26/10/2011

Quando a mentira oprime a nação

in Público, 26/10/2011

Quando a mentira oprime a nação
Santana Castilho *

Ricardo Santos Pinto, do blogue “Aventar”, prestou-nos um serviço cívico: recolheu em vídeo (ver) afirmações e promessas de Pedro Passos Coelho, enquanto candidato a primeiro-ministro. O cotejo desse impressivo documento com as medidas tomadas pelo visado, nos curtos quatro meses de poder, evidencia o colossal logro em que os portugueses caíram. Se em quatro meses a sua acção é pautada por tanto despudor e falta de ética, que sobra à nação para lhe confiar quatro anos de governo?

O orçamento do Estado para 2012 é bem mais bruto que o tratamento “à bruta” que Passos Coelho recriminou a Sócrates, no vídeo em análise. Aí se consagra, com uma violência desumana, o que Passos Coelho disse que nunca faria: confisco de quatro meses de salários aos servidores públicos e reformados; fim de deduções fiscais; aumento de impostos, designadamente do IRS e IVA. Ao embuste ardilosamente tecido em ano e meio de caça ao voto acrescenta-se a falácia com que se justifica o assalto aos que trabalham. Com efeito, muito mais que a invocada má gestão das contas públicas no primeiro semestre, da responsabilidade de Sócrates, pesa a irresponsabilidade da Madeira e o caso de polícia do BPN. Na primeira circunstância, ocultando manhosamente o plano de ajustamento, antes das eleições, Passos Coelho protegeu Jardim e escamoteou quem saldaria o escândalo. Sabemos agora que são os funcionários públicos e os pensionistas. Na segunda, enquanto os responsáveis pelo tenebroso roubo permanecem impunes, os contabilistas que governam venderam o BPN ao desbarato, limpinho das dívidas colossais. O povo vai pagar e pedem-lhe agora que não bufe, por causa dos mercados.

Passos Coelho manipula grosseiramente os factos quando afirma que a média salarial da função pública é 15 por cento superior à dos trabalhadores privados. Ele sabe que a qualificação média dos activos privados é bem mais baixa que a homóloga pública, onde trabalham, entre outros técnicos de formação superior, milhares de médicos, professores, juízes, arquitectos, engenheiros e cientistas. Para que a comparação tenha validade, há que fazê-la entre funções com idênticos requisitos académicos. A demagogia não colhe. Como não colhe o primarismo de dizer que não estendeu o corte dos subsídios aos privados porque o Estado não beneficiaria, mas sim os patrões, que pagam os salários. Esqueceu-se de como fez com o corte deste ano? Ou toma-nos por estúpidos?

O orçamento esconde-se cobardemente atrás da troika para invocar a inevitabilidade das suas malfeitorias. Mas vai muito para além do que ela impõe e expõe a desvergonha da ideologia que o informa: quando revê a Constituição da República por via contabilística; quando poupa, sem escrúpulos, os rendimentos do capital e esquece os titulares das reformas por exercício de cargos públicos, numa ostensiva iniquidade social; quando permite que permaneçam incólumes os milhões que fogem ao fisco; quando compromete, sem réstia de tacto político, a solidariedade entre os cidadãos, pondo os que trabalham no sector privado contra os que trabalham no sector público; quando, atirando o investimento na Educação para o último lugar da União Europeia, ao nível dos indicadores do terceiro mundo, não só não desce o financiamento do ensino privado como o aumenta em nove milhões e 465 mil euros; quando, depois de apertar como nunca o garrote à administração pública, aumenta quase quatro milhões de euros à rubrica por onde pagará pareceres e estudos aos grandes gabinetes de advogados e outros protegidos do regime (Sócrates contentava-se com 97 milhões, Passos subiu para 100,7 milhões); quando, impondo contenção impiedosa nas áreas sociais, inscreve 13 milhões e meio para despesas de representação dos titulares políticos; quando, numa palavra e apesar do slogan do “Estado gordo”, apenas emagreceu salários e prestações sociais, borrifando-se nas pessoas e no país e substituindo o critério do bem comum pelo critério do bem de alguns.

Incapaz de ajudar o país a crescer, Passos tomou a China por modelo e acreditou que sairemos da fossa com uma economia repressiva e de salários miseráveis. Refém que está e servidor que é de grupos económicos e interesses particulares, Passos Coelho perdeu com este orçamento a oportunidade de resgatar o Estado. Ministério a ministério, não se divisa qualquer programa político redentor. Não existem políticas sectoriais. Se Passos regressasse à protecção de Ângelo Correia, Álvaro a Vancouver e Crato ao Tagus Park, Gaspar, só, geria a trapalhada que tem sido tecida de fininho. Recordemo-la. Em Maio passado, o memorando de entendimento que o PS, PSD e CDS assinaram com a troika consignava para 2012 cerca 4.500 milhões de euros de redução da despesa e cerca 1.500 de aumento da receita (leia-se impostos). Apenas três meses volvidos, o documento de estratégia orçamental do Governo para o período de 2011 a 2015 já aumentava os números de 2012: a redução da despesa pública crescia quase 600 milhões e as receitas a cobrar aumentavam quase 1.200, pouco faltando para a duplicação do número antes considerado. Foi obra, em três meses. A meio de Outubro, novo documento oficial reiterava os números anteriores. Mas eis senão quando, escassos dias volvidos, surge o orçamento, que passa a redução da despesa, em 2012, para quase 7.500 milhões e fixa o aumento de impostos em cerca de 2.900 milhões. Diferenças colossais em documentos oficiais, com quatro dias de premeio, merecem a confiança dos contribuintes? Com a classe média a caminho da pobreza e os pobres a ficarem miseráveis, a esperança morreu. Definitivamente. Bastaram quatro meses. Esperemos que o país acorde e se mobilize.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

20/10/2011

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por Santana Castilho

Qualquer programa de austeridade exige, para ser credível e aceite pelos que o sofrem, que seja desenvolvido sobre uma clara estratégia de gestão e uma sólida equidade social. O Orçamento de Estado para 2012 é um simples exercício contabilístico, a que falta uma e outra coisa. Do que contém, não se retira uma ténue ideia de crescimento económico. Sem isso, o ponto de chegada será o desastre. A incógnita é prevermos o tempo em que o teremos declarado.

No Governo, temos hoje um directório de contabilistas sem rasgo. Crato ocupa lugar de destaque. O que vai dizendo sobre Educação, ora pela vacuidade ora pelo disparate das afirmações, reconduz-me às memoráveis tiradas de Américo Tomás. Um objectivo para 2012 (pág. 197 do Relatório OE 2012) é reforçar a aposta no ensino profissionalizante dos jovens que frequentam o ensino básico. Por este andar ainda vou ver bancadas de torneiro mecânico nos jardins-de-infância. 

Supor-se-ia que os quadros de síntese do OE para 2012 (veja-se, por exemplo, o Quadro III.3.17. Despesa do Estado – Classificação Funcional, donde se retira uma quebra de 1.550,5 M€ no sector) estariam fundamentados num conjunto de medidas já descritas e quantificadas pelos responsáveis pelas políticas sectoriais. Mas não é isso que acontece. O contabilista- mor, Gaspar, disse ao guarda-livros, Crato, quanto tinha na taleiga. E este irá agora dar, com a incompetência já patenteada, o respectivo contributo para a hecatombe do futuro, atirando moedas ao ar. Fala-se por aí que reduzirá os tempos lectivos da História e da Educação Física. Que suprirá a segunda língua estrangeira. Que fará uma caldeirada entre a História e a Geografia. Que acabará com o par pedagógico da EVT. Em rigor, veio para escaqueirar o que faltava. Tanto dá por onde continuará o trabalho de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada. 

in Diário Económico

12/10/2011

O grau zero da decência e a excelência do cinismo

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in Público, 12/10/2011

O grau zero da decência e a excelência do cinismo

Santana Castilho *

Os argumentos que sustentam a revogação dos prémios de mérito dos alunos ilustram a excelência do cinismo. Comecemos pela incoerência. Nuno Crato foi um arauto da meritocracia, da superioridade dos resultados, da competição e do reconhecimento dos melhores. É verdade que nunca se ocupou a reflectir sobre o que é ser melhor em Educação, nem perdeu tempo a clarificar “as poucas ideias” (a expressão é dele próprio) que tem sobre ela. Mas apontou o “eduquês”, sempre, como a antítese daqueles paradigmas doutrinários. Ora os prémios que estoiraram eram o melhor símbolo da meritocracia e da oposição ao “eduquês”. Nuno Crato implodiu, portanto, a sua coerência. Vejamos agora a forma e a legalidade dúbia. O despacho está escrito em fino “eduquês”, redondo, cheio de frases reles, que Crato ridicularizou quando não era ministro. Cita mal e descuidadamente legislação de suporte. E rebenta, sem poder, com o que se consigna no Código Civil. Com efeito, a instituição dos prémios reveste a forma jurídica de “promessa pública”, cujo sentido é, assim, clarificado pelo nº1 do artigo 459º do citado código”: “Aquele que, mediante anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa”. Esta promessa pública, se não tiver prazo de validade, o que é o caso, é revogável a todo o tempo (nº 1 do artigo 461º). Mas a revogação não é eficaz (nº2 do artigo 462) “… se a situação prevista já se tiver verificado …”. E este é o caso. Quando o ministro revogou, já os factos que obrigavam ao cumprimento do prometido se tinham verificado, isto é, estavam apurados, há muito, os alunos referidos na promessa. Crato podia revogar para futuro. Mas não podia deixar de cumprir o que estava vencido, fazendo uma interpretação torta do Direito. E chegamos ao mais importante, à ética e à moral. Que acontece à ética quando se retiram, na véspera de serem recebidos, os prémios que se prometeram aos alunos? Que ética permite que a solidariedade seja imposta por decreto e assente na espoliação? Que imagem da justiça e do rigor retirarão os alunos, os melhores e os seus colegas, do comportamento abjecto de que os primeiros foram vitimas? Terão ou não sobeja razão para não acreditarem nos que governam e para lamentarem a confiança que dispensaram aos professores que, durante 12 anos, lhes ensinaram que a primeira obrigação das pessoas sérias é honrar os compromissos assumidos? Por fim, o despacho ordinário do ministro impõe a pergunta fatal: que moral o informa para, responsável por tal infâmia, quando confrontado com ela, apenas reconhecer uma falha de comunicação, por a decisão ter sido tomada a 19 de Setembro? Fora o primeiro-ministro além da contabilidade e Crato teria imediatamente ficado a saber, pela única via reparadora, que a emergência que vivemos não suspende a legalidade, a coerência e a ética, nem o dispensa da moral mínima. Já sabíamos que Crato queria endireitar a Educação medindo e classificando tudo e todos. Não sabíamos que pretendia formar o carácter dos alunos enganando-os e obrigando-os a serem solidários à força. Esclareceu-nos agora. Eficazmente. Sem deslizes de comunicação.

A aceitação de qualquer meio para chegar ao fim, baixo modo de fazer política, marca também a relação com os professores. Não é edificante que a trapalhada dos concursos esteja agora no Departamento de Investigação e Acção Penal. Nunca antes se tinha chegado a tal extremo. Independentemente do que de lá saia, há factos indesmentíveis. O processo usado para contratar professores é uma charada sem réstia de transparência e uma porta aberta às manipulações e aos golpes. Num dos momentos do concurso, designado por “Bolsa 2”, entre 15 e 19 de Setembro, quando as escolas quiseram manifestar horários anuais, a respectiva plataforma informática bloqueava essa opção e assumia-os como temporários. Foi o glorioso tempo dos professores ao mês, apressadamente corrigido a seguir. Dizer que os professores foram colocados em função do que constava na aplicação informática é, neste contexto, vil, demasiado baixo. Quando confrontado com os factos no Parlamento, Nuno Crato foi simplesmente demagógico. Falou de não poder contratar para além das necessidades. Ora ninguém lhe pediu que contratasse para lá das necessidades. Pediu-se-lhe que explicasse por que contrataram arbitrariamente. Por que manipularam horários. Por que permitiram que quem estava antes fosse ultrapassado por quem vinha depois. Com um vistoso jogo de cintura, para aligeirar o escândalo e as televisões servirem, Crato afirmou que apenas 0,4 (“Bolsa 1) e 0,1 (“Bolsa 2”) por cento dos professores reclamaram. O distinto matemático esqueceu-se de nos dizer a que universo se referia a percentagem. Mas só um é relevante: o dos cerca de 37.000 professores desempregados. Dado que os recursos foram 512 para a “Bolsa 1” e 152 para a “Bolsa 2”, as percentagens verdadeiras são 1,38 e 0,41 por cento, respectivamente, sem atender a que o universo do cálculo se reduziu entre os dois momentos considerados. Acresce, e não é de somenos, que quem queira reclamar se tem que sujeitar a um “conveniente” mecanismo de “consulta prévia” informática, prolixo, castrador, perito em brindar os irreverentes com a canalha mensagem: “O seu perfil de utilizador não lhe permite executar a operação pretendida”. 

O grau zero da decência a que o Ministro da Educação e Ciência desceu tem uma vantagem: daqui para a frente, por mais repugnantes que sejam as suas decisões, estaremos preparados. Nada surpreenderá as pessoas de bem. 


* Professor do ensino superior. (s.castilho@netcabo.pt)

28/09/2011

Pensar sem palas

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Santana Castilho *
Pensar sem palas

1. Eles serão fortes enquanto formos fracos e a indignação for só dalguns. Só pararão quando estivermos secos como os gregos e apenas nos restar o coiro, esbulhado todo o cabelo. Nas últimas semanas, depois do Instituto Nacional de Estatística e do Banco de Portugal terem “descoberto” o que muitos sabiam há anos, a degradação da política expôs-se em crescendo. Dum lado, reclama o PS contra o escândalo da Madeira. Do outro, grita o PSD que a responsabilidade pelo buraco do continente é do PS. Os dois têm razão. Porque os dois são culpados. Os notáveis do costume, alguns deles outorgantes da impunidade que protege a política, emergiram do ruído pedindo leis que sancionem os que gastam o que não está autorizado. Como se o problema fosse da lei, que existe e é ignorada, e não fosse dessa espécie de amnistia perpétua que decretaram. É, assim, fácil prever como terminará o inquérito que o Procurador-Geral da República determinou. O destino dos mesmos é o de sempre: sem o mínimo incómodo, muito menos de consciência, uns, eles, continuarão a dizer aos outros, nós, cada vez mais sufocados, que temos que pagar o que (não) gastámos. 

Sobre a Madeira, um notável de Bruxelas mostrou surpresa. Estava em Wroclaw, na Polónia, com todos os ministros das finanças da Europa. Foram para decidir sobre a Grécia, que se afunda e arrastará com ela a Europa e o euro. Não sei quanto gastaram, mas foi muito. Sei que decidiram coisa nenhuma. Sobre a Madeira, outro notável, o presidente da nossa República, disse com ar grave: “Ninguém está imune aos sacrifícios”. Estava nos Açores, onde teve a oportunidade de apreciar o “sorriso das vacas” e verificar que “estavam satisfeitíssimas, olhando para o pasto que começava a ficar verdejante”. Não sei quanto gastou, mas não terá sido pouco. Disse-me Rita Brandão Guerra, deste jornal, que Sua Excelência se fez acompanhar de 30 pessoas, 12 seguranças, dois fotógrafos oficiais, médico e enfermeira pessoais, dois bagageiros e um mordomo inclusos. 

2. “O cratês em discurso directo” podia ser o título desta crónica. Porque há uma prática evidente e um discurso, que emergem sob a responsabilidade de Nuno Crato, eticamente deploráveis. A 14 de Setembro, o Ministério da Educação e Ciência confirmou que as escolas só podiam contratar professores ao mês, mesmo que o horário fosse para o ano inteiro. Independentemente de ter emendado a mão, com justificações trapalhonas, pressionado pelas reacções, o importante é ter posto a nu a seriedade que não tem, a ética em que não se move e a facilidade com que calca a dignidade de uma profissão. Que pretenderiam as mentes captas dos seus responsáveis? Não pagarem Agosto? Interromperem o vínculo no Natal e na Páscoa? Aumentarem a competição mercenária a que estão a reduzir a Escola? Isto não é fazer política. A isto chama-se canibalizar a Educação. 

3. O pudor mínimo mandaria que o primeiro-ministro se recolhesse ao mosteiro do silêncio em matéria de avaliação do desempenho dos professores. Não sabe do que fala, nem sabe que não sabe do que fala. Mas falou. Falou para felicitar o Governo e destacar o rigor daquilo que o dito fez. No dia seguinte, o rigor tornou-se público: a avaliação dos mais de mil directores de agrupamentos e escolas é o primeiro paradigma da pantomina. Segundo a bíblia da econometria pública, o Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública, caberia aos directores regionais de Educação avaliá-los e classificá-los. Só que esses foram todos apeados. E os senhores que se seguem não cumprem o requisito legal de terem seis meses de contacto funcional com os avaliados. O desleixo, a improvisação e o amadorismo estão aqui. Mesmo que Passos Coelho os felicite. 

4. Quem também falou foi a Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário. Depois do que ouvi, em entrevista ao Correio da Manhã, fiquei esclarecido, que não surpreendido. Move-se no desconhecido, a Senhora. Foram constantes expressões como: “talvez”; “até pode ser”; “estamos a equacionar”; “estamos a trabalhar no estudo”; “ainda está em fase de estudo”; “ainda está a ser trabalhado”; “é nossa intenção fazer”; “é nossa intenção introduzir”; “é nossa intenção universalizar”. Quando saiu deste registo assertivo, esbarrou com a realidade. “Alargar o ensino pré-escolar a idades mais precoces”? Se agora estamos nos três anos, propõe passar os partos para o jardim-escola, para aproveitar o tempo? Menorizar a Educação Física? Escolarizar a educação da infância? Lastimável!

5. Talvez seja uma simples coincidência, mas no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues o processo foi o mesmo: em momento cirurgicamente escolhido, caiu na imprensa um número grande de faltas de professores. O Diário de Notícias de 26 transacto noticiou 514 mil dias de baixas médicas, de Outubro de 2010 a Janeiro de 2011. E apimentou o escrito com a suspeição de fraude. Tirada a fraude, que deve ser investigada e castigada, se confirmada, pensemos o facto sem palas. Relativizados os números e admitindo que os dias se distribuíam uniformemente por todos os docentes, estaríamos a falar de qualquer coisa que não chegaria a um dia (0.85) por mês, por professor. Mas não distribuem: há baixas prolongadas (gravidezes de risco, baixas pós-parto, doenças graves e assistência a filhos). E ainda há o período considerado, de Inverno, em plena visita do vírus H5N1. Entre tantas, três perguntas mereciam tratamento jornalístico: por que razão só agora foi tornado público algo que se verificou há oito meses? Quantos dias trabalharão os professores portugueses para além do seu horário de trabalho? Haverá relação causal entre as doenças dos professores e as políticas educativas seguidas? 

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* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

14/09/2011

Quando menos por menos não dá mais

in Público, 14/09/2011
Quando menos por menos não dá mais
Santana Castilho *
 
Em Álgebra, menos por menos dá mais. Mas o sistema educativo não se gere com as leis algébricas. Fazer mais com menos, como pede o ministro, supunha saber. E ele não sabe. Sou precoce na sentença? Não, não sou. A emergência financeira que o país vive não se compadece com estados de graça. Quem criticou tanto (ele, Crato) e jurou que faria tanto (ele, Passos), não pode chegar e cortar, só, cegamente, erradamente. Não podem ser mais rápidos que a própria sombra para cortar e taxar e remeterem para decisão posterior o que deviam fazer no dia seguinte à tomada de posse. 

O ano lectivo começa sob o signo do menos: menos 297 escolas para já, mais menos 300 daqui a pouco (lembram-se do ministro ter suspendido o fecho das 600 previstas e eu ter dito que era manobra para inglês ver? Era ou não era?); menos 5.000 professores contratados (concorreram às permanentes “necessidades transitórias” mais de 50.000, cuja formação custou, só em custos directos do Estado, 1.500 milhões de euros); menos (leia-se nenhuns) psicólogos e técnicos especializados contratados (se boa parte dos cursos profissionais já era de papel e lápis, agora passam ao limbo do virtual); menos verbas para a acção social escolar (no momento em que escrevo, as escolas não sabem o que lhes vai tocar, sendo certo que para muitos alunos é lá que podem tomar a única refeição quente do dia); menos dinheiro (até agora zero) adiantado às famílias sem nada, para a compra de manuais escolares (lembro que, há um par de meses, Marco António Costa, vice – presidente do PSD, defendia a gratuidade plena e universal); menos apoio às crianças deficientes; menos dinheiro para transportes escolares, a obrigar crianças de cinco ou seis anos a utilizarem, sozinhas, transportes públicos regulares; menos 506,7 milhões de um orçamento, que já este ano havia sido cortado em 800 milhões; menos (a tender para nenhumas) actividades extra-curriculares. Neste quadro de subtracção suprema, valha a verdade, também há sinais mais. São sinais mais que terminam em menos: mais 17 por cento no custo da electricidade, o que deixará as escolas com menos aquecimento; mais alunos por turma, que terão menos aproveitamento escolar. 

Que acrescentou Nuno Crato a este quadro menos? O aumento, errado, do tempo consignado à Matemática e ao Português (mais horas não significam, automaticamente, mais aproveitamento; há alunos que não precisam de mais horas; quem tanto espadeirou contra o centralismo do ministério deveria ter, imediatamente, dado liberdade às escolas para gerirem livremente uma bolsa de horas curriculares); o encerramento das 600 escolas, que começou por dizer que não encerraria; um “novo” modelo de avaliação do desempenho, que não passa da terceira versão recauchutada do que existia, paradigma de desonestidade política, de falta de rigor e de vergonhosos avanços e recuos, tudo numa farsa inominável; a extinção na continuidade das direcções regionais (veremos, daqui a um ano, se Nuno Crato se distingue do Tancredi, do “Il Gattopardo”); uma auditoria à Parque Escolar (tal como está anunciada é areia para os olhos dos incautos; a Parque Escolar está protegida pela lei iníqua que a rege e não cometeu ilegalidades; o problema é politico, pedagógico, ético e moral; o que havia a auditar era o estatuto e a filosofia fundadora, para extinguir, pura e simplesmente, única forma de proteger o interesse público); a imprudência assassina e desmotivadora de classificar como “inútil, mal organizado e palavroso” o novo programa de Português para os 1º, 5º e 7º anos, no momento em que o deixa entrar em vigor. Quanto a perspectivas, basta ler a entrevista que Crato deu ao “Expresso”. Ao concreto, responde nada. Sobre isto não tem coisas concretas a dizer no momento, sobre aquilo vai pensar e sobre o pouquíssimo que fez anuncia, desde logo, rectificações, prova da precariedade extrema do seu quadro decisório. Com um ministério que não conhece (confessou ter surpresas todos os dias), uma equipa sem história e que não escolheu, vazio de ideias e falido de dinheiro, continuará a pedir mais com menos?

Seria possível fazer mais com menos? Era, sabendo e chegando, preparado. Podia, sem custos, outrossim poupando milhões, ter removido das escolas todas as burocracias inúteis. Podia, sem custos, outrossim poupando milhões, ter suspendido, de coluna vertebral direita, o modelo de avaliação do desempenho. Podia, sem custos, com uma economia estimada de 50 milhões de euros, ter extinguido, em prazo bem mais curto e sem novas estruturas intermédias, as direcções regionais. Podia, sem custos, com vultuosas economias de escala futuras, ter intervindo imediatamente na Parque Escolar. Podia, sem custos, com poupança de milhões, ter já suspendido os desvarios das Novas Oportunidades (antes de cortar no ensino básico, devia cortar-se naquilo a que Passos Coelho disse ser “diplomar a ignorância”; só em publicidade foram gastos 27 milhões de euros). Podia, sem custos, ter proposto já um novo estatuto da carreira docente e um novo estatuto do aluno. Podia, sem custos, ter preparado um concurso nacional de professores, para pôr cobro ao desvario das contratações “ad hoc” e ao escândalo das permanentes necessidades transitórias. Podia, sem custos, ter proposto um novo modelo de gestão das escolas. Podia, sem custos, ter concebido uma nova estrutura orgânica do ministério. E podia muito mais, que o espaço não permite listar, tudo sem custos, se tivesse chegado preparado para assumir as responsabilidades que aceitou. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

12/09/2011

Santana Castilho no E.TV

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Acabei de assistir online a um debate no ETV (Económico.TV, um canal pago sobre assuntos económicos disponível em televisão apenas para aderentes)

Os oradores eram Santana Castilho (como convidado) e Pedro Vassalo * (comentador 'residente' à 2ª feira) e o tema qualquer coisa como "Educação em tempos de troika", ou, por outras palavras, "Os efeitos dos cortes orçamentais no estado da Educação".

Pedro Vassalo
Santana Castilho
Tenho pena de não poder disponibilizar aqui o vídeo do debate. Pena que o não tenham visto mais pessoas, que o não transmitam os canais de serviço público em horário nobre. Santana Castilho esteve SUPERLATIVO! Deu um autêntico baile a um Pedro Vassalo de má dicção, diletante e presumido, 'treinador de bancada' (palavras suas) sobre um assunto de que está positiva e vergonhosamente a leste, que (e, de novo, palavras suas) só conhece na condição de aluno!! Nada que o impedisse (atrevido como qualquer ignorante que se preze) de mandar 'bitaites' sobre o ministério da educação, a escola, os professores, o Parque Escolar! O dito senhor (ver currículo abaixo) trabalha na banca, poderá até perceber imenso do ramo em que exerce funções (calculo que principescamente pagas), mas de Educação e de políticas educativas percebe tanto como o ministro Nuno Crato, que o mesmo é dizer, NADA, um redondo, absoluto zero!
Santana Castilho foi o mestre perante um aprendiz pedante, insuportável como só os ignorantes que pensam que sabem tudo sobre todas as coisas, arrogante e simplório na opção de partir impreparado para debater Educação (como se de um tema menor se tratasse!), ainda por cima com o Homem que sobre o assunto dá cartas em Portugal! E como isso foi, mais uma vez, evidentíssimo, a preparação e o conhecimento dos dossiers, a memória prodigiosa contrapondo números e fontes, a inteligência e a acutilância de um discurso certeiro e limpo, as ideias claras de quem pensa e sabe das coisas.
Não sei se, no fim do programa, PV ficou mais humilde, menos seguro de si. Devia. Vi Santana Castilho aturar-lhe dislate atrás de dislate, como se lhe sobrasse pachorra para o nacional-bronquismo, as frases feitas e as ideias pré concebidas de um consultor de negócios que pouco se distinguiu, no oco palavrar sobre Educação, da tacanha dona de casa que, no último Opinião Pública, brindou quem a ouviu com o estafado slogan à la MST de que 'os professores ganham muito e não fazem nada'.


Alguns exemplos, e a transcrição possível do que se passou no programa:

Partindo da referência de Santana Castilho à 'perversão' matemática destas políticas educativas, em que menos com menos dá, não mais, mas menos- menos escolas, menos professores, psicólogos e outros técnicos de educação, menos apoios - a alunos com deficiência, à aquisição de manuais escolares ou de passes sociais..  e sobre os ditames da troika e além, sobre o cortar despesa em "tudo o que mexe" e que Pedro Vassalo  aprova como inevitável: (cortes)  "possíveis porque imediatos para um governo em funções há apenas 3 meses" [e eu nem vos conto da náusea que me provoca este argumento!] o que um e outro disseram:

PV: O orçamento do Ministério da Educação vai sobretudo para custos com pessoal, e isso (obviamente) implica despedir professores. --- !!!!!!!!
SC: «Há cerca de 4 mil administrativos em todo o sistema. Por comparação, na Suécia, apenas cerca de 200»
PV: (que "privou com muitos ministros da educação" e foi aluno, por isso crê poder opinar sobre o que se passa no mundo da Educação em Portugal : «Não há ministro da educação que consiga fazer alguma coisa, porque passa os dias a falar com os sindicatos, são milhares de pessoas!»
.. e ainda, confundindo professores com líderes sindicais :
«A classe docente  não colabora, nunca colaborou, em qualquer reforma que se faça no ME. Não querem que se corte uma vírgula no seu estatuto!» 
Nos antípodas, o que consegui anotar das intervenções de Santana Castilho:
«Isto não é uma democracia. É uma falsa democracia. Nós não elegemos um primeiro ministro, votamos num partido, e em Portugal são menos de 4% as pessoas filiadas em partidos. Eu não gosto desta democracia! E não quereria meter as pessoas no Campo Pequeno, mas queria políticos que não fossem apenas técnicos e contabilistas. Queria políticos com alma e coração. Um governo não pode gerir números, tem de gerir pessoas!»
«A maior farsa que se fez neste país a nível educacional foi o programa das Novas Oportunidades.»
«A Parque Escolar foi um expediente para desorçamentar o Estado.»
«O Ministério da Educação é um patrão que não tem vergonha. Anda a contratar há anos milhares de professores a título transitório.»
«O senhor (P. Vassalo) acha que temos de esperar mais tempo antes de criticar as políticas deste governo? Eu ando à espera há 30 anos! Eu, como pagador de impostos, tenho o direito de exigir a quem chega ao governo que saiba ao que vai, que tenha o trabalho de casa feito e aja no dia a seguir a tomar posse!»

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Experiência de Pedro Vassalo (para quem, como eu, nunca antes tenha ouvido falar neste senhor):
Director de Negócio Portugal: Novacaixagalicia (Banking industry - March 2011 – present)
Director Portugal - Caixa Galicia (Privately Held; Banking industry, 2000-2011)
Analista de Risco de Crédito (Banco Santander - Banking industry, 1996-2000)
Auditor-Coopers e Lybrand (Partnership; 10,001+ employees; Banking industry - 1993-1996)

Formação académica de Pedro Vassalo
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (1988 – 1993)
fonte


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entrevista de Santana Castilho ao Correio da Manhã, 
3 horas condensadas em 10 minutos:

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Santana Castilho:
"Nuno Crato não sabe o que é uma escola"
Professor defende que o ministro da Educação começou "o reinado como um autêntico palhaço da avaliação do desempenho" dos professores e fala em impreparação.
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Por:Janete Frazão / João Pereira Coutinho

xl.pt/detalhe/noticias/nacional/ensino/nuno-crato-nao-sabe-o-que-e-uma-escola
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31/08/2011

Uma oportunidade perdida

in Público, 31 de Agosto de 2011

Uma oportunidade perdida
Santana Castilho *

Que temos, dois meses depois? Pensões e salários violentamente tributados, dividendos e transferências para os offshores isentadas. Dez por cento do PIB nas mãos dos 25 mais ricos, cujo património aumentou 17,8 por cento. Impostos e mais impostos, que juraram não subir e de que se serviram para correr com o outro. Aumentos brutais do que é básico, da saúde aos transportes, passando pela electricidade e gás. Venda em saldo do BPN, sem direito sequer a saber os critérios da escolha da proposta mais barata, depois de todos nós termos subsidiado com 2.400 milhões de euros, pelo menos, vigaristas, donos e falsos depositantes. Afã para vender a água que beberemos no futuro. Quinhentas nomeações para a máquina do Estado, cuja obesidade reprovavam. Abolição da gravata. Espionagem barata com muito, mesmo muito, por esclarecer. Descoberta de um caixote de facturas não contabilizadas no esconso de um instituto em vias de fusão. Início da recuperação do TGV, antes esconjurado. Promessa de bandeirinhas nacionais em tudo o que se exporte. Um presidente que se entretém no Facebook, cobardia colectiva e mais uma peregrinação reverencial à Europa, que o primeiro-ministro inicia hoje. A tesouraria do Estado necessitou da troika. Mas o país dispensava o repetido discurso de gratidão subserviente de Pedro Passos Coelho. Aquilo a que ele chama ajuda é um negócio atípico. Atípico pelos juros invulgarmente altíssimos e atípico por o prestamista se imiscuir violentamente na vida do devedor, a ponto de ter tornado o Governo de um país com mais de 800 anos de história, outrora independente, num grémio administrativo de aplicação do acordo com a troika.


A marca mais impressiva de um Governo que fala de mudança sem a saber operar está na Educação. Quem gere hoje o ensino só se distingue do Governo anterior no estilo. Na essência da política não diverge. O desejo de implodir o ministério sucumbiu à evidente falta de ideias reformistas e à ditadura das circunstâncias e da inércia de sempre. Dois meses volvidos, a oportunidade perdida é irreversível.

Sobre a avaliação do desempenho dos professores, está tudo dito, seja no plano técnico, seja no político. Os resultados de 4 anos de teimosia são evidentes e resumem-se à destruição da coesão docente e do espírito cooperativo, que marca a essência de uma Escola. Passos Coelho chamou-lhe monstruosa e kafkiana e jurou que a suspenderia de imediato, se fosse Governo. Mas, afinal, a liturgia voltou. Os resultados serão desastrosos. Certo teria sido suspender o processo, como prometido, e condicioná-lo ao que de seguida abordo. Não o ter feito foi uma oportunidade perdida.

A Educação não é uma actividade mercantil. Mas a tarefa de lhe medir os resultados começou a ser contaminada pelo mercantilismo a que econometristas de sucesso e organizações internacionais preponderantes a passaram a submeter, a partir da década de 80. Uns foram na onda, outros não. Uns reflectiram, outros engoliram. Nós tragámos sofregamente. Era altura de arrepiar caminho. Um Governo preparado teria tomado três medidas imediatas: alterar o modelo de gestão das escolas, responsabilizando todos, pela via eleitoral, pelas escolhas feitas; assumir que a avaliação do desempenho dos professores é parte da avaliação do desempenho das escolas, dela indissociável, e que estes processos não são compagináveis com modelos universais, outrossim instrumentos de gestão de cada escola; reformar drasticamente a Inspecção-Geral da Educação, reorganizando-a por áreas científicas e alocando equipas de inspecção a grupos fixos de escolas. Não ter feito isto, imediatamente, foi uma tremenda oportunidade perdida.

Um Governo preparado, com estudo produzido durante seis anos de oposição, saberia como limpar o lixo administrativo e legislativo, que transformou os professores em escravizados burocratas de serviço. Nada ter acontecido neste campo, nestes dois meses, foi outra oportunidade perdida.

Um Governo competente teria anunciado imediatamente um concurso nacional de professores, para ser lançado no próximo ano, visando a correcção possível das injustiças gritantes dos últimos tempos, e teria apresentado já uma revisão do estatuto da carreira docente, que devolvesse aos professores a autonomia, a dignidade profissional e a independência científica e intelectual perdidas. Não o ter feito foi uma grande oportunidade perdida.

Um Governo seguro e com contas feitas já teria proposto a extinção da Parque Escolar, Empresa Pública, já teria decretado a suspensão de todo e qualquer tipo de novas iniciativas do Programa Novas Oportunidades e já teria tornado público o plano de corte na Educação dos 370 milhões de euros previstos no acordo com a troika. Não o ter feito foi uma grave oportunidade perdida.

Um Governo com alternativas teria já divulgado um exigente estatuto do Aluno, um coerente plano de outorga de verdadeira autonomia às escolas, incluindo a gestão de um currículo local, e teria, naturalmente, suspendido o inadequado processo de junção forçada de escolas. Não o ter feito foi uma irrecuperável oportunidade perdida.

Um Governo corajoso, tanto mais que tem o ensino não superior e o superior sob tutela do mesmo ministro, teria já anunciado uma intervenção séria e exigente no processo de formação inicial dos professores. Não o ter feito foi, ainda, uma oportunidade perdida.

O que citei é apenas parte do que seria necessário fazer. Não salvaria o Governo. Mas já o condena pela oportunidade perdida.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

18/08/2011

Um neoliberal é isto, Álvaro!

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in Público, 17 de Agosto, 2011
Um neoliberal é isto, Álvaro!
Santana Castilho *
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1. O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora.
2. O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no Pontal: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita.
3. Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o Simplex 3 do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.
HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. 
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Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. 
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Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!
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Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício).
Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
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* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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comentário a este artigo - por APEDE - aqui 
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03/08/2011

Nuno Crato versus Nuno Arrobas

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in Público, 3/8/2011

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Santana Castilho *
Nuno Crato versus Nuno Arrobas 
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Ouvi o professor Nuno Crato, no domingo, no programa do professor Marcelo. Sujeito a perguntas indigentes, nada disse. Só falou! Uma excepção: Nuno Crato estabeleceu bem a diferença entre estar no Governo e estar de fora. Quando se está no Governo, disse, “tem de se saber fazer as coisas”; quando se está de fora, esclareceu, apresentam-se “críticas e sugestões, independentemente da oportunidade”. A feliz dicotomia trouxe a luz: arquivemos Nuno Crato, crítico, e ajudemos Nuno Arrobas, ministro, a saber fazer as coisas. Eis sugestões oportunas:
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Desista de implodir o ministério, mas discipline-o. Se não sabe o que fazer, contenha-se enquanto aprende. Mas respeite quem trabalha para preparar o próximo ano lectivo. Desleixo, impreparação e descoordenação são qualificativos apropriados para referir a trapalhada dos últimos dias. Ora extinguiram turmas de cursos de Educação e Formação de Adultos, ora as recuperaram. Feito o trabalho com base nas informações de meio de Julho, veio a directora-geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular dizer, a 29, que, afinal, a música era outra. E para partitura, puxou de um decreto-lei que respeitava à Saúde ou de outro que já não era. Não demore a explicar esta palhaçada. Se o Nuno, o Arrobas, não souber fazer as coisas, tente o outro, o Crato! Mas faça algo, rápido!
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Da próxima vez que tenha uma folhinha A4 com 7 princípios para entreter, não convoque tantos sindicalistas e jornalistas. Para o efeito, o correio chega. Passemos à substância do seu papelinho sobre a avaliação do desempenho. Como o espaço não chega para tudo, aceito o seu número cabalístico e refiro 7 tópicos:
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1. A desonestidade política de um dos partidos que agora representa no Governo, o PSD, não o obrigava a si, Nuno Arrobas, ministro, a dar a pirueta final duma sucessão sem escrúpulos. O senhor tinha 10 princípios orientadores inscritos no programa eleitoral do PSD. Os mesmos assumidos na proposta de lei apresentada na Assembleia da República pelo respectivo grupo parlamentar. Aqueles que eu escrevi, a pedido de Passos Coelho, e que ele exibiu com orgulho quando interpelado por Clara de Sousa na SIC. Ao ignorá-los agora, olimpicamente, o senhor mostrou que não sabe nem quer aprender. Porque aqueles princípios eram um expediente certo, política e tecnicamente, para acabar com o monstro kafkiano. Os seus 7 são mais do mesmo, embora disfarçados com o laçarote sedutor da “burrocratização” dos professores. Estão para o passado como Isabel Alçada esteve para Maria de Lurdes Rodrigues. Lamento, mas, até aqui, o senhor é uma Alçada de calças. Concedo que a versão é melhorada.
2. A cultura organizacional vigente nas escolas é autocrática e centralista. Afastou os professores, como nunca tinha acontecido, das decisões com relevância educativa. Essa cultura gerou o clima de intranquilidade e conflito que o Nuno, o Crato, o crítico, evocou, mas o outro Nuno, o Arrobas, o ministro, empurra com a barriga. Isto só se resolve com uma intervenção simultânea nos modelos de gestão e de avaliação.
3. Não persista, Nuno Arrobas, num erro que o Nuno Crato veria num fósforo: não pode regulamentar a avaliação do desempenho sem mexer nos artigos 40 a 49 do Estatuto. Foi o que eu fiz, na proposta de lei que redigi a pedido de Passos Coelho, e o grupo parlamentar do PSD apresentou na outra legislatura. É elementar. Já leu o que esses artigos estipulam?
4. Não o incomoda a pobreza do argumento com que defende as quotas? Então mantém as quotas porque estão na lei geral? Mantém as quotas porque sem elas os professores eram todos excelentes? Desse estranho rigor resultaria a inacção total do Governo a que pertence. Nada mudaria desde que estivesse na lei? Não! Quando a lei está errada, não mudamos os argumentos para a manter. Mudamos a lei. E as quotas estão erradas. Os professores não são todos excelentes. Mas só os podemos distinguir se tivermos instrumentos de classificação capazes de lhes atribuir notações diferentes. E esse é o seu problema e o problema de todos que querem medir o desempenho dos professores como quem pesa batatas. Imagine, para ver se entende, que o júri das Olimpíadas de Matemática não conseguia distinguir um entre 33 candidatos finais e, apesar disso, atribuía a medalha de ouro ao que tivesse o cabelo mais louro. O Senhor não teria ido ao aeroporto receber o seu herói de Alcanena. Só por ele ser moreno!
5. Há mais 3 erros estratégicos, para além do que já referi, que ditarão o seu colossal falhanço, Nuno Arrobas, ministro: se persistir num modelo universal, igual para todas as escolas e para todos os professores; se não separar avaliação de classificação; se dissociar o desempenho do professor do desempenho da escola em que trabalha.
6. Exemplos de penúria na debilidade dos seus princípios: esqueceu o papel central dos departamentos; esqueceu os contratados; não tem a mínima noção da confusão e dos custos que resultam da envolvência de professores de outras escolas; não sabe o que significa uma avaliação hierarquizada; cede ao “eduquês” com a treta do Programa Educativo do Professor; mantém a lógica entre pares, com o desplante de dizer que a termina; demonstra um irrealismo grave, pensando que inicia uma negociação destas a 22 de Agosto para a terminar a 9 de Setembro, ao mesmo tempo que ridiculariza ainda mais Passos Coelho que, há duas semanas, dizia que 3 meses não chegavam. 
7. Finalmente, pergunte ao Nuno, ao Crato, se ele acha que o que o Nuno, o Arrobas, propõe para avaliar o desempenho vai melhorar a qualidade do ensino. Se os bons profissionais virão a ser reconhecidos. Se os maus serão ajudados. Se as respostas forem negativas, recue até 12 de Agosto. Não se preocupe com a inconstância. Depois do que já se viu, ninguém achará grave. A resignação vigente é a do Tiririca: pior não fica!

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

24/07/2011

quem tem medo de Santana Castilho?

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o mais recente artigo de Santana Castilho suscitou reacções particularmente virulentas por parte de alguns bloggers a quem ele fará demasiada sombra, digo eu  ..

.. como diz este comentador:

« O Santana Castilho não desilude, é sempre frontal, coerente e corajoso. Um homem assim, livre, mete sempre medo. Portanto, não é bem irritação o que ele provoca nalgumas pessoas (...) » - Craft, comentário a um post de PG

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retirado do blogue do Octávio Gonçalves :

«Até dói!...
Mas, a tendência camaleão e a ligeireza analítica que Ramiro Marques vinha imprimindo a muitos dos seus posts e posições andavam a pedi-las. E mais não digo, para não ser muito cruel.»

ao post "Santana Exagera nas críticas a Crato"

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Professor Ramiro Marques:  
Como sabe, pelo menos porque o afirmei numa entrevista que me pediu, atribuo muito mérito à actividade dos “bloggers”. Esse mérito não é apagado pela desinformação, pela calúnia baixa e por todo o tipo de conduta abjecta que, sob cobarde anonimato, também encontramos nos blogues, particularmente nas caixas de comentários, prestando um péssimo serviço à imagem pública dos professores, quando os seus autores exercem a profissão, sem serem profissionais. Por isto e porque o meu tempo o não permite, raramente leio caixas de comentários. Mas fui ler os que se seguiram à publicação do meu último artigo no ProfBlog, porque pessoa amiga me chamou a atenção para o facto. 
Em determinada altura, dá-se a entender que um interlocutor, que se apresenta como “Santana”, serei eu. E o Professor Ramiro Marques, interpelado por um camuflado Wegie, confirma-o. É espantoso que o tenha feito e misteriosa a razão da mentira. 
Não entrei nesse diálogo e nada do que lá está é meu. Detesto cobardes que insultam protegidos por máscaras, sejam elas as do anonimato ou as do intelectualismo de plástico. Se algum dos seus anónimos comentadores residentes quiser discutir o que quer que seja sobre Educação, é só tirar a máscara e aparecer de cara lavada e identificável, onde e com quem quiser por assembleia. 
Posto isto, permita-me que aproveite o ensejo para contraditar o que sobre mim consta no seu texto sob a epígrafe “ Santana exagera nas críticas a Crato”, com o qual analisou o artigo em referência. 
Assim:1. Nunca se referiu a mim designando-me por “Santana”. Sempre escreveu “Santana Castilho”. Simples coincidência ou influência de quem apareceu na sua caixa de comentários (com a sua autenticação abusiva) para, a coberto do “Santana”, levar os seus leitores a pensarem que o que ele escreveu foi escrito por mim? 
2. O Professor Ramiro Marques diz que não cito factos que provem a afirmação, que fiz, segundo a qual a suspensão do encerramento das escolas é uma manobra para colher simpatias. Mas isso é óbvio! Basta ler as reacções, em força, que se seguiram! Depois, diz que está incompleta a minha segunda afirmação, a que respeita aos atrasos das construções. E “completa-a” com o sermão de Crato aos sindicatos. 
Que debilidade polemista! Se se quer vestir de ingénuo agora, que se converteu, não manipule os factos. Crato não suspendeu o encerramento de 338 escolas, como o Professor Ramiro Marques escreveu. Crato suspendeu o encerramento de 654, como eu escrevi, para, dias volvidos, fechar imediatamente 266 (o que começa a provar a minha tese da manobra política). 
No programa de Governo está assumida a política dos mega-agrupamentos e estão milhões de euros enterrados em construções em fase de conclusão. E isso é que é determinante e não as papas com que Crato ilude os tolos. Não sejamos demagogos. Tudo o que está construído ditará o fecho das escolas para tal previstas, logo que as obras acabem. Mesmo para quem discorde da política, como é o meu caso, ter-se-ia que parar qualquer construção futura. Mas não se poderia demolir o que já foi feito. Por uma miríade de razões, que aqui não vou citar, esperando que não me acuse de falta de fundamentação. 
A obtenção, agora, do acordo dos munícipes, é exactamente o expediente barato da manobra que denunciei. Esse acordo devia ter sido obtido antes do betão seco. Agora é, repito, manobra política barata. Resumindo: se não fecharem algumas das 654 escolas, será apenas por se terem enganado nas contas. Todos os alunos que couberem nos novos edifícios seguirão de autocarro ou a pé. Com acordo ou sem acordo. Coragem era dizer duas coisas: pára o desenvolvimento da política e audite-se a Parque Escolar. 
E fico-me por aqui. Há quem escreva argumentos de filmes que nunca se verificam, dando a entender ter informação privilegiada. E há quem a tenha e não a possa usar. Por razões óbvias, que os seus leitores compreenderão, nas entrelinhas. A porca da política tem disto. Dado que é a ficções, considere a seguinte: imagine que alguém abordava alguém dizendo: olha lá, cuidado! Talvez seja melhor não auditares. Imagina que caem nos jornais bons motivos para mandares auditar actividades de amigos e apaniguados, que estão retirados e a banhos, algures onde a Europa acaba e a África começa (ou vice-versa). Vá, toma juízo!....  
2. O Professor Ramiro Marques, a propósito da desertificação do interior, precisa de reler tudo o que tenho escrito sobre isso, para não me atribuir coisas que não disse e para não simplificar o que é complexo. Estou contra a desumanização da política, que tem servido a rede escolar. Não aceito que se afastem da família crianças de tenra idade, que passam horas de autocarro para caírem de sono diante dos quadros interactivos. Não aceito que estejamos aqui a repetir os erros que os outros cometeram e agora corrigem (a Noruega, por exemplo, tem uma altíssima percentagem de escolas do básico com menos de 21 alunos, o Reino Unido está a regressar à pequena dimensão e os EUA idem, para não citar muitos mais). 
É abusivo insinuar que eu terei dito que a desertificação é consequência do fecho das escolas. O que eu disse é que o fecho das escolas é mais um fenómeno, dos muitos, que contribuem para a desertificação. Poupe-me, Professor Ramiro Marques, a esse pedido de demonstração da tese. O senso comum dispensa o exercício! 
3. Quando o Professor Ramiro Marques critica o meu artigo, no que toca ao ajustamento curricular, a confusão (ou manipulação) dispara. Urge esclarecer, de forma rápida. Não digo que é pífia a reformulação do 2º e 3º ciclos do básico. Digo que é pífia a adaptação do currículo de todo o básico. Leu mal, Professor Ramiro Marques. Pequena nuance, de somenos? Não! É que o carácter pífio resulta de não se ter tocado no essencial: o 1º ciclo do básico. 
Não sabe o que é uma adaptação curricular monolítica? Eu explico. Monolítico diz-se de algo que é feito de uma pedra só. Neste caso, as certezas de Nuno Crato. Diz o Professor Ramiro que eu acuso Nuno Crato de não ter feito uma “verdadeira reforma curricular”. Mas donde retirou isso? Não está no meu artigo. Não invente. Sou cuidadoso a escrever e não me esqueço do que escrevi. Era possível fazer diferente até Setembro? Claro que era. Tão simples como o que foi feito. Estão lá escritas, no meu artigo, várias alternativas. Mas o Professor Ramiro Marques não leu. E estão escritas em muitas páginas publicadas sobre a matéria, que Nuno Crato desconhece ou desprezou, monoliticamente, fazendo o que ele sempre apontou ao Ministério da Educação. 
Um dos partidos a cujo Governo Nuno Crato pertence, no caso o PSD, tem um extenso documento, que escrevi, sobre o curriculum do básico, se é que a purga de Maio não o queimou. O Professor Ramiro Marques confunde os seus leitores ao tentar demonstrar que errei, quando refiro que a adaptação é a recuperação do diploma que a AR inviabilizou (com o beneplácito do PSD). Não digo que é igual. Digo que é a recuperação da visão de Isabel Alçada. E é. Dela e de Maria de Lurdes Rodrigues. Até a questão do par de EVT, cuja diferença eu realço, é invocada, em jogo de cintura, como se eu a não tivesse referido. Para discordarmos, o que é salutar, não precisamos de manipular a nosso favor o que os outros escrevem. O rigor é exigível, minimamente exigível. 
Não tenho a certeza que mais tempo para Matemática e Língua Portuguesa não contribuirão para melhorar os resultados. Tenho é a certeza de que a iniciativa certa está longe de ser a mesma para todo o país. Isso é o que defendo no meu artigo e o Professor Ramiro Marques ignora. Verifico é que, com menos horas, há alunos que conseguem notas altíssimas, 20 mesmo. Sei, e sabe qualquer professor de sala de aula, que mais horas são inadequadas para muitos. Sei é que os milhares de horas do PAM e do PNL não deram, aparentemente, grandes resultados. Como não deram as horas a mais que já derivavam do Estudo acompanhado. Sei é que a Pedagogia é eminentemente especulativa e que nenhum decisor político maduro pode decidir sem considerar a opinião dos que estão no terreno. Defendi, defendo e continuarei a defender isso, até concluir que estou errado. Ser-me-ia grato que colocasse à apreciação dos seus leitores este meu esclarecimento. 
Com os meus cumprimentos,Santana Castilho

20/07/2011

Não se pode fazer política sem ludibriar o eleitor?

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in Público, 20/7/2011
Santana Castilho *

Não se pode fazer política sem ludibriar o eleitor?
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1. Todos sabem, mas são poucos os que se insurgem contra a incoerência e o ludíbrio na política. Passos Coelho, candidato, disse da carga fiscal o que Maomé não disse do toucinho. Como homem de palavra que se dizia, garantiu não subir os impostos, pelo menos os que oneravam o rendimento. Se, afirmou, em limite, a isso fosse obrigado, então, taxaria o consumo. A primeira medida que Passos Coelho, primeiro-ministro, tomou, foi confiscar um belo naco do rendimento do trabalho dos portugueses. Lapidar!
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O ministro das Finanças explicou aos ludibriados como se consumará a pirueta. Fê-lo em conferência de imprensa original, estilo guia turístico: à vossa esquerda (página 5 do documento de suporte), podem ver o gráfico tal; à vossa direita (página 27 do documento de suporte) podem contemplar o quadro X. Estilo novo, por estilo novo, poderia ter ido mais além. Poderia ter recolhido previamente as perguntas e incluir um desenho no documento de suporte, estúpidos que somos, para nos explicar por que razão os rendimentos do capital foram protegidos. Dizer-me que o não fez para não desincentivar a poupança e porque era tecnicamente impraticável, fez-me sentir gozado. Reduzir o alvo aos cidadãos e deixar de fora as empresas de altíssimos lucros, remete para o lixo o discurso da equidade e faz-me sentir ludibriado. 
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2. Nunca concordei com a demagogia da redução do número de ministros e com o disparate de constituir giga ministérios. Porque as pessoas, mesmo que sejam ministros, têm limites. Porque a quantidade é sempre inimiga da qualidade. Os primeiros sinais fazem-me sentir grosseiramente ludibriado. A poupança de ministros logo resultou em destemperança de secretários de Estado. E a incoerência entre os princípios anunciados e as práticas seguidas não tardou a ser inscrita em Diário da República. Com efeito, foi criada uma comissão eventual para acompanhar a execução do programa de assistência financeira a Portugal. Tem 30 elementos, trinta. Esta “estrutura de missão”, ESAME, de sua sigla, vai fazer aquilo que, obviamente, seria missão do Governo, designadamente do Ministério das Finanças. Para quem tanto falou de cortar gorduras do Estado, sinto-me ludibriado.
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3. Como já afirmei publicamente, o expediente da suspensão do encerramento das 654 escolas, não é mais do que uma manobra política de duplo efeito: imediatamente, recolhem-se louros e popularidade; verdadeiramente, verifica-se o que está pronto e o que está atrasado, quanto às construções em curso. E, porque é isso que está no programa do Governo, continuar-se-á a política de criação de mega agrupamentos, aprofundando a desertificação do interior e tornando irreversível um deplorável crime pedagógico. No início de Julho, Nuno Crato suspendeu o fecho de 654 escolas. Dias volvidos, confirmou que 266 das 654 encerrariam imediatamente. Não teremos de esperar muito para confirmar o ludíbrio total.
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4. O ministro da Educação tornou-se popular pela ênfase que emprestou a algumas ideias sobre Educação. Uma delas consistiu em acusar o ministério de ser dono da Educação. Matando com ferro, com ferro começou a morrer no quadro desta pífia adaptação curricular do ensino básico, a que procedeu de forma monolítica. O que é este ajustamento? Tão-só a recuperação da proposta de Isabel Alçada (com excepção do fim do par pedagógico de EVT), inviabilizada pelo PSD, que alegou falta de estudos que a sustentasse (mais uma vez a incoerência e o ludíbrio político em flagrante). No 1º ciclo, onde residem carências graves, tudo ficou na mesma. No restante, o mais relevante são mais horas para Matemática e Língua Portuguesa, como defendeu Maria de Lurdes Rodrigues em 2008. Como reagirão os bons alunos (que também existem) a mais horas, de que não necessitam? Nuno Crato ignora que muito Estudo Acompanhado já era dedicado à Língua Portuguesa e à Matemática, sem que os resultados se tornassem visíveis? Não se interrogou sobre os resultados dos dispendiosos PAM (Plano de Acção da Matemática) e PNL (Plano Nacional de Leitura), que significaram milhares de horas e milhões de euros despejados sobre a Língua Portuguesa e sobre a Matemática e que não impediram os piores resultados em exames dos últimos 14 anos? O problema não é de quantidade mas de qualidade das aprendizagens. E para isso confluem várias variáveis, que o taylorismo de Crato não considera. Cito algumas. As escolas deviam ter autonomia total para encontrar soluções para o insucesso. As horas retiradas às Áreas Curriculares não Disciplinares deveriam ter sido postas à disposição das escolas, que as aplicariam em função da natureza diferente dos problemas que sentem. Claro que isto supunha directores eleitos e Inspecção Geral de Educação organizada por áreas científicas e núcleos de escolas. A autoridade do professor e a disciplina na sala de aula fariam mais pelos resultados do que todos os planos ou acréscimos de horas. A burocracia esquizofrénica que escraviza os professores já deveria ter sido implodida. Os blocos de 90 minutos são um disparate e os tempos de 45 são insuficientes. Não pode haver disciplinas em que o professor vê o aluno de semana a semana. É imprudente, numa formação básica, reservar para a Matemática e para a Língua Portuguesa o conceito de disciplinas estruturantes. Onde ficam a Educação Física e as restantes expressões, por exemplo? É perigoso o que se está a fazer com a História e a Geografia. Ou quer-se, desde logo, subordinar tudo a um determinado modelo de Homem e Sociedade?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/07/2011


há uma nova página neste blogue,
dedicada ao livro 
'O Ensino Passado a Limpo'
e às circunstâncias que o envolveram 

está aqui

10/07/2011

A frustração do dia seguinte na Educação

post do Octávio Gonçalves, aqui


Infelizmente para os professores e para a escola pública, o essencial das expectativas, das convicções e dos desejos avançados, por mim, ao Magazine de Educação, para efeitos desta peça jornalística, não apenas não se concretizou, como a pílula do dia seguinte, a que Pedro Passos Coelho recorreu, fez abortar a relação de confiança no Primeiro-Ministro, consumou uma desonestidade política em termos de avaliação de professores e patenteou um Governo impreparado em matéria de Educação (condição por excelência para se ser capturado pelas estruturas do Ministério da Educação).
Aqui fica a versão integral das minhas respostas às questões formuladas pelo Magazine de Educação:

  • Novas eleições, novo Governo. O que perspetiva para a Educação para o próximo ano letivo e o que espera desta nova legislatura?
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Em geral, tenho a expectativa de uma legislatura marcada pela adopção de uma nova postura relativamente às escolas e aos professores, em que prevaleçam os eixos abertura e envolvimento dos actores no terreno, valorização/dignificação da docência, reforço da autoridade dos professores, promoção da ética do trabalho e da exigência para professores e alunos, autonomia das escolas e concomitante responsabilização.
Para tal, espero que o paradigma de actuação impositiva seja substituído pela negociação, da mesma forma que as tentativas de domesticação e a desconfiança em relação aos professores dêem lugar à valorização e dignificação públicas da função docente e ao aprofundamento progressivo da autonomia das escolas, libertando-as da torrente de leis, decretos, normativos e regulamentações (a maioria dos quais precipitados, impreparados e imbuídos de uma orientação facilitista e negligenciadora do empenho e do mérito).
Porém, não escondo a convicção que a esperança na actuação do Ministério da Educação é contingencial à escolha do futuro Ministro, uma vez que, face à necessidade de “melhoria” das linhas programáticas do PSD, a personalidade escolhida fará toda a diferença.
Todavia, o próximo ano lectivo ainda deverá constituir uma fase de transição, apesar de tudo sem a crispação e a desmoralização dos últimos seis anos, mas em que se torna imprescindível, tanto a reorientação do trabalho dos professores para o ensino, descentrando-os da sua própria avaliação e das burocracias inúteis, como a reorganização do sistema educativo, no sentido da simplificação e da racionalização da regulamentação legal e dos procedimentos escolares. Posteriormente, deverá seguir-se a reorganização curricular.

  • Qual o perfil ideal para liderar o próximo Ministério da Educação?
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A liderança do Ministério da Educação, tendo em conta a degradação da Educação e o ataque ao estado anímico dos agentes educativos, enquanto heranças de seis anos de arrogância e de incompetência socrática, deve obedecer a um perfil que seja susceptível de reunir as seguintes características:
- ser uma figura capaz de suscitar a adesão das escolas, evidenciando capacidade mobilizadora;
- conhecer profundamente a realidade da Educação, dominando, como ninguém, o diagnóstico dos problemas e a adequação das soluções;
- dispor de um historial de posições e de ideias, no qual os professores, as escolas e a maioria dos portugueses se revejam;
- representar uma ruptura efectiva com o rumo e com a ruinosa herança socrática em matéria de Educação;
- possuir uma robusta preparação pessoal e uma capacidade argumentativa para defender, com coerência e eficácia, uma política educativa e as suas medidas.

  • Na sua opinião, quem julga reunir essas características? Porquê?
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A pessoa que melhor conjuga as características atrás referenciadas é, de longe, o Professor Santana Castilho.
Nenhum quadro do PSD e do CDS na área da Educação, nem mesmo nenhum outro independente, dispõe do prestígio, do apoio nas escolas e de um crédito de expectativas positivas que sejam comparáveis àqueles de que goza o Professor Santana Castilho, do mesmo modo que estamos em presença, como ainda recentemente o escrevi, da personalidade mais bem preparada, quer em termos do conhecimento do sector da Educação, do diagnóstico dos problemas e do aporte das soluções para os mesmos, como ao nível da capacidade de pacificação das escolas e de mobilização dos actores, que, no terreno, constituem a garantia da implementação e do sucesso das mudanças que se impõem.
A estas capacitações acresce o facto de o Professor Santana Castilho incorporar saber, experiência, verbo fluente e qualificado, bem como robustez argumentativa, que lhe conferem características inigualáveis para os difíceis combates políticos, nas suas vertentes parlamentar e mediática, que a coligação governamental não deixará de enfrentar.

  • O que falhou na relação entre os professores e o anterior Governo e o que deve ser realizado para assegurar essa boa relação?
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Em primeiro lugar, começou por falhar a atitude, politicamente estratégica, que foi adoptada pelo Ministério da Educação em relação aos professores, a qual privilegiou a via da confrontação prepotente, da hostilização permanente, do diálogo crispado, da desautorização e, mesmo, do enxovalho público dos professores, ignorando uma regra básica da gestão: não é possível assegurar a implementação e o sucesso de medidas ou intervenções, ao mesmo tempo que se menoriza, se desautoriza, se procura lançar o descrédito e, ostensivamente, desprezar o contributo daqueles que, além de melhor conhecerem os constrangimentos e as potencialidades de acção no terreno, também são os que podem, pela sua motivação e envolvimento, determinar a eficácia das medidas.
Depois, falhou a inteligência política e gestionária das equipas que chefiaram o Ministério da Educação, que, uma vez amarradas à âncora identitária do pior do socratismo, ou seja, o autoritarismo sem autoridade e a subjugação à fachada propagandística e ao mero impressionismo estatístico, se revelaram incapazes de encetar um projecto de efectiva qualificação dos alunos, de promover climas participativos e cooperativos, bem como de potenciar os saberes e a experiência dos professores.
Mas, também falhou a preparação política, técnica, científica e pedagógica das equipas dirigentes do Ministério da Educação, o que foi gerador de permanente desestabilização do sistema e dos seus actores, além do mais porque esta dimensão andou quase sempre de braço dado com uma postura de falta de transparência e de seriedade.
Penso que o poder político terá percebido a lição de que não serão bem sucedidas quaisquer novas tentativas de domesticação impositiva, sem justificação ou racionalidade, de um grupo profissional altamente qualificado, esclarecido, exigente e interventivo, como são os professores.
À segunda parte da questão, penso já ter respondido na questão 1.

  • Uma última questão: que medida gostaria que fosse desde logo implementada com o arranque de funções do novo Ministério?
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Sem qualquer hesitação da minha parte, a primeira e mais emblemática das medidas a ser implementada, em conformidade com aquela que é a expectativa da quase generalidade dos professores, não pode ser outra que não a revogação do modelo de avaliação em vigor, fazendo cessar imediatamente todos os procedimentos e efeitos a ele inerentes, de forma a ficar muito claro que o novo Ministério da Educação não pactuará, nunca, com farsas ou processos menos sérios
Concomitante a esta decisão, devia o Ministério proceder, de imediato, à reabilitação e reorganização da Inspecção Geral da Educação, vocacionando-a para funções de avaliação/classificação dos professores. Se me é permitida outra sugestão, também me parece urgente a reposição da Área de Projecto de 12º ano, pelo que esta área curricular não disciplinar representa em termos de promoção do espírito científico e de capacitação dos alunos em múltiplos domínios de competências imprescindíveis à prossecução de estudos superiores e à profissionalidade, mesmo que a medida implicasse a suspensão, para reavaliação (podendo dar lugar a fusões, reformulações ou extinções), das áreas curriculares do ensino básico.

Octávio V. Gonçalves
Vila Real, 08-06-2011