31/12/2014

2014 e a degenerescência do ensino público


no Público,
31 de Dezembro de 2014

por Santana Castilho*

É obra a que este Governo, marcado pela arrogância e contumaz na mentira, produziu em três anos e meio de desgoverno: um empobrecimento e uma emigração sem paralelo recente, finanças e economia centradas na transferência de capital para o estrangeiro e, sobretudo, um sistema de ensino público em desagregação, dilacerado pelo retrocesso inimaginável, fria e calculadamente promovido, medida após medida. 

O lapso da funcionária da Escola Secundária Alberto Sampaio, de Braga, quando em dia de Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, vulgo PACC, tratou professores vexados por “meninos” e lhes ordenou que fizessem “fila indiana sem stress”, tem o valor simbólico de um triple play: a natureza ideológica de uma política, o claudicar de uma classe profissional e a baixeza de um ministro. 

Em três anos e meio desta legislatura foram retirados ao financiamento do ensino público 3.294 milhões de euros e despedidos colectivamente 30.464 professores. O ano de 2014 destaca-se do conjunto por ter exacerbado os dois ódios de estimação de Nuno Crato: a escola pública e a Ciência, onde, de uma penada e com uma avaliação trapaceira, foi liquidado o trabalho criterioso de Mariano Gago. Alguns episódios, de entre tantos, merecem destaque no balanço do ano, por reveladores de um modo de estar e fazer política. 

Quando, presente o contexto acima referido, Nuno Crato aceitou que o ensino público fosse penalizado com mais um corte de 700 milhões de euros no orçamento de Estado de 2015, logo se apressou (portaria nº 269/2014 de 19 de Dezembro) a garantir que o financiamento público do ensino privado não fosse beliscado com qualquer corte. 

Quando alunos e professores sofriam com o escândalo do pior lançamento de ano-lectivo de que guardamos memória, o responsável primeiro por tanta incompetência saiu de cena. Foi para Milão, para uma reunião informal sobre … telecomunicações. Remake de pequena monta do que já havia feito aquando da sétima avaliação da Troika, altura em que se ausentou três semanas. Coisa de somenos se comparada com as quatro voltas ao mundo que deu no ano em apreço. Nada, se tivermos em vista que em estudos e pareceres gastou por mês mais que um milhão de euros. Só por inércia institucional se continua a dar o título de ministro da Educação a quem se tem revelado um vulgar factotum capturado por interesses que não os da Educação pública. 

Acabado de sair de um período de resgate financeiro, sujeito a imposições de políticas por parte de organismos estrangeiros, Portugal está confrontado, no início de 2015, com números avassaladores. O volume dos juros pagos aos credores nesta legislatura (28.528 milhões de euros) é quase idêntico ao volume obtido com o corte da despesa pública mais o aumento de impostos (28.247 milhões de euros). Dito de outro modo, o empobrecimento brutal da maioria dos portugueses serviu só para pagar juros, sem que um cêntimo tenha sido abatido ao montante da dívida. 

Em três anos de aplicação de uma receita que não conseguiu cumprir um só dos seus múltiplos objectivos, a dívida da administração pública cresceu à razão média de 23.236 milhões de euros anuais, ou seja, aumentou 69.708 milhões de euros. 
O grande problema, que tudo condiciona, é, assim, o da dívida pública, sobre o qual urge o diálogo e urgem os compromissos. É mister abandonar de vez as lógicas maniqueístas para que tendem as forças partidárias e explorar as vertentes intermédias e alternativas, sendo certo que com a dimensão que tem e o crescimento económico que não temos, a dívida não é sustentável. Não adianta persistir no “custe o que custar”, que nos trouxe à exaustão, ou menosprezar, no outro extremo, as consequências da saída do euro. Chega, por uma ou outra via, de atirarmos fantasias contra a realidade. Concedo que a particularização do problema tem complexidades para especialistas em políticas monetárias e macroeconomia. Mas não precisamos de pertencer a essa elite para ver, claramente, que a nossa desejada consolidação orçamental é escrava de uma solução europeia multilateral para o problema das dívidas soberanas. 
Perante a nossa incapacidade política para equacionar cenários racionais de actuação, talvez que as próximas eleições antecipadas gregas (decididas no momento em que escrevo), e as regulares que acontecerão no Reino Unido e em Espanha, se juntem às nossas (assim os portugueses ignorem a maldição de Natal de Passos Coelho) para alterar o mapa político europeu e, assim, derrogar a feição sacra do Tratado Orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento. 

Sobrevivemos em 2014. Precisamos ter esperança no futuro e retomar capacidade de reagir para voltarmos a viver. Que renasça o orgulho profissional dos docentes. Que os professores se consciencializem de que o poder, particularmente o opressivo, só se exerce sob consentimento daqueles que lhe obedecem. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/12/2014

Mexilhões e charlatães

no Público,
17 de Dezembro de 2014

por Santana Castilho *

 Mexilhões e charlatães

Charlatão, dizem os dicionários, é aquele que publicamente apregoa, com exagero e sem justificação, a virtude de algo com que pretende ludibriar a boa-fé de quem o escuta. Um charlatão é um impostor, alguém que, com hipocrisia, se serve de artifícios para enganar os outros.


1. Não podendo penetrar nas mentes captas de Passos Coelho e Marco António Costa, não ouso chamar-lhes charlatães. Sendo possível considerar essa hipótese, igualmente devem ser consideradas, entre outras moralmente menos gravosas, a perda precoce da memória de acontecimentos recentes, a inconsciência, a irresponsabilidade ou a ignorância. Seja como for, factos são factos. E se os motivos podem suscitar especulação, já os resultados são claros: a opinião pública foi desinformada por dois actores que não a deviam confundir, antes esclarecê-la.

Passos Coelho, como Primeiro-ministro, primeiro, e líder do PSD, depois, proferiu na semana passada duas declarações falsas. Em Braga, num seminário sobre economia e na linguagem simplória a que recorre com frequência, afirmou que “ao contrário daquilo que é o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão”, quem contribuiu mais, em altura de crise social, “foi quem tinha mais” e não “os mesmos de sempre”. Ora todos sabemos que durante a crise cresceu o número de milionários no nosso país e muitos deles conseguiram aumentar substancialmente o património. A crise não foi, portanto, suportada por todos do mesmo modo. A afirmação transcrita ofende a sensibilidade do cidadão comum (o “mexilhão”) por provir do responsável por um Governo que: aumentou para 23% a taxa de IVA de alguns bens essenciais, o que penalizou mais os mais pobres; aumentou os impostos sobre o trabalho; priorizou a descida do IRC, que apenas beneficia os grandes grupos empresariais, em detrimento do IRS; retirou 8% ao valor real das pensões acima dos 250 euros; congelou ou diminuiu o salário dos funcionários públicos; forçou a emigração de 350.000 portugueses; atirou 90.000 trabalhadores para o desemprego de longa duração e aumentou para os 50% a taxa do desemprego jovem; aumentou o IMI da habitação própria; diminuiu drasticamente o número de beneficiários do RSI e do complemento solidário para idosos; sufocou a escola pública, para todos, retirando-lhe 3.000 milhões de euros, e beneficiou a escola privada, para alguns; fez cair de 19% a frequência do ensino superior (menos 25.000 estudantes) e extinguiu a formação de adultos. Mais tarde, na condição de líder do PSD, num jantar em Santarém, teve o topete de se gabar de estar a soltar a economia do domínio de grupos económicos, entregando-a aos portugueses. Ele, que tem promovido a venda de Portugal a estrangeiros: o BPN a angolanos; a EDP a chineses; a Cimpor a brasileiros; a Tranquilidade a americanos; a Espírito Santo Saúde a mexicanos; A REN a chineses e a árabes, a ANA a franceses; os CTT a vários e o que mais se seguirá, TAP e a própria água que bebemos, se para tal lhe dermos tempo.

Marco António Costa, vice-presidente do PSD, competiu com Passos no destempero. Quem o ouviu recomendar a António Costa a leitura do memorando inicial acordado com a troika, citando página e parágrafo, para afirmar que o documento explicitava a venda integral da TAP, dificilmente duvidaria dele. Mas do original em inglês (pág. 13, ponto 3.30) ou da tradução portuguesa (pág. 7, ponto 17) não se retira isso. O documento fixa a venda total da REN e da EDP. Quanto à TAP, apenas fala da venda, sem explicitar se é total ou parcial. Marco António Costa disse que António Costa “foi mal informado ou então está a mentir”. Afinal, é ele que não sabe ler, ou mentiu.


2. No mundo da Pedagogia os “mexilhões” são sempre os alunos. Mais difíceis de identificar são os charlatães, que surgem donde menos se espera. As escolas da Finlândia abandonarão, já a partir de 2016, o ensino da caligrafia, substituindo esferográfica e papel por teclado de computador. Solícita, uma representante institucional, cujo nome me escapou, tranquilizou os mais perplexos garantindo que o desenvolvimento cognitivo das crianças finlandesas será acautelado pelo reforço de tarefas manuais e pela prática do desenho. Salvo pronúncia de pedagogos mais competentes que eu, salvo ainda o que a Psicologia e a Neurociência possam aportar à discussão que se seguirá, parece-me ousadia de charlatão colocar o problema com base numa dicotomia falsa: computador versus papel. Papel e computador são complementares, não são antagonistas, e há uma precedência pedagógica que os relaciona: primeiro o papel, depois o computador. Se a medida avançar (e espero que a moda não pegue por cá), daqui a uns anos saberemos o que acontecerá às crianças para quem se venha a abolir a aprendizagem da caligrafia. De momento, apenas sabemos que são analfabetos os que não aprenderam a escrever.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

03/12/2014

Há mais vida para lá dos rankings

no Público,
3 de Dezembro de 2014

por Santana Castilho*

Ainda não se esbateram os ecos provocados pela divulgação dos rankings das escolas de ensino secundário e já estamos sob nova onda. Agora, a imprensa noticiou abundantemente o êxito nacional: Portugal conquistou o melhor lugar de sempre na lista das melhores escolas de gestão da Europa, nada mais que dois cursos no top 30 europeu. A credibilidade da coisa não traz chancela de publicação científica ou universitária. Vem garantida por um jornal económico, o prestigiado Financial Times, como convém ao business.

A preponderância dos cursos de dimensão económica e, sobretudo, financeira, na definição da qualidade das instituições universitárias, de que estes rankings alimentados por uma poderosa máquina comunicacional são exemplo, mostra como a voracidade efémera do consumo aproxima as economias conduzidas por um pequeno núcleo de colossos empresariais globais, mais poderosos que a maioria dos próprios estados. A sua actividade assenta no domínio de uma rede bancária global e tem por lógica globalizar as necessidades e os gostos, usando, entre outros artifícios, matrizes tipificadas, como são os rankings, que reduzem culturas e contextos díspares à mesma escravatura consumista e globalizadora. Os senhores do dinheiro, os sacerdotes dos resultados, têm-se apossado, paulatinamente, de tudo o que promovia a reflexão e o questionamento. Sob o manto diáfano de Bolonha, entraram nas universidades ocidentais. Apearam a procura livre e autónoma do saber e colocaram no altar os resultados. O seu desígnio é transformar as universidades em sucursais empresariais devidamente uniformizadas. Nesta lógica, a avaliação do desempenho, de que estes rankings são espelho, premeia os que fazem certo e castiga os que fazem bem. Esclareça-se que fazer certo é venerar o dogma dos mercados e das economias de papel, enquanto fazer bem seria autonomizar as pessoas.

A língua portuguesa foi banida da designação das escolas portuguesas de sucesso (Nova School of Business and Economics, Católica Lisbon School of Business and Economics ou Porto Business School) e muitos dos cursos que ministram são leccionados totalmente em inglês, como importa à língua franca da finança internacional. A constatação empírica que resulta dos contactos que neste contexto vou vivendo é que os jovens que triunfam nesta lógica têm por limitado objectivo de vida ganhar dinheiro, seguindo percursos que lhes são sugeridos e predeterminados por uma elite perita em lógicas promocionais e estabelecimento de cenários idílicos. Mas há outra vida para além dos rankings das escolas de negócios. A que resultou na insolvência do grupo Espírito Santo, rico em quadros que cursaram os masters deste mundo e destas escolas conceituadas. A que destruiu a Portugal Telecom, sob responsabilidade de Zeinal Bava, graduado ícone destas business schools, distinguido como o melhor gestor da Europa e condecorado com a Grã-Cruz do Mérito Comercial. A que nos arruinou para anos com as engenharias financeiras do BPN/SLN e BPP, que se estudam e aprimoram nos celebrados cursos em análise.

Correndo o risco de me julgarem abusivo, sempre direi que, genericamente, estes cursos não cuidam de estudar e contribuir para banir a pobreza do mundo com o mesmo empenho que colocam no estudo de processos para que alguns façam rápidas fortunas, sem preocupação de maior sobre consequências e custos sociais. Dito doutro modo, são bem mais voltados para o estudo dos mercados financeiros e da especulação que os caracteriza, ensinando muito sobre a sagrada lei da oferta e da procura e pouco, muito pouco, para não dizer nada, sobre os fenómenos que explicam a existência de ricos cada vez mais ricos, lado a lado com pobres, cada vez mais pobres.

Em contexto profissional, falei há semanas com um jovem economista, acabado de sair de uma destas escolas e logo contratado por uma multinacional do ramo. A conversa derivou rapidamente para a análise da solução encontrada para o BES e para o BPN. Aos argumentos que já conheço (risco sistémico, indispensabilidade do papel dos bancos no sistema de economia de mercado e por aí fora) opus, provocatoriamente, três simples perguntas, a saber: admitia ele que os estados recapitalizassem os sistemas de protecção social com a mesma celeridade e eficácia com que recapitalizam os bancos? Considerava ele, ao menos como mera hipótese de trabalho, a criação de um salário máximo nacional? Não o chocava a lógica dos paraísos fiscais e a ética de certos empresários, que procuram tributar algures, para pagarem menos, os lucros que obtêm aqui, de que o escândalo do Luxemburgo é exemplo recente? Não me chocou tanto o liminar não que obtive para cada uma das questões, até porque o previa. Chocou-me sim a atitude dogmática, definitivamente irredutível a qualquer alternativa, que certamente reflecte o que lhe ensinaram numa destas escolas do top 30 deste celebrado ranking

* Professor do ensino superior

29/11/2014

A ditadura dos resultados e os rankings

no Público,
29 de Novembro de 2014

A ditadura dos resultados e os rankings 

Santana Castilho * 

Permitam-me um ponto prévio para recordar o básico e o que aqui já escrevi, distinguindo o que, muitas vezes, se mistura, isto é, avaliação e classificação. A avaliação é, fundamentalmente, descritiva e informativa. Descreve o que é, ou seja, a situação do aluno num dado momento e compara-a com o que deveria ser, isto é, com a situação que se desejaria verificar, nesse momento, em função do programado, identificando as discrepâncias existentes. A informação resultante deste processo permite ao professor procurar as causas dessas discrepâncias e propor soluções, introduzindo estratégias alternativas no seu trabalho e no do aluno. Esta avaliação, formativa, é a que melhor serve alunos e professores, permitindo o progresso dos alunos.

Classificar significa colocar um indivíduo ao longo de uma escala adoptada, de acordo com o resultado que obteve numa ou mais provas a que foi submetido. A classificação seria, enquanto a avaliação descreve e informa. A avaliação tem um carácter formativo, enquanto a classificação tem um carácter selectivo.

A classificação transforma a informação pormenorizada, que faz parte da avaliação, num juízo de valor, que tem por base a escala de classificação usada.

A econometria, que a visão neoliberal impôs às escolas, estendeu uma esparrela onde os professores caíram. Ocupou-lhes tempo e energias com modelos e instrumentos de caricatas avaliações, como se, sem eles, fosse o caos e só sobrevivesse a insegurança relativamente ao que fazem na sala de aula. Os professores foram alienados e deixaram-se alienar. A avaliação desnecessária e redundante, ridiculamente sacralizada, é hoje invocada para validar toda e qualquer iniciativa, por mais simples que se afigure. A paranóia de tudo medir, de modo estereotipado, conduzindo à exaustão do livre pensamento e da capacidade de criticar e questionar, constituiu-se como o melhor álibi para tudo impor numa escola cada vez menos democrática, cada vez menos colaborativa, cada vez mais competitiva, no que a competição tem de pernicioso, cada vez mais controlada e menos autónoma. A avaliação é hoje instrumento de subjugação e mecanismo de redução do bem-estar da comunidade docente. É veículo de medo. Medo do director déspota, medo de ser remetido para a mobilidade, daqui a pouco medo do caciquismo municipal. Leis ridículas e fórmulas mágicas dão à avaliação uma capa de pseudociência, atrás da qual se acoberta um regime totalitário, que rejeita qualquer visão díspar e afirma não haver alternativa para este caminho, único, para uma suposta qualidade.

A redução contínua do financiamento da Educação (2.594 milhões de euros em 3 anos) e o esmagamento da autonomia profissional dos professores transformou as escolas num mercado ferozmente competitivo, que tem ajudado à perniciosa popularidade dos rankings, que atiram escolas contra escolas, numa roda mediática que nada acrescenta ao apuramento da qualidade intrínseca das instituições, muito menos contribui para detectar ou resolver problemas que as possam afectar. Penaliza-me observar como a generalidade dos professores aceita ver o seu trabalho assim classificado, de modo tão primário e simplista, sem reacção firme à circunstância de os rankings imporem uma realidade falsa, por grosseiramente parcial e impositora de uma única variável para consagrar o complexo conceito da qualidade de uma escola.
Os rankings, tal como vêm a público, têm, em minha opinião, um resultado evidente: fomentar a competição malsã entre as escolas e difundir a ideia segundo a qual as escolas privadas são melhores que as públicas. E se o que acabo de afirmar é opinião, já o que se tem seguido é factual: a estratégia política de inclusão do subsistema privado no serviço público de educação, com o inerente financiamento público, de que a proposta do cheque-ensino e a alteração estatutária do ensino particular e cooperativo são os melhores exemplos. Recorde-se, a propósito, o trabalho dos investigadores da Universidade do Porto, Tiago Neves, João Pereira e Gil Nata (International Journal on School Disaffection) sobre a base de dados dos exames nacionais, que permitiu identificar um padrão consistente de diferença entre as classificações internas e externas (mais acentuado nas classificações que influenciam a entrada no ensino superior), com favorecimento dos alunos do ensino privado em detrimento dos alunos do ensino público, e permitiu concluir que os rankings das escolas, elaborados com base nos resultados dos exames nacionais, não só não reflectem a verdadeira qualidade das escolas como estão longe de serem objectivos.

Tudo o que um longo percurso escolar acrescenta aos alunos, como pessoas, como cidadãos, como seres pluridimensionais, é ignorado pelos rankings. Apenas contam médias de exames de algumas disciplinas, cuja importância é, abusivamente, considerada prioritária. Dos rankings está ausente qualquer valorização do percurso dos alunos. Conta o ponto de chegada. É ignorado o ponto de partida e desprezado todo o trabalho para lhe acrescentar conhecimento, valores e capacidades. Alunos e escolas envolvidas por contextos desfavoráveis serão sempre condenadas por estes rankings e nunca salvas por eles. Conseguir resultados menores sem qualquer selecção de alunos pode ser muito mais abonatório da qualidade da escola que a obtenção de resultados maiores alavancados por selecção forte de alunos (seja ela natural ou programada). Problemas sociais múltiplos e correlatos problemas disciplinares, alunos cujo português não é a língua materna, luta permanente para impedir o abandono e indisponibilidade ou mesmo incapacidade familiar para coadjuvar o trabalho da escola são hostilidades contra as quais as escolas do topo dos rankings nunca têm de lutar. Mas são o dia-a-dia da maioria das outras.

Todos os que conhecem o âmago do processo de matrículas, pese embora a teoria que o possa impedir, sabem que, na prática, os rankings têm favorecido a selecção prévia de quem entra. Donde a acentuação da tendência para concentrar numas escolas os melhores alunos e noutras os piores, com a perversão da apregoada livre escolha por parte das famílias, quando, na realidade, são as escolas que escolhem os alunos.

Uma nota final para falar do excessivo peso que os exames, de que os rankings são afinal corolário, representam no nosso sistema de ensino. A preocupação crescente por parte das escolas para centrarem o seu trabalho na preparação para os exames é preocupante. O papel formativo da avaliação educacional esboroa-se. Pese embora a maioria dos países da Europa reservar os exames para alunos de faixas etárias mais elevadas, nós aplicamo-los aos mais novos, apesar da insuspeita OCDE referir que tal prática abre um problemático potencial de exclusão social.

As disciplinas sem sujeição a exame têm vindo a ser desvalorizadas. Uma análise fina das alterações operadas em matéria de programas permite divisar a menorização das actividades que suscitem uma cognição mais exigente, a resolução de problemas e o trabalho de pesquisa e crítica, eventualmente porque mais difíceis de medir em sede de exames.

Suspendem-se as aulas normais de uns alunos para que outros possam fazer exames. Retiram-se professores da sua missão nobre, ensinar, para vigiarem exames. Fixam-se prazos desumanos para os professores corrigirem exames em trabalho escravo, não remunerado, sem ter em conta que algo fica para trás: o ensino.

A extensão e o carácter ridículo das normas que regulam a operacionalização e a correcção dos exames (convido o leitor a lê-las para verificar que não exagero e que se chega a proibir os professores de interpretarem o que estão a ler, como se houvesse leitura possível sem interpretação) mais não pretendem que transformar os professores em máquinas acéfalas de classificação, num ritual sacro de subjugação a uma objectividade que não existe, a não ser na cabeça doente de burocratas pedabobos.

* Professor do ensino superior

19/11/2014

O lodaçal

no Público,
19 de Novembro de 2014

por Santana Castilho *

O lodaçal 
Em sentido figurado, um lodaçal é um ambiente de vida desregrada, um lugar aviltante. Literalmente, o vocábulo expressa um lugar onde há muito lodo, um atoleiro. O escândalo BES, com responsáveis evidentes e nenhum preso, o roubo legal de milhares de milhões de dólares operado pelo Luxemburgo às economias dos países europeus e a recente hecatombe que se abateu sobre o Governo e as cúpulas da administração pública portuguesa mostram que é lá, num lodaçal, que vivemos. 

Estes três escândalos, de tantos que tornam desesperada a vida cívica, têm uma génese: a desagregação do Estado, com a consequente anulação do seu poder fiscalizador e regulador sobre o mundo financeiro. Contrariamente ao discurso das maiorias, nacional e europeia, o nosso problema não é o excesso de Estado mas o seu constante e progressivo aniquilamento. O nosso problema consiste em encontrar meios políticos para devolver ao Estado instrumentos de fiscalização e regulação que protejam o interesse geral. 

O meritório trabalho do International Consortium of Investigative Journalists expôs uma dimensão magna de um roubo legal, que permitiu a cerca de 340 empresas internacionais, assistidas fiscalmente por uma só, de consultoria financeira, a Pricewaterhousecoopers, pagarem apenas cerca de 1% de imposto sobre os lucros. Moralmente nojento, quando pensamos na monstruosa carga fiscal que, em nome da crise, asfixia os cidadãos. Repugnante, quando esta degradante evasão fiscal, grosseiramente violadora da lealdade devida entre estados-membros da União Europeia, foi conduzida sob a responsabilidade de Jean-Claude Junker, que acaba de assumir a presidência da Comissão Europeia. 

Vivemos num lodaçal de ataques aos direitos básicos dos cidadãos, perpetrados por figurões que se dizem, sempre, de bem com a sua consciência de sociopatas, de quebra constante da confiança no Estado, de desespero crescente quanto ao futuro. Porque as leis, iníquas e de complexidade impenetrável, protegem os fortes do mesmo passo que diminuem os apoios sociais e o direito dos mais débeis. 

Responsabilidade moral e política são coisas que os dirigentes não conhecem. Mas a falta de decoro é-lhes pródiga. Um episódio pouco divulgado mostra-o com clareza. No dia 11 deste mês, numa audição na comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros e Comunidades, a propósito da eleição de Portugal para o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e respondendo a considerações que vários deputados fizeram sobre o impacto da crise na vida dos portugueses, o ministro Rui Machete afirmou que os direitos fundamentais sociais dependem da economia e podem ser restringidos em função dela. Ou seja, em matéria de direitos fundamentais contam nada as aquisições civilizacionais, as convenções internacionais que subscrevemos e a Constituição da República Portuguesa, porque mandam o PIB e os credores internacionais. Rui Machete disse que na ONU "Portugal pautará a sua actuação pelo objectivo da defesa da dignidade da pessoa humana e do carácter individual, universal, indivisível, inalienável e interdependente de todos os direitos humanos, sejam direitos civis, culturais, económicos, políticos ou sociais". Rui Machete afirmou ir defender na ONU os mesmos direitos sociais que, garantiu, podem ser suspensos cá dentro, penalizando as pessoas em pobreza extrema, os idosos e as crianças. Forte lógica, sólida moral. 

Importa relembrar, a propósito desta (mais uma) infeliz intervenção pública de Rui Machete, que “os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição” (Artigo 19º, nº 1, da CRP). 

E voltamos ao lodaçal, que explica a abulia generalizada. Novo exemplo: sorrateiramente, avança a municipalização da Educação, metáfora para consagrar nova tragédia, qual seja entregar ao arbítrio das câmaras aderentes um domínio estratégico, que jamais deveria sair da tutela central. Basta reler a história da I República (a descentralização/municipalização da educação foi definida pela primeira vez em decreto de 29 de Março de 1911) para perceber que não é de descentralização municipalista, mas de autonomia, que as escolas e os professores necessitam e que a substituição do monolitismo vigente por vários caciquismos não resolverá um só problema e acrescentará muitos mais e graves. 

A pequena dimensão do país, a natureza dos compromissos, legais e éticos, assumidos pelo Estado face a um vastíssimo universo de cidadãos e as economias de escala que as rotinas informáticas permitem, justificam que a gestão da Educação permaneça centralizada. Quanto aos aspectos que ganharão, e são muitos, se aproximarmos a capacidade de decidir ao local onde as coisas acontecem, não deve o poder ser entregue às câmaras, mas aos professores e às escolas. Justifica-o a circunstância de estarmos a falar da gestão pedagógica. Porque quem sabe de pedagogia são os professores. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

05/11/2014

A direcção certa do ministro, o bloqueio à portuguesa e o multilinguismo à luxemburguesa

no Público,
5 de Novembro de 2014,

por Santana Castilho *

A direcção certa do ministro, o bloqueio à portuguesa e o multilinguismo à luxemburguesa

1. A UGT fez 36 anos. Crato passou por lá, disse que a educação ia na direcção certa e ofereceu-nos um discurso absurdo, próprio do condutor que entra na autoestrada em contramão e se queixa dos outros, todos, que acusa de estarem na faixa errada. Pareceu aquele desequilibrado fundamentalista carnívoro que, da maçã, só aproveitava o bichinho. 

Vejamos, em síntese, o despudor com que se elogiou.

Reforçou os conhecimentos essenciais dos alunos? Que são conhecimentos essenciais? Em que evidências se apoia para dizer isso? Há uma evidência, sim: queimou tudo o que é de raiz personalista e pública e promoveu a educação-mercadoria e privada.
Reforçou a avaliação externa? Fez os piores e mais iníquos exames de sempre, cujos resultados desmentem o que disse.

Valorizou o ensino profissionalizante? Eu digo de outro modo: elitizou o ensino, mandando crianças de 12 anos, com dificuldades, aprenderem uma profissão que não lhes dará emprego.

Aumentou o acompanhamento dos alunos com dificuldades? Como? Reduzindo professores de apoio, disciplinas, financiamento, todo o tipo de auxílios e complementos? Mesmo para a mentira há uma “ética”. Respeite-a, quando mente com tal despudor!

Valorizou a qualidade da docência? Varrendo a formação contínua? Instituindo a sinistra PACC? Despedindo em massa? Promovendo um concurso de vergonha sem fim? Tratando os professores como peças de um sistema acéfalo?

Deu maior autonomia às escolas? Qual? A que ninguém vê e o Conselho das Escolas lhe jogou à cara em documento que, num país decente, o demitiria ou ao conselho? A que resulta das estúpidas metas curriculares, que afogam e castram?

Aumentou a competitividade internacional do ensino superior e da ciência? Com a fraude da avaliação dos centros de investigação, que todos aniquilaram fundamentadamente, Conselho de Reitores por último?


2. Quando julgávamos que tínhamos batido no fundo em matéria de concurso e colocação de professores e pior não era possível, estávamos enganados. A ignorância grotesca somou-se agora ao longo cortejo de incompetência e persistência para asnear. Diz qualquer dicionário de português elementar, e cito o de Cândido de Figueiredo, que bloqueio é um “cerco ou operação militar, que corta a uma praça ou a um porto as comunicações com o exterior”. Mas os computadores da Direcção-Geral da Administração Escolar, vítimas de “bloqueio imprevisto no sistema de envio de e-mails” (sic, conforme douta comunicação oficial) em vez de cortarem qualquer envio, como quer dizer “bloqueio”, desataram, pela manhã, sem que ninguém lograsse pará-los, a enviar notificações de falsas colocações a verdadeiros professores desempregados. À noite, curados do “emaluquecimento” bloqueante ao contrário, romperam o sui generis cerco e, com o pedido de desculpas que ora é moda, disseram aos professores, empregados por um dia, que continuavam desempregados. Para tranquilidade do reino, posso confirmar que se mantém a confiança em cascata: de Passos em Crato e deste nos inúteis que brincam com professores desempregados e com alunos sem aulas. Com talento, chegaremos ao Natal neste “inconseguimento” conseguido.


3. Foi notícia a punição de crianças portuguesas imigradas no Luxemburgo, por usarem a língua materna para comunicarem entre si ou com os respectivos educadores, ainda que fora das salas de aulas. As punições (trabalhos de casa reforçados, isolamento e separação coerciva de amigos) terão merecido a aprovação expressa da ministra luxemburguesa da família, que terá recordado que os idiomas oficiais do país são alemão, francês e luxemburguês.

A ser verdade o noticiado, a proibição aplica-se mesmo às crianças que frequentam infantários e aos próprios pais, que não poderão falar em português nem sequer com as funcionárias auxiliares portuguesas, num país onde 20% da população é portuguesa (100 mil portugueses) e em cujas escolas o português é a segunda língua materna mais falada, mais que o francês ou que o alemão.

O multilinguismo foi, em boa hora, preocupação fundadora da união da Europa. O Erasmus é um programa que aproxima os jovens de países diferentes e os enriquece cultural e humanamente. O uso da língua ou línguas oficiais nas escolas públicas dos países de acolhimento favorece um e outro destes desideratos e, no caso dos emigrantes, com mais forte razão, é altamente favorável e integrador que os filhos dominem a língua do país que os pais escolheram para vencerem a vida. Mas nada disto justifica os castigos retrógrados descritos, muito menos o fundamentalismo das autoridades luxemburguesas. Porque a integração supõe adaptação e gradualismo e porque crianças de tenra idade, antes de comunicarem numa língua estranha, precisam da segurança que lhes dá qualquer outra forma de comunicação eficaz, designada e naturalmente, na sua língua materna.

Passe a vaidade, que assumo, foi isto que entendemos no Conselho Científico a que presidi, no fim da década de 80, quando decidimos introduzir o ensino de crioulos no programa de pós-graduação de professores para operarem com populações especiais de ensino, no caso os filhos de emigrantes cabo-verdianos e guineenses. Modos diferentes de ver uma escola. Tempos diferentes deste, onde a própria filosofia do Erasmus começa a ser corrompida com a organização subserviente de cursos em inglês, justificados com a necessidade de internacionalização, seja lá isso o que for. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

22/10/2014

Orçamento de Estado para 2015: Crato glosa Bocage

no Público,
22 de Outubro de 2014

por Santana Castilho

Todo o dinheiro que a austeridade da troika e deste governo retirou ao funcionamento da economia, à saúde, à educação e ao bolso dos portugueses, 28.000 milhões de euros, foi, quase na íntegra, para pagar o serviço da dívida, numa evidência gritante de que a austeridade nada resolveu do problema que queria resolver. Dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal mostram que, entre 2010 e 2014, a dívida conjunta, pública mais privada, cresceu 46,1 pontos percentuais por referência ao PIB, cifrando-se agora na assustadora expressão de 767.226 milhões de euros. A dependência de Portugal relativamente ao estrangeiro aumentou drasticamente pela mão da troika e de Passos, o mercador dos nossos anéis. Entre o que Portugal já vendeu ou vai vender a preços de saldo, recordo: Espírito Santo Saúde, HPP Saúde da CGD, Tranquilidade, Fidelidade, BPN, Banco Espírito Santo, agora Novo Banco, Cimpor, EDP, REN, ANA, CTT, TAP e PT. 

Com este pano de fundo, o orçamento é marcado, mais uma vez, pelo aumento da carga fiscal. É socialmente injusto: limita de novo as prestações sociais e mantém a sobretaxa de IRS (dita extraordinária mas de facto perene) enquanto diminui o IRC, por forma a beneficiar apenas as grandes empresas. A solução encontrada (projectar para 2016 uma hipotéctica redução da sobretaxa, desde que a cobrança do IVA e do IRS cresçam acima de 6%), para além de ilegal (as disposições orçamentais têm efeito exclusivo para o ano a que respeitam) é um expediente reles com que se tenta manipular a opinião pública. O aliviar de sacrifícios (reformados e funcionários públicos) impõe que não se esqueça o óbvio: o mesmo Governo que fez ponto de honra da necessidade de cumprir os compromissos e as dívidas para com estrangeiros, desonrou os compromissos que tinha para com os portugueses, reformados e os seus funcionários, deixando de lhes pagar o que estava contratado. E se agora corrige parcialmente a imoralidade da sua política (ainda assim com o rancor que transparece do que escreveu nos documentos que cito) é porque a tal foi obrigado pelo Tribunal Constitucional. O orçamento está aferrolhado para apoiar as pequenas e médias empresas mas escancarado para engolir os prejuízos do BES. O orçamento é deliberadamente mentiroso: ao mesmo tempo que o motor da economia europeia, a Alemanha, corrige a previsão de crescimento para 2015 de 2,0% para 1,3%, o Governo tem a lata de construir as suas contas a partir do pressuposto de crescermos 1,5%. 

Mas há lata maior. A “esclarificação” com que Crato nos brindou sobre o orçamento de Estado para 2015 reconduziu-me ao Bocage boémio: o corte que aquela senhora deu, não foi ela, fui eu! É preciso topete para querer transformar 704,4 milhões de euros de corte orçamental na Educação (-11,3%) nos 200 milhões saídos da lógica anedótica do ministro. À brincadeira de Nuno Crato opõem-se 578 páginas de realidade: 278 de orçamento e 300 da proposta de lei que o aprova. Algumas pérolas aí escritas evidenciam a mistificação que envergonharia pessoas decentes. Mas não o Governo, muito menos Nuno Crato. Na página 172, quando explanam as políticas que o orçamento serve, os mistificadores voltam com a lengalenga de ser “a melhoria dos índices de qualificação da população factor determinante para o progresso, desenvolvimento e crescimento económico do país”. Eles, que reduziram os complementos educativos no ensino não superior em 47,6 %. Eles, que cortaram 68,8% aos serviços de apoio ao ensino superior. Na mesma página, escrevem estar firmemente empenhados “em melhorar os níveis de educação e formação de adultos”. Eles, que cortaram 38,6% do financiamento ao sector. Na página seguinte apontam como objectivo estratégico “garantir o acesso à educação especial, adequando a intervenção educativa e a resposta terapêutica às necessidades dos alunos e das suas famílias”. Eles, que cortaram o financiamento deste sector, onde se incluem deficientes profundos, em 15,3%, removendo sistematicamente, serviço após serviço, as respostas especializadas antes existentes. Tragam estes mistificadores, um só pai, uma só mãe destas crianças com necessidades educativas especiais, um só professor da área, a desmentir o que afirmo e a concordarem com o Governo. E o despudor atinge o clímax quando destacam como medidas justificativas do orçamento a “consolidação da implementação das metas curriculares”, esse expoente superior do refinado “eduquês” inferior. Para o leitor menos familiarizado com o tema, adianto que, apenas no que toca ao 1º ciclo do ensino básico, e se nos ficarmos pelas duas áreas mais badaladas do currículo, Português e Matemática, estamos a falar de 177 objectivos desdobrados em 703 descritores. Qual cereja em cima da imbecilidade, deixo-vos duas dessas metas: 
- Reunir numa sílaba os primeiros fonemas de duas palavras (por exemplo “cachorro irritado”) cometendo poucos erros.
- Ler correctamente, por minuto, no mínimo 40 palavras de uma lista de palavras de um texto apresentadas quase aleatoriamente. 

Sim, leram bem! Está lá quase aleatoriamente. 

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

20/10/2014

Livraria Ferin - lançamento de C.D.D.

algumas fotos do Lançamento de 
CRÓNICAS DE DIAS DE DESESPERO, edições Pedago
na livraria Ferin,
R. Nova do Almada, 70-74, Lisboa
em 16 de Outubro de 2014

- fotos de José Isidro Morais

SC com Nuno Pacheco (apresentação) e Pedro Patacho (Ed. Pedago)

Luís Costa (dedicatória) em 1º plano, de pé

 


 







17/10/2014

Crónicas de Dias de Desespero


 
Resumo 

Este livro reúne as crónicas do autor publicadas no jornal Público, durante o Governo de Pedro Passos Coelho. Referindo-se ao primeiro-ministro, Santana Castilho escreveu: Sob a epígrafe “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, o programa do Governo garante-nos que “… nada se fará sem que se firme um pacto de confiança entre o Governo e os portugueses…” e assevera, logo de seguida, que desenvolverá connosco uma “relação adulta”. Tentei perceber. Com efeito, é difícil estabelecer um pacto de confiança com um Governo que não se conhece no momento em que se vota. Mas, Governo posto, o que quer isto dizer? E que outra relação, senão adulta, seria admissível? O que se seguiu foi violento, mas esclarecedor. Passos afirmou em campanha que era um disparate falar do confisco do subsídio de Natal? Afirmou! Passos garantiu que não subiria os impostos e que, se em rara hipótese o fizesse, taxaria o consumo e nunca o rendimento? Garantiu! 


à venda aqui:
http://www.edicoespedago.pt/loja/produto_detalhe.asp?productid=293 

Introdução 

Na introdução ao primeiro volume de crónicas escritas para o "Público" e editadas em livro sob a égide da "Pedago", perguntava se faria sentido verter para papel de livro o que havia sido dado à estampa em papel de jornal. A pergunta era retórica, como explicitava a resposta que então adiantei e agora retomo: uma crónica de jornal reflecte o espírito dum tempo e o modo como o autor o leu. Sucumbe com o jornal, sarcófago das emoções do cronista, na voracidade do dia seguinte. O livro perdura, vence o tempo e permite uma leitura conjunta do que foi atirado ao vento, momento a momento. Penso que há tempos que, para não serem esquecidos, porque não devem ser esquecidos, justificam que se fixe em livro o que se escreveu para jornal.

É o caso dos últimos três anos, de massacre, cometido em nome de uma obrigação do Estado: pagar a dívida pública. Custasse o que custasse. Sem importarem os meios. Como se alguma moral justificasse que o pagamento da dívida prefira a outros deveres de um Estado democrático, humano e civilizado: proteger socialmente doentes, velhos e desempregados, preservar competências e talentos de jovens para cuja formação contribuiu o erário público, proteger os desvalidos em detrimento dos mais fortes, preferir a vida dos cidadãos aos lucros dos credores.

São farrapos de resistência, palavra em riste apontada aos desalmados, estas crónicas de dias de desespero.

Santana Castilho




do Prefácio 

(...)
Termino, na qualidade de professor-poeta, com um escrito poético, que traduz, no meu entender, de forma mais profunda, sem os constrangimentos do dicionário nem as amarras do formalismo gramatical, aquilo que representam, para mim e, certamente, para muitos milhares de professores, a acção e a personalidade do Professor Santana Castilho, bem patentes nas crónicas coligidas neste precioso livro:

O Farol 

O Farol é uma torre solitária que mora onde a imensidão das águas beija a orla da terra. Ciente do seu ser e do seu lugar, ele não quer nem a vida nem a lida das ondas do mar, ir e vir com elas, ao sabor das marés; não inveja o voo das gaivotas nem as rotas das naus de fantasia. Sabe que a sua missão é semente na maresia: almeja estar ali, seriluzir ali, no seu lugar eterno, onde os braços da terra abraçam os sonhos do mar.
Esteja onde estiver – numa discreta colina ou no cimo de uma subida ravina, erguida sobre o oceano –, o Farol sabe que todos precisam que ele esteja ali, sempre ali, soberano, sobre as fragas, imune à força dos ventos, imune à fúria das vagas, fiel âncora de luz que segura todos peitos e todos os olhares: os que sabem e os que querem saber; os que crêem e os que querem crer; os que estão perdidos e os que se estão a perder… E sabe que é nos dias de densas brumas, nas noites mais escuras, em tempos de negridão, sem luar, que a sua luz radiante é muito mais que astrolábio, muito mais que sextante, muito mais que Estrela Polar. O Farol sabe quem é e qual é o seu lugar.

O Farol é um Professor, um doador de luz que sabe a mar.

Luís F. Ribeiro da Costa

OE 2015-Educação


Educação em 2015: 
OE para ensino básico e secundário sofre corte de 704 M€

http://videos.sapo.pt/zSjZAAVIzUew75hLNqvD .

A análise de Santana Castilho, professor universitário, e Manuel Grilo, FENPROF, num programa conduzido por Carla Alves Ribeiro. "Especial OE 2015" de 17 de Outubro de 2014.

SANTANA CASTILHO:
.
«Sendo grave este corte de setecentos milhões, é preciso ter em conta que ele se soma a um corte anterior, no ensino não-superior, de 1 751.6 milhões (estamos a falar dos 3 anos deste governo), mais quatrocentos e um milhões do Ensino Superior.

E é bom que se tenha a noção de que, quando foi assinado o memorando da troika, nós tínhamos uma obrigação para com os financiadores internacionais de corte de 400 milhões de euros na educação. De um ponto de vista de ideologia, a do governo é muito mais feroz que a da troika.

Nos dois últimos anos, o gabinete do ministro (Nuno Crato) teve, por mês, € 1 356 481, e € 1 071 995, respetivamente, – por mês!! – para pagar ESTUDOS e PARECERES.

Esse mesmo gabinete gasta, por ano, dois milhões, seiscentos e doze mil, duzentos e treze euros (€ 2. 612. 213). “Para quê?”, perguntam os portugueses. 
Para pagar a:
  • 5 chefes de gabinete (cinco membros do governo que estão a destruir a educação),  
  • 14 adjuntos, 
  • 12 especialistas, 
  • 9 secretários pessoais, 
  • 26 técnicos administrativos,  
  • 12 auxiliares, e 
  • 13 motoristas!
Eu sei que, cortando aqui, não se resolvem os problemas do país, mas os portugueses e as crianças que passam fome nas nossas escolas, porque a fome voltou às nossas escolas!, e os portugueses que têm dificuldades, e aqueles que estão desempregados, e os que emigram, e os cinquenta mil professores que estão no desemprego não entendem que aqui não se mexa.

Todos sabemos que este orçamento, embora com as eleições à vista, é um orçamento que continua a aumentar a carga fiscal, porque ela aumenta de facto, e não reduz a despesa do Estado. Ou melhor, reduz as despesas que não deviam ser reduzidas, designadamente esta de que estamos hoje a falar, a Educação, que é, de facto, o futuro do país e que é o sector onde as despesas foram mais cortadas.»
 - Sobre a suspensão dos exames (dado o atraso na colocação de professores):

O ministro, que é um econometrista confesso, e que de pedagogia e de educação não percebe nada – aliás, ele próprio confessa, e quando fala das Ciências de Educação, fala das “ciências ocultas da educação”, portanto estamos conversados - , é uma pessoa que despreza, que menospreza aquilo que informa qualquer professor, designadamente, suspender, este ano, os exames.
Não será óbvio para o governo, cujo 1º ministro usou há bem pouco tempo aquela metáfora da “salsicha educativa”, e para quem as criança devem ser uma espécie de uma tripa onde em qualquer altura se despeja aquilo que o ministro, desconhecedor e incompetente, pensa, que é o caso das modificações dos programas, por exemplo.

- Sobre os cortes na educação e o cinismo do governo: 
No texto de abertura do Orçamento, pg 172 do relatório, diz-se esta coisa: “A melhoria dos índices de qualificação da população portuguesa é um factor determinante para o combate às desigualdades sociais e para o progresso, desenvolvimento e crescimento económico do país, cabendo à Educação um papel estratégico decisivo.” Lemos isto e pasmamos com o cinismo político!
É que quem diz isto cortou, durante esta legislatura, 38.6 das verbas consignadas ao ensino dos adultos, 47.6% nos complementos educativos do sector não-superior, 68.8% nos serviços de apoio ao ensino superior! E é esta gente que tem o descaramento de escrever isto no OE 2015!
Mas pior: fazem uma referência a «continuar a implementar medidas de intervenção precoce que respondam às dificuldades de aprendizagem das crianças e alunos, com vista a contrariar percursos de insucesso escolar e garantir o acesso à educação especial.» Este governo cortou 15.3% do orçamento que estava consignado anteriormente à Educação Especial, onde estão incluídas crianças com deficiências profundas! 15.3, num orçamento que já era exíguo! O mínimo que se pedia a esta gente é que tivessem decoro, quando dizem estas coisas.

15/10/2014

«Serviço Público e Bem Comum»



Intervenção do Professor Santana Castilho 
na Conferência Nacional «Serviço Público e Bem Comum», 
a 11 de Outubro de 2014, 
promovida pelo Apelo Em Defesa de um Portugal Soberano e Desenvolvido 
Grande Auditório do ISCTE, em Lisboa

12/10/2014

lançamento de livro - convite

16 de Outubro (5ª feira)
às 18.30h

Livraria Ferin (metro Baixa-Chiado):

CRÓNICAS de DIAS de DESESPERO


10/10/2014

conferência no ISCTE


11 de Outubro - às 14.45
ENSINO e CULTURA

com o Professor Santana Castilho


08/10/2014

O manicómio

no Público,
8 de Outubro de 2014

por Santana Castilho *

O manicómio 

O grotesco do caos em que o início do ano lectivo se transformou vai do cómico ao dramático. Sob a tónica da insensatez do desvairado que o dirige, o Ministério da Educação e Ciência assemelha-se a um manicómio gerido pelos doentes. A última paciente, a directora-geral da Administração Escolar, decidiu sambar na cara de milhares de alunos, pais e professores: com a coragem própria dos cobardes, mandou os directores despedirem os professores anteriormente contratados. Sim, esses mesmos em que o leitor está a pensar. Aqueles a quem o ministro Crato (entretanto desaparecido atrás da palavra que não tem) garantiu, na casa da democracia, que não teriam qualquer espécie de prejuízo quando ele, ministro incompetente, corrigisse o enorme disparate para que acabava de pedir a desculpa da nação.

Leio que são 150 nestas condições. Contratos antes assinados, agora rasgados. Como o daquela colega de Bragança, colocada em Constância a 12 de Setembro e reenviada para Vila Real de Santo António a 3 de Outubro. Casa alugada com caução perdida. Filha a mudar de escola outra vez. Confiança no Estado caída na lama, a reclamar, pelo menos em nome da decência mínima e última, que algo aconteça. Porque não se trata da consciência que o ministro não tem. Trata-se da obrigação republicana de quem o nomeou.

Retomo o que já anteriormente escrevi. Navegar por entre a teia kafkiana da legislação aplicável aos concursos de professores é um desesperante exercício de resistência. Só legisladores mentalmente insanos e socialmente perversos a podem ter concebido, acrescentando sempre uma nova injustiça à anteriormente perpetrada. Leiam as 1347 páginas das listas de subcritérios, agora tornadas públicas, verdadeiro hino à liberdade de disparatar, e ousem dizer-me que não tenho razão.

Os concursos de professores tornaram-se coreografias sinistras, danças macabras de lugares para despedir docentes. É isso que está em causa. Não as reais necessidades das escolas, muito menos as do país vindouro.

A distorção nas representações sobre as condições de exercício da profissão docente, ardilosamente passada pelo Governo para a sociedade em geral, atingiu o limite do suportável e ameaça hoje a própria integridade profissional dos professores, que não se têm afirmado suficientemente vigorosos para destruir estereótipos desvalorizantes. Com tristeza o digo, mas a classe dos professores manifesta-se cada vez mais como uma classe de dependências. E quem assim se deixa aculturar, dificilmente compreenderá o valor da independência e aceitará pagar o seu custo.

Quando o Papa proclama, em boa hora, que não há mães solteiras, mas tão-só mães, nós, classe docente desunida, demoramos, primeiro, e somos inconsequentes, depois, a dizer que não há professores de primeira e professores de segunda, mas tão só professores. Caímos na armadilha de calar as aspirações legítimas de uns com o retrocesso das aquisições de outros, contentes por termos evitado o vandalismo maior que o Governo projectava para todos. Enquanto isto, a colega de Bragança enche o carro com as tralhas de mais uma mudança de casa e ruma a Vila Real de Santo António, engolindo a raiva. Sem que uma solidariedade operante, atempada, impeça que a calquem.

O que este Governo mudou no sistema de ensino português terá consequências cujo alcance não está a ser percebido pela maioria dos portugueses. Mas há um universo, o dos professores, que se assume como espectador num processo em que é actor. Por omissão, concedo. Com gradientes diversos de responsabilidade, volto a conceder. Mas com o ónus global de não dizer não. Um não veemente quanto necessário para pôr cobro aos dislates de uma política que nos reconduz ao passado e nos recusa o futuro. A crise financeira e económica não justifica o pacifismo reinante face à crise da democracia. Os sindicatos, as associações profissionais, os directores de escola e os professores, pese embora o que têm feito, o que dizem e escrevem, acabam por ser espectadores num processo em que, historicamente, serão julgados como actores. Actores de uma tolerância malquista, que vai poupando a besta que não os poupa.

A arrogância, o ódio aos professores, a ignorância sobre a realidade do sistema educativo e das escolas e a impreparação política e técnica são os eixos identificadores daquilo que poderemos designar por bloco central de governo da Educação da última década. Se apelarmos à memória, salta à vista a convergência ideológica entre Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, relativamente ao papel dos professores. Uma ou outra divergência quanto a processos não apaga o essencial. Do outro lado da barricada, a classe dos professores não interiorizou, enquanto tal, a dimensão política da sua profissão. E, em momentos vitais das lutas a que tem ido, soçobrou por isso.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

02/10/2014

«Serviço Público e Bem comum»

recebido via e-mail: 

"Ensino e Cultura" - Professor Santana Castilho - 14.45 h



Enviamos, com vista a uma ampla divulgação, o convite final com o horário e oradores da nossa  Conferência Nacional «Serviço Público e Bem comum»
que se realiza no dia 11 de Outubro, às 14h30, no grande auditório do ISCTE.

Solicitamos que divulguem junto da vossa rede de contactos e redes sociais.
Comissão Promotora 


Consulte os nossos Sítios na net:

http://www.facebook.com/pages/Em-defesa-de-um-Portugal-soberano-e-desenvolvido/295243417207944

https://sites.google.com/site/emdefesadeumportugalsoberano/home

24/09/2014

O absurdo de um matemático de ética trôpega

no Público,
24 Setembro de 2014

por Santana Castilho *

O absurdo de um matemático de ética trôpega



Na véspera da data fixada para o início do ano lectivo faltavam nas escolas cerca de 3.500 professores. Estes docentes podiam e deviam ter sido colocados a tempo de participarem nos trabalhos preparatórios do ano que se ia iniciar. Mas assim não foi, por incúria do Ministério da Educação e Ciência. Na mesma altura começou, reiteradamente, a ser denunciado o erro que está na origem da ordenação dos docentes que concorreram à Bolsa de Contratação de Escola, processo através do qual os estabelecimentos de ensino com contratos de autonomia ou estatuto TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária) poderiam contratar os professores em falta. A ordenação em causa foi feita através da média aritmética obtida pela consideração de duas notações ponderadas: a classificação profissional dos candidatos e a sua avaliação curricular. Só que o ministério cometeu um erro básico, inaceitável, daqueles que nenhuma contrição, por mais beata ou pública que seja, lava: somou, sem prévia conversão a uma mesma escala, duas grandezas expressas em escalas bem diferentes. Assim como se, no altar do absurdo, um aluno bronco somasse velocidade com toucinho e apresentasse o resultado em farófias. Mas este é, tão-só, o aspecto mais gritante de um conjunto de outros que atropelam a lei ou expõem a imbecilidade de quem os permitiu. Alguns exemplos, para fundamentar: três professores colocados na mesma escola para preencherem um lugar que nunca foi manifestado; professores do quadro retirados do concurso de mobilidade interna, sabe-se lá por quem, que agora não têm vínculo a escola alguma; ignorância discricionária de pedidos de renovação de contratos; cursos de curtíssima duração e duvidosa qualidade que podem valer mais que décadas de experiência lectiva; fórmulas e subcritérios subtraídos ao conhecimento de quem concorre; contactos feitos ao sábado e domingo à noite, para telefones pessoais de directores, com ultimatos para que fornecessem, num prazo de duas horas, dados de que poderia depender a vida profissional de milhares de professores. 
Com professores, directores e escolas em polvorosa e abundantes protestos públicos de pais e autarcas, o país testemunhou um ministro em negação, autocontente e ufano por ter um ano a “arrancar com normalidade”, aparentemente inconsciente ante o desastre e doentiamente alheio ao desrespeito, que personificou, pelos cidadãos, particularmente pelos muitos professores desempregados, cuja vida gratuitamente destroçou. Este ministro, na noite anterior ao cínico pedido de desculpa, ainda negava o erro. Este ministro ignorou os pareceres da Associação de Professores de Matemática e da Sociedade Portuguesa de Matemática, a que outrora presidiu e usou para criticar o que agora faz, que classificaram o processo como opaco, ilegal e injusto. Este ministro só afivelou um ar sofrido para reconhecer o erro que todos já tinham visto quando no parlamento, depois de tentar resistir, acabou vergado à pressão justa de alguns deputados. Merece crédito? Merece que aceitemos a sua desculpa? Não! Porque no momento em que a pediu, a ética trôpega por que se pauta borrou irrecuperavelmente o que já era pífio: “ Estão a assistir a uma coisa que não é comum na História, que é um ministro chegar ao parlamento e reconhecer a responsabilidade por uma não compatibilidade de escalas e um ministro assumir que o assunto vai ser corrigido”, disse, sem se enxergar, sem a mínima noção de que o maquiavelismo bacoco que acabava de usar afastaria qualquer resíduo de tolerância por parte dos que o ouviam. Valesse a moral, emergisse uma réstia de ética do pântano em que esbraceja e já teria cruzado a porta pequena de saída de um mandato de vergonha, que só acrescentou novos problemas aos velhos, já resolvidos, por ele recuperados em retrocesso inimaginável.

Que resta, depois disto? Reparar o possível. Mas o que chega não favorece o prognóstico. O secretário de Estado Casanova de Almeida reitera o que Crato disse, isto é, que nenhum dos professores beneficiados pelo erro será prejudicado. Ora a questão é bem mais que deixar no lugar quem já lá está, juntando outro, que devia estar. Trata-se de um erro sistemático, que origina injustiças em cascata. Não é um mais outro. São muitos mais pelo meio e a projecção que qualquer colocação indevida tem nas posições relativas de concursos futuros. E insistem os governantes em desvalorizar o problema porque, dizem, afecta 1% dos professores de que as escolas necessitam. Persistem pois num dolo de comunicação e na má-fé. Porque escondem que falamos de um universo de 40.000 professores e um terço de todas as escolas do país. Sejam politicamente honestos, por uma vez: anulem o concurso e partam do zero, publicando novas listas, que respeitem a lei e a matemática elementar; promovam a divulgação, por grupo de recrutamento, escola a escola, dos subcritérios utilizados; prevejam a possibilidade de corrigir candidaturas, porque ficam conhecidas variáveis que antes foram omitidas. É demorado? Então usem como critério único a graduação profissional dos candidatos. Mudem a disposição legal que o impede, como tantas vezes já fizerem para fins bem menos justificados. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

10/09/2014

O Estado Novo e o estado a que isto chegou

no Público,
10 de Setembro de 2014

por Santana Castilho *

O Estado Novo e o estado a que isto chegou 

Pese tudo o que de mau os mais velhos viveram sob as políticas do Estado Novo, é inegável que até ele, Estado Novo, percebeu que era imperioso melhorar as fronteiras deploráveis do analfabetismo de então. Porque, até ele, Estado Novo, aceitou como inevitável o papel que a Educação tem no progresso humano. 

Stiglitz, Nobel da Economia de 2001, foi peremptório quando afirmou que a Educação é vital para o êxito das sociedades e que cortar em Educação é agravar as desigualdades sociais (O Preço da Desigualdade, Bertrand, 2013). Vai iniciar-se o ano-lectivo de 2014-15. Teremos (já estamos a ter) um desfile banal dos mesmíssimos problemas de processo e de vergonha, que dissimulará uma verdade tão inconveniente como indesmentível: em três anos deste Governo, a Educação regrediu como nunca aconteceu, mesmo em pleno Estado Novo. 

As famílias portuguesas, esmagadas com um empobrecimento executado com tanta desumanidade quanta a ignorância que o decidiu, (é ver o reconhecimento do erro que começa a ganhar eco no seio dos meios de decisão europeia) viram o esforço com o custo da educação dos filhos subir exponencialmente, na razão inversa da redução do esforço do Estado. E isso irá esmagá-las ainda mais quando os filhos que abandonaram os cursos de formação superior entrarem no difícil e fechado mercado de trabalho. Porquê? Porque na faixa etária dos 25 aos 34 anos, tomando por referência o salário médio de quem tem formação secundária, se verifica que um activo empregado apenas com o ensino básico tem um salário médio 25% mais baixo, enquanto o salário médio dos trabalhadores com licenciatura é 46,3% mais alto (Education at a Glance 2013, OCDE). 

A discussão que antecipou a recente aprovação de mais um orçamento rectificativo permitiu percebermos que, enquanto o Estado foi recordista a arrecadar receita proveniente de impostos, voltou a crescer a sua despesa primária (expressa antes de juros de dívida ou medidas extraordinárias). Mas, no mundo da Educação e da Ciência, impressiona a regularidade e a persistência implacável dos cortes. Traduzidos em termos reais, os números relativos aos orçamentos de Estado de 2012, 2013 e 2014 demonstram que este governo retirou 1.751,6 milhões de euros ao financiamento do ensino pré-escolar, básico e secundário (- 25,7%) e 401,2 milhões de euros ao financiamento do ensino superior e ciência (-16,1%). Se apertarmos a malha da análise e descermos às acções que particularizam os gastos, percebemos melhor o desrespeito com que o Governo trata os cidadãos: a educação especial, onde se incluem as crianças portadoras de deficiências, reduziu 15.3%; a educação e formação de adultos, 38,6%; os complementos educativos, no sector não superior, 47,6%; os serviços de apoio no ensino superior, 68,8%. 

Não são precisos altos recursos intelectuais ou capacidade especial para decifrar a linguagem hermética dos relatórios das contas públicas para percebermos de que é feito o coração de quem governa. É uma evidência que esta forma de tratar a Educação, junta à chaga do desemprego, está a gerar um gravíssimo desenquadramento social dos mais débeis, infelizmente a maioria dos portugueses, depois do varrimento selectivo da classe média. Até o Estado Novo, repito, compreendeu o papel social da Educação, quando a ruptura o começou a ameaçar. Marcello Caetano chamou Veiga Simão, um homem de rasgo. Passos Coelho foi buscar Nuno Crato, uma coisa de trago. Marcello Caetano tentou abrir o futuro. Passos Coelho fechou-o. A Constituição assumiu a universalidade do ensino como veículo fundamental da criação de um Estado moderno. Passos só não derrogou essa universalidade porque existe um Tribunal Constitucional. Mas Crato encarregou-se de a iludir por via administrativa e financeira. 

Por mais que os jihadistas do neoliberalismo tenham, durante os últimos três anos, tentado convencer os portugueses de que a direcção e intervenção do Estado nos sectores vitais da vida em sociedade trava a liberdade, mostram os factos da história deste curto período que não há desenvolvimento social quando a política caminha nesse sentido. Foi essa orientação que trouxe a escola pública para onde está no início de mais um ano-lectivo: alvo de descredibilização sistematicamente programada, vítima de uma ignóbil estigmatização da profissão de professor. Tudo orquestrado e executado por quem, constitucionalmente, devia defender e promover uma e outros. 

Está tudo a postos para o início de mais um ano em escolas de dimensão infra-humana, que se assemelham cada vez mais a cadeias de montagem: pedagogia vergada à econometria, arautos de estatísticas hipócritas nos comandos, burocratas de interesses privados mercantilizando o ensino, governantes ensimesmados em delírios de sucesso e de infantilização eterna. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

27/08/2014

Uma certa versão moderna de fascismo

no Público,
27 de Agosto de 2014

por Santana Castilho *

Uma certa versão moderna de fascismo


No meu último artigo afirmei que era uma fraude a circunstância de a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) ter imposto um determinado resultado em sede do contrato para avaliar os centros de investigação. Fiquei surpreendido por ter sido interpelado por vários leitores investigadores, certamente não pertencentes aos 50% dos centros predestinados à exclusão, ainda antes de a avaliação ter lugar. Esses leitores usaram, curiosamente, os mesmos argumentos, a saber:

- Dizendo o que disse, eu estaria a admitir que os revisores internacionais que participaram no processo aceitaram ser coniventes com uma fraude, comprometendo, assim, a sua idoneidade científica.

- A obrigatoriedade contratual de 10% dos centros serem classificados como «outstanding», 15% «excellent», 20% «very good», 35% «good» e 20% «uncompetitive» era uma simples distribuição estatística determinada pela escassez de recursos.

Ora eu não sei se os revisores internacionais aceitaram ser coniventes com uma fraude. Sei que a FCT, pela voz do seu presidente, negou publicamente terem sido definidas quotas prévias e, afinal, a imposição estava no contrato. Sei que qualquer mecanismo de quotas, por carência de recursos, é uma medida administrativa e política, sempre posterior a um processo de avaliação sério. A distribuição estatística só pode ser feita, em qualquer contexto avaliativo, depois de concluído o processo. E dá o que der! Não é preordenada. Imagine-se que os alunos dos venerandos revisores internacionais respondiam a 100% à totalidade dos itens de um exame, cotado para 200 pontos. Como lhes aplicariam a distribuição forçada, de modo a que 10% fossem «outstanding», 15% «excellent», 20% «very good», 35% «good» e 20% «uncompetitive»?

Sei que, por isso, algumas unidades avaliadas viram, discricionariamente, diminuídas as expressões da sua avaliação para que o resultado se encaixasse no ordenamento prévio. Sei que o contraditório produzido por centros e investigadores portugueses, que não me merecem menor respeito e credibilidade que os revisores internacionais, não foi tido em conta, como se esperaria num processo sério e transparente.

Tanto quanto sei, a contratada European Science Foundation não tem experiência relevante nesta matéria que justifique a contratação em análise e estou cansado de ver confundir o inconfundível, isto é, julgar e invocar que o prestígio granjeado numa área protege e confere imunidade para actuar noutras. É vasta a lista de exemplos de fraudes cometidas por cientistas, com que se pode rebater a crença segundo a qual eles nunca actuam à revelia da ética. Por todos, e são tantos, recordo aqui o último, não passou ainda um mês, que levou ao suicídio de um dos maiores cientistas da área, do centro Riken de biologia do desenvolvimento, a propósito do escândalo sobre a produção de células estaminais.
Há hoje um verdadeiro poder oculto, uma autêntica ideologia dominante, que nos invade a vida: para onde quer que nos viremos, somos interpelados por instrumentos de avaliação. Mas as práticas avaliativas, desde que enquistadas em modelos burocráticos e universais, ou são instrumentos de poder e de controlo social, alegadamente para tornar mais eficiente o funcionamento das nossas instituições, ou não passam de modismos improdutivos, macaqueados por uma sociedade que pensa pouco e obedece demasiado.

Na administração pública e no governo do país há uma casta de fundamentalistas da aritmética política que, fazendo da estatística guião e da econometria bíblia, tudo querem reduzir a rankings. Como se o interior das pessoas, os problemas da educação, da saúde ou da justiça, entre tantos que afectam os humanos, fossem assim solucionáveis.

Noutros tempos, os invasores eram combatidos. Na cultura avaliativa que hoje impera, são muitas vezes os «invadidos» que endeusam o conceito e que facilitam e solicitam a acção dos «invasores». Neste contexto, as tecnologias modernas de comunicação e informação assumem particular relevância, pondo todos a observar todos, numa devassa inimaginável da privacidade de cada um e numa actividade de controlo social exercido em cadeia. Os teóricos desta moderna avaliação têm uma propensão monstruosa para tudo gerir com a aplicação de modelos, que reduzem culturas e contextos díspares à mesma escravatura de resultados.

Entendamo-nos. Desde sempre, todos os chefes competentes e todos os chefiados honestos concordaram com a necessidade de avaliar para gerir bem. Mas dificilmente alguém me convencerá de que é útil aplicar medidas de desempenho estereotipadas, normalizadas e gerais a tudo o que é diverso. Ou que se pode tudo medir e tudo indexar a resultados, índices e rankings. É esta cultura de avaliação tendente a constituir-se como autoridade única, radical, que paulatinamente vai unificando práticas, vigiando e suscitando veneração, que contesto. É a relevância que se lhe atribui que repudio. É a passividade da sociedade face a uma certa versão moderna de fascismo que me preocupa.

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

13/08/2014

Uma nação doente

no Público,
13 de Agosto de 2014

por Santana Castilho *

Uma nação doente 

A conturbada Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) foi realizada por 10.220 professores, dos quais 1.473 reprovaram. Esclareço que o uso do qualificativo “professores”, que não “candidatos a professores”, como o ministro da Educação lhes chama, é consciente e está correcto. Porquê? Porque a lei vigente lhes confere esse título profissional, logo que terminam a sua formação superior. Portanto, se os apelidarem de “candidatos”, serão só “candidatos” a um lugar em escolas públicas. Feito este esclarecimento, passemos aos factos e às considerações que me merecem: 

1. Segundo os resultados divulgados, relativamente ao item da prova em que se pedia a produção de um texto com uma dimensão compreendida entre 250 e 350 palavras, 62,8% desses textos continham erros ortográficos, 66,6% erros de pontuação e 52,9% erros de sintaxe. Isto é preocupante? É! Seja qual for a área científica da docência, é exigível a um professor que conheça o código de escrita e, muito mais, a sintaxe, sem cujo domínio não se exprimem ideias de forma ordenada e coerente. Como é preocupante o presidente da República dizer, reiteradamente, “cidadões” em vez de cidadãos! Ou recriar o futuro do verbo fazer, de farei para “façarei”. Como é preocupante o primeiro-ministro dizer “sejemos” em vez de sejamos. Como é preocupante encontrarmos no comunicado do Ministério da Educação e Ciência, ironicamente sobre a PACC e no próprio dia em que teve lugar a segunda chamada, um estranho verbo “revir” em lugar de rever. Como é preocupante uma deputada escrever “sensura” por censura, “tulero” por tolero ou “bloquiarei” por bloquearei. 

2. Posto o anterior, sucede-se a pergunta óbvia: e agora? Agora temos a humilhação pública de toda uma classe, com todo o cortejo de generalizações abusivas e nada acrescentado à superação de eventuais lacunas na formação dos jovens professores (jovens, sim, porque é bom recordá-lo, falamos de professores que nunca deram uma só aula ou têm menos de cinco anos de contratos precários, em regime de escravatura moderna). 

O incremento da qualidade dos professores só se consegue com a valorização da sua formação, inicial e contínua, e com a melhoria das condições de trabalho. Mas Nuno Crato e os que o apreciam como o justicialista do “eduqês” galopam estes resultados como se com eles fosse possível substituir o investimento na formação por uma prova que não destrinça um bom professor de um satisfatório perito em decifração de charadas. 

3. Dito o que disse supra, tenho legitimidade para fazer 3 perguntas simples: 

- Como se pode confiar na integridade do processo de apuramento dos resultados da PACC, particularmente depois de o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) ter trocado chaves de correcção e de o país ter conhecido a fraude da avaliação encomendada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, cujo contrato impunha um determinado resultado? 

- Como foram contabilizadas, nas estatísticas do IAVE, as provas entregues depois de marcadas com diferentes expedientes de protesto? Foram muitas ou foram poucas? Quantas? 

- Que influência tiveram nos resultados os múltiplos tipos de coacção verificados e as grosseiras faltas de condições mínimas para a realização de um exame (ampla e publicamente documentadas nas televisões)? 

4. O epílogo desta saga remete-nos, finalmente, para o mais grave problema da nossa sociedade: a pulverização da confiança dos cidadãos no Estado e nas elites que nos governam. A deriva do país, entregue a dirigentes sem ética nem vergonha, não se detecta apenas na Educação. Está por todo o lado, qual tsunami de lama. 

O governador do Banco de Portugal e o presidente da República disseram-nos que o BES era sólido e que podíamos estar tranquilos. Com o golpe de mão de 3 de Agosto e a divulgação pública da acta que o consumou, não foi só o BES que foi reduzido a nada. Nenhum dos que “se não sabiam deviam saber” veio a público reconhecer a incompetência com que facilitaram tantos crimes de mercado.  

Em 2007 escrevi sobre o drama de Manuela Estanqueiro, professora com 63 anos de idade, 30 de serviço, vítima de leucemia aguda, a quem, por duas vezes, uma junta médica recusou a reforma por doença e obrigou a dar aulas nas vascas da morte e em sofrimento desumano. Um tribunal de segunda instância acaba de condenar a Caixa Geral de Aposentações a pagar à filha uma indemnização de 20.000 euros. Os responsáveis por esta vergonha de uma sociedade sem critério, mais aqueles que tiveram o desplante de recorrer da sentença inicial, pedindo que a indemnização fosse reduzida para 5.000 euros, continuam nos seus postos, sem beliscadura. Como Ricardo Salgado permanecerá no seu iate e na sua mansão, sem que o fisco estranhe que tal cidadão não tenha um só bem em seu nome. 

Três anos de austeridade não destruíram só a economia, o emprego e os direitos sociais. Adoeceram a nação. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

30/07/2014

A vã-glória de um atirador furtivo

no Público,
30 de Julho de 2014


por Santana Castilho *

Sobre a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências) dos professores já me pronunciei sobejas vezes, a primeira das quais nesta coluna, em 7 de Fevereiro de 2008. O que passo a escrever tem duas finalidades: apelar à memória escassa da maioria, para melhor compreendermos a atitude ignóbil de Nuno Crato, e denunciar com frontalidade que a fixação do ministro no papel sacro dos instrumentos de avaliação é demencial.

Com o truque que todos conhecemos, para impedir que os sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve, o ministro da Educação actuou sem educação nem escrúpulos. Usou o capote da desfaçatez para bandarilhar uma lei da República, que protege um direito fundamental. Portou-se como um caçador furtivo a atirar sobre cidadãos que o Estado enganou, com dolo agravado por habilidades grosseiras. E foi a primeira vez que assim se desvinculou da ética política e da lealdade que deve àqueles que governa? Não, não foi! Os exemplos repetem-se e há muito que vêm desenhando um carácter.

Foi ele que, em início de mandato, revogou os prémios de mérito dos alunos, sem aviso prévio e atempado, quando eles já tinham cumprido a sua parte.

Foi ele que obrigou crianças com necessidades educativas especiais a sujeitarem-se a exames nacionais, em circunstâncias que não respeitaram o seu perfil de funcionalidade, com o cinismo cauteloso de as retirar, depois, do tratamento estatístico dos resultados.

Foi ele que, dias antes das inscrições nos exames do 12º ano, mudou unilateralmente as regras, ferindo de morte a confiança que qualquer estudante devia ter no Estado.

Foi ele que, a uma sexta-feira, simbolicamente 13, sem que se conhecessem os créditos atribuídos às escolas, sem que as matrículas estivessem terminadas e as turmas constituídas, obrigou os directores a determinarem e comunicarem o número de “horários zero” para 2012-2013, sob ameaça de procedimento disciplinar, lançando na angústia milhares de docentes com dezenas de anos de serviço para, na semana seguinte, recuperar o que antes havia levianamente subtraído. Foi ele que abriu esse concurso com uma lei e o encerrou com outra, num alarde gritante de discricionariedade nunca vista.

A conferência de imprensa, significativamente marcada para o horário nobre do dia da prova da humilhação dos professores, mostrou-nos um ministro obcecado pela vã-glória que a jornada lhe proporcionou, incapaz de discernir, como qualquer alienado, que o seu fundamentalismo patológico sobre o papel dos instrumentos de avaliação está a destruir o sistema nacional de ensino. Os professores são cada vez mais meros aplicadores das mediocridades do IAVE e cada vez menos professores. O tempo do ensino é comido pela loucura de tudo examinar, com provas cheias de erros inconcebíveis e qualidade duvidosa. Todo o ano, tudo se verga aos exames e à alienação que provocam. Preparar exames, treinar para exames, substituir tempos de aulas por tempos para fazer exames, corrigir exames, tirar ilações de “rankings”, pagar a Cambridge e não pagar aos nacionais. E quando os problemas surgem, o ministro puxa pela cabeça doente e chama a polícia. Sim, cidadão que me lê, olhe para as televisões e reconheça que, quando se tornou banal a presença da polícia dentro das nossas escolas, algo vai mal com a democracia que devíamos ensinar aos seus filhos.

Para que serviu o segundo exame aplicado às crianças do 1º ciclo do básico, um mês depois de terem reprovado no primeiro, senão para mostrar que o modelo é inadequado?

Para que serviu a avaliação dos centros de investigação, senão para destruir o que foi laboriosamente construído ao longo das duas últimas décadas, transferir para o estrangeiro uma fatia do parco erário público e mostrar que a fraude é permitida e fica impune?

Em matéria de exames, é factual, o país nunca tinha assistido a tantos dislates como os que o “rigor” de Crato já nos proporcionou: efectivação de provas na ausência de secretariado de exames; exames realizados sem professores suplentes e sem professores coadjuvantes; exames vigiados por professores que leccionaram a disciplina em exame; ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre examinandos e vigilantes; salas invadidas e interrupção de provas; tumultos que obrigaram à intervenção da polícia; desacatos ruidosos em lugar do silêncio devido; sigilo quebrado com o uso descontrolado de telefones e outros meios de comunicação electrónica; alunos e professores aglomerados em refeitórios; provas iniciadas depois do tempo regulamentar.

Estes exames e esta política vieram, no dizer de Nuno Crato, para conferir rigor e exigência ao sistema e, nessa medida, o estabilizarem. Mostram as evidências de que rigor falamos e demonstram os factos (e a polícia) que, em vez de estabilidade, temos instabilidade como há muito não existia. Se alguma coisa faz sentido é admitir que estes exames só servem um maquiavélico projecto de elitização do ensino.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)