Em declarações ao Público, o ministro da Educação acabou a apelidar André Pestana de “mentiroso”. Em entrevista ao programa 360 da RTP3, a que o Público igualmente se referiu, João Costa apontou como uma das razões para a manifestação de sábado passado a “campanha de mentiras” que circulou pelas redes sociais, dando conta de que os professores iriam passar a ser contratados pelas câmaras municipais, e voltou a afirmar que “o dirigente sindical que convocou esta manifestação estava determinado a mentir”. Ainda ao Público, André Pestana disse que o ministro "vai ter de responder na justiça" pelo insulto.
Senhor ministro, junto-me gostosamente aos seus leais conselheiros para ser sua testemunha desabonatória. O senhor tem razão, porque:
- Não é verdade que a mobilidade interna tenha acabado. Como o senhor sabiamente esclareceu, com a clareza que lhe conhecemos, “sempre que há lugares de quadro a concurso, qualquer professor de carreira pode concorrer”. Coisa diferente é o sítio onde vai trabalhar. Esse, são os venerandos directores que vão decidir. Imbatível a sua verdade!
- Não é verdade que desaparece a lista ordenada nacional, porque o senhor já jurou pela sua virgindade que “a ocupação de um lugar de quadro teve e terá sempre como primeiro critério a graduação profissional do professor”. Coisa diferente é o segundo critério, o dos directores, que decidirão onde cada professor vai trabalhar. Cristalina a sua maneira de colocar os pontos nos ii!
- Doeu o puxão de orelhas que nos deu quando nos disse que a “DGEstE não tem competências na área de gestão do pessoal, pelo que as não pode transferir para as CCDR”. Tem razão! Quem o disse foi a Resolução 123/2022 do Conselho de Ministros. Bem visto! Uma coisa é um lobito, outra coisa é uma alcateia!
- Tal como disse, não é verdade que a gestão dos professores passe para as câmaras municipais. Ela já passou para as comunidades municipais … que agregam as câmaras municipais. Este seu fino talento bocagiano reconduziu-me ao episódio da flatulência da cortesã, que Bocage tão sagazmente disfarçou. Até o cheiro senti!
- Já que estamos no capítulo dos “descuidos”, deixe-me dizer que apenas sujou a folha das suas verdades com a entrevista que deu à RTP3, na noite da manifestação. Aquilo não foi um “descuido”. Foi uma diarreia. Então foi proclamar, urbi et orbi, que 30 mil licenciados, mestres ou doutores, são tão desprovidos de inteligência que ficam à mercê da manipulação de um reles sindicalista? Que não passam de um bando de totós, que gastam dinheiro para vir a Lisboa dizer que o mentiroso é o senhor, incapazes de discernir entre a sua luz e as trevas dele? Já viu o tiro que deu nos seus pezinhos, quando colou um selo de mentecapto na testa de cada um dos 30 mil que protestaram no sábado? Logo o senhor, que há sete anos os louva, protege e acarinha e por cuja felicidade reza todos os dias!
- Tudo visto, o senhor é um avançado mental. Teve razão antes de tempo, quando estabeleceu uma parceria com a vetusta Gulbenkian, para ensinar emoções aos professores. Com tamanhas excitações entre a verdade e a mentira, a realidade e o imaginário, quem iria resistir, não fora a sua prognose?
Desçamos à terra.
Nas vésperas do que viria a ser uma grande manifestação de professores, já bem num final de dia, foi enviado um e-mail aos directores dos agrupamentos, para cujo conteúdo se pedia o urgente conhecimento dos professores. Tratava-se de esclarecimentos, sob forma de pergunta/resposta, já antes prestados, note-se, relativos às anunciadas mudanças no regime de concursos de recrutamento de docentes. Com o ministerial espírito em Paris, embrenhado na preparação de mais uma homilia da OCDE, o que denotava a pressa da estranha missiva, feita a “pedido do senhor ministro”? Obviamente, o nervosismo que nascia na mente capta do senhor ministro, ante o que aí vinha. E veio! Cerca de 30 mil, na rua, a acenarem-lhe com lenços brancos de despedida.
No mínimo, faça agora como o outro Costa, que não apareceu nas cheias e fez-se de morto na discussão sobre a eutanásia. Feche-se numa bolha, fazendo figas para que não rebente.
No máximo, ainda tem uma réstia de dignidade ao alcance: demita-se!
In "Público" de 21.12.22
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