- blogue de homenagem ao Professor Santana Castilho - uma retribuição (bem pequena) pelo muito que tem feito em defesa dos professores e da Escola Pública.
06/12/2023
O festim pidesco de um governo morto
22/11/2023
De grotescos vivendo, assim vai Portugal
08/11/2023
Um ministro e uma corte bem paga a propagar fantasias
25/10/2023
A ausência da Educação no OE 2024
11/10/2023
Discurso para iludir ingénuos e inacção como forma de governar
27/09/2023
A necessidade de encontrar um equilíbrio saudável entre o digital e o analógico
13/09/2023
Novo ano, erros velhos
30/08/2023
Acha isto normal?
16/08/2023
Governo foge às suas responsabilidades sociais
02/08/2023
Pode um burocrata desburocratizar? E condenar?
19/07/2023
Uma carcaça em decomposição
05/07/2023
Vamos continuar assim?
no Público
5 de Julho de 2023
por Santana Castilho*
O ano letivo que terminou foi tudo menos normal no que toca às aprendizagens que ficaram para trás. Os alunos mais penalizados pela turbulência que o caracterizou são os mesmos que pouco ou nada aprenderam durante os anos de pandemia, aqueles cujo futuro depende em exclusivo do que a escola pública lhes possa dar. E sem pôr fim ao conflito entre os professores e o ministro da Educação não haverá paz no próximo ano letivo, muito menos educação para todos.
A pandemia, a perda de aulas por falta de professores e a irregularidade de funcionamento trazida à escola pelos conflitos laborais, face mais visível das desastrosas políticas de Educação em curso, fizeram crescer o mercado das explicações, de que resultou um acentuado aumento das persistentes desigualdades de oportunidades entre alunos. Segundo disse à Renascença o presidente do Conselho Nacional de Educação, cerca de 200 mil estudantes, isto é, metade dos alunos do ensino secundário em Portugal, têm explicações, cujos custos, naturalmente, são suportados pelas famílias. Vamos continuar assim?
Nos últimos dias foi notícia uma decisão que nos deveria fazer reflectir: o governo sueco, que há 15 anos iniciou um processo de digitalização da educação, vai regressar ao ensino baseado em livros de papel. Os meios tradicionais de ensino vão substituir os ecrãs e os quadros digitais. Motivo? A acentuada diminuição das capacidades de leitura, escrita e expressão das crianças suecas, que o contacto demasiado precoce com a digitalização provocou.
A introdução das tecnologias informáticas nas escolas deve ser progressiva e nunca alheia à produção científica das neurociências, quanto às suas influências no desenvolvimento neuronal dos alunos dos primeiros anos de escolaridade.
Entre nós, a imbecilização das práticas pedagógicas, com destaque para a digitalização da educação, feita à bruta e precipitadamente, está a transformar os nossos jovens em seres cada vez menos pensantes e reflexivos, em simples sorvedores passivos e acríticos de tudo aquilo que os ecrãs lhes apresentam. Claro que o fenómeno tem responsáveis adultos: pais e professores comodistas, manipulados por uma legião de promotores de ideologias perniciosas, apresentadas como pedagogias modernas. Vamos continuar assim?
É urgente que a denominada sociedade civil desperte para o sombrio que mancha a paisagem humana das nossas escolas: preocupantes sinais de violência na relação entre alunos e no seu relacionamento com professores e funcionários; esgotamento físico e psíquico do corpo docente, vergado pelo grotesco burocrático de tarefas inúteis; êxodo precoce dos professores mais experientes; clima de luta insana por uma carreira sem futuro, donde se esvaíram a cooperação e a confiança que cimentavam a comunidade humana dos docentes; uma organização curricular que confunde um quadro de formação global, pacificamente aceite pelo senso pedagógico comum como determinante para as restantes aprendizagens, com as chamadas “aprendizagens essenciais”, que querem equiparar o que não é equiparável, em sede de currículo. Vamos continuar assim?
Desde Dezembro que o S.TO.P. não faz outra coisa que não seja convocar greves por tempo indeterminado, com resultados praticamente nulos e nenhuma mobilização crescente visível, que apenas contribuíram para vulgarizar, banalizar e descaracterizar um instrumento sério de luta dos trabalhadores. Agora, decretou mais uma greve às avaliações, até 15 de Julho. No quadro político que todos conhecemos, designadamente o impacto dos serviços mínimos vigentes, espera o S.TO.P., realisticamente, que a sua iniciativa tenha algum resultado prático? Aliás, por que razão nunca o S.TO.P. apresentou à opinião pública o número dos grevistas que conseguiu mobilizar, referidos a termos circunstanciais precisos?
De uma relevância inicial, galvanizadora de vontades e disponibilidades, o S.TO.P. rapidamente passou a alinhar com as mesmas rotinas que sempre criticou nas outras organizações sindicais, a denegar na actuação o que propalou na retórica promocional, numa palavra, a deixar que a seriedade (se alguma vez a teve) desse lugar ao habitual folclore protestativo, que não dignifica a classe. A desilusão a que o S.TO.P. me conduziu teve o tamanho da ilusão que inicialmente me provocou. Vamos continuar assim?
*Professor do ensino superior
21/06/2023
António Costa, o cartaz e os rankings
no Público
21/6/2023
por Santana Castilho*
1. Desde 10 de Junho que o tema de todos os dias é o alegado racismo do cartaz que irritou
António Costa. O cartaz e a reacção de António Costa convergiram num ponto: a vulgaridade
discursiva do contraditório político. A inapropriada invocação de racismo não é nova em
António Costa. Já a tínhamos visto, por exemplo, no Parlamento, numa inusitada resposta a
Assunção Cristas. Tão-pouco foi nova a “elegância” retórica usada para responder aos
manifestantes. Tivemos dela uma nota eloquente quando António Costa se referiu aos
militantes da Iniciativa Liberal, dizendo que “quando tentam guinchar, os queques ficam
ridículos". O resto foi uma manobra mediática, previamente pensada para prejudicar a
imagem pública dos professores e o generalizado apoio às suas reivindicações.
Podemos continuar a discutir a acidez do cartaz, ou se é ou não portador de mensagem
racista. Mas se o fizermos, sobretudo fixando-nos apenas na sua literalidade, tropeçamos na
rasteira que António Costa nos passou. Entendamo-nos: tanto o cartaz de António Costa, como
outro, análogo, de João Costa, foram usados em várias manifestações, há vários meses.
Porquê, então, esta reacção, só agora? Porque António Costa optou por uma estratégia de
vitimização para desviar a discussão política daquilo que é essencial e realmente interessa. E o
que a todos interessa, particularmente ao futuro dos alunos e do país, mas a António Costa
incomoda, é discutir a forma de interromper uma política educativa distópica, pela qual ele é o
principal responsável.
António Costa não gostou do que lhe mostraram na manifestação de professores
descontentes, em Peso da Régua. E irritou-se, visivelmente, quando dialogou com eles. Mas os
professores também não gostam do que António Costa lhes vem fazendo, e às suas famílias,
há anos, e estão, igualmente, visivelmente irritados.
Por exemplo, na conversa envenenada sobre o descongelamento das carreiras, é
simplesmente patusca a ideia dominante de António Costa: os professores devem ficar-lhe
eternamente agradecidos por ter descongelado as carreiras em 2018. Como se a coisa fosse
uma magnânima liberalidade e não um retomar de uma obrigação legal, que nunca deveria ter
sido interrompida. Como se não tivessem sido dois governos do PS, um deles a que o próprio
António Costa pertenceu, que, por duas vezes, decretaram tal atropelo à lei. Como se fosse
natural congelar uma carreira, suspendendo parcial e unilateralmente, a favor do Estado, um
contrato assinado com os professores, titulado por Decreto-Lei não derrogado.
Não há muito tempo, António Costa considerou absurdo que um professor seja colocado a
centenas de quilómetros de casa. Mas não só os quase oito anos que já leva de Governo foram
insuficientes para resolver o problema, como a sua última iniciativa legislativa o ampliou
enormemente.
Os professores estão cansados dos atropelos à sua dignidade, das mentiras e da desonestidade
intelectual do ministro da Educação, que António Costa suporta com a mesma obstinada
arrogância com que suportou Cabrita e agora Galamba.
2. Os rankings voltaram às primeiras páginas dos jornais. Apesar de não me aquecerem a alma,
não são o diabo que o ministro da Educação pinta, sobretudo se tivermos em conta a evolução
da forma como a informação tem vindo a ser tratada e as correlações estabelecidas entre as
diferentes variáveis disponíveis.
Sem perder de vista que as escolas públicas acolhem todos os alunos, com todas as carências e
debilidades sociais e económicas, enquanto as privadas escolhem os seus alunos, mesmo para
além da selecção que a propina de entrada e as mensalidades se encarregam de ditar, não é só
essa circunstância que explica que os lugares cimeiros, em todos os rankings, pertençam a
escolas privadas e que quase tenha duplicado o número das públicas com média negativa nos
exames (30% a Português e 70% a Matemática). O que explica a indesmentível mediocridade
dos resultados das escolas públicas é a degradação que as caracteriza, com milhares de aulas
perdidas por falta de professores, com um currículo nacional retalhado e reduzido a indigentes
“aprendizagens essenciais” e com uma indisciplina sem controlo, que se apossou da sala de
aula. Tudo questões bem mais importantes que os exercícios hermenêuticos sobre cartazes
satíricos.
*Professor do ensino superior
07/06/2023
A escola dos ricos e a escola dos pobres
no Público
7 de Junho de 2023
por Santana Castilho*
Dois anos de pandemia e um ano de conflitos permanentes já comprometeram
demasiadamente o futuro de milhares de estudantes, privando-os do direito crucial a uma
educação pública de qualidade. Não podemos continuar assim.
O sistema público de ensino está profundamente doente, vítima do culto de banalidades
destruidoras do conhecimento e do rigor e de práticas gestionárias alimentadas pela
sobranceria da ignorância. Tudo o que pode ser feito para melhorar o nosso sistema de ensino
é conhecido. Mas as decisões dos últimos anos têm ignorado o conhecimento que a
investigação em Epistemologia da Educação tem proporcionado, designadamente a produção
científica de investigadores de orientação cognitivista. Urge, assim, parar a distopia pedagógica
em que vivemos, que nos vai afastando dos resultados médios da OCDE, a que chegámos com
o esforço de tantos e apesar das diferenças políticas de sempre.
“Os professores não param”, gritam os próprios a um ministro enfastiado. Mas sem resultados
para a luta que travam desde há meio ano, de que sobram evidências lapidares: continuam
mergulhados em tarefas aberrantemente burocráticas e improdutivas, têm como nunca a
dignidade profissional e a independência intelectual calcadas por políticas de terror social e
clamam pela contagem do tempo de serviço, correndo sobre uma espécie de passadeira
rolante, que os esgota, sem saírem do mesmo sítio.
Poderá o país aceitar este desperdício de gente formada à custa de muitos milhões?
Poderá a Educação continuar sob a tutela de um ministro que desconhece o que se conhece?
Que não faz? Que desfaz? Que sonega? Que manipula? Que mente? Que dificulta?
Se aceitarmos que uma civilização é um conjunto de valores fundamentais, que resultaram da
partilha de um passado comum e determinam uma forma particular de ver o mundo e regular
uma sociedade, deve-nos preocupar seriamente o tanto que a escola pública perdeu nos
últimos anos.
Os proclamados bons resultados económicos não têm contribuído para obstar à degradação
da Educação e à sangria dos seus profissionais qualificados. Outrossim, o sistema de ensino
tem sido uma das principais vítimas do desinvestimento nos profissionais do Estado e os
alicerces da democracia estão a ser corroídos pelo divórcio existente entre as necessidades
urgentes do sistema de ensino e as medidas erradas tomadas pelo Governo.
Consequentemente, vão-se construindo em Portugal duas vias de ensino: uma privada, para
elites, alicerçada na tessitura dos saberes clássicos com as novas tecnologias e no estudo
estruturado das Humanidades, das Ciências, das Línguas e das Artes; outra, pública, dita
inclusiva, para o povo pobre, edificada sobre os escombros da desconstrução do currículo
nacional e limitada às “aprendizagens essenciais”.
E perante tudo isto, vivemos numa bolha mediática que confere tempo generoso à divulgação
de protestos animados por bombos e gaitas e aos jogos cínicos da disputa entre o Presidente
da República e o primeiro-ministro, mas raramente consigna espaço ao substantivo e dá voz a
quem tem conhecimento fundamentado sobre a causa dos problemas e a forma de os
resolver, confrontando e debatendo alternativas, num exercício de verdadeiro debate político
sobre a vida dos alunos, das famílias e dos professores.
Vai encerrar-se um ano lectivo quase perdido e já pairam nuvens negras sobre o próximo. A
escola pública carece de uma intervenção de emergência, sendo certo que nenhuma
terapêutica gerará resultados se não incluir as reclamações justas dos professores e não anular
os absurdos nefandos que os calcam. Receita mínima para os remover: assumir a educação
como prioridade política; aceitar a decantada recuperação do tempo de serviço dos
professores, ainda que repartida ao longo dos próximos anos; alterar profundamente o
estatuto da carreira docente; institucionalizar e dimensionar realisticamente quadros
docentes, de pessoal auxiliar e de equipas multidisciplinares; eliminar a burocracia estéril;
garantir a disciplina na sala de aula e a autoridade do professor; extinguir os agrupamentos
escolares; alterar o modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, recuperando a sua
democraticidade; proceder à reformulação integral do plano de estudos do ensino obrigatório
e dos respectivos conteúdos disciplinares.
*Professor do ensino superior