3 de Julho de 2013
por Santana Castilho*
Um Governo swap
1. O fim da greve dos professores, primeiro, e a demissão de Gaspar, depois, atiraram para o limbo do quase esquecimento o escândalo do exame de Português do 12º ano. Mas a consciência obriga-me a retomar o tema, no dia (escrevo a 2 de Julho) em que se branqueia a iniquidade. Que teria feito a Inspecção, que aparecia sempre e este ano sumiu, se verificasse que se efectuaram exames sem o funcionamento regulado dos respectivos secretariados? Que houve vigilantes desconhecedores das normas básicas, socorridos no acto … pelos próprios examinandos? Que se realizaram exames sem a presença de professores coadjuvantes? Que professores de Português vigiaram exames? Que não foi garantida a inexistência de parentesco entre examinados e vigilantes? Que não houve um critério uniforme para determinar quem fez e quem não fez o exame a 17 de Junho? Que o sigilo, desde sempre regra de ouro, foi grosseiramente quebrado pela comunicação, em ambiente de tumulto público, entre o exterior e examinandos? Que se prestaram provas em locais inadequados e proibidos pelas regras vigentes? Que não foi respeitada a hora de início da prova? Que teria feito, afinal, a Inspecção, se … existisse? O óbvio, isto é, a recomendação da anulação do exame e o apuramento dos responsáveis pela derrocada do que se julgava adquirido. Consumada a trapalhada inicial, transformada a Inspecção em submissão, prosseguiu a farsa com o Despacho 8056/2013, que, preto no branco, contrariou a lei e mandou admitir à repetição da prova todos, sem excepção, que a não tinham feito, independentemente do motivo. A última palavra, corrigindo o despacho, deu-a … o Gabinete de Imprensa do ministério. Tudo brilhante, em nome do rigor, sob a responsabilidade política do ministro do rigor. Espanta isto no dia em que Maria Luís Albuquerque substitui Gaspar? Claro que não. Este é um Governo swap. Um Governo que troca o que lhe dá jeito, particularmente a ética, pela sobrevivência a qualquer custo.
2. É ainda a consciência que me dita uma palavra sobre a greve dos professores. Fora eu dado ao swap e ficaria calado, que era mais fácil. Mas não sou. Os motivos invocados pelos sindicatos para decretarem a greve foram próximos e curtos. As razões que levaram 100.000 professores a abraçá-la foram remotas e longas. Remontam a toda uma política que Maria de Lurdes Rodrigues começou e Crato prosseguiu e reforçou com denodo. É minha convicção que a expressão da adesão à greve surpreendeu Governo e sindicatos. Não é pois possível medir-lhe os resultados sem a consideração do que é mais profundo, do que está para lá do recente. E aí chegados, a insatisfação assoma. Eu explico porquê.Há hoje um grupo de bem-pensantes que desconhece ou esqueceu a história do sindicalismo. Para eles, o exercício do direito à greve não deve ultrapassar o simbolismo coreográfico que terminou nos acordos anteriores. Mas a consciência política que os terá surpreendido, disse-lhes que há 100.000 que não aceitam trocar por lentilhas aquilo que outros conseguiram com décadas de padecimento e sacrifícios. Não há greves cómodas. Não há greves com resultados se não forem para doer. Esta greve poderia ter ido mais além. A bolsa dos professores não aguentaria muito mais tempo? Talvez! O protelamento das reuniões do 5º ao 11º anos, não passaria de um simples acumular de trabalho? Talvez! Mas … e se os conselhos de turma do 12º ano ainda não se tivessem realizado?A direcção de turma passou a estar incluída na componente lectiva? Mas era lá que estava há nada de tempo! Passou para 100 minutos? Mas antes da passagem recente para hora e meia, cifrava-se em duas horas! E que ganho objectivo resulta para os horários disponíveis, se a direcção de turma for atribuída (como é possível segundo o negociado) no quadro dos 100 minutos previstos para apoio pedagógico? Não fica anulado o efeito sobre a potencial recuperação de horários disponíveis? Ganhou-se o limite de 60 quilómetros para a mobilidade exigível aos vinculados, depois de se ter perdido uma estabilidade com mais de meio século? Mas é isso que já existia para todos os funcionários públicos! E 120 quilómetros de deslocação são aceitáveis para o dia-a-dia de quem trabalha? E os contratados, com vidas de mobilidade permanente? É decente, sequer concebível à luz das leis do trabalho, terem contratos sucessivos, durante 20 anos, com o mesmo patrão, que despoticamente lhes recusa estabilidade de emprego? Quando o Papa proclama, em boa hora, que não há mães solteiras, mas tão-só mães, não foi desta que se gritou que não há professores de primeira e professores de segunda, mas tão só professores. Ou cairemos, com o regozijo de termos evitado o vandalismo que o Governo projectava, na armadilha de calar as aspirações legítimas de uns com o retrocesso das aquisições de outros?* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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comentários retirados daqui :
Helena Mercês de Melo Fantástica exposição da triste realidade! Obrigada professor por tanta lucidez e sentido de equidade.
Flavio Sousa Mais
uma vez, obrigado pela sua lucidez. E agradeço em particular a
referência aos docentes contratados, talvez os únicos profissionais do
país cuja precariedade pode ser regularmente prolongada durante décadas.
Luisa Diogo Rigoroso e lúcido, como sempre. Obrigada, uma vez mais, por ser a nossa voz.
Anabela Branco Obrigado por ser a voz desta classe mal tratada !!!!
Mário Jorge Sr. Professor, mais uma vez eloquente. Estamos todos gratos pelas suas sábias intervenções cívicas.
Paula Castanheira É graças a pessoas como o senhor que ainda nos orgulhamos de ser quem somos.
Eduardo Coelho Na mouche!
Otelinda Oliveira O
Professor, o seu discurso direto, clarividente e assertivo tem
exorcizado as consciências e alguns professores têm encontrado nele um
gd conforto. Só os governantes permanecem surdos...(...)
Carlos Cautela Obrigada Professor. Que a sua, (nossa) voz nunca se cale. Força e grande abraço !
Alice Carreiras A sua voz é mesmo PRECISA. Muito OBRIGADA. Partilho.
Cristina Vasconcelos Tenho muito orgulho em ter sido sua aluna!
Horácio Ruivo Tem todo o meu reconhecimento, Professor, porque se mantém sempre desperto quando outros pretendem dissuadir-nos.
Luís Sérgio Rolão Mendes Tivessemos
muitos "generais "como o professor e a guerra estaria ganha, quase nem
precisaríamos de soldados, por isso, limitamo-nos a vencer batalhas- Bem
-haja!
Iolanda Faria Muito
obrigada por ter aceite o meu pedido de amizade, Professor. Nos dias
que correm precisamos, cada vez mais, de pessoas com a sua sabedoria e
sensatez. Bem-haja!
Fernando Augusto Lamento
imenso que as "Televisões" não lhe dêem uma oportunidade em horário
nobre para (continuar a) desmascarar este lamaçal em que vivemos!
Saudações cordiais e obrigado pelos seus testemunhos e pela luta em nome
de um país melhor!
Sofia Lara Obrigada
pela amizade. Juntos para defendermos a escola, os professores e os
alunos destas políticas completamente erradas que nada dignificam a
educação, nem o nosso país.
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