23/03/2016

A palhaçada

no Público
23 e Março de 2016

por Santana Castilho*

Segundo a Rádio Renascença, o diploma que instituía o modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico poderia ser vetado. Para o evitar, Governo e presidência da República, leia-se Tiago Rodrigues e Isabel Alçada, terão negociado um regime transitório, que assenta na não obrigatoriedade das provas de aferição e na possibilidade de ressuscitar os exames dos 4º e 6ºanos, ainda que sem contarem para classificação.
O que de mais generoso me ocorre para qualificar este quadro cobarde, gerador de confusão e instabilidade, caracterizado por três modelos de avaliação num mesmo ano lectivo, três, é que se trata de uma deriva de irresponsáveis. A ser verdade o que disse a Renascença, como pode ter passado pela cabeça do Presidente da República vetar um diploma que, por mais sem sentido que fosse (e era) não feria nenhuma disposição da Constituição e leis correlatas? Como entender que Marcelo presidente passe a vetar normativos de governo, porque Marcelo, comentador, os criticou?
E porquê cobarde? Porque uma decisão que deveria ser da exclusiva responsabilidade do Governo acaba, farisaicamente, entregue às escolas. Em dois meses, haverá escolas que, com aulas, reuniões e férias pelo meio, irão conceber e fazer os exames que a estrutura do IAVE, profissional, especializada e em tarefa exclusiva, faria num ano inteiro. Umas escolas terão provas, outras não. Uns alunos farão exames, outros não. A cascata das legítimas discordâncias sobrará para as escolas. Porque um ministro imaturo brincou às democracias e às autonomias com uma ex-ministra, perita em acordos envenenados.
Vimos o que nunca deveríamos ter visto. Os exames foram abolidos, já quase a meio do ano lectivo, com os votos dos deputados do PS, na manhã seguinte à tomada de posse do governo do PS, cujo programa não continha tal medida. No primeiro debate em que participou como primeiro-ministro, António Costa, desconhecendo o programa do seu próprio governo, afirmou que o exame do 6ºano não estaria em causa, para ser desmentido, dias depois, pelo ministro da Educação.
Estamos todos lembrados do modo precipitado e arrogante que pôs fim aos exames, contra o parecer de muitos, Conselho Nacional de Educação e Conselho de Escolas incluídos. Coisa nociva para o sistema, a exterminar, por isso, com urgência, dizia o ministro em Janeiro passado. E agora podem ser feitos nas escolas que o decidam?
É patética a invocação da autonomia da Escola para justificar esta palhaçada já que, no mesmo momento, o ministro lhe anuncia o fim para daqui a uns meses. Isto é, glória suprema, a autonomia das escolas, agora, decide. Mas no próximo ano lectivo já decidiu ele, pensem as escolas o que pensarem. Melhor tributo à hipocrisia não podia ser prestado, para não falar da permanente incerteza introduzida no espírito das crianças e das suas famílias e no planeamento do trabalho das escolas e dos seus professores.
Mas o desconhecimento e o amadorismo de quem governa estão patentes noutros acontecimentos.
Em rigor, os exames de Cambridge não desapareceram. Apenas foram suspensos.
A PACC não desapareceu. Apenas foi subtraída como requisito de concurso. Continua firme no Estatuto da Carreira Docente, todo ele, aliás, intocável. Como se não fosse algo que um ministro conhecedor e um partido respeitador da profissão docente não tivessem que refazer com urgência máxima.
A revisão da legislação sobre concursos (DL nº 9/2016, de 7 de Março) é desoladoramente pobre em substância e indigente em fundamentação. A forma usada para remover a Bolsa de Contratação de Escola (BCE) suscita um receio legítimo: a eliminação parece ser simplesmente temporária, isto é, cosmética agora, mais do mesmo em breve. Com efeito, se por um lado se invoca a morosidade e complexidade operacionais para extinguir, exprime-se, por outro, a intenção de recuperar, no futuro, o modelo que tornou a BCE um instrumento de impensáveis dislates e odiosas injustiças. Basta ler o diploma.
A norma-travão, que mais não foi que um expediente usado pelo anterior governo para tornear a Directiva 1999/70/CE, de 28 de Junho, da Comissão Europeia, venceu e persiste. Assim, continua a impor a entrada nos quadros de todos os professores que tenham cinco contratos de trabalho, anuais, completos e sucessivos, quando a directiva citada e a nossa lei do trabalho estipulam três. E apenas se aplica a partir da data em que foi instituída, deixando de fora os muitos docentes que, em períodos anteriores, cumpriram os requisitos.
Os mecanismos de recondução e renovação automática de contratos, isentos de concurso, instrumentos que derrogam liminarmente a justiça, a equidade e a Constituição (art. 47º, 2) resultaram incólumes. Assim, ao rigor e à transparência, PS e Tiago Brandão Rodrigues preferiram a tômbola e as águas turvas.
*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/03/2016

espectáculo, jantar e tertúlia

com a presença do Professor Santana Castilho 

"Portugal está no limiar de uma viragem. Ou se afunda e perde a pouca soberania que lhe resta, ou muda de paradigmas para se regenerar. Mas não o pode fazer sem refundar o seu sistema educativo. Há medidas imediatas que podem alterar, de um dia para o outro, a penosa vida das escolas. Assim o próximo ministro da Educação tenha reflexão produzida que lhe permita fazer rápido o que é urgente. Um ministro competente terá certamente ideias fortes e formadas. Mas falhará se não perceber que as não pode impor. Terá que demonstrar. Terá que liderar um processo de adesão colectiva, que acolha os outros. Terá que transformar o confronto permanente em cooperação."  

8 de abril 2016 - 20:20h


Não resistir a uma ideia nova nem a um vinho velho

COLABORACIONISTAS

(a partir de John Hodge)

Moscovo, 1938: um lugar perigoso para se ter sentido de humor e ainda mais para se ter sentido de liberdade. O escritor Mikhail Bulgakov, vivendo entre dissidentes, perseguido pela polícia secreta, tem ambos. E eis que lhe oferecem um cálice envenenado: encarregam-no de escrever uma peça de teatro sobre a juventude de Stalin, para celebrar o sexagésimo aniversário deste. 

Um espetáculo que volta a olhar para uma época utilizando

     a História, 
       o sentido de humor, 
       o arrepio 
       o convívio de um  jantar a meio 
       a partilha em Tertúlia informal com o convidado:  

Dr. Santana Castilho


Local: Palácio dos Aciprestes - Fundação Marquês de Pombal
            Av. Tomás Ribeiro, nº 18, Linda-a-Velha

Versão e encenação:  Carlos Carvalheiro

Produção:                    Fatias de Cá

Parceria:                   





reservas:


Telefone: 960 303 991 

33,33€ incluindo jantar

comprar bilhete aqui: http://www.fatiasdeca.net/loja/bilhetes.aspx?id=26&p=0

09/03/2016

Cem e sem

 
no Público
9 de Março de 2016

por Santana Castilho*


1. Cem dias passados, o Governo do PS, apoiado pelo PCP, BE e Verdes, provou ter uma capacidade notável de adaptação. Aguentou-se no primeiro lance, o da aprovação de um programa dúbio de governo. Sobreviveu ao golpe que ofereceu, em saldo, o Banif ao Santander, logrando mesmo o apoio do PSD para aprovar o orçamento rectificativo que viabilizou a negociata. Levantou (foi obra) o PCP, pela primeira vez em 40 anos, para aprovar o OE 2016, saído de um belo joguinho de cintura com Bruxelas. E, cereja no topo da geringonça, 46 páginas de erratas depois, eis que a radical Moody’s lhe conferiu um invulgar elogio. Cavaco Silva desta vez não o disse, mas certamente que voltou a pensar ser coisa da virgem de Fátima.

Nestes cem dias, de fé no fim da austeridade, recuperaram-se feriados perdidos. Operaram-se exíguas melhorias para as famílias de mais baixos recursos. Reverteram-se privatizações. Extinguiram-se exames. Prometeram-se (para uns) 35 em vez de 40 horas de trabalho. Aumentou-se o salário mínimo. Apresentou-se à EDP a factura da tarifa social de energia e aos fundos imobiliários a nota para pagarem o IMI e o IMT de que estavam isentos.

Seguir-se-á a realidade, que diluirá tendências populistas e começou já a ser reconhecida com 800 milhões de novos impostos. A realidade que liga o crescimento económico, a justiça social, a dignidade nacional e o futuro do país ao fim dos abusos da banca e à renegociação da dívida, que sufocam tudo e todos, incluindo qualquer fé e qualquer governo que actue de modo híbrido, querendo, como este, simultâneamente, contentar a ortodoxia europeia, PCP, Bloco e Verdes. Neste quadro, os próximos episódios (procedimentos do Semestre Europeu, designadamente Plano B) deste jogo de realidade versus fé apenas testarão quanto tempo António Costa conseguirá, do mesmo passo, ser poder e contrapoder, bom aluno para Bruxelas e suficientemente rebelde para o Bloco, Verdes e PCP. Citando Pacheco Pereira (Público de 27.2.16), “… há uma certa tristeza nisto tudo, mas as coisas são como são. Na política, o país está num impasse, mas parece que não …”.

2. Sem qualidade, começam a revelar-se os discursos (e as políticas) dos dois dignitários da Educação. Ouvi o do ensino superior, no parlamento, abalroar, de forma reiterada (o que afasta o lapso simples para expor a ignorância grave) o presente do conjuntivo do verbo ter. “Tenhemos”, senhor ministro? E traulitar, sem rebuço, o pretérito perfeito do indicativo de intervir. “Interviram”, senhor ministro? E li-o (Público de 27.2.16), defendendo (alô, alô, BE, PCP e Verdes) a precarização do emprego dos professores e investigadores do seu sector. Flexibilizar o emprego científico, senhor ministro? Quando mais de 40% dos docentes e investigadores do ensino superior têm vínculos precários? Não terá cuspido no dedo errado para “virar a página”?

O ministro da Educação, igualmente no parlamento, também repetiu o tique que se lhe começa a pegar à pele, qual seja uma certa tendência arrogante para manipular os factos. “Ao contrário do que alguns disseram, o Orçamento do Estado para Educação em 2016 cresce 303 milhões de euros (+ 5.3%) quando comparado com o que o governo anterior inscreveu no orçamento para 2015. De 5716 milhões de euros para 6019 milhões de euros”, disse o ministro. E disse mais que só “podemos comparar o que é comparável”. Ora no momento em que “alguns” disseram haver um corte de 82 milhões (-1,4%) já se sabia quanto o Governo anterior tinha efectivamente gasto com a Educação. E gastou mais 82 milhões do que este se propõe gastar em 2016. Que queria o ministro? Que se ignorasse o que já era conhecido? Não comparámos velocidade com toucinho, senhor ministro. Comparámos euros gastos com euros que o senhor disse que ia gastar. E o senhor disse que tenciona gastar menos 82 milhões que o seu antecessor de facto gastou. E a esse corte de 82 milhões, para compararmos o que é comparável, isto é, conhecer a verdadeira dimensão do corte nominal das actividades da escola pública, com os dados existentes no momento em que “alguns” falaram, temos que somar os 14,4 milhões que pagará a mais ao ensino privado e o aumento dos gastos salariais dos professores. Se já fez as contas, teria sido mais sério confessar o número no parlamento.

Hoje, os novos donos das novas certezas decidem ontem e estudam amanhã. Levianamente. Os professores, que não são donos deles próprios, sujeitam-se, quando pouco mudou. A frustração não desapareceu mas a capacidade de espera cresceu. Às salas dos professores não voltou a familiaridade, a colaboração mútua e a confiança que de lá desapareceram com Maria de Lurdes Rodrigues  e Nuno Crato. Os sinais de narcisismo dos novos poderosos contrastam com os traços de psicose dos que perderam o poder. Os anúncios de ideias de futuro, sem ideias e medidas de presente, não combatem a depressão colectiva que ameaça a escola pública.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)