que se transformaram os noticiários televisivos, terá consequências de caráter permanente. 
 
Uma informação séria relacionaria sempre o aumento do número de infectados com o incremento do número de testes aplicados. Com efeito, a duplicação desse número não quer dizer, necessariamente, que tenha aumentado a disseminação do vírus. Uma informação séria daria mais importância à evolução do número de mortos e internados que ao número de infectados. Com efeito, se este número aumenta e aqueles diminuem, uma leitura possível é que o vírus esteja a perder perigosidade. Uma informação séria alarmaria menos e relativizaria mais. Por exemplo, poderia recordar-nos dados fornecidos por Graça Freitas (30.1.19), sobre a epidemia de gripe de então: taxa de incidência de 89,3 casos por 100 mil habitantes, quando hoje 20 por 100 mil nos atiram para o índex de país perigoso; 12.380 óbitos no mês de Janeiro; 23 pessoas internadas em cuidados intensivos numa só semana.
 
Muita informação do mesmo tipo, despejada continuamente sobre as pessoas, acaba desempenhando o papel de trolls perniciosos, apostados em moldar as nossas emoções e fomentar o medo, para nos dispor a aceitar regras, sem lhes questionar a validade.
 
As zaragatoas nas ventas de quem não tem sintomas, procurando um coronavírus em cada esquina, trouxeram aos trabalhadores com piores salários (restaurantes e zonas turísticas) desemprego e layoff e às empresas com crónicas fragilidades financeiras (a maioria) uma espiral de falências. Já em finais de Abril, os números divulgados pelo Banco de Portugal eram assustadores e ainda a procissão ia no adro. O medo transformou os lares dos velhos em prisões e condenou-os a penas que não podem entender. O medo encerrou os parques infantis ao ar livre, castrando imbecilmente as crianças do direito de brincarem. As múltiplas proibições e obrigações, redefinidas hora-a-hora por catadupas de informações inúteis, incoerentes e contraditórias, são impostas pelas novas brigadas dos costumes sanitários, que despejam álcool-gel na inteligência dos cidadãos, enquanto o vírus comtempla o esplendor da desumanização que os humanos criaram e o pivot da pátria é expulso da comissão de honra de Luí Filipe Vieira.
 
Poucos parecem reflectir sobre o preocupante modo de governar pelo medo, a pretexto da segurança sanitária, aceitando as constantes restrições à liberdade, decididas sem respeito pela legalidade constitucional, num apagar sistemático das interacções sociais fundadoras do relacionamento humano.
O medo é um fenómeno psicológico caracterizado pela tomada de consciência de que estamos expostos a um perigo, seja ele real ou imaginário. Quem não se lembra do papão e do escuro, ameaças da nossa infância, ou dos espectros recentes dos vários fins do mundo, dos choques apocalípticos dos meteoros com a terra, do terrível bug informático, que sorveria toda a organização da nossa sociedade no virar do milénio, ou dos sucessivos anúncios da iminente terceira guerra mundial?
 
Só a inteligência e a análise serena dos factos nos pode ajudar a distinguir o medo legítimo e razoável do medo despropositado e exagerado, originado por coisas que acabam por nunca acontecer. O medo favorece a ascensão dos piores, corrói a lucidez e é terreno fértil para demonizar os que não vão na onda da histeria colectiva. A continuarmos assim, não me surpreenderá que eu ainda viva para lutar contra vacinações obrigatórias, impostas a sociedades sem vontade própria e alimentadas por sistemas de ensino meramente utilitários.
 
 
In Público de 30.9.20

 

17/09/2020

O tribalismo e a cidadania

 

no Público

16/9/202

por Santana Castilho*

Quando tudo parece ter sido dito, é difícil voltar ao tema. Mas ficar calado poderia dar a ideia de que sou neutro. E não sou. Já vivi o suficiente para ver que o futuro das gerações jovens é manipulado por visões de grupos influentes, que actuam movidos por interesses minoritários. Por isso, acredito que viver supõe tomar partido e não ficar indiferente, em situações como aquela que agora se analisa. Não me proponho contraditar um ex-presidente da República, um ex-primeiro-ministro, o patriarca de Lisboa, bispos, imãs e políticos de renome. Proponho-me contraditar uma espécie de Inquisição nova, que ressuscita tribalismos antigos.

Olhemos para três dos argumentos mais usados:

- As políticas públicas de educação devem considerar o que os pais entendem que está certo ou errado para educar os seus filhos.  

O unanimismo não é marca caracterizadora do currículo nacional. São inúmeras as vertentes em que as opiniões divergem. Assim sendo, segundo os defensores de tal ponto de vista, nenhuma disciplina devia ser obrigatória. Poder-se-ia organizar assim um sistema nacional de ensino?

Embora os pais tenham a tutela dos filhos até à sua emancipação, os filhos não são propriedade do Estado nem dos pais. Pais e filhos têm almas distintas e direito a formas de pensar e sentir diferentes.

Na escola laica da República há um currículo nacional que obriga a todos, meninos ou meninas em idade escolar, diferentes mas iguais. Naturalmente que poderemos discutir que autores são de leitura obrigatória num programa de Literatura ou discutir as narrativas oficiais do programa de História. Coisa diferente é aceitarmos que todos aqueles que não vejam os seus pontos de vista acolhidos tenham o direito a ver os filhos dispensados de frequentar determinadas disciplinas. Uma mãe que negue a existência do Holocausto não pode retirar o filho da frequência das aulas de História. Um pai criacionista não pode subtrair o filho ao estudo da teoria da evolução das espécies.

- Os pais têm direito de objecção de consciência relativamente à Cidadania e Desenvolvimento, porque abarca a educação sexual, competência exclusiva dos pais.

A objeção de consciência é um instituto jurídico de sociedades democráticas, invocável desde que não viole direitos de terceiros; invocável apenas pelo próprio e não por outros, em seu nome; invocável para matérias de complexidade extrema, que não para dirimir opiniões diferentes sobre conteúdos disciplinares.

A questão nuclear do dissenso é a educação sexual. Uns entendem-na como assunto a ser tratado na esfera familiar e outros como tema que deve ser abordado nas escolas. Não é fácil, nesta área, separar conteúdos ideológicos de matérias factuais. Mas importa registar que a objecção a que a educação sexual seja obrigatória é tardia, já que a lei que assim dispôs é de 2009.

- Cidadania e Desenvolvimento é uma disciplina de natureza ideológica.

A educação não pode, nem deve, ser absolutamente neutra. Como não pode, nem deve, ser doutrinária, senão naquilo que sejam as verdades cientificamente demonstradas. Mas não confundam os campos de análise  para pedir que a axiologia seja substituída pelo álcool-gel da moda, asséptico e gelatinoso. Admito, até porque conheço casos, que houve abordagens inadequadas à idade e ao desenvolvimento psicológico dos alunos. Mas não os usem para corromper os propósitos formativos da disciplina. Não deve a escola abordar a violência doméstica, a sustentabilidade do planeta, a convivência democrática e o respeito por culturas diferentes da nossa? Ignoram os exorcistas da ideologia que toda a nossa vida em sociedade está obviamente marcada por escolhas ideológicas, a começar pela Constituição que nos rege?

Não deixa de ser curioso que os autores do manifesto com que se iniciou a polémica não se tenham distinguido anteriormente como críticos da evidente influência ideológica exercida pela igreja católica sobre ensino, ao longo dos tempos.

A cidadania é a alma colectiva que uma geração passa para a geração seguinte. Não visa impor o pensamento único mas tão-só conseguir que qualquer cidadão, concordando ou discordando, perceba e respeite o que o outro diz.

Se António Costa e Fernando Medina tivessem tido na escola a disciplina Cidadania e Desenvolvimento, talvez não se enlameassem hoje na comissão de honra de Luís Filipe Vieira.

*Professor do ensino superior

02/09/2020

Consequências carrascas

 

no Público

2 de Setembro de 2020

por Santana Castilho*

A opinião pública ocupou-se nos últimos dias com as críticas do primeiro-ministro à Ordem dos Médicos e com a sua visão restritiva sobre quem, numa democracia, pode ou não fiscalizar o Estado. Tudo a propósito do escabroso caso do lar de Reguengos, onde 18 pessoas morreram, abandonadas.

A mesma anomia cívica que permitiu Reguengos permite que, a poucos dias do início do ano lectivo, alunos, pais e professores saibam pouco sobre como ele irá decorrer. Aos solavancos, foi-se falando da logística da segurança sanitária. Mas das metodologias e dos recursos para fazer face à volatilidade da pandemia, pouco mais temos que recomendações didácticas ultrapassadas, previsíveis e limitantes, vertidas nas Orientações para a Recuperação e Consolidação das Aprendizagens ao Longo do Ano Lectivo de 2020/2021, 51 páginas de dilatação do ridículo e repositório de tratamentos infantilizados dos problemas que sobraram do ano anterior. 

Há dias “pingou” que aulas em casa e condições especiais de avaliação serão opções para os alunos de risco, à semelhança do que se faz com os que sofrem de doença oncológica. Mas sendo os graus de risco muito variáveis, como se apressou a esclarecer a Ordem dos Médicos, era expectável que se conhecessem já normas mais específicas, designadamente uma lista das doenças crónicas que possam conferir a condição de aluno de risco. Aparentemente, a intenção é adaptar a estes alunos a portaria n.º 350-A/2017, que regula um regime especial de proteção aos jovens com doença oncológica e prevê, entre outras medidas, o apoio educativo individual no domicílio, pessoal ou através de meios informáticos de comunicação à distância. Diz a norma em apreço que a identificação da necessidade de medidas de apoio se efetua por iniciativa dos pais, dos serviços de saúde ou dos docentes, cabendo às escolas pô-las em prática, depois de cumpridas detalhadas formalidades de certificação e autorização. Neste quadro, não é aceitável que as autoridades da Educação e da Saúde não tenham, até hoje, conseguido estabelecer um quadro referencial preciso, que esclareça e tranquilize pais, professores e alunos, com as consequências carrascas que dessa falta possam advir. 

Outra situação preocupante é a dos professores igualmente de risco, que a Fenprof disse serem 12000. Sobre eles já falou, salomonicamente, o secretário de Estado João Costa, sentenciando: “o trabalho dos professores é para fazer nas escolas; quem não estiver em condições de assumir o ensino presencial, que meta atestado e fique em casa”. Mas não nos disse que plano tem para a eventualidade de serem muitos, dos 12000 potenciais, a ficarem em casa. Preocupam-me as consequências carrascas que o adensar do problema pode deixar para os alunos. E preocupam-me as consequências carrascas de uma nova divisão na martirizada classe docente: é que já vi, com dor na alma, professores do público contra professores do privado, professores novos contra professores velhos e professores do quadro contra professores contratados; não gostaria de ver agora professores “sãos” contra professores doentes. 

Em rigor, não se pode dizer que o Governo tenha um plano de respostas para contextos adversos, que vá além das regras triviais e, mesmo assim, “sempre que possível”. Mas pode-se dizer que, mais uma vez, a Educação lhe importou pouco. 

Sobre o período que decorreu de Março passado até ao fim do ano escolar não se conhecem dados, que o Ministério da Educação deveria ter apurado, que permitam, com o rigor possível, medir a dimensão do prejuízo educativo para os alunos encerrados em casa. Apenas a Fenprof afirmou que mais de metade dos professores não conseguiu contactar os seus alunos nesse período. 

Em matéria de Saúde, com cadência doentia, de hora a hora, sabemos todos os dias quantos novos infectados foram descobertos (ainda que não nos digam quantos deles estão realmente doentes), quantos estão internados, quantos estão entubados e quantos morreram. Abundam gráficos e charlas de especialistas e comentadores políticos sobre a descida dos indicadores económicos de toda a ordem e sobre a subida do desemprego em todas as áreas. Mas sobre Educação, só temos os miraculosos resultados dos exames, torpemente manipulados para dizer que já ficou tudo bem. Serão carrascas as consequências desta forma de fazer política. 

 *Professor do ensino superior