23/10/2013

Os devoristas

no Público
de 23 de Outubro de 2013,

por Santana Castilho *

 Os devoristas


O Governo de Portugal e o Governo da Europa perderam o contacto com os seus cidadãos. Para quem não desiste da sua cidadania, outrossim dela faz alimento da alma, a raiva e o desespero dominam. Só me contém a noção dos meus limites e da minha mortalidade. Mas sofro. Sofro com tantos que sofrem às mãos de devoristas. 

O pior de Portugal não é a dívida em si. É o que foi feito com a dívida contraída. Não edificámos com ela uma economia competitiva e produtiva. Não tornámos sustentável um débil Estado social, que agora soçobra às investidas dos devoristas. Instituímos, tão-só, um perene cartão de débito internacional, que alimenta a sofreguidão da “mercadotecnia” dominante. Até o presidente da República traveste, de modo repugnante, o juramento que fez em mercantilismo primário, anunciando que a constitucionalidade ou não do orçamento não é assunto de Direito, mas de custos. Para ele, o mais honesto entre os honestos, os compromissos de honra prescrevem se os custos forem altos. Os recursos do nosso país, o destino dos nossos filhos, estão hoje entregues a pessoas que nada fizeram para os merecer. Chefes que representassem verdadeiramente os portugueses só podiam seguir outras políticas e actuar com moral diferente. Malevolamente, dolosamente, o discurso oficial mistura o custo dos serviços que o Estado presta aos cidadãos (razão da sua existência) com os custos operacionais da máquina burocrática e política. Os primeiros diminuíram drasticamente. Os segundos cresceram exponencialmente. A análise das contas de 2012, única possível neste momento, mostra isso: a aquisição de bens e serviços cresceu 1.500 milhões de euros. 

O orçamento do Estado para 2014 é de uma desumanidade aviltante. A chamada consolidação orçamental proposta soma mais 3.900 milhões de euros aos 15.000 dos últimos dois anos. A simples papel molhado ficaram reduzidos os pronunciamentos de Paulo Portas, que garantiu não vir mais austeridade. Desta feita, a “revogação” vale 612 milhões de euros. Coisa pouca. Depois de ter pulverizado a classe média e aumentado exponencialmente o desemprego e a emigração dos mais preparados, Passos Coelho investe agora sobre os salários de 600 euros mensais. O Governo de Portugal e a “troika” que ele representa, que não o povo, que devia proteger, têm a mesma atitude perante os portugueses que os donos mantinham relativamente aos escravos: então, alimentavam-nos minimamente para que pudessem trabalhar; agora, permitem-lhes que vivam para pagar impostos. Não terminará bem esta negação da realidade. E já que terá de vir a explosão social, é duro dizê-lo, mas que não tarde. Basta! 

A proposta de orçamento para 2014 prevê uma redução de 969 milhões de euros com funcionários públicos. Metade desse corte (565 milhões) será feito com a redução da despesa do pessoal do ensino não superior (redução de salários e diminuição de efectivos). A verba consignada à educação pré-escolar sofre um corte de 67,5 milhões de euros. Significativamente, as transferências previstas para o ensino privado não só não sofrem qualquer corte como crescem dois milhões de euros, totalizando 240 milhões. Globalmente, estamos perante um corte de 8% face ao ano transacto, altura em que atingimos o menor esforço com a educação, em relação ao PIB, em 39 anos de democracia. Passos Coelho e Nuno Crato julgam-se predestinados como tiranos, sem noção do mal que semeiam. Em dois anos de subserviência ao estrangeiro, aproveitando um conformismo que se banalizou, traçaram uma linha de costa que divide o país em dois: um litoral, concentracionário, e outro interior, desertificado. Tal linha virtual permitiu a metáfora recorrente: quando o Governo invoca melhoria da eficiência e aproveitamento de recursos, sabemos que se refere ao encerramento de milhares de escolas e ao despedimento de 38.000 professores. E se já era problema grande a desigualdade que caracterizava o sistema, agora ganhou foros de escândalo. Com efeito, enquanto crescem as transferências do dinheiro público para o ensino privado, diminuem drasticamente as verbas para o ensino público. Enquanto aumenta a autonomia do ensino privado, diminui a autonomia das escolas públicas. A capacidade de decisão das escolas públicas para criarem cursos profissionais e os recursos inerentes foram fortemente cerceados, enquanto o sentido inverso nos estabelecimentos particulares se tornou diariamente patente na folha oficial da República. Os apoios, não importa de que índole, disponibilizados para combater o insucesso e o abandono precoce do ensino público desapareceram. As crianças com necessidades educativas especiais foram, sem qualquer réstia de pudor, consideradas meros apêndices administrativos e liminarmente segregadas das turmas do ensino regular. A falácia do ensino dual reconduziu-nos à escola do Estado Novo: curta e pobre para os pobres, rica e financiada pelos impostos de todos para as famílias privilegiadas. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

09/10/2013

O senhor 33 e outros 3


no Público 
de 9 de Setembro de 2013 

por Santana Castilho *

O senhor 33 e outros 3

1. Há declarações de políticos que me deixam perplexo. Verdadeiramente baralhado. Subestimam a inteligência alheia? Perderam a deles, a mínima? Escabrosa atrapalhação argumentativa para justificar o injustificável? Mentalidade monárquica onde devia reinar probidade republicana? Ou simples sinais da miséria moral em que a política parece mergulhada? Como é possível que pessoas de farta experiência profissional e política caiam no absurdo que resulta da comparação do que dizem com o que disseram ou fizeram? Exemplos? O senhor 33 (contei 33 cargos em órgãos sociais de empresas portuguesas, a maioria da alta finança, antes de ser ministro) não pode desconhecer, muito menos violá-la gravemente, a autonomia do Ministério Público. Porque é advogado. Porque foi professor de Direito. Porque é ministro de Estado. Em escassos dois meses, Rui Machete deu azo a demasiadas manchetes: a eufemística “incorrecção factual”, a trapalhada do preço das acções da SLN e, agora, o despudor de comentar um processo judicial e pedir desculpa pela sua existência, com que aviltou a dignidade do país e da sua magistratura. Foi demais. É inaceitável. 

Cavaco Silva disse na Suécia que é masoquismo afirmar que a nossa dívida pública não é sustentável. Mas, nas comemorações do 10 de Junho de 2010, sentenciou, referindo-se à divida: “… como avisei na altura devida, chegámos a uma situação insustentável …” No discurso da sua posse, em 9 de Março de 2011, insistiu, citando o Governador do Banco de Portugal: “… são insustentáveis … a trajectória da dívida pública …” Na mensagem de Ano Novo, a 1 de Janeiro de 2013, reincidiu: “… é essencial que todos compreendam que as dificuldades que Portugal atravessa derivam do nível insustentável da dívida do Estado …” Finalmente, em Março de 2013, escreveu, em prefácio de livro seu: “… a trajectória insustentável da dívida pública …”. Ou seja, Cavaco Silva começou a considerar insustentável a dívida, quando ela representava 94% do PIB. Mas considera masoquistas aqueles que assim a consideram, agora que ela se aproxima dos 130% do PIB. Mastigar de boca aberta é sempre deselegante. Seja bolo-rei, sejam declarações políticas recentes. 

Na quinta-feira passada vi um Portas exultante a dizer que não havia TSU de pensionistas nem austeridade acrescentada. Dois dias volvidos, a anunciada TSU dos sobrevivos mostrou, uma vez mais, como se dissolve no ar tudo o que diz. 

Surpreendente tudo isto? Não, se remexermos na memória incómoda e invocarmos o programa do XIX Governo constitucional. Sob a epígrafe “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, garantia-nos Passos Coelho que “… nada se fará sem que se firme um pacto de confiança entre o Governo e os portugueses … “ Mas aonde poderíamos chegar se não a este pântano, que não pacto, de confiança institucional, se o homem que havia interrogado o país sobre a continuidade de um primeiro-ministro que mentia, referindo-se a Sócrates, rápido se revelaria muito mais mentiroso que o antecessor? 

2. Há dias foi tornado público um relatório de actividade das comissões de protecção de crianças e jovens em risco. Esse documento qualifica como muito significativo o aumento das situações que comprometem o direito à educação. E quantifica o fenómeno: 22,2 % dos casos registados no primeiro semestre de 2013 são violações dos direitos dos menores à educação. Foram registados sob esta epígrafe 3.147 novos casos. O absentismo e o abandono escolar já são a segunda maior ameaça a menores na tipologia adoptada pela Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR). 

Desde 2010, 135.000 carenciados deixaram de receber o Rendimento Social de Inserção (RSI). Este ano já foram excluídos 20.000 beneficiários. As continuadas alterações às regras de concessão multiplicaram pelo país fora bolsas de sofrimento atroz, onde os direitos humanos básicos não existem. Para milhares de crianças, a esperança que uma escola inclusiva as acolha vai de passo síncrono com a esperança dos pais em serem socialmente integrados. 

Se compulsarmos proclamações e discursos de economistas, sociólogos e políticos, se percorrermos os documentos de avaliação e prospectiva das instituições transnacionais, impõe-se a qualquer observador um denominador comum: a educação é fonte de riqueza e o melhor veículo de inclusão e promoção social. Este papel da educação, universalmente reconhecido, deveria, em tempos de crise, suscitar reforço de empenhamento do Estado. Porque há uma relação incontornável entre economia e educação. Porque o relaxamento do esforço com a educação torna a crise crónica. Pior que o empobrecimento da bolsa e das bolsas é o empobrecimento do conhecimento e do espírito. 

Há um país real, que reflecte o desastre social provocado pelas políticas sociais do Governo. Há um Governo em negação, que valsa de modo macabro entre uma austeridade assassina e o carnaval patético do regresso aos mercados. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

04/10/2013

Santana Castilho na Lusófona

VI Seminário de Educação Inclusiva



Sábado, 05 de OUTUBRO de 2013 
Auditório Agostinho da Silva 
Universidade Lusófona (Lisboa)




Comissão Científica 
António Teodoro
Deodato Guerreiro
Isabel Rodrigues Sanches
Joaquim Colôa
Maria João Seabra
Óscar de Sousa
Santana Castilho 


Secretariado do Instituto de Educação Universidade Lusófona
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