Crónicas de Dias de Desespero

Resumo / contracapa

Este livro reúne as crónicas do autor publicadas no jornal Público, durante o Governo de Pedro Passos Coelho. 

Referindo-se ao primeiro-ministro, Santana Castilho escreveu: 
Sob a epígrafe “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, o programa do Governo garante-nos que “… nada se fará sem que se firme um pacto de confiança entre o Governo e os portugueses…” e assevera, logo de seguida, que desenvolverá connosco uma “relação adulta”

Tentei perceber. Com efeito, é difícil estabelecer um pacto de confiança com um Governo que não se conhece no momento em que se vota. Mas, Governo posto, o que quer isto dizer? E que outra relação, senão adulta, seria admissível? O que se seguiu foi violento, mas esclarecedor. 

Passos afirmou em campanha que era um disparate falar do confisco do subsídio de Natal? Afirmou! 

Passos garantiu que não subiria os impostos e que, se em rara hipótese o fizesse, taxaria o consumo e nunca o rendimento? Garantiu! 

Passos prometeu suspender o processo de avaliação do desempenho dos professores? Prometeu!

Mal tomou posse, sem pudor, confiscou, taxou e continuou. O homem de uma só palavra mostrou ter várias. Ética política? Que é isso? Confiança? Para que serve isso? Relação adulta? Que quer isso dizer?

Não tinha que ser assim, julguei que não seria assim. Mas foi, fatalmente! Passos reconduziu-me a Torga que, se tivesse algum apreço pelos políticos, não se teria demarcado deles de modo tão eloquente: "A política é para eles uma promoção e para mim uma aflição. E não há entendimento possível entre nós... Separa-nos um fosso da largura da verdade... Ouvir um político é ouvir um papagaio insincero."
in Público, 6 de Julho de 2011

Introdução 

Na introdução ao primeiro volume de crónicas escritas para o "Público" e editadas em livro sob a égide da "Pedago", perguntava se faria sentido verter para papel de livro o que havia sido dado à estampa em papel de jornal. A pergunta era retórica, como explicitava a resposta que então adiantei e agora retomo: uma crónica de jornal reflecte o espírito dum tempo e o modo como o autor o leu. Sucumbe com o jornal, sarcófago das emoções do cronista, na voracidade do dia seguinte. O livro perdura, vence o tempo e permite uma leitura conjunta do que foi atirado ao vento, momento a momento. Penso que há tempos que, para não serem esquecidos, porque não devem ser esquecidos, justificam que se fixe em livro o que se escreveu para jornal.

É o caso dos últimos três anos, de massacre, cometido em nome de uma obrigação do Estado: pagar a dívida pública. Custasse o que custasse. Sem importarem os meios. Como se alguma moral justificasse que o pagamento da dívida prefira a outros deveres de um Estado democrático, humano e civilizado: proteger socialmente doentes, velhos e desempregados, preservar competências e talentos de jovens para cuja formação contribuiu o erário público, proteger os desvalidos em detrimento dos mais fortes, preferir a vida dos cidadãos aos lucros dos credores.

São farrapos de resistência, palavra em riste apontada aos desalmados, estas crónicas de dias de desespero.

Santana Castilho




Prefácio 

Prefaciar um livro do Professor Santana Castilho é uma honra inesperada e indescritível, dada a minha condição de cidadão comum, de simples e modesto professor do ensino básico e secundário, como tantos e tantos outros. Só a imensa generosidade e a genuína humildade de um grande Homem podem justificar a minha presença no pórtico deste livro. 

Imediatamente após a enorme surpresa do convite, acendeu- -se na minha mente a inevitável questão: porquê eu? Porém, antes mesmo da imperativa procura de uma resposta, veio-me à memória o nome da eminente personalidade que me antecedeu nesta dignificante missão: Fraústo da Silva. Como é óbvio, não pude evitar o frio da minha pequenez, a insegurança do meu escasso merecimento individual, o peso da responsabilidade de estar, através deste acto, definitivamente ligado à rara personalidade que assina este testemunho tão importante para a História do Ensino em Portugal. Depois, já na tentativa de encontrar um ou vários pontos de apoio, iniciei a viagem que se impunha. Na foz, não achei certezas, mas acabei por encontrar, na já mencionada generosidade do autor, na sua incondicional entrega à causa da Educação e na sua profunda dedicação ao ensino, algumas ideias portadoras de um rumo para o meu texto. Creio que o Professor Santana Castilho pretenderá homenagear, através do meu nome – um nome –, todos os docentes anónimos deste país, que, há vários anos, sem descanso, sofrem diárias investidas contra as suas condições de trabalho, o seu prestígio social e profissional, a sua carreira, a sua autoridade, o seu orgulho, a sua dignidade… Creio que terá intenção de simbolizar, na minha pessoa, os milhares e milhares de professores que, apesar de tantas ameaças, tanto desgaste e tanta insegurança constantemente lançados sobre a sua profissão e sobre as suas vidas, sofrendo quotidianamente – muitas vezes no silêncio do lar – as crueldades e as injustiças de um poder cego e parcial, conseguem enfrentar os seus próprios medos e resistir a este ciclone de retrocesso que se abate sobre a Escola Pública. É, pois, nessa qualidade que me assumo, tentando pôr em palavras o íntimo significado que estas crónicas têm para mim e, certamente, para a esmagadora maioria dos mestres do nosso país. 

Apesar de toda uma vida dedicada à Educação e do seu vastíssimo currículo, não deixa de ser surpreendente a abrangência ocular do Professor Santana Castilho: da política educativa à prática didáctica, perspectivando, com igual rigor e acuidade, o nível intermédio da gestão, todas as suas análises e propostas revelam um conhecimento profundo do ensino. Consegue, como muito poucos, conciliar uma compreensão holística do sistema com o conhecimento, muito concreto e minucioso, do dia-a-dia das escolas, tabuleiro fundamental onde tudo, inevitavelmente, se concretiza e decide. Contrariamente a outras personalidades que nos têm governado, sobretudo nos anos mais recentes, denotando chocante falta de percepção das consequências das suas decisões na prática, criando um constante ambiente de confusão, de instabilidade, de receio, de desmotivação, de desespero e mesmo de desejo de abandono, o Professor Santana Castilho demonstra, em cada uma suas intervenções, ser capaz de antecipar, com extraordinária clarividência, não apenas os passos da política, mas, sobretudo, as pegadas, frequentemente indeléveis, que esses passos deixam no terreno do ensino. O seu olhar aquilino percebe, à distância, a impreparação de um governante, a consistência ou inconsistência dos seus propósitos, as suas incoerências, as suas indecisões, as suas intenções mediatas, a maior ou menor consciência do impacto das suas decisões naqueles que têm a missão de ensinar e naqueles por quem a escola existe. Finalmente, a todo este raro capital de confiança que inspira, o Professor Santana Castilho junta o genuíno respeito que tem pelos profissionais do ensino, cujo trabalho demonstra conhecer muito bem. 

Além do seu inegável valor documental – para que as decisões políticas não fiquem gravadas nas pistas do tempo a uma só voz, sem o devido contraponto, sem os alertas clarividentes, sem as alternativas que, paulatinamente, têm destronado o fatalismo da via única, da inevitabilidade patente no discurso do poder – as crónicas do Professor Santana Castilho, publicadas com admirável regularidade quinzenal desde 2001 e agora reunidas em segundo volume, têm sido, para aqueles que estão diariamente no palco do ensino, fonte de reflexão, de inspiração e de força unificadora. Na verdade, a sua admirável memória, os seus conhecimentos e a sua rara capacidade analítica têm, constantemente, oferecido novos dados e novas perspectivas para a discussão das intenções anunciadas, dos problemas vividos e das soluções encontradas. E não têm sido raras – bem pelo contrário – as vezes em que o Professor Santana Castilho nos tem surpreendido, a todos, com oportunos esclarecimentos e sábios avisos relativamente às consequências práticas de determinadas medidas governamentais. Por outro lado, é no seu exemplo de isenção, de destemor e de persistência tenaz contra este poderoso e prolongado vórtice de degradação da Escola Pública que nós, os professores, temos encontrado alento para continuar a resistir, pela qualidade do serviço público de ensino, pelo futuro de Portugal. Sabemos que ainda há no país quem conheça profundamente a Escola, quem compreenda, avalie correctamente e estime realmente os profissionais que estão no terreno mais fértil deste país, a dar, para além das suas competências profissionais e do tempo de trabalho que a Lei impõe, muito do seu tempo pessoal, do tempo e das energias muitas vezes subtraídos à família e ao convívio social. E é nessa consciência que temos mantido viva a esperança em dias mais soalheiros e mais justos para aqueles que mais precisam de uma Escola Pública superlativa, aqueles em cujo futuro a democracia realiza o seu pleno sentido. É, finalmente, por todas estas razões evocadas que a personalidade do Professor Santana Castilho congrega, na minha opinião, os mais amplos consensos no que ao presente e ao futuro da Educação diz respeito. 

Termino, na qualidade de professor-poeta, com um escrito poético, que traduz, no meu entender, de forma mais profunda, sem os constrangimentos do dicionário nem as amarras do formalismo gramatical, aquilo que representam, para mim e, certamente, para muitos milhares de professores, a acção e a personalidade do Professor Santana Castilho, bem patentes nas crónicas coligidas neste precioso livro:

O Farol 

O Farol é uma torre solitária que mora onde a imensidão das águas beija a orla da terra. Ciente do seu ser e do seu lugar, ele não quer nem a vida nem a lida das ondas do mar, ir e vir com elas, ao sabor das marés; não inveja o voo das gaivotas nem as rotas das naus de fantasia. Sabe que a sua missão é semente na maresia: almeja estar ali, seriluzir ali, no seu lugar eterno, onde os braços da terra abraçam os sonhos do mar.
Esteja onde estiver – numa discreta colina ou no cimo de uma subida ravina, erguida sobre o oceano –, o Farol sabe que todos precisam que ele esteja ali, sempre ali, soberano, sobre as fragas, imune à força dos ventos, imune à fúria das vagas, fiel âncora de luz que segura todos peitos e todos os olhares: os que sabem e os que querem saber; os que crêem e os que querem crer; os que estão perdidos e os que se estão a perder… E sabe que é nos dias de densas brumas, nas noites mais escuras, em tempos de negridão, sem luar, que a sua luz radiante é muito mais que astrolábio, muito mais que sextante, muito mais que Estrela Polar. O Farol sabe quem é e qual é o seu lugar.

O Farol é um Professor, um doador de luz que sabe a mar.

Luís F. Ribeiro da Costa

1 comentário:

Carla disse...

E infelizmente continuamos em dias desespero.
Ser Professor/a é ou era considerada uma profissão nobre, mas são poucos na sociedade que a honram.
Cada vez mais vamos trabalhar sem motivação, arranjamos estratégias para enfrentarmos o dia-a dia na escola e dentro da sala de aula.
Dentro da sala de aula estamos a sós com uma boa turma, mediana ou péssima.
Contra factos não há argumentos: quando digo turmas péssimas, elas existem, dizemos que foram "escolhidas a dedo".
Pedem-nos capacidade mental e física para sabermos lidar com a pressão, mas todos temos de ter consciência que com todas as alterações que sofremos nos valores invertidos na sociedade actual, não fazemos milagres, se não houver união profissional e mais não digo.