2 de Maio de 2018
por Santana Castilho
O 25 de Abril está a ficar como o Natal: celebra-se uma vez por ano, com doces afectos, e esquece-se todos os dias, com amargas realidades. Em matéria de Educação, a história dos 44 anos que passaram é a história de alterações sucessivas, num faz, desfaz, ditado por caprichos partidários de reduzida dimensão política e menor conhecimento técnico. Como observador atento e persistente do fenómeno, atribuo a António Costa e aos incompetentes a quem confiou a Educação a maior pobreza de ideias e políticas de sempre. Quando julgava que já não era possível ver pior, acabo ainda surpreendido.
1. Alexandra Leitão conseguiu trazer António Costa para a cruzada da soberba. Após perder no parlamento, soltou o ódio de que vive o seu sectarismo e veio acusar de não serem Centeno os que se lhe opõem. Por conhecer os factos em pormenor, custa-me não lhe responder como merecia. Mas depois de escrever sem o controlo do meu superego, apaguei, contei até dez e ficou isto, o mínimo que se pode dizer de quem não tem escrúpulos para manipular a opinião pública.
É deprimente a actual trapalhada dos concursos. O Governo começou por publicar no Diário da República um aviso de abertura de concurso extraordinário externo, que permitia que a ele concorressem professores do privado que nunca tivessem leccionado em escolas públicas. Fê-lo em flagrante incumprimento da Lei nº 35/2014 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), que o obrigava a negociar com os sindicatos, e da Lei nº 114/2017 (Orçamento do Estado para 2018), que dispõe ser o concurso em análise exclusivamente para docentes “dos estabelecimentos públicos”. Para corrigir este erro grosseiro, o Governo alterou as regras, já com o concurso a correr, sem anular o aviso de abertura, e deu instruções particulares para proceder ao arrepio do que ele diz.
Mas esta enormidade afigurou-se coisa de somenos ao primeiro-ministro António Costa, que resolveu ampliá-la pedindo ao Tribunal Constitucional que trave o concurso interno para os professores do quadro, nos moldes decididos pelo parlamento. Recordemos a génese do problema: no ano transacto, mudando arbitrariamente e em segredo procedimentos de uma década, Alexandra Leitão enganou e prejudicou centenas de professores (estão pendentes 799 recursos hierárquicos e duas centenas de acções em tribunal) que concorreram de boa-fé; depois de um ano de meritória luta, o parlamento substituiu a razão da força totalitária da secretária de Estado pela força da razão democrática dos professores.
Mestre em hipocrisia política, António Costa arrisca agora o caos do sistema enquanto proclama, beatífico, que o Governo “tudo fará” para que o concurso “decorra com total normalidade”. Seráfico, confunde velocidade com toucinho, quando reduz o horário de trabalho dos professores do quadro às horas lectivas que lhes são inicialmente distribuídas. Cardeal silencioso sobre as práticas escandalosas e corruptas de alguns fiéis da sua congregação, ousa afirmar que professores, que trabalham em média 50 horas por semana, são pagos pelo que não fazem.
A segunda justificação de António Costa, a dos gastos, para pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei, refere 44 milhões de poupanças em 2017. Julga o homem que faz aceitar a todos, acriticamente, afirmações que o rigor elementar facilmente desmonta? Peguemos nos dados e separemos factos de mentiras. A circunstância de não terem sido trazidos ao concurso de mobilidade interna horários lectivos incompletos nunca poderia gerar as poupanças que Alexandra Leitão invoca. Porque os horários escondidos a 25 de Agosto foram postos a concurso na primeira reserva de recrutamento e foram preenchidos, maioritariamente, por professores dos quadros de zona pedagógica, posicionados atrás dos preteridos nas listas de graduação, mas credores de vencimento idêntico. Só os remanescentes, que vieram a ser preenchidos por professores contratados, poderiam gerar uma ínfima parte do falacioso número a que o Governo alude. Poderiam, se até nisso os números não desmentissem o discurso oficial: nas reservas de recrutamento que decorreram até agora foram contratados quase mais 3000 professores que no ano escolar anterior. Termos em que nada pouparam e muito mais gastaram.
2. A iniciativa legislativa de um grupo de professores para que seja recuperado todo o tempo de serviço efectivamente prestado (nove anos, quatro meses e dois dias), promovida de modo independente relativamente aos sindicatos, tem mérito e merece análise. A figura escolhida, uma proposta de lei a ser subscrita por 20 mil cidadãos, contrasta com as petições e as resoluções, que se vulgarizaram e acabam, invariavelmente, na pasta das inutilidades. Com efeito, se forem reunidas as assinaturas, os deputados que viabilizaram a Resolução nº 1/2018, a favor da contagem de todo o tempo de serviço, são obrigados a apreciar e votar o texto da proposta. Ora que outra coisa poderão fazer, sem perder a face, senão votar no mesmo sentido uma lei que visa instituir aquilo que recomendaram ao Governo?
A maioria parlamentar que apoia o Governo PS propôs desde o início a reversão das medidas de austeridade do anterior Governo. E se para lá chegar as finanças públicas contam, a justiça mínima, que é disso que se trata, não pode contar menos. Acresce que a iniciativa oferece ao Governo uma saída airosa para a desonestidade política para que foi arrastado pela obstinação da desacreditada secretária de Estado, Alexandra Leitão.
A Fenprof não disfarçou o incómodo que a iniciativa lhe causou. Começou por a considerar redundante, por visar algo que já estaria legislado, referindo-se ao artigo 19º da Lei nº 114/2017 (Orçamento de Estado para 2018). Sucede que o tal artigo não diz nada de substantivo quanto à matéria em apreço, muito menos o que a Fenprof diz que diz. E que diz o artigo? Remete a questão para processo negocial, colocando logo a decantada condicionante da “sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”. Por outro lado, como é sabido, esta lei extingue-se automaticamente no final do ano e a única coisa concreta que existe é um compromisso assumido pelo Governo a 18 de Novembro de 2017, que não foi vertido em diploma legal e foi rapidamente desonrado.
Espero que a classe, em particular, e os cidadãos que a apoiam, em geral, percebam o que está em jogo e sejam céleres a contribuir para a reunião das 20 mil assinaturas necessárias. A actualidade transformou em dever cívico o apoio a esta iniciativa legislativa.
3. Uma nota final para completar a ilustração do desnorte em que vamos. Em Dezembro de 2016, o secretário de Estado João Costa arguia publicamente a necessidade de "fazer dieta" para acabar com a "obesidade curricular". Durante ano e meio, puxou pela cabeça e arregimentou sábios. Agora produziu obra. Tomemos como exemplo o 2º ciclo do ensino básico: de um currículo “gordo” de nove disciplinas, mais Educação Moral e Religiosa (facultativa), Oferta Complementar e Apoio ao Estudo, passámos para um currículo “magro” de … 12 disciplinas, mais Educação Moral e Religiosa (facultativa), Oferta Complementar e Apoio ao Estudo. O número de horas total do currículo que agora é “magro” (3190 para crianças de 10/11 anos) é o mesmo que tinha o currículo que antes era “gordo”.
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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