18/12/2013

da PAAC


Santana Castilho, hoje, no noticiário das 18 horas da TVI 24, para falar da Prova de (alegada) Avaliação de Conhecimentos e Competências

A culpa será nossa e só nossa

no Público
de 18 de Dezembro de 2013

por Santana Castilho*

A culpa será nossa e só nossa 

“Entretanto, a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios. E vai-se dizer de quem é a culpa de haver manhosos e falsos prestígios: a culpa é nossa e só nossa!” 
José de Almada Negreiros 

1. Depois de rios de tinta corridos sobre a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades e de tudo dito sobre a ignomínia que representa, noticiou a comunicação social que a UGT havia proposto ao Governo negociações e que, na sequência dessa iniciativa, o MEC decidira dela dispensar os professores contratados com mais de 5 anos de serviço. Porém, o Aviso n.º 14962-A/2013, publicado a 5 de Dezembro, veio dizer que não havia ninguém automaticamente dispensado. Apenas os professores naquelas condições, que informassem o MEC de que não pretendiam realizar a prova, o seriam. Mais vexame, mais burocracia, mais trapalhada. Sim, trapalhada. Porque um aviso não constitui sede legal suficiente para operacionalizar esta decisão arbitrária. Por outro lado, sobraram de imediato perguntas, que só o ministro trapalhão não alcançou: sem fundamento legal, como “informariam” o MEC aqueles que o viessem a fazer? Se outros, com menos anos de serviço, resolvessem igualmente “informar”, com que fundamento legal lhes responderia Crato? Remetê-los-ia para um qualquer recorte de jornal? Para o entendimento com a UGT? Com base em que normativo teriam os eventuais dispensados a garantia de poderem concorrer a lugares de docência, futuramente? E como seriam contados os 5 anos de serviço? Valeria, por exemplo, o eventual desempenho nos ensinos superior ou particular? 

Escrevo este artigo na véspera da realização da prova e na véspera da greve decretada por alguns sindicatos, para impedir que ela venha a consumar-se. No dia em que este artigo for dado à estampa, os professores, particularmente os do quadro, terão nas suas mãos uma oportunidade de derrotar o ministro e uma oportunidade de dizer ao país que não há professores de primeira e professores de segunda mas, tão-só, professores. Terão a oportunidade de dizer não a uma vergonhosa monstruosidade para segregar ilegalmente do exercício da actividade docente cidadãos legalmente habilitados, porque detentores de uma licença e de um título profissionais, obtidos e regulados pelo regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário (DL nº 43/2007) e sindicados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (DL nº 369/2007). Se o não fizerem, a culpa será nossa e só nossa. Nossa, como classe. Porque a questão abalroa a dignidade e a seriedade de uma profissão. 

2. Como repetidas vezes aqui tenho escrito, sou reservado quanto ao significado das conclusões do PISA. Mas no quadro de relativização e de prudência com que o leio, não cabe a desonestidade intelectual que Nuno Crato manifestou quando, depois de uma semana de ensurdecedor silêncio, falou finalmente dos resultados de Portugal. De forma enviesada e escandalosamente contrastante com os tempos em que tinha o PISA como o indicador máximo da qualidade do sistema de ensino, Nuno Crato desvalorizou o que antes endeusava. Porque os nossos resultados derrotam a credibilidade de tudo o que tem dito. Porque os resultados de outros, que servem de modelo à sua política de desastre e de reconfiguração das responsabilidades do Estado, caíram na proporção inversa do nosso progresso. Com efeito, a Suécia, abundantemente referida como exemplo por via da propalada “livre escolha” e do cheque-ensino, foi ultrapassada por Portugal nas três áreas de referência (matemática, leitura e ciências). Sem que possamos atribuir a uma só causa o desaire sueco, a verdade é que, depois da reforma que Crato está a copiar, a Suécia caiu 20 posições na leitura, 14 na matemática e 17 nas ciências. 

3. Penso que apenas duas vezes estive, pessoalmente, com Nuno Crato. Uma porque fomos co-apresentadores de um livro de Gabriel Mithá Ribeiro. Outra porque me convidou para uma sessão que organizou com o seu ídolo Eric Hanushek, no Tagus Park. Pouco se lhe conhece sobre ideias publicadas em matéria de Educação. No livro que lhe deu fama, citou-me. Mas foi precisamente esse livro que me mostrou a ignorância atrevida de Crato. Porque expõe a tendência precoce do autor para falar do que não conhece e ceder facilmente a preconceitos ideológicos, manhosamente apresentados como certezas. E daí para cá, tenho-me ocupado a procurar uma razão para a incoerência, para a tergiversação, para o retrocesso. A prova, o PISA e Almada Negreiros explicam: manhosice. Manhosice sem réstia de sofisticação. Porque quanto mais degradar a imagem social dos professores e mais os dividir, mais fácil será transferir milhões do público para o privado. Se não o entendermos, a culpa será nossa e só nossa. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

13/12/2013

o estado da Educação

Conferência e debate sobre o estado da Educação

 A Secção de Educação da FAUL - Federação da Área Urbana de Lisboa - do Partido Socialista convidou- me a proferir uma conferência, seguida de debate, sobre o estado da Educação. 
 Porque a entrada é livre e livres são as intervenções dos presentes, deixo a nota para os eventuais interessados. 

Data: 13 de Dezembro, 
às 21.00 horas. 
Local: Avenida Fontes Pereira de Melo, 35, 1º C-GH 
(edifício Imaviz), em Lisboa.

tribuna sobre educação em Beja

retirada daqui

REPORTAGEM FOTOGRÁFICA DA TRIBUNA ABERTA SOBRE EDUCAÇÃO E ENSINO 

COM O PROFESSOR SANTANA CASTILHO COMO CONVIDADO, 

NO BEJA PARQUE HOTEL 




11/12/2013

Uma pirueta de vergonha

retirado da pg facebook do
Professor SANTANA CASTILHO

2 de Dezembro de 2013 às 19:04

Uma pirueta de vergonha 


“Arístipos, de Cirene, filósofo adepto do prazer como único bem na vida, vivia sempre bajulando o Rei. Estava Diógenes jantando um prato de lentilhas, quando Arístipos se aproximou. 

Disse Arístipos a Diógenes: 
 - Se aprendesses a bajular o Rei, não precisarias de comer sempre um prato de lentilhas. 
Diógenes replicou: 
 - E tu, se tivesses aprendido a passar sempre com um prato de lentilhas, não precisarias de passar a vida a bajular o Rei”. 

Escrevo o meu habitual artigo do Público na manhã das terças que antecedem a publicação. O que sairá no próximo dia 4 foi enviado para o jornal antes da notícia da dispensa da prestação da prova de acesso, porque daqui a pouco sairei do país por uma semana. Sem aludir à nojenta pirueta, é um texto premonitório do lodaçal em que este Governo vem transformando a Educação.
Que posso dizer de Nuno Crato? Que não tem escrúpulos! Que posso dizer dos sindicatos que “palaciaram” com ele? Que se prostituiram! Que posso dizer aos professores sem castas? Que resistam em nome da decência e da dignidade!
Uns lambem e esperam que as migalhas tombem. A escolha é livre.    --- fonte

04/12/2013

Violência

no Público,
4 de Dezembro de 2013

por Santana Castilho*

 Violência

A arrogância, o ódio aos professores, a ignorância sobre a realidade do sistema educativo e das escolas e a impreparação política e técnica são os eixos identificadores daquilo que poderemos designar por bloco central de governo da Educação da última década. Se apelarmos à memória, salta à vista a convergência ideológica entre Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, relativamente ao papel dos professores. Uma ou outra divergência quanto a processos não apaga o essencial. Do outro lado da barricada, a classe dos professores não interiorizou, enquanto tal, a dimensão política da sua profissão. E, em momentos vitais das lutas a que tem ido, soçobrou por isso.

As mudanças sociais e económicas que varrem a vida dos portugueses colocam à Educação problemas novos e emprestam uma dimensão maior aos problemas de sempre. Mas o maior de todos é político e como tal ideológico e intencional. A Educação nacional está a ser confrontada com caminhos que desprezam a sua natureza axiológica e procuram impor-lhe o modelo de mercado. Trata-se de apresentar a Educação como um simples serviço, circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais e regulado apenas por normas de eficiência e eficácia. Trata-se de impor um acto educativo transformado em produto e a escola transformada em empresa de serviços. Trata-se de impor uma ideologia marcada pela sede de desinstitucionalizar e pela pressa de privatizar. De entre tantas mudanças que aqui não cabem, recordemos as duas que melhor servem tal desígnio: a criação da Parque Escolar e o regime jurídico de gestão das escolas. Com a primeira, passou-se para o domínio empresarial a propriedade de mais de metade das escolas secundárias do país. São milhares e milhares de metros quadrados urbanizados nas zonas mais nobres das maiores cidades. Se o BPN foi nacionalizado e a SLN ficou de fora, por que não considerar que a Parque Escolar pode vir a ser vendida ao grupo GPS ou à empresária Isabel dos Santos? Com a segunda, escancararam-se as portas à possível gestão privada das escolas públicas. Porquê? Porque o órgão de gestão das escolas passou a ser escolhido por uma espécie de assembleia de accionistas das empresas (Conselho Geral, onde a maioria dos membros não pertencem à Escola); porque o director assim escolhido também pode, ele próprio, ser estranho à própria Escola ou mesmo, no momento, a qualquer escola, um simples contratado por alguém, que cumpra os requisitos legais. Muitos não pensaram nisto, nem no como pode ser atraente para outros juntar as duas peças, sob a bênção da ideologia de Passos e Crato. Aos primeiros recordo Sun Tzu:

 “… Se conheces o inimigo e te conheces a ti mesmo, não precisas temer o resultado de cem batalhas. Se te conheces mas não conheces o inimigo, por cada vitória sofrerás uma derrota. Se não te conheces nem a ti próprio nem ao inimigo, perderás todas as batalhas. …” 

A distorção nas representações sobre as condições de exercício da profissão docente, ardilosamente passada pelo Governo para a sociedade em geral, atingiu o limite do suportável e ameaça hoje a própria integridade profissional dos professores, que não se têm afirmado suficientemente vigorosos para destruir estereótipos desvalorizantes. Com tristeza o digo, mas a classe dos professores manifesta-se cada vez mais como classe de dependências. E quem assim se deixa aculturar, dificilmente compreenderá o valor da independência e aceitará pagar o seu custo. É neste contexto que devemos olhar para a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, criada por Maria de Lurdes Rodrigues, importa não esquecer, e então fortemente contestada pelo PSD, importa recordar. Não é coisa de alguns. É coisa de todos. Pese embora tudo o que se possa dizer, o carácter facilitista da prova serve para esvaziar a sua contestação. O “Público” evidenciou o grotesco da prova quando mostrou que adolescentes dos 8º e 9º anos a resolvem com facilidade e rapidamente. Mas, recordemos, há uma segunda prova, sobre conhecimentos específicos, que … pode ser bem diferente. Enquanto chamarmos básica, ridícula, elementar, insultuosa, apatetada, desadequada, absurda, a uma prova que é tudo isso, não nos ocupamos de uma política, que vem de longe, que a utiliza para descredibilizar os docentes da escola pública e para os apontar como responsáveis pela degradação da Educação, etapa importante para o que virá a seguir. A todos aqueles vocábulos há que acrescentar a palavra que falta: violência. É o que esta prova é: uma violência.

Dizem os dicionários que a violência é a qualidade de tudo aquilo que opera com ímpeto, que se exerce com força, que se opõe ao direito ou à justiça. Porque há vários tipos de força, o conceito de violência é, de forma mais lata, aplicado comummente a todo o tipo de comportamento que, com intencionalidade, agride ou intimida. Não só do ponto de vista físico, mas, também, do ponto de vista psíquico e moral. O rompimento abrupto das normas e dos princípios constitutivos da moral social vigente é, no meu entendimento, sempre, uma violência. Quantas vezes mais bárbara que a que se exerce de bastão na mão. 

* Professor do ensino superior

01/12/2013

PS: debater educação

recebido via e-mail

FAUL – Secção de Educação

CONVITE 

A Mesa e o Secretariado da Secção de Educação da FAUL - Federação da Área Urbana de Lisboa - do Partido Socialista, têm a honra de convidar V. Exa. para a Conferência “Situação actual do Ensino/Educação/Formação - Que novos rumos?”
inserida num ciclo de Tertúlias-Debate, organizadas por esta Secção sobre o estado da Educação em Portugal que terá lugar nas instalações da FAUL,
Avenida Fontes Pereira de Melo, 35, 1ºC-GH 1050-118, em Lisboa,
pelas 21:00 horas do próximo dia 13 de Dezembro de 2013
cujo orador será o Prof. Doutor Santana Castilho

Com os melhores cumprimentos,

Lisboa, 27 de Novembro de 2013,

O Presidente da Mesa,
Adérito Sá Gomes
A Secretária - Coordenadora,
Susana Silvestre

25/11/2013

Santana Castilho em Beja


É a cidade-natal do Professor, e recebe-o a 28 de Novembro. 
Em discussão, «O Ensino que temos»:


cartaz retirado daqui

Seis atributos para uma prova


23 de Novembro de 2013 às 10:40 
retirado daqui

por SANTANA CASTILHO

Seis atributos para uma prova 

Esta prova diz-se de ingresso na carreira. Mas quem nela obtenha aprovação não entra na carreira. Outrossim, quem leccione há 5, 10, 15 ou mais anos, sempre com avaliação de bom ou superior, os miseravelmente explorados professores contratados, pode ser expulso do exercício profissional. Isto tem um nome: canalhice. O qualificativo é meu. Mas no espírito do juízo estou significativamente acompanhado: Provedor da Justiça e, agora, Comissão Europeia. 

Esta prova mostra que o Ministério da Educação e Ciência não confia nas instituições de ensino superior que formam professores e que nós, portugueses, não devemos confiar no Estado. Com efeito, as universidades e os politécnicos que formam professores não são clandestinos. Foram reconhecidos pelo Estado como competentes para tal. Para operarem têm que obedecer às exigências do Estado. O Estado impõe-lhes um número mínimo de professores doutorados. Não são livres de conceber os seus planos de estudo: o Estado impõe-lhes matrizes e, além disso, cada curso sujeita-se ao livre arbítrio do Estado para obter autorização de funcionamento. Não são livres quanto à admissão de alunos: o Estado estabelece-lhes cotas. O Estado fiscaliza-as e pode fechá-las se deixar de lhes reconhecer qualidade. O Estado é, pois, tutor de todas. Às vítimas deste devaneio, todos aqueles que pagaram propinas durante anos, está dito, em diploma legal, que obteriam uma habilitação profissional, sublinho, profissional. Isto tem um nome: intrujice. 

Esta prova foi inicialmente concebida por um partido que agora a esconjura e é agora defendida por outro que antes a arrasou. Isto tem um nome: palhaçada. 

Esta prova trará ao ministério, em taxas de inscrições a pagar pelos candidatos, um encaixe próximo do milhão de euros. A maioria dos candidatos está no desemprego. Alguns terão que pagar centenas de euros para se deslocarem aos locais onde as provas se realizam. Pela correcção de cada uma, o ministério propõe-se pagar metade do que paga por hora a uma funcionária de limpeza. Isto tem um nome: perfídia. 

Esta prova não acrescentará um avo de qualidade ao sistema. Pelo contrário, vai diminui-la, pela lama e descrédito que bolça sobre a classe. Todos o sabem menos Crato. Isto tem dois nomes: incompetência e ignorância. 

Quando cantou “Os Vampiros”, Zeca Afonso leu aquele tempo e foi profeta: anunciou o nosso. 

In "Jornal i" de 23.11.13

20/11/2013

O regresso ao ensino elitista

no Público,
20 de Novembro de 2013

por Santana Castilho*

O regresso ao ensino elitista 


A ascensão de Nuno Crato ao poder foi promovida por duas vias: o seu populismo discursivo, de que a desejada implosão do ministério foi paradigma, e a influência poderosa de grupos para quem a Educação é negócio. Chegou agora o momento em que o aforismo emblemático de César das Neves começa a colher prova no terreno das realidades: não há almoços grátis! O recentemente aprovado estatuto do ensino privado mostra ao que Crato veio e para quem trabalha. O seu actual direitismo, socialmente reacionário, está próximo, em radicalismo, do seu esquerdismo de outros tempos. O fenómeno explica-se, tão-só, por simples conversão de interesses e ambições aos sinais dos tempos. O resultado que se desenhou e ganha agora forma é o retorno a um sistema de ensino elitista, onde muitos serão excluídos

1. Acabámos de viver o momento alienante da divulgação dos “rankings” dos resultados escolares em exames, sem que o país valorizasse os outros resultados, não mensuráveis por eles mas, eventualmente, bem mais relevantes. Ficámo-nos pela leitura simples dos dados absolutos e dispensámos a complexa que resultaria do cruzamento das variáveis subjacentes. Depreciámos, sem razão, as disciplinas que ficaram de fora dos “rankings”, por não estarem sujeitas a exames nacionais. Contentámo-nos com olhar para os pontos de chegada dos alunos, sem considerar aqueles de que partiram. O famigerado “Guião para a Reforma do Estado”, ao socorrer-se dos “rankings” para, sem pudor, incensar o ensino privado e apoucar o público, assumiu uma política deliberada de elitismo e de tudo para o privado e cada vez menos para o público. Cito dois exemplos de facciosismo, para que não me acusem de me ficar por generalidades: enquanto às escolas privadas está hoje outorgada total autonomia pedagógica e directiva, retirou-se às públicas a possibilidade de estabelecerem as suas ofertas formativas e impôs-se-lhes um modelo único de gestão, fortemente burocratizado e de um gigantismo desumanizante; enquanto o financiamento público às escolas privadas aumentou (são mais 2 milhões de euros que no ano passado, num total de 149,3 milhões e 19,4 para os futuros cheques-ensino), todos os programas de melhoria dos resultados escolares das escolas públicas foram extintos e o seu financiamento diminuiu. Em conclusão breve, os “rankings” chamam a atenção para as escolas mais elitistas e menorizam quantas escolas, eventualmente melhores, acolhem e tentam ensinar os excluídos

2. Não direi que o novo programa de Matemática A tenha sido concebido com a intenção perversa de apressar a passagem de muitos alunos do ensino regular para os eufemisticamente chamados percursos alternativos. Mas será esse o corolário previsível, considerando a complexidade inapropriada que lhe foi introduzida e a sua extensão. Se já eram detectados problemas de cumprimento no anterior, designadamente pelas dificuldades de passagem do básico para o secundário, o quadro ficará pior face a um programa que ignora o que a investigação didáctica internacional tem recomendado e é praticado pelos sistemas de ensino que melhores resultados obtêm nos estudos comparativos. Professores da disciplina, com quem procurei validar a opinião que formei, foram unânimes: trata-se de mais um retrocesso de décadas a teorias e processos há muito abandonados, que promoverá a aversão à disciplina e fará aumentar o número dos excluídos

3. O Governo estabeleceu até ao fim de Dezembro o prazo para as universidades e politécnicos se pronunciarem sobre a reordenação da rede de ensino superior, de modo a que o próximo ano-lectivo a encontre pronta. Se, por um lado, a medida é necessária, por outro, uma imposição atabalhoada só pode gerar desastre. As fusões e os consórcios que o Governo deseja não se promovem sob imperativo temporal bruto. Na linha simplista e imediatamente utilitária que pontifica, pode prevalecer a lei da obediência à procura. Mas se desertificámos o interior, é natural que aí não a encontremos. Valeria a pena uma reflexão sobre processos de rentabilizar a capacidade formativa instalada e o forte investimento dos últimos anos em infraestruturas, no sentido de atrair jovens para as instituições do interior, designadamente estrangeiros, o que não seria difícil se considerarmos a enorme potencialidade da lusofonia. Abandonar parte do país e aceitar o determinismo da redução sem sequer equacionar a utopia da expansão é limitativo. As políticas de desertificação do país, prosseguidas com denodo pelo actual Governo, justificam o receio de que esta reforma da rede se resuma ao simples aumento das dificuldades para os poucos jovens que ainda resistem nas zonas do interior. A ser assim, os que não tiverem recursos para demandarem o litoral e os grandes centros urbanos serão excluídos

4. Por tudo isto, não surpreende que o primeiro-ministro português, paroquial e subserviente ao estrangeiro, não tenha pestanejado quando, a seu lado, Durão Barroso pressionou explicitamente o Tribunal Constitucional com a expressão vulgar do “caldo entornado”. Um e outro, “pintarolas” em lugares de Estado, não percebem que qualquer cidadão de hoje se deve bater pela sua Constituição como os cidadãos do passado se batiam pelas muralhas do seu burgo. É o último reduto para não serem definitivamente excluídos

* Professor do ensino superior

06/11/2013

O guião esticado de Portas encolhido

 
no Público,
6 de Novembro de 2013,

por Santana Castilho*

O "guião para a reforma do Estado" é um panfleto de qualidade inferior, ridiculamente esticado a corpo 16 e duas linhas de espaçamento. Se o expurgarmos das afirmações óbvias que o inflam, ficam expostas a vacuidade e a mediocridade da sua substância. Tem a paternidade, longamente publicitada, de Paulo Portas. Mas é bom lembrar que foi aprovado em Conselho de Ministros e vincula por isso o Governo. A figura janota de Portas na televisão não logrou tapar o seu esqueleto reciclado, encolhido e sem convicção, esbracejando na política manhosa que afunda o país. Apesar de tudo isto, este guião não é um documento qualquer, porque levou nove meses a preparar, amalgamou contributos de ministros e trata da “reforma” do Estado. Mas já percebemos que ninguém o toma a sério. Mostra que a última réstia de decoro político se perdeu num emaranhado de banalidades, de ignorância e reviravoltas, sem lógica nem pertinência, de lugares-comuns babosos, miríficas contradições e vacuidade confrangedora. No entanto, manda a profilaxia contra a manipulação e os riscos de contágio que percamos com ele algum tempo. Por dever de ofício e ditadura de espaço, fico-me pelas medidas mais emblemáticas, que à Educação respeitam. 

Portas começa por seduzir os professores com a sua “terceira via”, que designa por “escolas independentes”. Trata-se, esclarece com denguice, “de convidar a comunidade dos professores a organizar-se num projecto de escola específico, de propriedade e gestão dos próprios, mediante a contratualização com o Estado do serviço prestado e do uso das instalações”, garantindo “à sociedade poder escolher projetos de escola mais nítidos e diferenciados” (p.74). Se Portas quer projectos de escolas diferenciados, não precisa de retirar o Estado do processo e trazer para cá o que lá fora começa a ser abandonado. Basta modificar as leis castradoras, que este governo cinicamente refinou, deixando que a iniciativa de organização diferenciada cresça dentro da rede pública. Basta devolver liberdade pedagógica e autonomia intelectual aos professores. Portas quer outra coisa, que não pode dizer de chofre: quer abrir a rede de estabelecimentos públicos à gestão privada


A segunda proposta de Portas é uma tentativa de branqueamento da promiscuidade, melhor dizendo, da corrupção, que grassa com a utilização inconstitucional e reiteradamente ilegal dos dinheiros públicos, para financiar iniciativas privadas. Ontem mesmo (escrevo na manhã de 5, terça-feira) uma notável reportagem da jornalista Ana Leal, da TVI, ** teria consequências se a decência vigorasse e as instituições funcionassem, tamanho e tão grave é o escândalo denunciado. Em vez disso, Portas sugere “aumentar a liberdade de escolha da sociedade em relação à educação” dilatando o já escandalosamente dilatado conceito de “contratos de associação”. Com topete de ilusionista, Portas recorda que estes contratos “foram, inicialmente, concebidos para preencher a oferta educativa nos territórios em que a oferta pública era escassa” e proclama que, agora, “com a disseminação dos equipamentos, um novo ciclo de contratos de associação deve estar potencialmente ligado a critérios de superação do insucesso escolar” porque, “como é sabido, globalmente, as escolas com contrato de associação respondem bem nos rankings educativos…” (p. 74 e 75). A “liberdade de escolha” e a “autonomia das escolas” são metáforas gastas para justificar a mercantilização do ensino, substituindo a responsabilidade do Estado pelo interesse de grupos económicos e religiosos. Tudo sem risco, porque a contratualização prévia e a flexibilização do mercado de trabalho o retiraram atempadamente. Não fora ainda termos uma Constituição e quem a defenda, não fora ainda resistirem muitos que dizem não à desvergonha, teríamos Portas e os seus mercadores a gritarem bingo. 

Muitas vezes se acusam projectos e propostas de serem ideológicos. Mas é natural que sejam ideológicos. A questão reside naquilo que propõe determinada ideologia. No que toca à Educação, rejeito qualquer que, usando o dinheiro de todos, pretenda favorecer apenas alguns; que rejeite como obrigação central do Estado promover a Educação de todos os portugueses, enquanto veículo de redução de desigualdades sociais, de autonomização dos cidadãos e primeiro motor de crescimento económico. Uma coisa é uma visão sectária de uma facção, outra coisa é uma opção estratégica que sirva a colectividade. A ideia de Portas para a Educação geraria os fenómenos que outras sociedades, bem menos frágeis que a nossa, já experimentaram e começam a abandonar, por perniciosos para o bem comum. Essa é a realidade escondida com as denominadas “escolas independentes” e com a inconstitucional extensão da natureza dos contratos de associação. 

 * Professor do ensino superior

** ver reportagem aqui
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23/10/2013

Os devoristas

no Público
de 23 de Outubro de 2013,

por Santana Castilho *

 Os devoristas


O Governo de Portugal e o Governo da Europa perderam o contacto com os seus cidadãos. Para quem não desiste da sua cidadania, outrossim dela faz alimento da alma, a raiva e o desespero dominam. Só me contém a noção dos meus limites e da minha mortalidade. Mas sofro. Sofro com tantos que sofrem às mãos de devoristas. 

O pior de Portugal não é a dívida em si. É o que foi feito com a dívida contraída. Não edificámos com ela uma economia competitiva e produtiva. Não tornámos sustentável um débil Estado social, que agora soçobra às investidas dos devoristas. Instituímos, tão-só, um perene cartão de débito internacional, que alimenta a sofreguidão da “mercadotecnia” dominante. Até o presidente da República traveste, de modo repugnante, o juramento que fez em mercantilismo primário, anunciando que a constitucionalidade ou não do orçamento não é assunto de Direito, mas de custos. Para ele, o mais honesto entre os honestos, os compromissos de honra prescrevem se os custos forem altos. Os recursos do nosso país, o destino dos nossos filhos, estão hoje entregues a pessoas que nada fizeram para os merecer. Chefes que representassem verdadeiramente os portugueses só podiam seguir outras políticas e actuar com moral diferente. Malevolamente, dolosamente, o discurso oficial mistura o custo dos serviços que o Estado presta aos cidadãos (razão da sua existência) com os custos operacionais da máquina burocrática e política. Os primeiros diminuíram drasticamente. Os segundos cresceram exponencialmente. A análise das contas de 2012, única possível neste momento, mostra isso: a aquisição de bens e serviços cresceu 1.500 milhões de euros. 

O orçamento do Estado para 2014 é de uma desumanidade aviltante. A chamada consolidação orçamental proposta soma mais 3.900 milhões de euros aos 15.000 dos últimos dois anos. A simples papel molhado ficaram reduzidos os pronunciamentos de Paulo Portas, que garantiu não vir mais austeridade. Desta feita, a “revogação” vale 612 milhões de euros. Coisa pouca. Depois de ter pulverizado a classe média e aumentado exponencialmente o desemprego e a emigração dos mais preparados, Passos Coelho investe agora sobre os salários de 600 euros mensais. O Governo de Portugal e a “troika” que ele representa, que não o povo, que devia proteger, têm a mesma atitude perante os portugueses que os donos mantinham relativamente aos escravos: então, alimentavam-nos minimamente para que pudessem trabalhar; agora, permitem-lhes que vivam para pagar impostos. Não terminará bem esta negação da realidade. E já que terá de vir a explosão social, é duro dizê-lo, mas que não tarde. Basta! 

A proposta de orçamento para 2014 prevê uma redução de 969 milhões de euros com funcionários públicos. Metade desse corte (565 milhões) será feito com a redução da despesa do pessoal do ensino não superior (redução de salários e diminuição de efectivos). A verba consignada à educação pré-escolar sofre um corte de 67,5 milhões de euros. Significativamente, as transferências previstas para o ensino privado não só não sofrem qualquer corte como crescem dois milhões de euros, totalizando 240 milhões. Globalmente, estamos perante um corte de 8% face ao ano transacto, altura em que atingimos o menor esforço com a educação, em relação ao PIB, em 39 anos de democracia. Passos Coelho e Nuno Crato julgam-se predestinados como tiranos, sem noção do mal que semeiam. Em dois anos de subserviência ao estrangeiro, aproveitando um conformismo que se banalizou, traçaram uma linha de costa que divide o país em dois: um litoral, concentracionário, e outro interior, desertificado. Tal linha virtual permitiu a metáfora recorrente: quando o Governo invoca melhoria da eficiência e aproveitamento de recursos, sabemos que se refere ao encerramento de milhares de escolas e ao despedimento de 38.000 professores. E se já era problema grande a desigualdade que caracterizava o sistema, agora ganhou foros de escândalo. Com efeito, enquanto crescem as transferências do dinheiro público para o ensino privado, diminuem drasticamente as verbas para o ensino público. Enquanto aumenta a autonomia do ensino privado, diminui a autonomia das escolas públicas. A capacidade de decisão das escolas públicas para criarem cursos profissionais e os recursos inerentes foram fortemente cerceados, enquanto o sentido inverso nos estabelecimentos particulares se tornou diariamente patente na folha oficial da República. Os apoios, não importa de que índole, disponibilizados para combater o insucesso e o abandono precoce do ensino público desapareceram. As crianças com necessidades educativas especiais foram, sem qualquer réstia de pudor, consideradas meros apêndices administrativos e liminarmente segregadas das turmas do ensino regular. A falácia do ensino dual reconduziu-nos à escola do Estado Novo: curta e pobre para os pobres, rica e financiada pelos impostos de todos para as famílias privilegiadas. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

09/10/2013

O senhor 33 e outros 3


no Público 
de 9 de Setembro de 2013 

por Santana Castilho *

O senhor 33 e outros 3

1. Há declarações de políticos que me deixam perplexo. Verdadeiramente baralhado. Subestimam a inteligência alheia? Perderam a deles, a mínima? Escabrosa atrapalhação argumentativa para justificar o injustificável? Mentalidade monárquica onde devia reinar probidade republicana? Ou simples sinais da miséria moral em que a política parece mergulhada? Como é possível que pessoas de farta experiência profissional e política caiam no absurdo que resulta da comparação do que dizem com o que disseram ou fizeram? Exemplos? O senhor 33 (contei 33 cargos em órgãos sociais de empresas portuguesas, a maioria da alta finança, antes de ser ministro) não pode desconhecer, muito menos violá-la gravemente, a autonomia do Ministério Público. Porque é advogado. Porque foi professor de Direito. Porque é ministro de Estado. Em escassos dois meses, Rui Machete deu azo a demasiadas manchetes: a eufemística “incorrecção factual”, a trapalhada do preço das acções da SLN e, agora, o despudor de comentar um processo judicial e pedir desculpa pela sua existência, com que aviltou a dignidade do país e da sua magistratura. Foi demais. É inaceitável. 

Cavaco Silva disse na Suécia que é masoquismo afirmar que a nossa dívida pública não é sustentável. Mas, nas comemorações do 10 de Junho de 2010, sentenciou, referindo-se à divida: “… como avisei na altura devida, chegámos a uma situação insustentável …” No discurso da sua posse, em 9 de Março de 2011, insistiu, citando o Governador do Banco de Portugal: “… são insustentáveis … a trajectória da dívida pública …” Na mensagem de Ano Novo, a 1 de Janeiro de 2013, reincidiu: “… é essencial que todos compreendam que as dificuldades que Portugal atravessa derivam do nível insustentável da dívida do Estado …” Finalmente, em Março de 2013, escreveu, em prefácio de livro seu: “… a trajectória insustentável da dívida pública …”. Ou seja, Cavaco Silva começou a considerar insustentável a dívida, quando ela representava 94% do PIB. Mas considera masoquistas aqueles que assim a consideram, agora que ela se aproxima dos 130% do PIB. Mastigar de boca aberta é sempre deselegante. Seja bolo-rei, sejam declarações políticas recentes. 

Na quinta-feira passada vi um Portas exultante a dizer que não havia TSU de pensionistas nem austeridade acrescentada. Dois dias volvidos, a anunciada TSU dos sobrevivos mostrou, uma vez mais, como se dissolve no ar tudo o que diz. 

Surpreendente tudo isto? Não, se remexermos na memória incómoda e invocarmos o programa do XIX Governo constitucional. Sob a epígrafe “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, garantia-nos Passos Coelho que “… nada se fará sem que se firme um pacto de confiança entre o Governo e os portugueses … “ Mas aonde poderíamos chegar se não a este pântano, que não pacto, de confiança institucional, se o homem que havia interrogado o país sobre a continuidade de um primeiro-ministro que mentia, referindo-se a Sócrates, rápido se revelaria muito mais mentiroso que o antecessor? 

2. Há dias foi tornado público um relatório de actividade das comissões de protecção de crianças e jovens em risco. Esse documento qualifica como muito significativo o aumento das situações que comprometem o direito à educação. E quantifica o fenómeno: 22,2 % dos casos registados no primeiro semestre de 2013 são violações dos direitos dos menores à educação. Foram registados sob esta epígrafe 3.147 novos casos. O absentismo e o abandono escolar já são a segunda maior ameaça a menores na tipologia adoptada pela Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR). 

Desde 2010, 135.000 carenciados deixaram de receber o Rendimento Social de Inserção (RSI). Este ano já foram excluídos 20.000 beneficiários. As continuadas alterações às regras de concessão multiplicaram pelo país fora bolsas de sofrimento atroz, onde os direitos humanos básicos não existem. Para milhares de crianças, a esperança que uma escola inclusiva as acolha vai de passo síncrono com a esperança dos pais em serem socialmente integrados. 

Se compulsarmos proclamações e discursos de economistas, sociólogos e políticos, se percorrermos os documentos de avaliação e prospectiva das instituições transnacionais, impõe-se a qualquer observador um denominador comum: a educação é fonte de riqueza e o melhor veículo de inclusão e promoção social. Este papel da educação, universalmente reconhecido, deveria, em tempos de crise, suscitar reforço de empenhamento do Estado. Porque há uma relação incontornável entre economia e educação. Porque o relaxamento do esforço com a educação torna a crise crónica. Pior que o empobrecimento da bolsa e das bolsas é o empobrecimento do conhecimento e do espírito. 

Há um país real, que reflecte o desastre social provocado pelas políticas sociais do Governo. Há um Governo em negação, que valsa de modo macabro entre uma austeridade assassina e o carnaval patético do regresso aos mercados. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

04/10/2013

Santana Castilho na Lusófona

VI Seminário de Educação Inclusiva



Sábado, 05 de OUTUBRO de 2013 
Auditório Agostinho da Silva 
Universidade Lusófona (Lisboa)




Comissão Científica 
António Teodoro
Deodato Guerreiro
Isabel Rodrigues Sanches
Joaquim Colôa
Maria João Seabra
Óscar de Sousa
Santana Castilho 


Secretariado do Instituto de Educação Universidade Lusófona
Telf. 217 515 500 - ext. 2176 217 515 531 (direto)
Campo Grande, 376, 1749-024 Lisboa
sec.iceducacao@ulusofona.pt

25/09/2013

A inconsistência de Nuno Crato


no Público,

25 de Setembro de 2013

por Santana Castilho*

 

A inconsistência de Nuno Crato

Não há nada como o querer do candidato autárquico Luís Filipe Menezes. Bastou o concorrente do PSD prometer, que se ganhar, todas as crianças do Porto terão Inglês no Básico, para Nuno Crato dar a pirueta da semana. O inconsistente ministro afirma agora que pretende tornar o Inglês obrigatório, incluindo-o no currículo do 1º ciclo do Ensino Básico. Num dia desvalorizou a disciplina (anulou a obrigatoriedade de inclusão nas Actividades de Enriquecimento Curricular do 1º Ciclo e reduziu-lhe a carga horária no 2º e 3º). No outro promoveu-a a fundamental. Depois disto e das mentiras que nos ofereceu na recente entrevista à SIC, alguém sensato pode confiar neste ministro catavento? 

Para além da espuma da inconsistência, que produziu notícias, parece-me necessário fixar a substância da incompetência, que marca a realidade. 

A incontinência conceptual caótica de Nuno Crato permite que tenhamos hoje crianças que poderão concluir o 1º ciclo do Básico com 4, 3, 2, 1 ou nenhum ano de Inglês. Tudo em nome da “livre escolha” e de uma cínica “autonomia”. E é nestas condições de “igualdade” que se prepara o percurso, a medir por mais um exame. 

O exame de Inglês, a satisfazer no 9º ano, reveste um modelo (prova de aferição) que Crato comentador criticou e Crato ministro recuperou. Com incontido gáudio, anunciou que a Universidade de Cambridge o vai conceber e que é um consórcio de empresas (com interesses comerciais na área da educação) que pagará o serviço. Sobram questões que a competência reconhecida de Cambridge e a probidade presumida das empresas não apagam. Nada justifica que se substituam instituições e professores portugueses por uma universidade estrangeira, senão uma provinciana mas inaceitável tendência para a vassalagem. Presumindo que a vigilância e a correcção dos exames estarão reservadas aos docentes portugueses, o seu não pagamento deixará de ser “consequencialista” de um estatuto de carreira, que a isso os obriga, para ser “deontologista” de uma dignidade aviltada e de uma iniquidade feudal. Concedendo (que não aceitando) que em matéria de obrigações o Estado se deixasse substituir por empresas privadas, porquê aquelas e não outras? Definitivamente, Crato não entende que a dignidade e a independência da administração pública são o melhor garante da prevalência do interesse colectivo sobre o privado, sempre que se trate de gerir a coisa pública. 

O que este Governo mudou no sistema de ensino português terá consequências cujo alcance não está a ser percebido pela maioria dos portugueses. Mas há um universo, o dos professores, que se assume como espectador num processo em que é actor. Por omissão, concedo. Com gradientes diversos de responsabilidade, volto a conceder. Mas com o ónus global de não dizer não. Um não veemente quanto necessário para pôr cobro aos dislates de uma política que nos reconduz ao passado e nos recusa o futuro. A crise financeira e económica não justifica o pacifismo reinante face à crise da democracia. Tão-pouco a força das circunstâncias (leia-se o humor dos mercados) justifica a demasiado bem comportada espera pelo fim da legislatura, para corrigir o voto de 2011. Os sindicatos, as outras associações profissionais, os directores de escola e os professores, pese embora o que têm feito, o que dizem e escrevem, acabam por ser espectadores num processo em que, historicamente, serão julgados como actores. Actores de uma tolerância malquista, que vai poupando a besta que não os poupa. 

Na antevisão dos que pensam o país, a Educação será uma questão política central para a recuperação duradoura. Mas, para tal, será mister identificar que políticas a servem, num quadro de tensões múltiplas e num ambiente de confronto entre os neoliberais e os que recusam aceitar a Educação como mais um mercado. 

As mudanças sociais e económicas colocam à Educação problemas novos e emprestam uma dimensão maior a problemas de sempre. Mas em situações de crise e de emergência, a Educação pode ser confrontada com caminhos que desprezem a sua natureza axiológica e procurem impor-lhe o modelo de mercado. Trata-se de apresentar a Educação como um simples serviço, circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais e regulado apenas por normas de eficiência e eficácia. 

O acto educativo transformado em produto e a escola transformada em empresa de serviços é sonho de alguns, que já não escondem uma ideologia marcada pela sede de desinstitucionalizar e pela pressa de privatizar, como se a República não devesse outra coisa aos seus cidadãos. Mas deve. Deve o respeito à igualdade de todos perante as mesmas oportunidades, sem discriminações. E deve o garante da dignidade humana, pilar fundador da República. Coisa pouca para a educação-mercadoria. Coisa muita para a arte de educar e para as necessidades da cidadania.  

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

11/09/2013

Privatizem também a nuvem que passa

no Público,
11 de Setembro de 2013


Privatizem também a nuvem que passa 

Santana Castilho*

O ano-lectivo que agora se inicia está marcado, pobremente marcado: pelo afastamento da profissão de muitos e dedicados professores; pela redução, a régua e esquadro, sem critério, de funcionários indispensáveis; pela amputação autocrática da oferta educativa das escolas públicas, para benefício das privadas; pela generalização do chamado ensino vocacional, sem que se conheça qualquer avaliação da anterior experiência limitada a 13 escolas e agora estendida a 300, via verde de facilitismo (pode-se concluir o 3º ciclo num ano ou dois, em lugar dos três habituais) e modo expedito de limpar o sistema de repetentes problemáticos; pela imposição arbitrária de decisões conjunturais de quem não conhece a vida das escolas, de que as metas curriculares, a eliminação de disciplinas, o brutal aumento do número de alunos por turma e as alterações de programas são exemplos; pelo medo do poder sem controlo, que apaga ao dobrar de qualquer esquina contratos de décadas e compromissos de sempre; pela selva que tomou conta da convivência entre docentes; pelo utilitarismo e imediatismo que afastou a modelação do carácter e a formação cívica dos alunos; pela paranoia de tudo medir, registar e reportar, para cima, para baixo, para o lado, uma e outra vez, e cujo destino é o lixo, onde termina toda a burocracia sem sentido; pelo retrocesso inimaginável, a que só falta a recuperação do estrado e do crucifixo.

Providencialmente no tempo (imediatamente antes de se concretizar mais um despedimento colectivo de professores, que marca o ano-lectivo) vieram a público dados estatísticos oficiais. Primeiro disseram-nos que em 2011/2012 tivemos nos ensinos básico e secundário menos 13.000 alunos que no ano anterior. Depois, projectando o futuro, prepararam-nos para perdermos 40.000 até 2017. Providencialmente, no momento, omitiram que, de Janeiro de 2011 a Junho deste ano, desapareceram 47.000 horários docentes. Políticos sérios não insinuam que esta redução de docentes se deve à quebra da natalidade. Trapaceiros, sim.

Nada justifica a desumanidade com que se trataram os professores contratados. Nada justifica o ministerial sadismo de obrigar ao ritual do Fundo do Desemprego, por escassos dias, aqueles que acabarão por ser contratados. Nada justifica o anacronismo de impor um exame de selecção a quem já é professor há uma década e mais, ao mesmo tempo que se entrega a leccionação de disciplinas curriculares a quem nem sequer tem habilitação científica na área.

Na Educação acabaram as subtilezas e perdeu-se a vergonha. Se Fernando Negrão, juiz de carreira e deputado de circunstância, expressou vincado desacordo pelo ensino da Constituição nas escolas, se Passos Coelho clamou pela “União Nacional” e, raivoso com o quinto chumbo constitucional (que impediu o despedimento sem justa casa dos funcionários públicos e foi significativamente decidido por unanimidade) recorreu à boçalidade de linguagem para referir explicitamente os respectivos juízes e, implicitamente, o Presidente da República, por que razão seria Crato recatado e decente? Na mesma altura em que a falácia da “liberdade de escolha” foi o argumento para um passo determinante na privatização do ensino e para a ampliação sem peias das parcerias público-privadas na Educação, (outra coisa não são os contratos de associação já vigentes) o preclaro ministro cerceou a liberdade de escolha relativamente às escolas públicas, quando não autorizou o funcionamento de turmas constituídas em função das decisões dos alunos e das famílias. A engenharia social e económica que o Governo acaba de consumar com a aprovação do novo estatuto do ensino particular, a consumar-se com a regulamentação sucessiva que se espera, não se afastará daquela que protege as rendas escandalosas dos sectores energéticos, bancários, das rodovias e outros. Eis o Estado do futuro, o Estado escravo, cujo poder deixou de ser delimitado pela lei. Uma vez mais, a Constituição da República acaba de ser revista por decreto do Governo, que derrogou o carácter supletivo do ensino privado nela contido.

A agenda escondida com o objectivo de fora deste Governo é a substituição do Estado social possível, laboriosamente construído em 39 anos de democracia, por um Estado neoliberal, redutoramente classista. Para o conseguir, e a coberto do fantasma da falência, o Governo tem-se encarniçado em reduzir o Estado a funções mínimas de obediência aos titereiros do regime, privatizando o resto. Como fixou Saramago naquele belo naco de prosa que nos deixou desde Lanzarote, não escapará “a nuvem que passa” nem o sonho, “sobretudo se for diurno e de olhos abertos”. Pela mão de Passos e de Crato, abriu o assalto final à Educação. Não lhe declararam a privatização, como fizeram com a água. Mas, sorrateiramente, com melífluas justificações, querem consumá-la.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

28/08/2013

Ainda o cheque-ensino

no Público
de 28 de Agosto de 2013

por Santana Castilho*

 Ainda o cheque-ensino

O presidente do “Fórum para a Liberdade de Educação”, Fernando Adão da Fonseca, interpelou os leitores do artigo que escreveu neste jornal, no passado dia 25, sob a epígrafe “A liberdade de educação e os inimigos da liberdade”. Antes, referindo-se à proposta de revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, classificou os comentários que se têm produzido sobre o tema em dois exclusivos grupos: os que visam “simplesmente confundir o esclarecimento do que está em causa” e os que demonstram “uma oposição reacionária a qualquer mudança”. Porque sou um dos interpelados (li o artigo) e porque sou um dos visados (ousei comentar o tema), importa dizer algo. Comecemos pelas interpelações. Pergunta Adão da Fonseca se o reconhecimento de pertencer aos pais a tutela primeira sobre a educação dos filhos traduz valores de “esquerda” ou de “direita”. A resposta é óbvia e é o articulista que a dá, quando nos recorda que o conceito está contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Insiste Adão da Fonseca e volta a perguntar se o direito dos pais orientarem a educação dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas é coisa da “esquerda” ou da “direita”. E volta ele próprio a dar, liminarmente, a resposta ao que pergunta, com manifesta redundância, quando cita que tal direito está contido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Finalmente, reincide Adão da Fonseca, perguntando se é apanágio da “esquerda” ou prerrogativa da “direita” a liberdade de aprender e ensinar, que a Constituição da República Portuguesa consigna. As questões que Adão da Fonseca escolheu para interpelar os leitores não são propriedade da “esquerda” nem reduto privado da “direita”. São questões de direitos básicos, humanistas, que a todos incumbe proteger. Adão da Fonseca sabe-o e o que escreveu demonstra-o. Por que fez, então, tais perguntas? Porque quando estendeu o indicador acusando os autores dos comentários desfavoráveis à generalização do cheque-ensino se esqueceu do polegar espetado, que o aponta como querendo, ele sim, “confundir o esclarecimento do que está em causa”. E o que está em causa é saber se deve o Estado financiar o ensino privado e se podemos falar de Educação, como faz Adão da Fonseca, como “mercado da educação”.

Retomo o que já escrevi para relembrar que a Constituição da República fixa ao Estado (Artigo 75º) a obrigação de criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. O DL 108/88 mandou que a referida rede se fosse desenvolvendo (Artigo 3º), começando por construir escolas em locais onde não existissem escolas privadas. Assim, o legislador protegeu, e bem, as escolas privadas já instaladas, numa lógica de economia de meios. Através de “contratos de associação”, o Estado tem vindo a pagar integralmente o custo do ensino que as escolas privadas ministram a alunos que habitam em zonas não cobertas pela rede pública. E continua a pagar, desta vez mal, em zonas onde a rede pública é suficiente, delapidando recursos públicos para proteger interesses privados. É aquilo e não mais que aquilo que o Estado deve financiar. O sistema de ensino português tem dois subsistemas: um público, outro privado (cerca de 20% da rede é privada). Querer tornar os dois indiferenciáveis, por via da falsa questão da liberdade de escolha, é uma subtileza para fazer implodir o princípio da responsabilidade pública no que toca ao ensino. Os cidadãos pagam impostos para custear funções do Estado. Uma dessas funções, acolhida constitucionalmente, é garantir ensino a todos. Quando pago impostos não estou só a pagar o ensino dos meus filhos. Estou a pagar o ensino de todos. Se escolho depois uma escola privada, sou naturalmente responsável por essa escolha. A diversidade também se cumpre permitindo que as escolas públicas se diferenciem umas das outras, por via autonómica efectiva.

Adão da Fonseca invoca diversos estudos que a associação que dirige tem divulgado, para sustentar a tese que defende. Mas acrescente-se que por cada estudo pró, podemos encontrar outro contra. Basta seguir as fontes de financiamento e conhecer a ideologia das instituições que os promovem. Se pendermos para as mais independentes, a bondade redentora do cheque-ensino estatela-se. Cite-se, por todos, o caso da Suécia, ainda que as condições económicas e sociais do país (detentor de um dos melhores, senão o melhor quociente GINI do mundo) torne sem sentido qualquer transferência de políticas para a nossa situação: os resultados dos alunos suecos caíram em sede de PISA, logo que o sistema se adoptou. E esta é, talvez, uma questão crucial a debater: podem os factos sociais surgir da importação/imposição de políticas alheias ou, outrossim, devem ser construídos socialmente, respeitando a realidade local, por maior que seja o novelo de dúvidas que a caracterize?

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

14/08/2013

As “swapadelas” de Crato e as piruetas de Grancho

Público,
14 de Agosto de 2013

por Santana Castilho*

Nos tempos que se sucederam ao 25 de Abril, os meses de preparação do ano-lectivo não eram fáceis. Recordo períodos de agitação social, sobretudo pela carência de espaço para albergar todos. Hoje, a meio de Agosto, temos professores sem horários, alunos sem escola e directores sem directivas. E, pesem embora os protestos, que são muitos, prevalece uma paz podre, que escancara portas à “swapagem” da competência mínima (para servir o público) pelo golpe máximo (para anafar o privado). Esta abulia cidadã, esta ausência de eficácia cívica perante as engenhosas formas de corrupção do futuro, permite, diariamente, o atropelo do Direito, da Moral e da Ética. Quanto mais tarde reagirmos, mas reagirmos de facto, com firmeza que diga não, não de verdade e para durar, maior será o número dos que ficam pelo caminho e mais tempo necessitaremos para reconstruir o que este Governo destruiu em dois anos de criminosa política educativa.
Duas velhas frentes adormecidas foram reabertas para apressar a implosão do ensino público: o exame de acesso à profissão docente e o cheque-ensino. A manobra justifica público comentário. 

Comecemos pelo exame e por um aspecto menos tratado, expediente comum à dupla Lurdes-Crato: não podendo alterar leis-quadro (Constituição da República Portuguesa e Lei de Bases do Sistema Educativo), por carência de maioria qualificada de votos, derrogaram-nas pela via legislativa comum. Assim, quando Maria de Lurdes Rodrigues procedeu à revisão do Estatuto da Carreira Docente (DL nº15/2007), adulterou as condições de aquisição da respectiva qualificação profissional (nº1 do artigo 34º da Lei de Bases), juntando-lhes, sub-repticiamente, uma prova de avaliação de conhecimentos e competências. Mas, nesse momento, a prova era necessária apenas para efeitos de concurso a lugares de quadro (artigos 17º, 22º e 36º do DL nº 15/2007). Quando a excrescência foi regulamentada em 2008 (Decreto-Regulamentar nº3/2008), foi seraficamente aproveitada a oportunidade para mais um atropelo. O que na lei dizia apenas respeito à entrada nos quadros foi estendido a qualquer contrato administrativo. Por peso de consciência e resquícios de pudor mínimo, a coisa jazeu sem aplicação durante seis anos. Recuperando-a agora, o Ministério da Educação e Ciência vem, como anteriormente escrevi, reiterar dois factos: que não confia nas instituições de ensino superior que formam professores e que os professores não podem confiar no Estado. Com efeito, as universidades e os politécnicos que formam professores não são organizações clandestinas. Foram reconhecidas pelo Estado como competentes para tal. Para operarem têm que obedecer às exigências do Estado, designadamente no que respeita aos planos de cursos. O Estado fiscaliza-as e pode fechá-las, se deixar de lhes reconhecer qualidade. O Estado é, pois, tutor de todas. Mas, mais ainda, o Estado é dono da maioria. Neste quadro, a prova de avaliação de conhecimentos e competências mostra que o Estado não confia nelas nem em si próprio. E não venha o secretário de Estado Grancho com os argumentos que usou para responder à matéria, na última edição do Expresso. Dizer que noutras profissões também é assim, citando magistrados, médicos ou arquitectos, patenteia ignorância ou desonestidade intelectual. Das escolas de formação de professores sai-se, legalmente, com um título profissional e uma licença para exercer uma profissão. Das faculdades de direito não se sai magistrado. Sai-se com um conhecimento que abre portas para diferentes profissões, a que se chega mediante formação e exames complementares. Das faculdades de medicina não se sai médico, como das escolas de arquitectura não se sai arquitecto. Uma e outra profissão são tituladas pelas respectivas ordens, que as regulam. Dado o envolvimento de longos anos do secretário de Estado Grancho na criação de uma Ordem de Professores, ainda que falhado, a pirueta que protagonizou no Expresso inclina-me a concluir que, das duas hipóteses, se trata de desonestidade intelectual. Sustentar, como sustentou, no refinado “eduquês” que Crato combatia, a necessidade de usar a prova de acesso para aferir “capacidades transversais”, que, especificou, visam “a mobilização do raciocínio lógico, a resolução de problemas ou a capacidade a nível da leitura e da escrita”, em professores que somaram um mestrado (alguns até um doutoramento) a uma licenciatura, exercem a actividade docente, sucessivamente avaliada com as notas máximas, há 10 e mais anos e agora são equiparados a crianças do ensino básico, é atirar lama sobre quem devia respeitar e cobrir de ridículo as tretas, vemos agora, que apregoava quando era presidente da Associação Nacional de Professores. 

A tudo isto acresce que, a 28 de Junho de 1999, um acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado entre organizações interprofissionais, foi vertido em directiva do Conselho da União Europeia. E que diz o artigo 4º do acordo a que passaram a dever obediência os estados-membros? Que “… não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável, pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo …”. Poderá, assim, o Estado português exigir uma prova aos contratados, que não exigiu nem exige aos professores dos quadros? Ou teremos, tão-só, maquiavelicamente, Crato a abrir mais uma divisão purulenta entre os professores de carreira e os contratados, esmagando o referencial de equidade que deve prevalecer na administração pública e violando o direito de igualdade de acesso ao emprego público? 

Vejamos agora o cheque-ensino e comecemos por relembrar que Crato disse cedo ao que vinha (entrevista à RTP, em Setembro de 2011). Disse que os cheques-ensino seriam aplicados em Portugal, depois de estudar experiências internacionais. A investigação abundante sobre a exportação/importação de políticas educativas (vide os trabalhos de João Barroso, Gita Steiner-Khamsi e Dale, entre tantos outros) alerta-nos para a recorrente invocação de modelos estrangeiros como simples argumento de autoridade (subserviente, acrescento eu) para validar decisões já tomadas. O ministro em funções e os partidos do Governo devolvem agora os apoios que receberam para chegarem ao poder. Não se trata de manobras de catacumbas, nem ilegais. São conhecidos os nomes dos protagonistas, as designações das organizações e é reconhecida a legitimidade para defenderem os seus interesses, que são particulares. Cabe-nos a nós, aos que pensam como eu, defender os nossos, que são públicos. As reflexões que se seguem pretendem contribuir para um debate que se deseja: 

1. Nas circunstâncias actuais, só um cidadão ensandecido acreditará que cresça a despesa consignada à Educação. O financiamento do cheque-ensino, a adoptar-se agora a medida, significaria, sempre, o desinvestimento no ensino público. A decantada “escolha” não deixa escolha à alternativa: não é público mais privado; é privado contra público. Assim, a universalização do cheque-ensino, nas condições financeiras e económicas do país, é liminarmente inviável. 

2. A liberdade de escolha que o cheque-ensino proporcionaria não pode ser dissociada de variáveis que ultrapassam a questão ideológica e perverteriam de imediato o seu fundamento. Com efeito, 80% dos estabelecimentos de ensino privado situam-se nos concelhos com os maiores índices de desenvolvimento (grandes cidades e litoral). Onde ficaria a liberdade de escolha para as famílias de Alijó, Pinhel ou Mourão? E mesmo nos grandes centros, que aconteceria se todos os alunos, de cheque-ensino na mão, demandassem o melhor colégio do seu bairro? O que a lei da oferta e da procura determina: esse colégio poria em prática um mecanismo de selecção dos candidatos, entrando os “melhores” e ficando à porta os “piores”. Caberá ao Estado fomentar e pagar esta “liberdade de escolha”, marcada à partida pela certeza da não entrada? 

3. O direito à Educação, que o Estado deve proteger, e o dever de cumprir o ensino obrigatório, que o cidadão deve cumprir, não cabem, em minha opinião, na lógica económica da simples prestação de serviços. Reclamo para o Estado um papel social e de soberania que o obriga a cooperar com cada estabelecimento de ensino, por mais recôndita que seja a sua localização, na missão constitucional de responder às necessidades de desenvolvimento das pessoas e das regiões em que vivem. A “liberdade de escolha” tem, constitucionalmente, que ser precedida pela garantia da igualdade de oportunidades. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

31/07/2013

O ministro da Educação-mercadoria

 
no Público de
31 de Julho de 2013,

por Santana Castilho*



O ministro da Educação-mercadoria

As coreografias políticas de inferior qualidade, geradas pela irresponsabilidade de Gaspar, Portas, Passos e Cavaco, varreram o importante sério em função do urgente falso. O país viveu as últimas semanas à espera da salvação e acabou condenado. Os pequenos delinquentes políticos foram premiados. Tudo voltou ao princípio. Os mesmos de sempre ficaram satisfeitos. Passos Coelho, qual garoto a quem perdoaram a última traquinice, retomou a sua natureza profunda. Foi escasso o tempo necessário para o ouvir recuperar o discurso de ódio à Constituição e aos funcionários públicos. Sem vergonha, resgatou a União Nacional. 

Com tal e eloquente fundo, surpreendem os dias de desespero que Nuno Crato vem laboriosamente oferecendo aos professores e à escola pública? Só a quem tem memória curta. E são, infelizmente, muitos. Atropelam-se os exemplos. 

1. Repito o que já escrevi: não houve nem há qualquer concurso nacional de professores. Houve, e continua a haver, um enorme logro. Uma espécie de dança macabra para dividir a classe, tornando mais fácil reduzir e despedir. Navegar por entre a teia kafkiana da legislação aplicável é um desesperante exercício de resistência. Só legisladores mentalmente insanos e socialmente perversos a podem ter concebido, acrescentando sempre uma nova injustiça à anteriormente perpetrada. O caso da Educação Especial é um belo exemplo. De um decreto exigente (nº 95/97), que uns respeitaram, a um despacho permissivo (nº 866/2013), que outros aproveitaram, vai apenas o poder discricionário do pequeno secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar. Professores com formação sólida e prática longa nas diferentes vertentes da Educação Especial estão a ser ultrapassados por colegas, oriundos de outros grupos de recrutamento, com especializações bem menos exigentes e sem prática no sector. Pelo meio, reclamações sobre o mesmíssimo problema decididas pelo ministério de forma oposta, recurso a tribunais e a deputados, que expressam indignação mas nada fazem, e a confiança no Estado reduzida a zero. 

2. Nos últimos dias, as escolas foram literalmente abalroadas com a imposição ministerial da redução do número de turmas e cursos profissionais. Trata-se de alunos já matriculados e aceites no pré-escolar, 1º ciclo, cursos de educação e formação e planos de currículos alternativos. A leviandade do ministério, promotor da autonomia das escolas pelo discurso e ferozmente dela castrador, pela prática centralizadora, deita fora o trabalho já feito para preparar o ano-lectivo. Para os poucos professores ainda contratados, adensa-se a negritude do futuro. Sobre o destino a dar aos alunos que escolheram as escolas públicas, só a mente capta de Crato nos poderá esclarecer. Colégios privados? IEFP? Recorde-se ao cidadão incauto, vítima da desinformação que se vai seguir, que isto ocorreu na véspera da publicação das turmas, na véspera da comunicação das necessidades de professores, na véspera dos concursos de Agosto, na véspera da concepção dos horários. Os directores dizem-se chocados. Mas até ao momento em que escrevo, não conheço um só que se tenha demitido. 

3. O Estado de direito é constantemente posto em causa pelo Ministério da Educação e Ciência. No caso vertente, que acima citei, o despacho nº 5048-B/2013 acaba de ser incumprido pelo ministro e pelos dois ajudantes que o assinaram. Nada lhes acontece. E o trio ri-se na cara dos directores, professores, pais e alunos. 

A 13 de Março transacto, denunciei aqui um caso grave em que o director-geral dos Estabelecimentos Escolares, José Alberto Duarte, foi alvo de queixa disciplinar. Que aconteceu? Gaveta funda do esquecimento. O ministro, o dito, seu amigo de estimação, e o secretário de Estado Casanova riram-se da cidadã que se queixou. Aparentemente, apenas se divisa uma consequência: as juntas médicas, pelo menos na jurisdição de Lisboa e Vale do Tejo, eclipsaram-se misteriosamente. Seria bom saber porquê e tornar clara a estranha relação com a estranha clínica que as executava. 

Sucedem-se cenas canalhas envolvendo directores (a última que me chegou refere-se ao Agrupamento de Escolas de Lagares e tem de tudo, droga e sexo incluídos). O arrastamento destes episódios, invariavelmente com disputas entre lóbis locais, sem esclarecimento e apuramento da verdade, deteriora a vida nas escolas, a níveis inaceitáveis. A Inspecção parece estar, neste e noutros casos, em licença sabática. O ministro cala-se, sem entender que a liberdade não pode ser apenas formal. Pais, professores ou alunos que não tenham dinheiro para procurar a Justiça nos tribunais, não têm, verdadeiramente, liberdade. Quem não tem dinheiro para pagar a justiça fora da Escola, por injustiças geradas na Escola, não tem liberdade para exigir justiça dentro da Escola. Nuno Crato não entende isto. Preocupa-o um só poder: o absoluto dos credores. É ministro da Educação-mercadoria. 

* Professor do ensino superior

17/07/2013

As escolhas de Cavaco Silva

no Público,
17 de Julho de 2013

por Santana Castilho *


Há pessoas com propensão para escolhas infelizes. Cavaco Silva, quando líder do PSD, escolheu Dias Loureiro para Secretário-Geral do partido e apadrinhou Duarte Lima no percurso que o levou a líder do respectivo grupo parlamentar. Já presidente da República, Cavaco Silva convidou João Rendeiro para dirigir a EPIS – Empresários pela Inclusão Social. Dias Loureiro não é propriamente alheio às trapalhadas que originariam a gigantesca burla do BPN. Duarte Lima é presidiário de luxo e suspeito de crime de homicídio. A fraude BPP tem um responsável: João Rendeiro. 

A 10 de Julho, 4 dias antes da comemoração da tomada da Bastilha (quem sou eu para lhe sugerir que revisite a França de 1789?), Cavaco disse branco e fez negro. Gritou por estabilidade e afundou todos em mais instabilidade: partidos, Governo em gestão e país em agonia. Não aceitando nenhuma das soluções que tinha, inventou a pior que alguém podia imaginar. O raciocínio que desenvolveu é mais uma das infelizes escolhas em que a sua vida política é pródiga. O compromisso que pediu significaria que, votar no PS, no CDS ou no PSD seria votar num programa único de Governo. O compromisso que pediu significaria o varrimento liminar do quadro democrático dos restantes partidos políticos, que desprezou. A escolha que fez significa que se atribuiu o poder, que não tem, de convocar eleições antecipadas em 2014, sem ouvir os partidos políticos nem o Conselho de Estado. Para quem jurou servir a Constituição, é, generosamente, uma escolha infeliz. 

A monumental trapalhada política, em que Gaspar, Portas, Passos e Cavaco mergulharam o país, tem múltiplas causas remotas e uma próxima. Esta chama-se reforma do Estado e apresentaram-na ultimamente sob forma de número mágico: 4.700 milhões de euros. Mas tem história. Como elefante em loja de porcelana, Passos Coelho começou por a associar à sua indefectível revisão constitucional e nomear revisor: Paulo Teixeira Pinto, artífice emérito da desgraça do BCP, apoiante da monarquia, conselheiro privado de D. Duarte Pio de Bragança e presidente da Causa Real. Escolha adequada, via-se, para cuidar da Constituição da República. Quando explicaram a Passos Coelho que a revisão da Constituição não podia ser decretada pelo putativo presidente da Assembleia da República, que o génio de Relvas arrebatou à Assistência Médica Internacional e ele, Passos, já havia elegido em nome dos deputados que ainda não tinham sido eleitos, a reforma do Estado mudou de rumo: o objectivo passou a ser “enxugar” o monstro por via da exterminação de organismos. O desastre ficou para os anais do insucesso, sociedades de advogados e consultores contentes, parcerias público-privadas presentes, rendas da energia crescentes e empresas parasitárias resistentes. Como camaleão que muda de ramo pachorrentamente, a reforma do Estado foi-se metamorfoseando: Passos chamou-a de “refundação do memorando com a troika” a seguir, “refundação do Estado”, depois, para chegar ao simples corte acéfalo, cego, bruto, da despesa pública, com que se estatelou no muro da realidade. Relvas ridicularizado. Gaspar em frangalhos. Portas de reputação mínima irrevogável. Povo exausto. Portugal pior. O que uniu desde sempre estes Irmãos Metralha da reforma do Estado foi a sua insubordinação militante relativamente à legalidade, à confiança dos cidadãos no Estado, à prevalência do interesse público sobre o privado. Foi o seu preconceito ideológico contra o Estado social, servido pelo vazio total de ideias sobre o funcionamento seja do que for, da Educação à Saúde, da Justiça à Segurança Social, da Economia à Cultura. 

Afogado em tanta lama, quando as circunstâncias parecem pesar mais que a ética e o carácter, o País está suspenso e alheio à educação dos seus filhos. 

Os resultados dos exames nacionais do 12º ano são preocupantes. São baixíssimas as médias nacionais em muitas disciplinas. Seria motivo para alarme nacional. Mas não foi. 

No site da Direcção-Geral da Administração Escolar, relatórios médicos sensíveis e confidenciais, relativos às doenças incapacitantes de que sofrem cerca de 3 centenas de professores ou familiares deles dependentes, estiveram expostos à devassa pública. Não tentem rotular de acidente aquilo que a tecnologia actual, definitivamente, pode impedir. Trata-se de incompetência inqualificável, que devia ser punida. Mas não foi. 
O mesmo ministério da Educação, que exigiu a crianças de 9 anos um termo de responsabilidade, escrito, garantindo que não eram portadores de telemóveis, antes de se sentarem a fazer o exame nacional do 4ºano, permitiu que alunos do 6º e 9º, chumbados em cumprimento das regras vigentes, por o terem usado durante a prova de Português, a repetissem na 2ª fase. Quem assim decide, começa cedo a industriar os pequenos no caminho da corrupção. Devia ser punido. Mas não foi. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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comentários retirados daqui:


Como sempre ''EXCELENTE''....foi um professor que me marcou pela positiva desde o tempo da ESCOLA PREPARATÓRIA FRANCISCO DE ARRUDA(Alto de sto Amaro) sempre muito justo .....

Texto extraordinariamente clarividente e contundente. Continue a partilhar connosco porque tudo o que diz e escreve é do melhor que há. Um abraço

Como sempre de uma transparência inigualável. Isto é que os incomoda, mas a nossa função é mesmo essa! Obrigada pelo que faz por todos nós. Um abraço.

Texto lúcido e corajoso. No fundo, o que define quem tem coluna vertebral. Parabéns, professor.

Acutilante, como, aliás, é seu hábito, Professor!! Bem haja! 

Mais uma vez acutilante, excelente, bem ao estilo do professor.

José Manuel Pereira
Belíssima e lúcida análise, Professor! Parabéns pelos textos que escreve!

Augusto Coelho
Absolutamente BRILHANTE !!!!! Um abraço

Maria Antónia Pinto
O Professor tem uma consciência cíivica e política como poucos......

Celestino Gonçalves Oliveira
Professor, felicito-o pelo excelente texto que escreveu. Subscrevo-o na íntegra e vou partilhá-lo. Um abraço

Antónia Cardoso
Brilhante , como sempre. Obrigada por nos presentear com excelentes textos.

Manuela Gomes Alves
Simplesmente genial.

Joaquim Conde
Cristalino, como é a da (sua) praxe. Abraço, professor 

João Vitor 
É de BEJA e basta!!!

16/07/2013

última hora: SC na TVI24

O Professor SANTANA CASTILHO está agora (15h13') no programa "Discurso Directo", na TVI 24. Assunto: resultados dos exames nacionais

03/07/2013

"a arte de educar" em Santarém

3 de Julho, pelas 14.30
auditório da Escola Superior de Saúde de Santarém

"A escola que temos e a que gostaríamos de ter e os desafios da educação de hoje" são os temas do 1º encontro "A arte de educar", que a Escola Alexandre Herculano vai realizar hoje 

Na parte da tarde, o Professor Santana Castilho é o convidado a intervir no debate "a arte de educar", a que se segue um período de reflexão e debate aberto a todos os participantes.


Um Governo swap

in Público,
3 de Julho de 2013

por Santana Castilho*

Um Governo swap

1. O fim da greve dos professores, primeiro, e a demissão de Gaspar, depois, atiraram para o limbo do quase esquecimento o escândalo do exame de Português do 12º ano. Mas a consciência obriga-me a retomar o tema, no dia (escrevo a 2 de Julho) em que se branqueia a iniquidade. Que teria feito a Inspecção, que aparecia sempre e este ano sumiu, se verificasse que se efectuaram exames sem o funcionamento regulado dos respectivos secretariados? Que houve vigilantes desconhecedores das normas básicas, socorridos no acto … pelos próprios examinandos? Que se realizaram exames sem a presença de professores coadjuvantes? Que professores de Português vigiaram exames? Que não foi garantida a inexistência de parentesco entre examinados e vigilantes? Que não houve um critério uniforme para determinar quem fez e quem não fez o exame a 17 de Junho? Que o sigilo, desde sempre regra de ouro, foi grosseiramente quebrado pela comunicação, em ambiente de tumulto público, entre o exterior e examinandos? Que se prestaram provas em locais inadequados e proibidos pelas regras vigentes? Que não foi respeitada a hora de início da prova? Que teria feito, afinal, a Inspecção, se … existisse? O óbvio, isto é, a recomendação da anulação do exame e o apuramento dos responsáveis pela derrocada do que se julgava adquirido. Consumada a trapalhada inicial, transformada a Inspecção em submissão, prosseguiu a farsa com o Despacho 8056/2013, que, preto no branco, contrariou a lei e mandou admitir à repetição da prova todos, sem excepção, que a não tinham feito, independentemente do motivo. A última palavra, corrigindo o despacho, deu-a … o Gabinete de Imprensa do ministério. Tudo brilhante, em nome do rigor, sob a responsabilidade política do ministro do rigor. Espanta isto no dia em que Maria Luís Albuquerque substitui Gaspar? Claro que não. Este é um Governo swap. Um Governo que troca o que lhe dá jeito, particularmente a ética, pela sobrevivência a qualquer custo. 

2. É ainda a consciência que me dita uma palavra sobre a greve dos professores. Fora eu dado ao swap e ficaria calado, que era mais fácil. Mas não sou. Os motivos invocados pelos sindicatos para decretarem a greve foram próximos e curtos. As razões que levaram 100.000 professores a abraçá-la foram remotas e longas. Remontam a toda uma política que Maria de Lurdes Rodrigues começou e Crato prosseguiu e reforçou com denodo. É minha convicção que a expressão da adesão à greve surpreendeu Governo e sindicatos. Não é pois possível medir-lhe os resultados sem a consideração do que é mais profundo, do que está para lá do recente. E aí chegados, a insatisfação assoma. Eu explico porquê. 

Há hoje um grupo de bem-pensantes que desconhece ou esqueceu a história do sindicalismo. Para eles, o exercício do direito à greve não deve ultrapassar o simbolismo coreográfico que terminou nos acordos anteriores. Mas a consciência política que os terá surpreendido, disse-lhes que há 100.000 que não aceitam trocar por lentilhas aquilo que outros conseguiram com décadas de padecimento e sacrifícios. Não há greves cómodas. Não há greves com resultados se não forem para doer. Esta greve poderia ter ido mais além. A bolsa dos professores não aguentaria muito mais tempo? Talvez! O protelamento das reuniões do 5º ao 11º anos, não passaria de um simples acumular de trabalho? Talvez! Mas … e se os conselhos de turma do 12º ano ainda não se tivessem realizado? 

A direcção de turma passou a estar incluída na componente lectiva? Mas era lá que estava há nada de tempo! Passou para 100 minutos? Mas antes da passagem recente para hora e meia, cifrava-se em duas horas! E que ganho objectivo resulta para os horários disponíveis, se a direcção de turma for atribuída (como é possível segundo o negociado) no quadro dos 100 minutos previstos para apoio pedagógico? Não fica anulado o efeito sobre a potencial recuperação de horários disponíveis? Ganhou-se o limite de 60 quilómetros para a mobilidade exigível aos vinculados, depois de se ter perdido uma estabilidade com mais de meio século? Mas é isso que já existia para todos os funcionários públicos! E 120 quilómetros de deslocação são aceitáveis para o dia-a-dia de quem trabalha? E os contratados, com vidas de mobilidade permanente? É decente, sequer concebível à luz das leis do trabalho, terem contratos sucessivos, durante 20 anos, com o mesmo patrão, que despoticamente lhes recusa estabilidade de emprego? Quando o Papa proclama, em boa hora, que não há mães solteiras, mas tão-só mães, não foi desta que se gritou que não há professores de primeira e professores de segunda, mas tão só professores. Ou cairemos, com o regozijo de termos evitado o vandalismo que o Governo projectava, na armadilha de calar as aspirações legítimas de uns com o retrocesso das aquisições de outros? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)


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comentários retirados daqui :

Helena Mercês de Melo Fantástica exposição da triste realidade! Obrigada professor por tanta lucidez e sentido de equidade.

Flavio Sousa Mais uma vez, obrigado pela sua lucidez. E agradeço em particular a referência aos docentes contratados, talvez os únicos profissionais do país cuja precariedade pode ser regularmente prolongada durante décadas.

Luisa Diogo Rigoroso e lúcido, como sempre. Obrigada, uma vez mais, por ser a nossa voz.

Anabela Branco Obrigado por ser a voz desta classe mal tratada !!!!

 Mário Jorge Sr. Professor, mais uma vez eloquente. Estamos todos gratos pelas suas sábias intervenções cívicas.

 Paula Castanheira É graças a pessoas como o senhor que ainda nos orgulhamos de ser quem somos.

Eduardo Coelho Na mouche!

Otelinda Oliveira O Professor, o seu discurso direto, clarividente e assertivo tem exorcizado as consciências e alguns professores têm encontrado nele um gd conforto. Só os governantes permanecem surdos...(...)

Carlos Cautela Obrigada Professor. Que a sua, (nossa) voz nunca se cale. Força e grande abraço !

 Alice Carreiras A sua voz é mesmo PRECISA. Muito OBRIGADA. Partilho.

Cristina Vasconcelos Tenho muito orgulho em ter sido sua aluna!

Horácio Ruivo Tem todo o meu reconhecimento, Professor, porque se mantém sempre desperto quando outros pretendem dissuadir-nos.

Luís Sérgio Rolão Mendes Tivessemos muitos "generais "como o professor e a guerra estaria ganha, quase nem precisaríamos de soldados, por isso, limitamo-nos a vencer batalhas- Bem -haja!

Iolanda Faria Muito obrigada por ter aceite o meu pedido de amizade, Professor. Nos dias que correm precisamos, cada vez mais, de pessoas com a sua sabedoria e sensatez. Bem-haja!

Fernando Augusto Lamento imenso que as "Televisões" não lhe dêem uma oportunidade em horário nobre para (continuar a) desmascarar este lamaçal em que vivemos! Saudações cordiais e obrigado pelos seus testemunhos e pela luta em nome de um país melhor!

Sofia Lara Obrigada pela amizade. Juntos para defendermos a escola, os professores e os alunos destas políticas completamente erradas que nada dignificam a educação, nem o nosso país.