25/03/2015

A Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames

no Público,
25/3/2015
por Santana Castilho*

A Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames


Para facilitar a leitura deste artigo, começo por um pequeno glossário:

Nuno Crato – Presbítero da Suprema Congregação dos Santos Exames, em nome da qual vem destruindo a escola pública e perseguindo os professores. Oficialmente designado por ministro da Educação.

IAVE – Sigla de Instituto de Avaliação Educativa. Sucedeu ao Gabinete de Avaliação Educacional, num lance típico de algo mudar para tudo ficar na mesma. O presbítero, que financia a coisa e propõe os nomes para que o Governo designe quem manda na coisa, repete até à exaustão que aquilo é independente, julgando que prega a papalvos. Aquilo passa pelos erros que comete e pelas indigências que promove com a resiliência dos irresponsáveis.

Cambridge English Language Assessment – Organização privada sem fins lucrativos, o que não significa que não facture generosamente o que faz e não pague principescamente a quem a serve. Pagar principescamente e gastar alarvemente é desiderato de algumas Non Profit Organizations.

PET – Do inglês, comumente entendido como animal de estimação, é aqui o acrónimo de Preliminary English Test for Schools. Personifica o mais actual exame de estimação de Nuno Crato.

PACC – Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. É o cordão umbilical que liga Nuno Crato a Maria de Lurdes Rodrigues em matéria de vexame público do ensino superior e da classe docente. O facto de persistir, depois de classificada pelo próprio Conselho Científico do IAVE como prova sem validade, fiabilidade ou autenticidade, mostra de quem o IAVE depende e contra quem manifesta a sua independência.

Despachado o glossário, passemos ao calvário. Começou a mobilização da máquina da escola pública para operacionalizar o PET, teste que pretende certificar o domínio do nível de proficiência B1 em língua inglesa, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. O teste implica uma considerável sobrecarga de trabalho escravo para os professores e um notório prejuízo do curso normal das actividades lectivas. O direito às aulas por parte dos alunos cedeu ao “direito” de uma instituição estrangeira utilizar professores pagos pelo Estado português, para os industriar na aplicação de instrumentos com os quais impõe a supremacia de uma língua, num quadro comunitário multicultural e plurilinguístico, vexando-os e vexando as universidades portuguesas. Falo de 2150 docentes licenciados, mestrados ou doutorados, que irão obrigatoriamente ao beija-mão de Cambridge. Com efeito, os graus académicos que o ensino superior português conferiu foram liminarmente ignorados pela Cambridge English Language Assessment, tendo os professores portugueses que se submeter a uma prova que verificará a sua proficiência linguística. Para serem classificadores de uma prova obrigatória dos alunos do 9º ano do ensino obrigatório português, os professores portugueses são obrigados a sujeitar-se a uma prova atentatória do seu profissionalismo docente. O IAVE comparou, para as justificar, as exigências da Cambridge English Language Assessment com a formação e certificação a que ele próprio, IAVE, sujeita os professores portugueses, antes de os reconhecer capazes de classificarem os exames nacionais. Ou seja, a inteligência feudal daquela excrescência administrativa justificou a anormalidade B com a anormalidade A. Mas não ficam por aqui as surpresas que a vassalagem do ministro da Educação permitiu.

O artigo 9º do respectivo regulamento de aplicação consigna que o teste não é público e sublinha “que não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, ou transmitido por qualquer forma ou por qualquer formato, processo eletrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia, digitalização ou gravação”. Secreto pois, em nome da transparência.

À prova é atribuído um carácter de “diagnóstico”, sendo certo que apenas se lhe conhece um efeito: a atribuição de um certificado, facultativo mas ao preço de 25 euros, representando um potencial encaixe para a instituição sem fins lucrativos da ordem dos 2 milhões. Quanto ao mais, isto é, como serão utilizados os resultados, prevalece o segredo, quer para pais, quer para alunos, quer para professores.

Também começará hoje, se os tribunais não o impedirem, a segunda parte da PACC. Compreendendo-os, dói-me ver tantos colegas sujeitarem-se, sacrificando a dignidade profissional e independência intelectual, a tal fogueira inquisitória. A somar-se aos outros anacronismos, soubemos agora que uma necessidade fisiológica superveniente em Faro ou Braga só poderá ser satisfeita sob vigilância a designar pela direcção local e mediante autorização a solicitar ao real júri nacional. Assim, ou com coragem de se fazer acompanhar de competente vaso sanitário e lata para se aliviar na própria sala de tão imprópria prova. Tudo a bem da uma classificação asseada e em nome da Suprema Sagrada Congregação dos Santos Exames.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

11/03/2015

O potencial destruidor de Nuno Crato

no Público,
11/3/2015

por Santana Castilho *

1. A comunicação social referiu-se abundantemente a um documento produzido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o problema das reprovações (“retenções” na novilíngua vigente). O tratamento jornalístico glosou os aspectos mais susceptíveis de chamar a atenção do grande público, tirando conclusões que não estão no documento ou dando uma interpretação descontextualizada a recomendações feitas. É o caso do custo das reprovações. Alguém multiplicou o número de “retidos” anualmente (150.000) por 4.000 euros (custo médio atribuído por aluno) para concluir que as ditas reprovações significam a perda de 600 milhões de euros. Ora é bom de ver que o custo de funcionamento das turmas pelas quais estão dispersos os alunos que reprovam não se altera por eles reprovarem no final do ano, num sistema de ensino com obrigatoriedade de permanência até aos 18 anos. É de outra natureza o prejuízo e as contas não se fazem assim. Mas a imprecisão foi amplamente propalada. E é o caso de se ter passado implicitamente a mensagem de o CNE sugerir transições administrativas, coisa que o documento não defende. Tudo, talvez, porque a narrativa da análise do CNE é descuidada, a linguagem pouco clara e as ideias se contradizem por vezes. Veja-se, por exemplo, a afirmação feita na página 6 (“… Desta forma, poder-se-á concluir que as elevadas taxas de retenção não decorrem do enquadramento legal …”), desmentida na página 7 (“… O carácter restritivo das condições de transição, previstas no enquadramento legal dirigido ao ensino básico, revela-se contraproducente …”). Mas, o mais relevante, que a imprensa não destacou, é que o documento do CNE reprova em toda a linha as políticas de Nuno Crato, quando censura: “a existência de legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas”; “as formas e critérios de distribuição de serviço letivo”; “a distribuição das cargas horárias das áreas disciplinares”; “a imposição, em final de ciclo, das condições de transição, independentemente da via de prosseguimento de estudos pretendida”; “a construção de percursos escolares diversificados, centralmente determinados”; “a existência de um currículo prescritivo balizado por programas excessivamente extensos e por correspondentes metas curriculares anuais e, ainda, por provas de avaliação externa que incidem sobre toda a extensão dos programas”; “as inúmeras tarefas de cariz burocrático que são solicitadas às escolas”; “a sobrevalorização das disciplinas sujeitas a exame em detrimento das restantes áreas do currículo”; “a atribuição de prémio às escolas com bons desempenhos nos exames e provas, através da concessão de horas de crédito para apoio a alunos, não se verificando o reforço de recursos e profissionais para as escolas com alunos em dificuldades”; “a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa” e “o desenvolvimento da prática sistemática de treino para provas”. Tudo visto e considerando que o documento pede ainda para se “reavaliar a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objetivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização”, eu não seria mais demolidor. E tudo isto, que é uma reprovação monumental das políticas seguidas, passou de fininho nas televisões, nas rádios e nos jornais.

2. Abriu um concurso com 1.453 vagas para contratação de professores de Quadro de Zona Pedagógica, cujos critérios de apuramento estão sob reserva dos burocratas, e foi tornada pública a decisão de extinguir 9.500 lugares nos ensinos básico e secundário, em sede de futuro concurso interno para professores do quadro. Trata-se de lugares que desaparecerão se os titulares mudarem de escola ou se reformarem. Continua a grande dança sem nexo, o maquiavélico ritual de sombras e a acumulação de injustiças sancionadas por sucessivas disposições legais, grosseiramente iníquas. Muitos, beneficiados por duvidosas contratações de escola (quantos factores inaceitavelmente subjectivos determinaram reconduções de professores menos graduados em detrimento de outros mais graduados), deixarão à porta colegas mais qualificados, num sistema diabolicamente arquitectado para colocar os professores contratados em vexatória disputa intestina. Da gigantesca trapalhada destaca-se uma “norma travão” que ilude maliciosamente a directiva europeia, quando não considera todos os contratos a partir de 2001 e manipula a seu jeito o conceito de contratos anuais e sucessivos (a directiva em análise considera sucessivos os contratos interrompidos por períodos inferiores a 90 dias).

A controvérsia em que a opinião pública mergulhou, quando confrontada com o carácter inconsciente do primeiro-ministro relativamente às suas obrigações contributivas, explicará parte da placidez da comunicação social face às últimas manifestações do potencial destruidor de Nuno Crato.

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

02/03/2015

Palestra/debate com Prof. Santana Castilho em Rio Maior


O SPGL convida-o a participar numa palestra/debate com o Prof. Santana Castilho, no dia 4 de Março, 4ª feira, pelas 15h30, no auditório da Biblioteca Municipal de Rio Maior, subordinada ao tema: 

ENSINO VOCACIONAL:
uma resposta educativa a manter?

http://spglriomaior.blogspot.pt/2015/02/palestradebate-com-prof-santana.html