25/10/2023

A ausência da Educação no OE 2024


Um orçamento de Estado não se pode circunscrever à gestão das finanças públicas, na perspectiva única de que as despesas não podem superar as receitas. Particularmente num país onde: antes de prestações sociais, 40% dos cidadãos vivem em risco de pobreza; cerca de 50% das empresas não pagam IRC, por apresentarem sistematicamente resultados negativos; 90% do IRC arrecadado provem apenas de 20% das empresas em actividade; 90% da receita de IRS é paga apenas por um milhão e 200 mil contribuintes, de uma população activa de 5 milhões e 222 mil portugueses. São indicadores macroeconómicos que põem a nu que o problema de António Costa, em oito anos de governo, não é a gestão das finanças públicas. É não saber governar, não ter qualquer pensamento estratégico de criação de riqueza, nem ter promovido nenhuma reforma estrutural que altere o quadro descrito. Com este pano de fundo, a irrelevância que o OE 2024 dispensa à Educação é bem o espelho da incompetência do PS para promover o investimento público de que Portugal carece.
 
Quando a 10 do corrente fez a apresentação pública do OE 2024, Fernando Medina à Educação disse nada. Surpreendente a omissão de Medina? Sim, face à profunda crise em que um sector vital para o desenvolvimento do país vive há anos. Natural, face ao vazio relativo a medidas inadiáveis e relevantes que caracteriza o OE 2024 para a Educação.
 
O crescimento do valor orçamentado para 2024, comparado com o do estimado para 2023, é de 5,7%. Mas sendo de 5,3% a inflacção prevista pelo próprio Governo até ao final do ano, o crescimento real será de 0,4%. Por outro lado, não podemos deixar de verificar que a relação do valor orçamentado com o nosso Produto Interno Bruto (PIB) volta a cair. Com efeito, quando António Costa chegou ao Governo em 2015, a despesa em Educação, em percentagem do PIB, cifrava-se nos 5,1%. Em 2016 caiu para 4,8%, em 2017 para 4,6%, em 2018 para 4,4%, em 2019 subiu uma décima (4,5%), em 2020 subiu duas décimas (4,7%), para voltar a baixar para 4,6% em 2021 (Fontes/Entidades: INE e PORDATA, última actualização de 22/9/23). 
 
Entretanto, as organizações internacionais que se pronunciam sobre o desejável peso da Educação na despesa pública dos estados recomendam que esse peso seja da ordem dos 6% do PIB. 
 
Olhemos então para o caso português. O valor do PIB em 2022 (já oficialmente determinado) foi 242,3 mil milhões de euros. Se se confirmarem as previsões do Governo (crescimento de 2,2% em 2023 e 1,5% em 2024), teremos em 2024 um PIB ligeiramente superior a 254 mil milhões de euros e, consequentemente, apenas 2,9% desse PIB consignados ao Ensino Básico e Secundário. Se lhe somarmos as restantes despesas previstas para os outros níveis de ensino, ficaremos próximo de 4,3%, valor bem distante dos 6% internacionalmente recomendados e que traduz nova queda na série estatística que caracteriza os governos de António Costa.
 
Às constatações supra, factuais, é incontornável somar o discurso político que as determina, a saber: as inverdades propaladas por António Costa para sustentar a sua intransigência obsessiva na recusa da recuperação faseada do tempo de serviço dos professores (ver meu artigo de 11/10/23), solução defendida pelo próprio Presidente da República, por toda a Oposição, da esquerda à direita, e por relevantes militantes do PS, o último dos quais Pedro Nuno Santos; o recente chumbo no Parlamento (4/10/23) de todos os projetos que visavam valorizar a profissão docente; o obsceno aumento das despesas do Ministério da Educação (56,2 milhões de euros que, comparados com os 4,2 milhões de 2023, significam um acréscimo de 1237%) para pagar estudos, pareceres e consultadorias aos prosélitos de João Costa, nomeadamente do tipo dos “artistas” que recentemente concluíram, pasme-se, que o encerramento das escolas durante a pandemia gerou uma melhoria espontânea na aprendizagem dos alunos. 
 
Tudo visto, a conclusão é clara: o orçamento para a Educação limita-se à mera gestão corrente, sem qualquer rasgo de intervenção nas múltiplas vertentes carentes de investimento; as matérias mais importantes e decisivas para a educação dos portugueses estão fora do OE 2024.
 
 
In "Público" de 25.10.23

 

11/10/2023

Discurso para iludir ingénuos e inacção como forma de governar


Na voragem das notícias, acontecimentos graves caem no esquecimento e passam sem a intervenção dos primeiros responsáveis da cadeia de comando e sem as consequências que a ética mínima imporia.
 
1. A directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, de Gondomar, estará a ser vítima de um processo disciplinar porque na sede do agrupamento foi colocada uma tarja preta em que se pode ler: “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”. Em comunicado, os professores e educadoras do agrupamento assumiram a responsabilidade colectiva por uma iniciativa que conceberam, pagaram e executaram, tendo a directora, e bem, apenas autorizado. 
 
Eis, mais uma vez, a hipocrisia bafienta do ministro da Educação e do primeiro-ministro trazida à luz do dia. No preciso ano em que se iniciam as comemorações dos 50 anos da liberdade que Abril nos trouxe, a consciência dos dois ficou tranquila perante um flagrante atropelo ao artigo 37º da Constituição da República Portuguesa que, em quatro eloquentes parágrafos, fixa o direito à liberdade de expressão e informação, que a comunidade de docentes em apreço exerceu.
 
Do mesmo passo, é penoso assistir à continuada degradação da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, cada vez mais lesta em exercícios censórios, de perseguição aos poucos directores que recusam ser simples lacaios políticos desta perniciosa maioria absoluta. 
 
 
2. Por dever de ofício, ouvi o que António Costa disse sobre os professores na longa entrevista que deu à CNN: um exemplar discurso para iludir ingénuos e uma antologia de inverdades para mascarar a inacção que caracteriza a sua forma de governar. 
 
António Costa voltou à cassete segundo a qual a recuperação do tempo de serviço dos professores é insustentável para o país, por razões de natureza financeira e de equidade relativamente aos restantes funcionários públicos. 
 
São muitas as demonstrações de que o argumento financeiro é falso. António Costa disse, em Março deste ano, que quando o ministro da Educação fala é ele que estava a falar. Logo a seguir afirmou que a recuperação do tempo de serviço dos professores custaria 1300 milhões ao ano, ao mesmo tempo que o ministro da Educação afirmava que as contas estavam ainda a ser feitas. À legítima pergunta sobre em qual Costa deveríamos acreditar respondeu, dias volvidos, o Ministério das Finanças, dizendo que a recuperação custava 331 milhões, valor idêntico àquele a que chegou um criterioso estudo promovido pela Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Para além do fundamentado desmentido dos delírios de António Costa, esse estudo demonstrou ainda que, se a recuperação fosse agora feita, a massa salarial cresceria 3,6% nos próximos três anos e baixaria 7,3% nos sete anos seguintes, sendo os custos da recuperação integral do tempo de serviço totalmente absorvidos no final da década. É isto (10% do preço das piruetas sem critério que António Costa deu na TAP) que é insustentável para o país?
 
Quanto à equidade, fala de quê, António Costa, quando na própria entrevista tem o topete de anunciar, consoante modelos diferenciados de funcionamento dos centros de saúde, aumentos de salários para médicos de 12,7%, 33%, 60% ou mesmo 66%? Ou de 33% para os que aceitem a dedicação plena nos hospitais?
 
Fala dos politicamente muito convenientes aumentos dos magistrados e juízes, de 2019?
Fala da generalidade das outras carreiras, em que o tempo de serviço, convertido em pontos, já foi reposto? Ou insiste na mentira descarada de haver igualdade de recuperação de tempo de serviço entre os professores e as demais carreiras, que recuperaram 70% de 10 anos, enquanto os professores recuperaram 70% de quatro anos?
 
Fala da recuperação de todo o tempo de serviço aos enfermeiros? Ou acha que há equidade entre os professores do continente e os dos Açores e da Madeira?
 
De acordo com a retórica elogiosa do primeiro-ministro, o Governo foi magnânimo com os professores, oferecendo-lhes um “acelerador” de carreiras. Faltou-lhe citar os detalhes, que a ANDE já denunciou: os efeitos da medida são de tal modo diluídos no tempo que, mais de 3000 docentes só os sentirão nos anos de 2031, 2032 e 2033; apenas em 2025 se atingirá metade dos docentes abrangidos pela medida, sendo que os promovidos nessa altura terão, em média, cerca de 61 anos. 
 
 
In "Público" de 11.10.23