22/06/2022

Propaganda, manipulação e formação “à maneira”

 


no Público

22/6/2022

por Santana Castilho*

 

1. O Ministério da Educação divulgou uma síntese de resultados (Educação Inclusiva 2020/2021) conseguidos pelas escolas públicas, no domínio dos apoios à aprendizagem e à inclusão. Está lá um quadro que compara as taxas globais de transição/conclusão dos diferentes ciclos de estudo com as mesmas taxas relativas aos alunos alvo das chamadas medidas selectivas e/ou adicionais (linguajar do  DL 54/2018). Todas são excelentes, bem acima dos 90%, em todos os ciclos de estudo e nos dois grupos: o global e o dos alunos com necessidades educativas especiais (linguajar antigo, do século XX).

Só que há um problema, quando cruzamos estes maravilhosos dados com outros, do insuspeito IAVE (provas de aferição de 2021). Com efeito, sobre a prova de Português e Estudo do Meio, do 2º ano, disse o IAVE que na “análise e avaliação do conteúdo” de um texto, a percentagem média de respostas correctas se situou nos 19% e que apenas 7,8% dos alunos responderam de forma inteiramente correcta, ou seja, “apresentaram uma explicação fundamentada, analisando as ideias e construindo um raciocínio”. E disse ainda que, em Matemática, os alunos do 2º ano e do 8º evidenciaram dificuldades persistentes na “resolução de problemas” e, no 5.º e no 8.º, na maioria dos domínios analisados, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades ficou aquém dos 20%, registando-se domínios onde não superou os 2,7%.

Termos em que a conclusão é óbvia: os excelentes resultados globais, apresentados pela desvergonha propagandística de um serviço são caricatamente resumidos, por outro serviço, à mediocridade que a soma das partes evidencia.

A manipulação dos resultados educativos, superestimando o que realmente os alunos aprendem, é absurda e irracional. Mas tudo continua porque na Educação há um padrão recorrente nas políticas do Governo: perante os factos problemáticos, não procura soluções; prefere alterar os factos, manipulando os dados, para escamotear a realidade.

2. Entre Janeiro e Abril deste ano, a Segurança Social processou menos 45 mil pagamentos relativos a subsídios de educação especial, que se destinam a crianças com dificuldades educativas severas, isto é, cortou, não certamente em nome da propalada educação inclusiva, um em cada quatro subsídios requeridos.

Quem está no sistema (professores de educação especial, terapeutas e, naturalmente, pais) sabe das dificuldades com que tem de lutar para garantir aos alunos o cumprimento de um direito constitucional básico, qual seja o direito à educação. Será que quem assim decide sente o mesmo? Ou achará, outrossim, que há que regular “privilégios” porque, embora não estejamos em austeridade (vocábulo proibido), para doar 250 milhões à Ucrânia e 50 à Polónia, temos de “economizar” nalgum lado?

3. Foram liminarmente rejeitados na AR dois projectos-lei que propunham a consideração de todos os horários nos concursos de mobilidade e a atribuição de ajudas de custo a professores deslocados da sua residência oficial.

Por outro lado, o novo quadro legal da mobilidade por doença faz prever que muitos professores, dramaticamente carentes de beneficiar do regime, vão deixar de preencher os requisitos de índole administrativa e as baixas médicas de longa duração vão aumentar. Entretanto, a resolução das questões de fundo (peregrina lógica de concursos, exiguidade dos quadros das escolas, excrescência sem sentido dos chamados Quadros de Zona Pedagógica e o progressivo envelhecimento da classe docente) foi empurrada para algures, pelas proeminentes barriguinhas pensantes dos decisores.

4. Temos hoje, convenientemente, já se vê, um processo de formação contínua de professores, cuja característica distintiva é torná-los radicalmente cegos para tudo o que se oponha à narrativa da pedagogia religiosa do ministro e dos seus lobitos. As crenças substituíram o conhecimento e o poder decisório está nas mãos de uma seita, disposta a sacrificar os progressos recentes do sistema nacional de ensino. Fanáticos que são, estigmatizam e eliminam os que recusam juntar-se ao rebanho. Os mais ansiosos, os mais precários, os detentores de saberes menos sólidos, os mais compreensivelmente descontrolados pela ausência de futuro e os mais oportunistas vão aderindo à estratégia da seita e estabelecendo com ela o vínculo social que lhes faltava.

*Professor do ensino superior

08/06/2022

A grande lavandaria cerebral


no Público

8/6/2022

por Santana Castilho

 

Em 1949, no seu profético Nineteen Eighty-Four, Orwell escreveu sobre o que hoje vivemos: normalização de políticas totalitárias; abuso de imposições e proibições, em nome de paternalismos sanitários, que infantilizam os cidadãos; vigilância opressiva dos governos sobre os indivíduos; “criminalização” do pensamento livre, por parte significativa da comunicação social, ao serviço de elites dominadoras; retoma do culto da personalidade a favor de belicistas, apresentados como defensores da democracia.

Aldous Huxley, mentor de Orwell, previu como as televisões e as tecnologias poderiam ser usadas para moldar os comportamentos humanos e contribuir para a menorização do lado racional do homem. Com efeito, que fazem a Google e o Facebook, entre outras empresas tecnológicas, senão usar a inteligência artificial para extrair informações dos milhões de dados que recolhem diariamente, para condicionar depois as crenças e os comportamentos das pessoas, em claro exercício de controlo social?

Particularmente na nossa “aldeia”, proliferaram nos últimos tempos uma miríade de habilidosos “ministérios da verdade” que, cada um na sua área (educação, saúde, justiça e economia), difundem propaganda como se fosse ciência. Importa, por isso, lembrar que a ciência interpela a realidade, procurando distinguir o que é do que parece ser. A ciência séria só comunica depois de verificar experimentalmente, com rigor, e admite sempre que a sua exactidão é temporal, isto é, apenas válida até que novos factos sejam verificados por nova experimentação. A essência da ciência é a dúvida metódica e a rejeição dos dogmas e das verdades permanentes. A ciência persegue os resultados obtidos a partir da razão fundamentada (objectividade), em detrimento da simples opinião sobre os factos (subjectividade). Mas nos últimos tempos, repito, este conceito de ciência foi cedendo lugar à falsa ciência, usada para nos privar de direitos e liberdades individuais, tornando cada vez mais actual a ficção científica distópica de Orwell.

Sob o pretexto do futuro sustentável, conceito cada vez mais exposto à opinião pública por recurso a narrativas de tragédia e medo, são múltiplas as iniciativas para nos imporem como nos devemos comportar, o que devemos comer e, acima de tudo, como devemos pensar. No topo deste movimento estão os tecnocratas do globalismo extensivo, os senhores da inteligência artificial e tecnologias digitais, maioritariamente americanos, que enriquecem pornograficamente a cada onda de doença e catástrofe mundiais. Na base, os políticos marionetes, maioritariamente europeus. Algures por aí, pelos pequenos poleiros políticos e redes sociais, uma tribo de diletantes, de vestes progressistas, que se arrogam o direito de fechar a Av. da Liberdade ou pôr os carros a reboque dos burros.

Tendo por fundo este cenário, com uma dívida pública cifrada em 272 mil milhões de euros, 23% das crianças portuguesas a viverem na pobreza, sem aumentos de salários nem pensões, 8% de inflacção, impostos e preços a esmagarem o salário médio, prestes a ficar ao nível do mínimo, um SNS decadente e um sistema de ensino entregue a criadores de resultados falsos, António Costa, do alto da sua maioria totalitária, teve o descaramento de ir oferecer 50 milhões de euros à Polónia e 250 à Ucrânia, enquanto os países de leste nos deixam na cauda da Europa e a AR retira metade das nossas crianças da prometida gratuidade das creches.

Finalmente e para garantir gerações futuras com tendência para dobrar a cerviz, nada melhor que continuar a transformar o sistema de ensino numa grande lavandaria cerebral. O ministro João Costa entretém-se agora, sem vergonha, a torcer, o que se retira de dois estudos dos seus próprios serviços: Aferição Amostral do Ensino Básico 2021, II e Resultados Escolares: Sucesso e Equidade. No primeiro, vê sucesso a jorros onde qualquer inteligência mínima vê retrocessos preocupantes. A propósito do segundo, celebra a diminuição de chumbos num ano de passagens administrativas, porque as escolas estiveram fechadas de Março a Setembro. Sem falar da norma que há seis anos vem impondo, que é passar todos, esperava o quê? Que depois de ter trancado as crianças em casa, alguém as castigasse ainda mais? Só um demagogo de todo o tamanho poderia transformar em sucesso o desastre de 2020!

*Professor do ensino superior