26 de Março de 2014
por Santana Castilho*
1. Poiares Maduro foi recentemente ouvido na Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local. Entre outras coisas, falou de educação como se, digo eu, não existisse ministro dessa pasta. E que disse? Que pretende que, no próximo ano lectivo, dez municípios piloto sejam responsáveis pela gestão da educação. Não clarificou, ele que invocou a transparência, o que é isso de “gestão da educação” que, assim deixada na nebulosidade, pode ser tudo e nada. Mas foi assertivo quando afirmou que iria descentralizar. Ora descentralizar, verbo transitivo que significa afastar do centro, distribuir pelas localidades ou corporações locais, pode nada resolver e tudo piorar. A gestão da educação nacional não precisa que substituamos o monolitismo do ministério por outros tantos monolitismos, um em cada câmara. Há coisas que devem continuar concentradas (concursos de professores, por exemplo, onde o experimentalismo descentralizador dos últimos anos gerou aberrações inomináveis) e outras que, ao invés de serem desconcentradas por câmaras, devem, outrossim, ser disseminadas pelas escolas e pelos professores (a gestão pedagógica, por exemplo). Ao ministro Maduro (e ao da Educação, se existisse) conviria reler a história da I República (a descentralização/municipalização da educação foi definida pela primeira vez em decreto de 29 de Março de 1911) para perceber que não é de descentralização municipalista mas de autonomia que as escolas e os professores necessitam.2. A duração dos mestrados em Educação exigidos aos futuros professores, nas suas diferentes modalidades, foi aumentada por decisão do Conselho de Ministros, com a justificação de assim se ir melhorar a qualidade da docência. Deixo de lado a discutível questão de estabelecer uma relação causa/efeito entre a duração dos cursos e a qualidade da docência, desde que a formação de partida seja adequada e suficiente. Deixo de lado o abalroamento que o Governo acaba de fazer à autonomia científica das universidades e politécnicos. Apenas pretendo, brevemente, relembrar alguns factos, que evidenciam a incoerência do que se vai fazendo neste instável encolhe-estica formativo.A qualidade e a harmonização em todo o espaço europeu foram invocadas, em 1999, para incentivar a adesão ao processo de Bolonha. De que qualidade se falava ficámos esclarecidos quando a lei, publicada em 2006, exigiu às instituições a adequação dos cursos na volta do correio. Bolonha a sério, discutível como tudo, significava mais laboratórios, mais bibliotecas, mais dinheiro e mais professores. Bolonha de fachada foi generalizada entre nós com muito menos dinheiro e muitos menos professores. Licenciaturas de 4 ou 5 anos passaram a 3. Volvidos 15 anos, faz sentido interrogarmo-nos sobre se Bolonha trouxe mais qualidade ao nosso ensino superior. Não sendo, certamente, consensual a resposta, há um aspecto em que todos rapidamente convergirão: o Estado tem vindo a descomprometer-se no que toca ao financiamento da formação superior. Até Bolonha, garantia licenciaturas de 4 ou 5 anos. Depois de Bolonha, co-financia apenas 3, em parte sempre a decrescer. A Educação e os professores não fizeram a crise. Mas pagam-na como nenhuma outra instituição e classe.A distorção nas representações sobre as condições de exercício da profissão docente, ardilosamente passada pelo Governo para a sociedade em geral, atingiu o limite do suportável e ameaça hoje a própria integridade profissional dos professores, que não se têm afirmado suficientemente vigorosos para destruir estereótipos desvalorizantes. Porque, subliminarmente, a medida aprovada passa a mensagem de que os males da educação são consequência da impreparação dos professores.O que a decisão em apreço sugere é que a acção dos ministros é muito mais marcada pela sua visão empírica do sistema de ensino e natureza política das convicções, próprias ou partidárias, que por um exercício racional de resposta às necessidades do país, identificadas em estudos e diagnósticos produzidos. Sobretudo quando essa resposta contrarie as convicções.3. Os dois temas anteriores e a recente “divergência insanável” entre PS e PSD justificam a pergunta: será possível o consenso, em nome do interesse nacional? Parece-me tão óbvia a resposta como óbvia é a dificuldade de a aceitar, de uma vez por todas. Na vida de uma sociedade, independentemente do respectivo modelo de organização política, jamais teremos um interesse colectivo. Outrossim, temos vários interesses, dos vários colectivos que a compõem. É isso que as eleições mostram: a divisão, por alternativas defendidas, de uma sociedade em vários colectivos. O que uma eleição estabelece é uma decisão que agrada a uns e prejudica os outros. É pois difícil falar de interesse nacional. O interesse nacional é, nesta óptica, algo que não existe. Tão-só se encontra um interesse maioritário. Que disse, senão isto, a controvérsia sobre o manifesto dos 74?
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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