4 de Abril de 2017
por Santana Castilho*
1. Toda a responsabilidade das mudanças projectadas para a Educação cai sobre os professores, sendo tão curioso verificar o topete com que se anuncia hoje como novo e criativo tudo o que já foi usado e abandonado, como registar as incoerências crassas no seio daquilo que é proposto. Com efeito, que credibilidade podemos atribuir a uma estratégia de intervenção pedagógica que afirma querer construir um novo perfil de saída dos alunos, assente em novas competências, sem tocar no currículo e que afirma, igualmente, que vai definir as “matérias essenciais”, quando essa definição, obviamente, significa intervenção nos programas? Como serão feitos os exames e as provas de aferição? Considerando os programas, em que não vão mexer, ou as matérias essenciais, que vão definir? Tudo isto é uma trapalhada para tornear a lei, que prevê 20 meses entre o momento em que as alterações são anunciadas e o início do ano a que respeitem. Mas se é insensato achar que se pode fazer isto sem mudanças curriculares, mais insensato ainda é pensar que se pode desenvolver uma cultura altamente cooperativa e de trabalho conjunto entre os professores sem intervir nas suas cargas lectivas e não lectivas, designadamente na estúpida burocracia que os submerge.
2. Com o contentamento irresponsável de quem não conhece a realidade, o ministro da Educação puxou pela cabeça e descobriu que a distância entre os nossos jovens e o iluminismo das metas para o século XXI se deve à inadequação da formação de 35 mil professores, que quaisquer 18 milhões de euros resolverão. À burocracia sem sentido que já existia somou a burocracia de um plano de combate ao insucesso, assente na formação do “Professor Novo” e no controle de régulos sobre escravos. Os arautos da flexibilização a qualquer título para os alunos são os mesmos que ajoujam os docentes sob a rigidez estúpida de relatórios inúteis e torrentes de formação bafienta, que passa ao lado da causa das coisas mas, subliminarmente, inculca na classe um dissimulado complexo de culpa e muita frustração. Como gostaria de ver todo este folclore lançado à sarjeta, pela reclamação vigorosa, por parte da classe, do respeito que merece e do pagamento que lhe é devido, depois de uma década de progressão na carreira suspensa e salários congelados. Exemplos recentes de direitos amarrotados, sem reacção adequada?
A secretária de Estado Ajunta e da Educação determinou em despacho que não haverá licenças sabáticas no próximo ano, fazendo, assim, tábua rasa do que prevê o nº1 do art.º 108 do estatuto de carreira dos professores. Nada aconteceu, que se visse.
O IAVE pediu dispensa oficial de serviço para os professores envolvidos na formação de supervisores das provas de aferição do básico, conforme o previsto no art.º 109 do citado estatuto e na portaria 345/2008. O despacho sancionador do pedido diz que as aulas perdidas têm que ser repostas pelos dispensados ou por colegas. O IAVE invocou o interesse público. Mas quem paga o interesse público é o lombo dos professores, com trabalho extra não remunerado. Para Governo de esquerda, estamos conversados. Mas os professores amocharam.
3. Quando um indivíduo utiliza o conhecimento e as competências que adquiriu para resolver problemas e satisfazer as necessidades dos outros, sejam os outros indivíduos ou organizações, e o faz num quadro próprio do ponto de vista legal, moral e ético, a troco de um pagamento que contribui para a garantia da sua própria subsistência e autonomia, dizemos que ele tem uma profissão.
Todas as profissões são humanamente dignas. Mas todas as profissões são diferentes. Porque têm utilidades diferentes, complexidades diferentes, requisitos diferentes e, naturalmente, reconhecimentos sociais diferentes. A profissão docente assume relevo particular por cumprir um direito humano básico: o direito à educação. Todavia, o seu estatuto social é cada vez menos prestigiante e nada gratificante, gerando docentes exaustos, frustrados e mal pagos.
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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