Uma carcaça em decomposição
Brevemente, teremos António Costa a transformar uma carcaça em decomposição numa educação e numa escola pública que não existem. Antecipo-me ao contraditório a propósito do debate sobre o Estado da Nação para deixar aqui factos recentes, que degradaram ainda mais o sistema de ensino.
Já são cinco os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa que decretaram ilegais os serviços mínimos com que o ministro da Educação anulou as greves dos professores. Numa administração pública decente, este acontecimento teria consequências. Mas, na piolheira em que se movem, ministro e directores colaboracionistas não mexeram uma palha para anular, no mínimo ainda possível, as injustiças que cometeram. São as vítimas que têm de porfiar pela retirada das faltas injustificadas e pelo arquivamento dos processos disciplinares instaurados.
Um projecto de decreto-lei volta a baixar as habilitações necessárias para se ser professor, ainda que só nos casos de contratação pelas escolas. Assim, o mínimo exigível aos licenciados pós-Bolonha para dar aulas de Matemática, História, Filosofia, Geografia, Matemática, e Informática baixa de 120 para 90 créditos ECTS (Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos). Recordo que uma licenciatura corresponde a 180 ECTS. Em vez de aumentar os incentivos para fazer retornar à docência milhares de professores que a abandonaram, apesar de terem habilitação profissional completa, o Governo escolheu a via mais fácil: desqualificou a profissão, reduzindo os requisitos.
A Portaria 190-A/2023 expressa a visão do Governo relativamente à primeira infância: as creches vão poder funcionar noites adentro, ao fim-de-semana, com mais duas crianças por sala, nas salas destinadas a crianças até aos dois anos, e … em contentores. Sim, leu bem: em contentores. “Melhorar a conciliação entre trabalho, vida pessoal e familiar”, “garantir igualdade de oportunidades no trabalho entre mulheres e homens” e fixar que “o horário de funcionamento da creche deve ser o adequado às necessidades dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais” são nacos de prosa, citados do texto da portaria, que exprimem bem a preocupação do Governo: tudo dispor para que a “produtividade” do “capital humano” não seja perturbada. Qualquer referência aos direitos das crianças, começando pela perniciosa prática de passarem os primeiros anos de vida entregues a cuidadores outros que não os pais naturais, uma simples menção a uma intencionalidade política de ampliar direitos de maternidade e de paternidade, reduzindo, por exemplo, o tempo de trabalho dos progenitores, ou de reforçar o número de trabalhadores, como resposta ao aumento do número de crianças por sala, estão olimpicamente excluídas do texto legal. As escassas palavras que se referem às crianças, porque acompanhadas de decisões visando apenas a protecção do trabalho, são pura hipocrisia.
A inclusão de um razoável número de perguntas de escolha múltipla na prova de Português do 9º ano e no exame do secundário não deve passar sem reparo. Um teste de escolha múltipla pode medir com rigor. Mas perguntas desgarradas não irão além da lógica do Totoloto e da “raspadinha”. Um teste de escolha múltipla bem construído supõe uma bateria de perguntas, que interagem e se validam ou invalidam em cascata. Não é um jogo de azar. Mas um teste de escolha múltipla, muito menos perguntas avulso e desconexas, será sempre impróprio para verificar se um aluno é capaz de exprimir uma ideia original, reproduzir de forma compreensível as ideias dos outros e usar com correcção o código de escrita, falemos de ortografia, sintaxe ou semântica. Admitir que a grandeza da nossa língua possa ser espartilhada por jogos de azar é um triste e redondo disparate. Maior ainda quando o primeiro responsável é catedrático de Linguística.
Na prova final de Matemática do 9º ano, numa escala em que o valor mínimo é 0% de respostas certas e o máximo é 100%, a média nacional ficou-se nos 43%, cifra que expressa uma regressão aos indicadores de há dez anos. Não chegaram ao limiar do nível positivo 58% dos alunos. Num universo de 94500 provas realizadas no continente, 9527 alunos obtiveram resultados situados no intervalo 0 a 10%. Houve 3131 alunos que não acertaram uma só resposta. Em resumo, um fracasso que nenhuma justificação pode esconder.
In "Público de 19.7.23
Sem comentários:
Enviar um comentário