23/01/2019

A quermesse eleitoral em curso

no Público
23/01/201

por Santana Castilho*

Três membros do Governo e o Presidente da República defenderam a abolição das propinas no ensino superior, por considerarem que são factor de desigualdade social. Vejamos por que razão, ao invés, a medida transfere o dinheiro dos mais pobres para os mais ricos.

Com os dados disponíveis, referentes a 2017, sabemos que frequentavam o ensino superior 361 mil 943 alunos, dos quais 72 mil e 26 não pagaram propinas, graças às bolsas de estudo. Ainda que sem expressão numérica apurada, existe um outro conjunto de estudantes, excluídos pelos critérios limitativos das bolsas, sem recursos para pagar as propinas e outros custos bem mais relevantes. Só a ampliação desses critérios e o aumento dos valores das bolsas resolverá a exclusão por carências económicas e constituirá medida de política socialmente justa. Se se abolirem as propinas, significa isso que todos os portugueses, mesmo os mais pobres (isentos de IRS mas não isentos dos impostos indirectos, os socialmente menos justos) financiarão a formação de alguns portugueses, entre os quais os mais ricos. Assim, não combatemos a desigualdade social de que Marcelo falou, antes alimentamos a quermesse eleitoral em curso, iniciada com a medida iníqua, por idênticas razões, de atribuição de manuais escolares a todos (cerca de 130 milhões de euros, licenças digitais incluídas).

Longe de mim considerar-me satisfeito com a percentagem de portugueses com formação superior, a qual é inferior à de sociedades com que queremos convergir. Mas a questão das propinas, trazida ao debate público pela prioridade máxima de repente atribuída à massificação do ensino superior (já há quem fale em torná-lo obrigatório), merece alguma reflexão e resposta a questões simples (antecipo que os arautos da coisa lhes possam chamar simplórias), a saber: os 30 mil empregos existentes, sem candidatos, pedem habilitações de nível superior? Porquê o espanto por apenas 4 em cada 10 dos jovens que terminam o secundário demandarem o ensino superior, se a prioridade do governo PS (Sócrates) e PSD (Passos Coelho) foi o secundário profissional? Quantos licenciados estão no desemprego ou se arrastam penosamente nos call centers e nas caixas dos supermercados? Quantos milhares emigraram e enriquecem hoje economias concorrentes, financiadas pelo Estado português? Quantos doutorados e investigadores são precários miseravelmente pagos, ou desempregados?

Dir-me-ão que nenhum dos nossos desafios de futuro se resolverá sem o aumento da formação superior dos portugueses e eu concordo. Mas o acréscimo deve ser ponderado: que não signifique diminuição da qualidade; que vá de passo síncrono com a inversão do paradigma vigente (fala-se sempre da academia não responder às necessidades das empresas, mas não se fala da economia não criar oportunidades de empregos decentemente remunerados para os jovens que ela forma); que dele não resulte mais médicos e enfermeiros a servirem sistemas de saúde estrangeiros, outrossim a acudirem à degradação do nosso. Porque a consideração destas premissas encorajará muito mais a procura do superior que a abolição das propinas.

Gostaria eu que o ensino superior fosse gratuito, como na Alemanha? Que os transportes públicos fossem gratuitos, como no Luxemburgo? Naturalmente que sim … se a dívida do Estado não fosse o que é. Naturalmente que sim, se as consequências financeiras de tantas políticas sem nexo não fossem encobertas por engenhosas burcas dissimuladoras, como a que tapa os 5% do OE de 2019 para “despesas excepcionais”, quatro mil milhões que passaram sem explicação, graças à generosidade parlamentar do PCP e do BE.

É verdade que o artigo 74º da Constituição estabelece que caminhemos para a gratuidade de todos os graus de ensino. Mas não menos verdade é que tal imperativo constitucional, em sede interpretativa, se subordina a outros, igualmente constitucionais, como seja o da “reserva do possível” (possibilidades materiais mobilizáveis) ou o da equidade. Sim, equidade, porque é bom não esquecer que a gratuidade da quermesse eleitoral em curso, pródiga em medidas cegas, de cariz populista e de aplicação universal injusta é, no limite, custeada pela inexistência de apoios vitais aos que mais precisam e sofrem, por serem os mais pobres.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

09/01/2019

Verborreia e propaganda

no Público
9/1/2019

por Santana Castilho*

A irrelevância que António Costa conferiu à Educação evidenciou-se desde cedo na pobreza dos seus documentos eleitorais e afirmou-se com a escolha de um ministro incompetente e sem peso político. O ano que agora começa fechará uma legislatura de vacuidades, em matéria de Educação, alindadas pelo contributo de alguns notáveis para as características que a marcarão: verborreia e propaganda.

Tivemos de tudo: provas nacionais para as crianças do 2º ano, (depois de abolidas, por precoces, as provas nacionais para crianças … do 4º ano), usadas para justificar decisões anunciadas … antes de estarem apurados os respectivos resultados; um Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar que, na senda de anteriores do mesmo tipo, ignorou que o insucesso não se resolve sem anularmos os indicadores de pobreza da sociedade (a Direcção-Geral de Estatística da Educação e Ciência fez uma excelente análise sobre os resultados dos alunos do 2º ciclo do ensino básico das escolas públicas, evidenciando uma correlação clara, regular e intensa, entre as reprovações e a condição económica dos alunos); um referencial de competências que não foi além da apropriação de máximas expressas em publicações não citadas e da reposição de conceitos banais, há muito presentes na rotina dos professores; um “currículo flexível”, retoma manhosa da “gestão flexível do currículo”, de há 18 anos, para que a rapaziada passe toda e acabem os chumbos; 10 milhões de euros gastos em licenças digitais de manuais, para alunos que não têm instrumentos para as utilizar.

Enquanto isto, o perfil educativo da sociedade portuguesa (“Retrato de Portugal”, Pordata) permanece estatisticamente na cauda da Europa a 28. Com efeito, os 54,6% dos empregadores que não frequentaram o ensino secundário ou superior, ou os 43,3% dos trabalhadores cuja escolaridade não foi além do 9º ano, comparam, respectivamente, com os 16,6% ou os 16,7% da União Europeia. Mas, apesar disto, o Governo mantém, desde maria de Lurdes Rodrigues, um inaceitável conflito com os seus professores.

Enquanto isto, persistem os baixos salários dos professores, técnicos e assistentes operacionais, incompatíveis com os níveis de taxação fiscal. Com efeito, enquanto a receita do IRS e IVA cresceu cerca de 45% desde 2010, o aumento dos rendimentos do trabalho não foi além de uns parcos 2%.

Enquanto isto, o Governo continua a incensar o povo com a criação de emprego. Mas não se refere à qualidade desse emprego, quando de 2011 para cá cresceu o número de trabalhadores a prazo (mais 47 mil) e a remuneração média registou no mesmo período um miserável aumento de … 20 euros.

Enquanto isto, o Governo fala muito das vantagens do novo regime contributivo dos trabalhadores independentes. Mas omite que, na maioria dos casos, os trabalhadores a recibo verde são falsos independentes, que suportam os descontos para a Segurança Social que os patrões deveriam pagar (23%) em função da sua verdadeira condição de trabalhadores por conta de outrem. Como esconde da opinião pública que a dívida das empresas à Segurança Social cresceu quase quatro mil milhões de euros entre 2011 e 2016.

O ministério centralista e burocrático que Lurdes começou e Tiago continuou promoveu o enfraquecimento da capacidade interventiva e autonómica dos professores e serviu para, de modo populista, apresentar o Governo como defensor dos interesses dos alunos em detrimento dos interesses dos professores. Como se fosse possível dissociar uma coisa da outra.

Brevemente, Governo e sindicatos retomarão as negociações sobre a contagem do tempo de serviço dos professores. É a derradeira oportunidade para o poder político entender que não pode promover a qualidade do sistema combatendo a dignidade profissional dos professores, como o PS fez com Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues e continuou nesta legislatura a fazer com Costa e Tiago Brandão Rodrigues. Esta é não só a pedra de toque do sistema de ensino, como a razão última para que o Governo aceite, finalmente, que há coisas inegociáveis.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

03/01/2019

Entrevista na Antena 1

Santana Castilho·Quinta-feira, 3 de janeiro de 2019 (Facebook)

Para eventuais interessados, fica o link para o registo áudio de uma entrevista feita ontem, 2.1.18:

https://cdn-ondemand.rtp.pt/nas2.share/wavrss/at1/1901/EntrevistaManh1001_5611712-1901030647.mp3