22/05/2013

A falta de senso dos defensores do consenso

Público, 22 de Maio de 2013

Santana Castilho*

A falta de senso dos defensores do consenso


Diariamente, grandes e pequenas coisas, afinal aquilo de que é feita a vida, desfilam em alardes de falta de senso, mesmo quando os seus intérpretes, por inerência dos cargos que ocupam, dele nunca devessem prescindir. O país não está só em recessão e depressão. Parece gerido a partir de uma nave de loucos. 

1. Em nome do consenso, Cavaco Silva criticou Paulo Portas por falar e expor, em público, a fragilidade da coligação moribunda. Mas não se coibiu, ele próprio, de defender, em público, o que Portas disse. Que a senhora de Fátima (segundo ele provável responsável pela conclusão da sétima avaliação) lhe ilumine o senso comum, já que os “cidadões” (novo presidencial plural) recusam consensos sabujos. 

2. Não é de senso comum ou sequer mínimo que se trata quando se ouve, como ouvimos, o primeiro-ministro afirmar, naquele jeito característico de estadista de Massamá, que os cortes apresentados ao eurogrupo não se aplicam à generalidade dos cidadãos mas, tão-só, aos reformados e funcionários públicos. A questão é de siso. Não o tem, de todo, quem teima em dividir os portugueses em subespécies: os espoliáveis, sem direito a pio, e a “generalidade”, salva e agradecida. 

3. Alguém dotado de senso mínimo acreditará que a pantomina da linha vermelha não seja a expressão combinada da total falta de senso de governantes empenhados em aterrorizar todos para aplicar a alguns as últimas patifarias do poder? Seria sensato Passos Coelho anunciar, a 3 de Maio, uma taxa sobre as pensões, sem que Paulo Portas o soubesse, ou que o primeiro ignorasse a fanfarronice que o segundo iria proferir, a 5, e engolir uma semana depois? Escrevi “patifarias do poder” e dou aqui por soletrada a expressão, para que resulte claro que pesei o que escrevi. Ou alguém de senso acha inadequado o qualificativo para designar o modelo anunciado de fuzilamento moral de funcionários públicos? 

4. O país não ensandecido assistiu, atónito, à leviana falta de senso de alguns deputados. “Os Verdes”, sem passarem os olhos pelos programas de ensino, propuseram resolver o que há décadas está resolvido, isto é, o estudo da Constituição da República Portuguesa no contexto de várias disciplinas curriculares, designadamente História e História e Geografia. Fernando Negrão, magistrado, deputado e cumulativamente presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tudo isto, pasme-se, defendeu que os nossos alunos não devem ter qualquer contacto com a Constituição vigente. Porque ele, a coberto da sua beca e imunidade parlamentar, a decretou “datada” e senhora de uma “carga ideológica muito forte”. Nuno Crato implodiu a área da Formação Cívica. Fernando Negrão quer banir o ensino da Constituição. Compreendemos porquê. Basta seguir a conduta protofascista de Passos e Gaspar. Os direitos humanos, os direitos sociais, os direitos culturais, as liberdades e as garantias, que resistiram às revisões de 1982 e 1989, são insuportáveis para quem governa em regime de excepção encapotada. 

5. Mal foi anunciada a greve dos professores, surgiram, cândidos, dois discursos: o dos que a condicionam a não perturbar a tranquilidade do chá das cinco e o dos que só militam na solução que nunca é proposta. Aos primeiros, é curioso vê-los invocar o direito de uns, com as botas cardadas calcando os direitos dos outros. Aos segundos, repito o que em tempos aqui escrevi: os professores sabem, têm a obrigação de saber, que todo o poder só se constrói sobre o consentimento dos que obedecem. Quando vos tocarem à porta, não se queixem! 

Trinta alunos por turma, 300 alunos por professor, mais horas de trabalho lectivo, mais horas de trabalho não lectivo, menor salário, carreiras e progressões congeladas vai para 7 anos, obrigatoriedade de deslocação a expensas próprias entre escolas do mesmo agrupamento, exercício coercivo a centenas de quilómetros da residência e da família, desmotivação continuada e espectro do desemprego generalizado, são realidades que afectam os professores, em exclusivo? Não afectam os alunos? Não importam aos pais? Ao futuro colectivo? 

A diminuição do financiamento dos serviços de acção social escolar, quando o desemprego dos portugueses dispara e a fome volta às nossas crianças, bem como a remoção sistemática, serviço após serviço, das respostas antes existentes para necessidades educativas especiais, é problema corporativo dos professores ou razão para que a comunidade civilizada se mobilize? A drástica diminuição dos funcionários auxiliares e administrativos, a redução das horas de apoio individualizado aos alunos, o aumento do preço dos manuais e dos passes e a deslocação coerciva de crianças de tenra idade para giga agrupamentos são problemas exclusivos dos professores? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)


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(re)ponho-o aqui, pq não consigo ver os comentários no blogue, nem sequer um sítio para deixar comentários, por muitas configurações que tente .. :( 
recebido via e-mail:
Luís Sérgio deixou um novo comentário na sua mensagem "A falta de senso dos defensores do consenso":

Mais uma excelente crónica. Bem-haja, professor pela defesa pública de uma classe em extinção e que tarda em acordar.
Como depreendo das suas palavras, aos professores resta lutar antes que seja tarde. É preciso urgentemente unir todos os democratas e patriotas deste país (protectorado) para corrermos de vez com este governo fascista. Antes que seja tarde ... cumpramos o nosso dever.
Abraço solidário,
Luís Sérgio

outros comentários, retirados da página facebook do Professor Santana Castilho:


Mário Jorge O Professor Santana Castilho está sempre a avisar-nos, mas parece que a maioria dos docentes está à espera que os outros façam aquilo que temos de ser nós a fazer; lutar pelos nossos justos direitos para não permitirmos que hipotequem o futuro da Educação em Portugal.

Manuel Aleixo Como partilhar estes dois gritos de alerta? Como fazer para estar ao lado da gente espoliada do ensino, numa mesma trincheira, na luta contra a outra gente que se apoderou do poder e nos humilha, anunciando a terra queimada? Amigo Santana Castilho, profeta e voz incomoda, comanda essas hostes desorientadas. Sê tu o timoneiro, porque és a voz da Razão. Os meus netos hão-de abraçar-te, agradecer-te. Eles olham para esse grito lancinante do jovem grego e sentem-se um igual, sem futuro. 

Amélia Santos Rosa Bravo, Professor Santana Castilho, um dos maiores sabedores do nosso tempo, que tem da educação uma visão lúcida, coerente, diversificada, não só livresca como vivida. Ele avisa há muito tempo. É preciso acordar e gritar bem alto basta! Unidos, professores, pais. alunos. a comunidade em geral.
Pensem nas nossas crianças e esses loucos e senis que nos governam. Desapareçam de vez! O teu artigo está femomenal Leiam com atenção, meditem,ajam! Obrigada professor, obrigada amigo!
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Luís Sérgio Rolão Mendes Bem haja professor, pela sua coragem e lucidez na defesa pública dos professores. É verdade que os docentes tardam em acordar, mas não podem hesitar muito, se não será tarde demais. Precisamos de nos unir todos, todos os democratas e patriotas deste país para correr com este governo de loucos fascistas.

08/05/2013

Marques Mendes errou grosseiramente na SIC

no Público,
8 de Maio de 2013

por Santana Castilho *

Marques Mendes referiu-se à situação dos professores portugueses, no sábado passado, durante o programa de análise política que mantém na SIC. Fê-lo com ligeireza. Evidenciou desconhecimento. Adulterou a verdade. Os erros em que incorreu serviriam para validar a tese oficial de que temos professores a mais e legitimariam os despedimentos futuros, se não fossem corrigidos. Marques Mendes apresentou três gráficos. O primeiro mostrava a evolução do número total de alunos, de 1980 a 2010. O segundo fazia o mesmo exercício, circunscrito aos alunos do 1º ciclo do ensino básico, para concluir que, entre 1980 e 2010, perdemos 51% desses alunos. E o terceiro gráfico dizia-nos que, no mesmo período, isto é, de 1980 a 2010, o número de professores tinha crescido 53%. Para que dúvidas não restassem, Marques Mendes colocou, lado a lado no écran, o 2º e o 3º gráficos e foi claro nas explicações acessórias: o crescimento dos professores fez-se em contraciclo; os governos anteriores falharam, fazendo crescer os professores à taxa de 53%, enquanto os alunos diminuíam à taxa de 51%. Só que, quando comparamos o incomparável, corremos o risco de passar de pavão a espanador. Marques Mendes, ao dizer na SIC, como disse, que os professores cresceram 53%, passando de 95.400 em 1980, para 146.200 em 2010, usou o número de professores respeitantes a todo o sistema escolar não superior (1º. 2º e 3º ciclos do ensino básico, mais o ensino secundário). Como é evidente para qualquer, Marques Mendes só poderia relacionar o decréscimo dos alunos do 1º ciclo com a evolução do número de professores do 1º ciclo. E o que aconteceu a esse universo de professores? Cresceu 53% como disse o descuidado comentador? Coisíssima nenhuma! Em 1980 tínhamos 39.926. Em 2010 eram 31.293. Não cresceram na disparatada percentagem com que Marques Mendes enganou o auditório da SIC. Outrossim, registou-se uma diminuição de 8.633 professores. 

Dir-se-á, removido o disparate, que a diminuição de professores não foi proporcional ao decréscimo de alunos, no ciclo de estudos em análise. Outra coisa não seria de esperar, considerando as alterações curriculares introduzidas nos 30 anos em apreço. Cito, a mero título de exemplo, a escola a tempo inteiro, que aumentou drasticamente a permanência dos alunos na escola, a introdução do Inglês no ensino básico, as actividades de enriquecimento curricular, as múltiplas modalidades de apoio a alunos carenciados, a diminuição das reprovações e a forte redução do abandono escolar. Se extrapolarmos estas considerações para o ensino secundário, não pode ser ignorado o novo regime da escolaridade obrigatória de 12 anos nem, tão-pouco, a circunstância de o número de professores que Marques Mendes situa em 2010 (146.200) ser hoje, em 2013, bem mais baixo: 111.704 (uma redução, de 2010 para 2013, de 34.496 docentes). Que isto não caiba na folha de Excel de Gaspar, que não acerta uma, já não surpreende. Que seja menosprezado pela insensibilidade e demagogia de Passos Coelho, cuja palavra vale nada, já é normal. Que tenha passado ao lado do rigor que se esperaria de quem ajuda a formar a opinião pública, no momento em que os funcionários públicos, em geral, e os professores, em particular, estão condenados a carregar a albarda pesada da incompetência do Governo, é intolerável. É péssimo serviço público. É serviço sujo. 

A diminuição da natalidade está muito longe de explicar a brutal redução do número de professores. O erro grosseiro de Marques Mendes ajudou a branquear o impacto de sucessivas medidas, cujo intuito se centrou, exclusivamente, em ganhos financeiros, a saber: encerramento de milhares de escolas, com a deslocação compulsiva de vastas populações de crianças de tenra idade e a correlata criação de criminosos giga-agrupamentos, inéditos no mundo civilizado; redução dos tempos lectivos de algumas disciplinas e abolição de outras; aumento do número de alunos por turma; aumento da carga horária dos professores; drástica redução das iniciativas de segunda oportunidade para os que abandonaram precocemente o sistema formal de ensino; e transferência para o Instituto de Emprego e Formação Profissional de valências que, antes, pertenciam às escolas públicas. Como se não tivéssemos 3.500.000 cidadãos, com mais de 15 anos, sem qualquer diploma ou apenas com a certificação do ensino básico. Como se não tivéssemos 1.500.000 cidadãos, entre os 25 e os 44 anos, que não concluíram o ensino secundário. Como se fosse possível crescer economicamente travando, sem critério nem visão, um esforço de 30 anos. Os 30 anos que Marques Mendes mal centrou na desfocada fotografia que revelou na SIC. 

Marques Mendes não citou as suas fontes. As minhas foram: D.R., DGEEC/MEC, Pordata, “50 Anos de Estatísticas de Educação”- GEPE e INE. 

* Professor do ensino superior (s.castilho.@netcabo.pt) 

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comentários retirados da pg. facebook do Professor Santana Castilho:

Ricardo Gonçalves Partilhei porque é importante desintoxicar a sociedade destas acções de propaganda ao pior nível.
Maria Manuela Henriques Excelente !...
Sá Gouveia Que alguém ponha os pontos nos ii. Obrigado.
Ilídio Trindade Uma vez mais... soberbo!
Graciete Teixeira Marques Mendes é um Boy PSD e com uma visão muito desfocada da realidade - provavelmente intencionalmente - o problema não é a taxa de natalidade, o problema é a ideia de assassínio da escola pública, presente na cabeça deste governo. Não há professores a mais, nem alunos a menos, há sim, cada vez mais, escola a menos, graças às políticas faraónicas destrutivas de um ministro da educação que parece perceber apenas de números e não de escola ou educação. Este ministro da educação só serve para uma coisa: contar rebanhos.
Ernesto Costa Este triste sobrevivente da política portuguesa diz coisas que agradam a tolos (ou ignorantes cratinos) e procura confundir quaisquer princípios de explicação racional das coisas. Marques Mendes, "o coment(d)a-dor", faz-nos lembrar a Lenda Justiça de Fafe (sec.XVIII) de um certo marquês, que depois de insultar um tal visconde de Moreira Rei (Marques Mendes insulta os professores!), se viu obrigado a enfrentá-lo num duelo. Este como ofendido escolheu como armas, dois resistentes varapaus! Como o marquês (tal como Marques Mendes), não sabia manejar tais armas (tal como Marques Mendes e os seus três gráficos!), acabou por levar uma grande sova!... Viva a Justiça de Fafe! 
Bem haja, Professor Santana Castilho, por denunciar o tão péssimo serviço público que Marques Mendes presta ao País! "É sujo, sujo, sujinho!".
Luis Garcia Bom exemplo de como os comentadores criam uma espécie de opinião única assente na mentira. A capacidade reprodutiva da televisão é muito maior que esta excelente e honesta desconstrução da mentira, ainda que publicada num jornal de grande tiragem e amplamente partilhada aqui no Facebook.

Maria Emília Pires Haja alguém que se digne informar corretamente, baseando-se em factos comprovados. Apenas posso expressar os meus agradecimentos e divulgar.

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24/04/2013

É mentiroso ou ignorante. Refiro-me a Nuno Crato!

retirado do facebook
publicado (aqui) por Santana Castilho, ontem à noite:
 

Reajo, a quente e indignado, a uma entrevista que acabo de ver em directo, na RTP1, no Telejornal das 20.00. Nuno Crato pode revogar autocraticamente o programa de Matemática para o ensino básico. Porque a Lei não tipifica o crime pedagógico. Pode asnear em público, porque a asneira é livre. Pode escravizar os professores, até que eles consintam. Pode ir mais ao bolso dos pais, se eles não reagirem. Mas não mente sem pudor, nem manipula a opinião pública com descaro, porque eu não deixo. Por dever cívico.

Crato disse que o programa que anulou estava datado e era antigo. Crato mentiu. Pode não gostar dele, mas não pode apagar a actualidade científica e pedagógica que o informa. Datadas e ridículas são as metas que tem parido. As de Matemática, as de Português, as de História, todas. Bafientas. Exalando naftalina. Inaplicáveis. Inúteis, como ele. 

Questionado pelo jornalista quanto ao êxito, internacionalmente reconhecido, dos nossos resultados em Matemática, Crato disse que estávamos a ser comparados com os medíocres e continuávamos abaixo da média. Crato mentiu. Fomos 15º em 50 países. Ficámos muito acima da média. Fomos o país do mundo que mais progrediu nos resultados em Matemática. Ultrapassámos a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. É intelectualmente desonesto dizer o que Crato disse. 

Falando da palhaçada do concurso que tem em mãos, Crato recordou que em 2009 abriram 30.000 vagas, para entrarem poucos mais que 300 professores. Crato mentiu. Foram cerca de 20.000 as vagas de 2009. Quanto aos que vão entrar agora … veremos, adiante, o logro que está a congeminar. 

Interrogado sobre os manuais que irão para o lixo e sobre as actividades de enriquecimento curricular que os pais passarão a pagar, Crato foi artista e saiu de fininho, como um vulgar cínico. 

Parafraseando Almada-Negreiros, o Crato é um soneto dele próprio! Deplorável!

alguns dos comentários:


Evaristo Frois Parabéns pela frontalidade Professor Santana Castilho, assim existissem mais como o senhor, um abraço e continue.

Cristina Araújo Frontalidade acima de tudo! Parabéns Professor Santana Castilho, pela sua incisiva análise!

Luís Salvado Parabéns! Uma vez mais disse tudo o que se impunha. Como sempre, aliás. Uma análise correcta, assertiva e carregada de grandes verdades.
 
P.S: Nuno Crato é naturalmente ignorante e perigosamente mentiroso. Para a história ficará como o ME que se andou a promover na TV, chegou onde ambicionava e destruirá, de forma criminosa, a escola pública.


Cristina Martins Proença Partilha "obrigatória"!!! Reaja Professor... Houvesse mais... E reagíssemos todos juntos!!!

Ana Cristina Tudella Concordo a 100% consigo. Também eu estou indignadissima com as declarações deste ministro e com a quantidade de mentiras ditas. (Ou ignorância demonstrada). Não nos podemos calar...

Ernesto Costa Crato pode ser um bom matemático, mas é um péssimo ministro!...Como pode sujeitar-se a um tão triste papel, a uma tão melancólica e triste Sinecura?!...Obrigado, professor, pela sua coragem!

Sofia Fernandes Bem se vê que está revoltado. Nota-se pela sua escrita!! É bom ler alguém revoltado e indignado com este (des)governo! Nao um alguém qualquer - um ilustre Santana Castilho! Obrigada por o desmentir, ou por lhe insultar a inteligência - é o que ele merece. Que a sua voz não se cale, mas principalmente que a ouçam! 

António Inácio excelente, que não lhe doa a voz nem lhe trema a caneta ou o teclado, alguém tem que dizer "o rei vai nu", bravo, professor
Margarida Borges Obrigada Senhor Professor. É um privilégio poder ler as suas verdades.

Maria Antónia Pinto Também reparei na falta de rigor nos números citados pelo ministro e na linguagem. Gosto das suas cronicas pela acutilância e frontalidade. Obrigada

De regresso ao passado


In "Público" de 24.4.13
por Santana Castilho


1. Nuno Crato, antes de ser ministro, tinha um farol para a Matemática: o TIMMS (Trends in International Mathemathics and Science Study), programa prestigiado internacionalmente, que, de quatro em quatro anos, mede os resultados do ensino da Matemática, num conjunto extenso de países. Clamava pela necessidade de entrarmos nessa roda, onde, em 1995, ocupámos um dos últimos lugares. Talvez por isso, ficámos de fora em 1999, 2003 e 2007. Voltámos em 2011, ano da Graça em que Crato passou a ministro e emudeceu em relação ao TIMMS. Porquê? Porque as pessoas que ele denegriu e os métodos que ele combateu fizeram história no seio do TIMMS. Portugal, em 2011, foi 15º em 50 países. Portugal foi o primeiro na escala que mediu o progresso: foi o país que mais progrediu no universo dos 50 classificados. Portugal foi melhor que a Alemanha, Irlanda, Áustria, Itália, Suécia, Noruega e Espanha, entre outros. E que fez Nuno Crato? Acabou com o programa de Matemática do ensino básico, que contribuiu para um sucesso a que não estávamos habituados. Substituindo qualquer avaliação fundamentada por juízos de valor, alicerçados no “achismo” que o caracteriza. Surdo à indignação dos docentes. Contra as associações de professores da disciplina. Com um comportamento autocrático, guiado pela sua nova luz: a do regresso às décadas do Estado Novo. 

Em linguagem imprecisa e discurso sem rigor, o ministro justifica que o novo programa, que não é ainda conhecido, virá “complementar as metas curriculares”, cujo uso tem tido “resultados muito positivos nas escolas”. Um programa “complementa” metas? As metas a que se refere, ou não estão a ser aplicadas ou suscitam a perplexidade dos professores, que vêem nelas um retrocesso metodológico. Por onde anda o ministro? De que fala? Quem o informa? 

O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática admitiu que o novo programa irá originar uma confusão desnecessária. A Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática, em sede de discussão pública das metas, em Julho passado, denunciou a incoerência que representavam, face ao programa vigente. João Pedro da Ponte, um dos autores do programa, considera que as metas estabelecidas para a disciplina configuram um recuo de décadas. No juízo que formulou é acompanhado pela presidente da Associação dos Professores de Matemática, organização que, em Março, ameaçou interpor nos tribunais uma acção para impedir a aplicação das metas, por conflituarem com o programa. O ministro parece ter actuado com impulso vingativo. Invocam conflito entre metas e programa? Corrigem-se as metas? Não! Muda-se o programa! 

Borda fora, irresponsavelmente, vão milhares de horas de formação de professores e o envolvimento de anos de um enorme conjunto de instituições. Borda fora, levianamente, vai o financiamento de uma acção que deu resultados, internacionalmente reconhecidos. Borda fora irão os manuais escolares, há pouco aprovados. E alunos e professores aguentarão mais um experimentalismo, pedagogicamente criminoso, decidido por um rematado incompetente. 

2. Correm rios de tinta sobre o concurso de professores. Não repetirei o que é público, o que os directores mais corajosos já denunciaram e o que os mais informados já escreveram. Não há concurso nacional de professores. Há uma coreografia sinistra, uma espécie de dança macabra de lugares, para preparar um despedimento de mais 12.000 docentes. É isso que está em causa. Não as reais necessidades das escolas, muito menos as do país vindouro. As estatísticas disponíveis (DGEEC/MEC, PORDATA), permitem concluir que tínhamos no sistema público de ensino não superior, em 2000, 1.588.177 alunos para 146.040 professores. Em 2011 (últimos dados disponíveis), passámos a ter 1.528.197 alunos para 140.684 professores. Ou seja, o sistema perdeu 59.980 alunos e 5.356 professores, mantendo-se a relação professor/alunos. Não há dados publicados referidos ao momento presente. Mas sabemos que a alteração da escolaridade obrigatória terá considerável impacto na necessidade de professores, sendo certo que a invocada diminuição da natalidade não é expressiva entre 2011 e 2013. E o que aconteceu ao número de professores? Considerando os contratados e os que saíram do sistema, teremos, hoje, cerca de 111.600. Em dois anos, perdemos 29.084 professores. Diminuição da natalidade? Sejam honestos: exclusiva preocupação com a redução de custos, sem nenhuma sensibilidade para o futuro. Porque temos 3.500.000 portugueses com mais de 15 anos, que não têm qualquer diploma ou apenas concluíram o ensino básico. Porque temos 1.500.000 portugueses, entre os 25 e os 44 anos, que não concluíram o ensino secundário. Porque, apesar dos progressos, persiste uma Taxa de Abandono Precoce de 27,1%, a maior da Europa. Porque estamos de regresso ao passado.

comentários (retirados daqui)
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Celeste Matoso Albardeiro Obrigada, mais uma vez. O professor Santana Castilho é uma das poucas pessoas que sabe efetivamente do que fala. Apresenta as suas razões de forma clara, mostra dados, contraria com elementos concretos, desmonta o falacioso e o falso, não embarca em generalidades, etc, etc. E são tão poucos os intelectuais deste país com este calibre mental e simultaneamente corajosos!

Ana Cristina Tudella Muito obrigada professor, pela clareza da sua escrita e pela coragem em criticar a hedionda e irresponsável atitude, deste ministro da educação. Sou uma professora de Matemática, mãe e cidadã preocupada e completamente chocada com a incompetência e desonestidade intlectual deste ME.
Angelina Fernandes Parabéns Professor. Sempre oportunas as suas crónicas...
Mário Jorge Contra factos não há argumentos; os números apresentados por quem os estuda são bem claros-não é pedagógico mudar os programas de cinco em cinco anos. Obrigado Professor Santana Castilho.
Joao Patricio Excelente reflexão. Quem me dera tê-lo na minha escola! Tudo o que diz sobre a matemática é totalmente verdade!! O atual programa é inovador, desenvolve o raciocínio, a comunicação matemática, o cálculo mental, ... E os resultados parece que já começam a ser visíveis.

10/04/2013

A demissão de Relvas e o discurso de Passos: as desventuras dos siameses

Público,
10 de Abril de 3013
a crónica de Santana Castilho *

 A demissão de Relvas e o discurso de Passos: 

as desventuras dos siameses

1. Na demissão de Relvas, o evidente disfarça o importante. É evidente que a degradação de algumas instituições de ensino superior, permitida por uma supervisão que funcionou para elas como o Banco de Portugal para o BPN, foi aproveitada por gente sem escrúpulos. Mas o importante, politicamente falando, era saber por que foi agora, e só agora, imolado Relvas. Por que razão, durante dois meses, as conclusões ficaram congeladas na gaveta de Crato. Por que razão Crato apunhalou Relvas, permitindo-se emitir opinião sobre a validade da licenciatura do, ainda, seu par de Governo, quando o juízo foi por ele próprio requerido ao tribunal. Mereça-nos Relvas a crítica que nos merecer, há normas mínimas de conduta, de que nenhum ministro está dispensado. Não só vi Crato cilindrá-las, como o vejo incensado por fazer o que era sua estrita obrigação e não podia deixar de fazer, dada a mediatização do escândalo. 

Poucos se lembrarão do que disse Mariano Gago, aquando da eclosão da trapalhada com a licenciatura de Sócrates. Mas eu recordo: que a Universidade Independente havia sido auditada todos os anos, excepção feita ao ano-lectivo de 1999/2000, e que só em 2006 se tinha detectado um problema sério (referia-se à falta de pagamento de salários); que, à data dos factos (mais que anómalos), a inspecção tinha concluído, note-se bem, que era boa a qualidade pedagógica e científica da universidade e que era bom o seu funcionamento administrativo. 

Desde Junho de 1999 que o processo de Bolonha constitui a base da reestruturação do ensino superior. Qualidade e harmonização eram as palavras-chave. Mas o binómio quedou-se pelo segundo monómio. Tudo se foi “harmonizando” a favor do negócio e do descomprometimento do Estado na formação superior dos cidadãos. A “eficiência económica”, seja lá o que isso for, tornou-se a estrela que nos conduziria ao “presépio”. Fixados nela, Sócrates e Gago deram ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) 65 milhões de euros, no mesmo ano em que aplicaram o primeiro corte ao financiamento do ensino superior (16%). Seguindo-a, Relvas viu-se “equivalido”. É Bolonha, estúpidos! Esqueçam a prova escrita do regulamento da Lusófona. E a “inspecção” é tão-só o bibelot no púlpito da partitura. 


2. Dizer que a Europa e o euro morreram em Chipre é especular. Mas afirmar que os cipriotas, comparados connosco, conseguiram o dobro do tempo para pagar o seu empréstimo e um juro bem mais favorável, é um facto. Vejamos os números. Chipre: 10.000 milhões a 22 anos e a 2,5%. Portugal: 78.000 milhões a 11 anos de maturidade média e 3,6% de taxa média. Imaginar o Governo português a lutar por condições idênticas é especular. Afirmar que o Governo português não percepciona a diferença entre a realidade e a ficção é um facto, que se retira do pouco que sobrou de Passos, no último domingo: pose e voz. 
Podia ter reconhecido que, ao decidir medidas de austeridade bem mais penalizadoras que aquelas que foram acordadas com a troika, em Maio de 2011, precipitou a queda da economia, a subida brutal do desemprego e a chegada da recessão? Podia. Mas preferiu anunciar mais austeridade. 
Podia ter reconhecido que foi um erro dividir os portugueses entre privados e públicos, velhos e novos, empreendedores e piegas? Podia. Mas preferiu anunciar vingança, a novas catanadas de despedimentos e cortes, precipitando o sucesso da desgraça final. 
Podia ter reconhecido que, em vez de carregar de impostos e confiscos os que alimentam o Estado, deveria ter reduzido as rendas dos que se alimentam do Estado, aliás, como acordado com os credores? Podia. Mas preferiu continuar a desconhecer a raiz do problema. 
Podia ter reconhecido que foi um erro hostilizar a oposição e os parceiros sociais, destruindo o consenso político e social de 2011? Podia. Mas, inspirado em Salazar, preferiu ficar orgulhosamente só. 
Podia ter reconhecido que a sua política europeia, de colagem acrítica aos interesses do Norte e da Alemanha, em detrimento de Portugal, do Sul e da periferia, foi deplorável? Podia. Mas preferiu ir a Dublin, de dedo apontado ao Tribunal Constitucional, como sacristão de Schauble, assistir à suprema missa dos interesses dos mercados financeiros, à espera das migalhas que tombem do festim dos juros das dívidas soberanas. 
Podia ter reconhecido o rotundo falhanço da sua estratégia económica e financeira e aproveitado o momento para remodelar ministros e políticas? Podia. Mas preferiu contratar um grotesco vendedor de pipocas (iniciativa do defunto Relvas, via “youtube”) e dois duros “técnicos especialistas” (golpe d’asa do seu pequeno Moedas) para acompanharem a execução do memorando, um de 21, outro de 22 anos, ambos com a relevante experiência de um estágio de três meses, não remunerado.

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

*     *     *

comentários retirados daqui:

  • Amélia Santos Rosa Como sempre quero felicitar-te por esta brilhante observação!

  • Mário Jorge Obrigado por nos (e lhes) oferecer mais uma lição ....

  • Patrícia Santos Parabéns!
  • Celeste Matoso Albardeiro Como sempre, as suas palavras nunca são mera retórica erudita. É um homem que sabe pensar e dizer. O seu espírito crítico e inteligência são para nós uma verdadeira prenda. Obrigada.

  • Joaquim Conde Como sempre!

27/03/2013

Há quem nos diga que os porcos voarão

Público,
27/3/2013

Santana Castilho *


1. Quando, em dois de Janeiro passado, antecipei nesta coluna o descambar da situação do país, logo no fim do primeiro trimestre da execução do orçamento de 2013, não fui original. Tão-só acompanhava a voz dos que não acreditavam que algum dia os porcos voassem. Aumentou o desemprego. Cresceu o défice e a dívida. Galoparam a recessão e o sofrimento dos portugueses. E, enquanto a realidade evidencia que nenhum problema foi resolvido e todos se agravaram, há quem diga, de cara dura, que é uma questão de tempo, que sim, que os porcos voarão. 

2. Crato regressou da sua viagem à volta da Terra, em 14 dias, depois de a troika ter aviado a sétima avaliação. Fez bem. Assim, a troika decidiu por ele, sem lhe perguntar se concordava com a chuva. Nada do que se passa, aliás, depreende-se das declarações do ministro à chegada, tem a ver com ele, porque, disse, “… o mundo está a mudar muito depressa …”, “… a situação política é volátil …” e, além disso, “… não há nenhum ministro que decida tudo por si…”. Querem razão mais científica e tempo mais propício para um saltinho à China, Chile e Brasil? 

3. E que se passa, afinal? 

Em Março de 2010, sob a epígrafe “Europa 2020 – Estratégia para um Crescimento Inteligente, Sustentável e Inclusivo”, a Comissão Europeia desenhou um plano de revitalização da sua economia, que considerava indispensável diminuir a taxa de abandono escolar precoce para 10 por cento e elevar para 40 por cento a dos diplomados com o ensino superior, na faixa etária dos 30 aos 34 anos. 

Dados estatísticos, recentemente divulgados por David Justino, no âmbito de um trabalho que desenvolve no seio do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, revelam que a Taxa de Abandono Escolar (percentagem de jovens dos 10 aos 15 anos, que nunca frequentaram o ensino básico ou que o abandonaram sem concluir o 3º ciclo) se cifra em 1,7 e que a Taxa de Abandono Precoce (percentagem da população com idade compreendida entre os 18 e os 24 anos, que não frequentou o ensino secundário ou o abandonou sem o ter concluído) se fixa em 27,1. Estes dois indicadores, expressos em números absolutos, significam, respectivamente, 11 mil 417 e 220 mil 472 indivíduos. 

Pois é neste contexto que o Governo anunciou a passagem ao regime de mobilidade especial, modo eufemístico de mascarar o despedimento posterior, de 10 mil professores, que se somam aos 15 mil já dispensados este ano, tudo a acrescer a uma perda de rendimento da classe (considerado o aumento da carga horária) da ordem dos 30 por cento e a um concurso, em preparação, a reger por regras próprias dos tempos feudais. É sem uma réstia de pensamento estratégico para a Educação nacional e políticas centradas na destruição acéfala do que se conseguiu, e foi muito, apesar dos erros, que procuramos o futuro? É com professores mal pagos (não me venham contradizer com dados da OCDE, inflacionados por níveis salariais do último escalão da grelha salarial congelada, onde não há um único professor, e referidos a tempos anteriores aos cortes brutais dos últimos anos), apavorados pela ameaça do desemprego, desnorteados pela legalidade em construção, que lhes pode fixar o local de trabalho a mais de 300 quilómetros da residência e os sujeita a mais ignominiosas iniquidades, sempre introduzidas por cada uma das sucessivas alterações aos diplomas de concurso, sem visão de conjunto, que ajudaremos a economia a endireitar-se? É lançando na selva do mercado de trabalho jovens sem as qualificações básicas exigidas pela Europa, que combatemos a sua taxa de desemprego, a rondar já os 50 por cento? É cruzando os braços ante mais de dois milhões de activos, que não concluíram o ensino secundário, que melhoraremos a competitividade da nossa economia? Resolveremos o défice e a dívida cortando, sem critério nem visão, no essencial, a educação e a formação de um povo? Obliterados pela pressão do urgente, continuaremos a regredir no importante? 

Num estudo recente promovido pela Comissão Europeia, Portugal e Roménia são os únicos estados que reduziram as despesas públicas com a educação, em percentagem do PIB. Consignando-lhe 3,8 por cento de um PIB que caiu para valores próximos dos 152 mil 156 milhões, quando, em 2010, gastávamos 5 por cento de um PIB que se cifrava em 167 mil e 500 milhões, Portugal reduziu, neste curtíssimo período, 2 mil 594 milhões de euros com a educação. No memorando assinado com a troika, em Maio de 2011, fixavam-se os cortes em 195 milhões, em 2012, e 175 milhões, em 2013. A resposta às perguntas que formulei acima foi dada pela comissária europeia para a Educação, quando apresentou o estudo: “Se os estados-membros não investirem suficientemente na modernização da educação e das competências, ficaremos aquém dos nossos concorrentes mundiais e será mais difícil combater o desemprego juvenil”. 

 * Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)


comentários retirados daqui:

Amália Nunes Como sempre brilhante e assertivo, sr. Professor. 
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Horácio Ruivo Professor, admiro a sua extraordinária capacidade de exposição e de crítica.
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Rui Nunes Tenho acompanhado desde sempre as crónicas do Prof. Santana Castilho e realmente tem-se confirmado as suas previsões! Sempre achei que seria a Educação a pagar a "factura" dos 4 mil milhões... A Saúde está espremida, o Estado precisa da Justiça em tempos de austeridade, resta a Educação pois claro! Só que como refere o Prof. e bem, há muito trabalho a fazer nomeadamente na diminuição da Taxa de Abandono Precoce... Resposta? Colocar a cabeça debaixo de terra, neste caso viajar e dizer que nada pode fazer! Se não está lá a fazer nada Sr. Ministro então DEMITA-SE e dê oportunidade a alguém de fazer muito mais com menos.
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Leontina Tavares Mais uma vez brilhante Professor, uma "voz" atenta e reflexiva.
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Felicidade Peixoto Mais um artigo excelente e que me faz sentir, como nos últimos tempos, que o setor da educação está entregue a mentecaptos... Uma profissão, que iniciei por paixão há quase 25 anos, transformou-se no meu maior suplício. Vou para a escola pelos cabelos qual mulher de primitivo... E assim vai o mundo... Não há ninguém que nos possa tirar desta torre de Babel, onde ninguém se entende...
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Conceição Fragoso admirável a sua capacidade de analise....e nunca falha,,,esta é a verdade...grande Mestre...grande professor que tive o prazer de ter como meu formador,,,saudades,,,admiração,,,bem haja,,,,
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13/03/2013

Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei?

Público,
13 de Março de 2013

por  Santana Castilho *

Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei? 


A última manifestação, de 2 de Março, expôs, na rua, o isolamento do Governo. Gaspar e Passos são hoje figuras grotescas, que a maioria dos portugueses detesta. Arrogando-se de uma infalibilidade destroçada pelo incumprimento sistemático de todas as previsões e de todas as metas a que se propuseram, custasse o que custasse, comportam-se como autistas políticos e sociais. São colaboracionistas perfeitos, porque estão sempre mais à frente que as exigências dos ocupantes, convencidos de uma inevitabilidade que vai juncando o seu caminho de vidas destroçadas. Este caldo de cultura política insensata propala-se, como mal endémico, aos “ajudantes” e, destes, às terceiras, quartas e a todas as linhas da penúria administrativa e burocrática que gera. Segue-se a permissão clássica para os fiéis calcarem a lei e transformarem o Estado de direito no Estado dos amigos. Façam o favor de visitar dois exemplos, que medram no condado de Crato, com perfeito e cabal conhecimento de destacados cortesãos: 

1. Desde Julho de 2011 que a inépcia do Ministério da Educação e Ciência permitiu que transitasse para os tribunais aquilo que tinha obrigação de ter resolvido num minuto. Durante um ano e meio, o cargo de director do Agrupamento de Escolas de Dr. João Araújo Correia foi usurpado pela acção de um impostor e pela omissão de vários serviços do ministério. O director faleceu ainda na pendência de um recurso e já não conheceu a decisão definitiva da Justiça, que mandou repetir o processo, com a sua exclusão do concurso. Vejo, perplexo, que o Conselho Geral do Agrupamento, que deve dar cumprimento à decisão judicial, é presidido por um recém-condenado a prisão, com pena suspensa, e envolvimento activo nos antecedentes. O Ministério da Educação e Ciência assiste com candura celestial. O meu prognóstico é que tudo vai voltar aos tribunais, sob o conveniente sono eterno da tutela. 

 2. Tenho à minha frente a documentação de uma cena canalha, ocorrida a 26 de Setembro de 2012, na Direcção-Regional de Lisboa e Vale do Tejo, presidida pelo Dr. José Alberto Duarte, agora director-geral dos Estabelecimentos Escolares. Por incompetência dos serviços, foi mandada apresentar à Junta Médica uma professora já aposentada, sobre a qual, obviamente, o ministério não tinha poder hierárquico. Apesar disso, a professora compareceu, com o relatório médico pedido e o respectivo dossier clínico. A presidente da junta recebeu-a aos gritos. Recusou ver o dossier clínico. Sem deontologia mínima, pôs em causa o relatório do colega e a especialidade do mesmo. Ignorante, fez exigências que a Lei não permitia. Malcriada, tratou com desumanidade uma cidadã fragilizada por doença grave e prolongada. Juntou-se ao festim uma funcionária administrativa, tão rude e ignorante como a médica. A professora reagiu. No acto e posteriormente. Requereu ao director-regional a instauração de um processo de inquérito, para apuramento de responsabilidades. Narrou e denunciou a forma bizarra de funcionamento daquela Junta Médica, que chegou com uma hora de atraso para atender cerca de meia centena de professores doentes, todos convocados para a mesma hora. Questionou a relevância de pseudo exames, que duram dois a três minutos. Denunciou a falsificação grosseira de um documento, feita à sua frente, sem qualquer pudor. Protestou conhecer os nomes dos membros da Junta, designadamente da presidente (desconhecidos nos serviços, inclusive pelo próprio Chefe de Divisão) com o intuito, que referiu, de apresentar queixa à Ordem dos Médicos. Requereu informação sobre a entidade contratada, os termos contratuais precisos e preço em que assentou o negócio público que permitiu o funcionamento daquela junta médica, cujo conhecimento público permanece escamoteado, ao arrepio das normas vigentes. O silêncio foi a resposta. Dois meses volvidos, a professora invocou o Código do Procedimento Administrativo para saber do andamento do processo. Citou os termos precisos dos preceitos legais que estavam a ser violados, nomeadamente o direito de obter resposta no prazo máximo de 10 dias. Advertiu o então director-regional para o boicote em que incorria ao exercício de direitos que assistiam à reclamante. Mais dois meses de silêncio. A professora deduziu, então, queixa disciplinar, junto do secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar, contra o Dr. José Alberto Duarte, entretanto promovido a director-geral dos Estabelecimentos Escolares. E voltou a requerer as informações sistematicamente sonegadas. Já lá vai mais um mês de mudez oficial. Agora temos mais um prevaricador. Quem se julgam estes figurões? Quando o director-geral é amigo do ministro, fica dispensado de cumprir a lei? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 


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comentários retirados daqui:

Duarte Ferreira Estas e outras injustiças tem de ser denunciadas! Obrigado, Santana Castilho!!
Eduardo Coelho Só me apetece ser grosseiro. O seu alto exemplo cívico e moral, Sr. Professor, é a única coisa que me impede de o ser aqui e agora. Bem haja.
Afonso Henriques É tudo uma vergonha. Sobre os Directores já lhe tinha dado a minha opinião. É a maior aberrração na Educação desde 1974. Com Director não faz sentido tanto alarido com a avaliação dos professores. És amigo tens boa nota, se não és estás tramado. Quanto à segunda questão parece um ditadura do teceiro mundo. Só nos resta a esperança, nos poucos, Santana Castilhos e Fernandos Loureiros (o dos bancos) deste país.
Amélia Santos Rosa Grotescos,arrepiantes,orgulhosos, vaidosos...Gostam do cacetismo,são inglórios e injustos. Saúde,educação,justiça e tudo mais!Quem defende os mais fragilizados?Uma vergonha nacional, uma tragédia colectiva! Bem hajas por pores a limpos tua hábil e verdadeira opinião! Contamos contigo,amigo! Juntamos ao eu os nossos corações e a nossa revolta!..........! --"