29/04/2023

Pela educação e pela liberdade

 


Comemorámos ontem mais um 25 de Abril, 49 anos após o poder ter passado do Estado Novo para a III República, estando em crise muitas das melhores ideias de Abril, particularmente no que respeita à educação e à liberdade. 
 
Eu sei que a plenitude da liberdade é desígnio utópico. Com efeito, os modelos de organização social, particularmente os modernos, assentam cada vez mais em ligações de interdependência, das mais variadas naturezas. Mas é o grau de liberdade o determinante maior da nossa qualidade de vida. Dito isto, rejeito que seja plenamente democrática uma sociedade que não paute o seu desenvolvimento pela universalização do bem-estar dos seus cidadãos, desde que de passo síncrono com um profundo respeito pelas suas liberdades individuais. Porém, conciliar e exercer a liberdade de pensamento dentro das organizações, formais ou informais (partidos políticos, grupos religiosos, redes sociais ou grupos de opinião) é cada vez mais difícil, para não dizer penoso.
 
A pandemia instaurou uma espécie de pensamento único, intolerante ao contraditório das correntes dominantes, e promoveu falsos moralismos e pretensos argumentos de autoridade para defesa de medidas sanitárias, que se constituíram como instrumentos repressivos, usados contra quem ousasse divergir. Reconheça-se que com o apoio generalizado da sociedade, que facilmente trocou liberdade por segurança, e com a ajuda de uma comunicação social que se demitiu de investigar e se limitou a reproduzir, sem sindicar. Com efeito, a legalidade democrática é frequentemente vítima de uma promiscuidade evidente entre a comunicação social e as agendas globalistas, sejam elas económicas, políticas ou de costumes.
 
A Constituição (CRP) é assumida cada vez mais como estorvo e cada vez menos como a referência que se jurou respeitar e cumprir. Assim, o legado de Abril de 1974 está presentemente ameaçado por uma revisão constitucional que PS e PSD, sem terem para tal pedido mandato aos eleitores, se preparam para fazer. E que propõem? Suprimir o direito à liberdade, consignado no artigo 27º da CRP, para que os cidadãos possam ser detidos sem ordem judicial, para que a livre circulação seja proibida sem necessidade de decretar o estado de emergência e para que o Estado possa devassar as comunicações privadas, com a mesma ligeireza com que a PIDE devassava o correio. Se permitirmos isto, enterramos de vez o 25 de Abril e o desiderato constitucional de construir “um país mais livre, mais justo e mais fraterno”.
 
Perdida a soberania e a independência para uma Europa governada por não eleitos, hoje alienada pela guerra e subserviente aos EUA, saibamos ao menos continuar a manter a protecção constitucional à liberdade, à liberdade de opinião e circulação, à educação, à saúde, à habitação e à cultura. E saibamos promover uma cidadania activa, que se oponha à crescente dessintonia entre as práticas governamentais e o respeito por esses direitos fundamentais.
 
Cumulativamente, a educação vive a maior crise da democracia. Temas centrais, geradores dum conflito que já dura há seis meses (contagem do tempo de serviço, redução da burocracia imperante, mobilidade por doença, respeito pelos horários legais de trabalho consagrados na lei, criação de condições para o rejuvenescimento da profissão docente, discriminação laboral dos professores em monodocência, destruição sistemática da coerência curricular, interferência governamental na independência intelectual, científica e metodológica dos professores, entre outros) continuam a ser olimpicamente ignorados por parte do ministro da Educação, em sede das negociações.
António Costa não está apenas desatento ao desmoronamento do nosso sistema de ensino, submetido a ideologias destemperadas, apresentadas como pedagogias modernas. Está completamente desinteressado e alheio. Boiou no mar encapelado da “geringonça” porque a sua sobrevivência apenas dependia dos seus dotes de manipulador e malabarista político de vida inteira. Agora afogou-se, porque a maioria absoluta revelou o vazio absoluto do seu pensamento reformista e estratégico.
A sociedade aguenta mais três anos a esbracejar no lamaçal de incompetências e mentiras, que têm vindo a corromper a democracia portuguesa?
 
In "Público" de 26.4.23

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