27/01/2016

Então, que tal?

no Público
27 de Janeiro de 2016

por Santana Castilho *

1. Dois meses corridos sobre a entrada em funções do novo Governo, considerando todos os anúncios de mudança e o que já foi mudado, venho perguntar aos professores de sala- de-aula: então, que tal? 

Da última vez que os contei, eram 11 os documentos, com 18 itens de referência obrigatória, que uma simples reunião de turma de final de período gerava. Há sinais de alívio desta burocracia gratuita? As esferográficas continuam a ser compradas através de concursos públicos centralizados, via plataforma informática? Em tempos de reversão, fala-se por aí que cada escola vai voltar a ser escola? Ou está tudo sereno, na molhada do agrupamento? Já discutem um novo modelo de gestão, que traga democraticidade à coisa, ou estão bem sob o jugo de vários pequeninos ditadores? O vosso quadro de pessoal está em vias de ter uma dimensão adequada às necessidades? Já perceberam como a vossa carga desumana de trabalho não remunerado vai ser aliviada? Já reorganizaram as vossas vidas para responderem zelosamente ao acréscimo de provas a corrigir com a ressurreição das provas de aferição? Já trabalham para definir que recursos e que meios a vossa escola vai ter para combater as dificuldades dos alunos? Já decidiram algo sobre a reversão das aulas de 90 minutos? Embora já habituado, notei que há poucos dias (Escola Secundária Jorge Peixinho, no Montijo) um colega nosso levou um valente murro de um aluno, em plena sala de aula. Pergunto-vos se já notaram indícios de que algo vai mudar em matéria de disciplina. Fala-se por aí em tornar público o crime de agressão a um professor? Ou está tudo tranquilo e a indisciplina é coisa que não vos aflige? Serviços de orientação escolar, vocacional ou tutorial? Diz-se algo? Sobre o que se seguirá ao fim do vocacional em idade precoce, consta algo? Necessidades educativas especiais, minorias étnicas, culturais e religiosas? Fala-se disso? Têm corrido bem as reuniões com os sindicatos para alterar o estatuto da carreira docente? 

Desculpem! Reli isto, um décimo do que gostaria de vos perguntar, e reconheço a minha inconveniência: que importam estas minudências se os exames acabaram? 


2. O fim da denominada Bolsa de Contratação de Escola (BCE), instrumento que permitia que escolas com contratos de autonomia ou integrantes dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) fixassem critérios próprios para contratar professores, é uma medida positiva, por pôr fim a uma roleta-russa absurda, geradora de processos tresloucados, que vitimaram milhares de professores. 

Mas a morosidade na colocação (21 dias em média por cada docente) numa burocracia inaudita, balizada por 2,3 milhões de candidaturas a 7573 concursos no presente ano, sendo relevante, não é argumento primeiro. Mas foi o que o ministro invocou. 

Tão-pouco me parece aceitável insistir em reivindicar poder para fixar critérios próprios, por isso fazer parte dos contratos de autonomia. Mas foi o que invocaram o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. 

Termos em que parece pertinente recordar que o argumento primeiro é o que o artigo 47º da Constituição da República Portuguesa fixa, quando determina que “todos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade”. Com efeito, o carácter universal deste direito de acesso foi denegado a milhares de professores, por via de 1149 páginas de critérios imbecis e grotescos, definidos para só servirem a alguns. E porque o momento é próprio e o tempo é novo, recorde-se, ainda, toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, relativa à directiva 1999/70/CE, que aponta numa só direcção, legal e justa: vinculação aos quadros de todos os professores que, desde 2001, sejam titulares de mais de três contratos anuais sucessivos. 


3. A DBRS, a agência de notação financeira que tem sido generosa com a dívida do Estado português, deu sinais de impaciência (leia-se de profundo desagrado) com a pulverização sem critério dos créditos de alguns credores seniores do Novo Banco. Se daí resultar um abaixamento do rating (leia-se o débil elo que nos liga à protecção do BCE) será com um ruidoso “paf!” que explodirá a nossa reputação, já em queda nos mercados, sem que qualquer coligação nos acuda e a António Costa. É que, por muito que não gostemos deles (e eu não gosto), os mercados existem e sem os tomar em conta o esboço de orçamento não passará de um esboço de desgraça. É que tomar de assalto o Rato e driblar Seguro foi fácil. Fintar o resto para chegar a São Bento requereu engenho e arte. Mas para conseguir ultrapassar a ortodoxia financeira de Bruxelas e garantir as migalhas que o esboço distribui, não chega o sorriso crónico de Centeno. Bendito seja Costa se vier a ter razão para me chamar Velho do Restelo! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/01/2016

afirmar Abril - cumprir a Constituição

Foi ontem, em Évora: uma iniciativa da candidatura de Edgar Silva:
Professor SANTANA CASTILHO e "Os Valores de Abril na Constituição. As Funções Sociais do Estado" 


– Dia 15 de Janeiro, 21h00, na Universidade de Évora, sala 131. Sessão pública "Os Valores de Abril na Constituição. As Funções Sociais do Estado" coma a participação dos seguintes oradores: Renato do Carmo (Observatório das Desigualdades); José Manuel Jara (Médico); Manuel Pires da Rocha (Director do Conservatório de Música de Coimbra); Santana Castilho (Docente Universitário).


13/01/2016

O admirável novo tempo da Educação

no Público
13 de Janeiro de 2015

por Santana Castilho*

Ao divulgar o “Modelo Integrado de Avaliação Externa das Aprendizagens no Ensino Básico”, o ministro da Educação deu o seu contributo para a balbúrdia em que se transformou o “novo tempo” em matéria de Educação. Desmentiu a resposta que, na AR, António Costa havia dado a Paulo Portas, sobre os exames nacionais do ensino básico. Mas nessa resposta, António Costa também havia desmentido afirmações de Tiago Brandão e havia mostrado que não fazia a mínima ideia do que dizia o programa do seu próprio Governo sobre o tema. A estes insólitos já se acrescentava essoutro de, por duas vezes, os deputados do PS terem votado em massa contra o programa do Governo PS (PACC e abolição do exame do 4º ano). Por outro lado, o modelo divulgado assume-se, contraditoriamente, proposta e decisão. E fala de ter ouvido actores que garantem que não foram ouvidos. O caso mais relevante é o do Conselho Nacional de Educação, que não foi ouvido e que, na mesma altura, tornou público um parecer que se opõe ao que o ministro decidiu. Parecer esse que é tanto mais relevante quanto é certo que foi aprovado por uma enorme maioria de conselheiros (4 votos contra, em cerca de 50). Para cúmulo, dos três projectos de lei sobre a matéria, pendentes na AR, um (fim do exame do 9.º ano) poderá, ainda, invalidar parte importante da decisão de Tiago Rodrigues.

Nada disto é normal e tudo isto é lamentável. Quem como eu foi, eventualmente, o mais persistente crítico da desastrosa política de Nuno Crato (a quem censurei o improviso, a falta de fundamentação, o autoritarismo e o desrespeito pelos professores) está à vontade para lamentar o frenesim sem critério a que se assiste e justifica críticas idênticas.

Porquê recuperar provas que já usámos (ver despacho nº 5437, de 18/2/2000) e se revelaram inúteis? A persistir no erro, porquê os anos intermédios e não os anos finais? Porquê de modo universal e não por amostragem, como se faz, por exemplo, em sede do PISA? Porquê à bruta, já com o ano a meio, menosprezando o trabalho de planeamento dos professores e a estabilidade mínima devida aos alunos? Ponderou-se o que sentirão os alunos que se sujeitaram ao exame do 4º ano no ano passado e este ano voltam a ter outra prova no 5º, enquanto os colegas do 6º ficaram dispensados de maçadas até ao 8º? Se um dos argumentos para acabar com o exame do 4º ano foi a imaturidade própria de tão tenra idade, o argumento não é aplicável agora aos alunos do 2º, bem mais imaturos porque bem mais novos? Sendo positivo retirar as provas do meio de Maio, acreditam que os alunos do 8º ano, já em férias, se deslocarão empenhados à escola para fazerem uma prova que não conta para nada?

Os exames, em si, apuram resultados. Uma má classificação obtida por um aluno num exame não nos informa sobre as razões pelas quais isso aconteceu. Assim, a intervenção sobre os resultados só é possível se actuarmos sobre os processos. Aqui reside o grande problema da Educação nacional, já que continuamos obcecadamente a ocupar-nos das diversas formas de medir os resultados em vez de identificar e remover, atempadamente, os obstáculos que impedem a aprendizagem. A interpretação, à luz da literatura e da investigação científica actuais, dos dados estatísticos apurados evidencia a ausência de correlação entre o número de exames dos sistemas de ensino e o verdadeiro sucesso escolar dos alunos. Num sistema de ensino de massas, os exames são importantes, no tempo certo e na dose adequada, particularmente como instrumentos de certificação e relativização das classificações internas. Mas se a avaliação do desempenho dos alunos apurada através de exames não servir para a gestão desse desempenho, então os exames não servem para nada.

De há muito que defendo a tese segundo a qual os governos das duas últimas legislaturas se identificaram ideologicamente pela obsessão de reduzir toda a avaliação educacional a simples alinhamentos em escalas quantitativas. Dessa persistência política, de quase uma década, resultou um poder dominante, em nome da eficácia e da eficiência, de controlo social dos professores e dos organismos pedagógicos, que tudo pretende vigiar através de resultados, índices e rankings, qual autoridade única e unificadora de práticas, qual versão moderna de fascismo. O poder a que me refiro tem dominado a gestão do curriculum, orientando-o predominantemente para responder aos exames, retirando autonomia às escolas e liberdade aos professores. Não compreendendo que a complexidade dos processos de aquisição de competências e conhecimentos dos alunos, de índole tão diversa e níveis tão dispersos, supõe o uso de instrumentos e métodos de avaliação igualmente diferentes, bem mais compatíveis com a natureza contínua da avaliação interna que com o carácter casuístico da avaliação externa, este ministro, fazendo diferente, não foi além da eterna desconfiança nos professores. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

30/12/2015

Tempos novos, conluios de sempre

no Público
30 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

Quando, depois de tantos impostos que pagamos, se morre por falta de assistência médica num hospital central de Lisboa, quando milhares de filhos de emigrantes são expulsos de aulas de língua pátria por falta de pagamento de uma propina inconstitucional, quando se calca a dignidade dos pobres dando-lhes 80 cêntimos mensais de aumento de pensão social, não é o simples anúncio de que os tempos são novos que os mudam. É preciso mais, fazer diferente, selar conúbios. 

1. Tivessem Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Maria Luís uma réstia de dignidade política e já teriam vindo a público responder às gravíssimas acusações que lhes foram feitas por António Costa e Mário Centeno, a propósito do Banif. Com esta entrada, não se conclua que aprovo a solução encontrada. Com efeito, nenhum português esclarecido aceita a passividade do Banco de Portugal perante o arrastar da solução do Banif, que outra explicação não tem que não a servidão política à saída limpa e aos interesses eleitorais da coligação PSD/CDS. Como nenhum português esclarecido aceita uma solução que deixa sem resposta tantas perguntas, que abalroam as consciências dos que acreditaram que os tempos seriam novos. Quem já ganhou e vai ganhar com o que os contribuintes já perderam e vão perder? Quem concedeu créditos e quem os não pagou? Quem promoveu a fuga de informação que originou a corrida aos depósitos? Que interesses resultaram protegidos quando Costa e Centeno impediram que a resolução do Banif ocorresse em 2016, rejeitando, assim, a solidariedade europeia e impedindo que o BCE liderasse o processo no âmbito da união bancária e apurasse, em auditoria externa, as responsabilidades do bloco central da teia financeira? Como entender que o mesmo Governo que se escandalizou com a venda da falida TAP por 10 milhões de euros, venha agora obrigar-nos a pagar quase três mil milhões para que um banco estrangeiro fique com o Banif, limpinho de todos os prejuízos, numa solução que Passos Coelho achou inteligente e só o PSD viabilizou no parlamento? 

2. A gestão da Educação continua entregue ao acaso, desconcertada, cabendo a iniciativa à AR e tornando claro que o PS não tem problemas identificados e prioridades estabelecidas. Primeiro foram abolidos os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo, cujo programa não continha tal medida. E, surpreendentemente, os deputados do PS votaram à revelia do seu próprio programa de Governo. Seguiu-se a extinção da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), com a aprovação dos projectos de lei do BE e do PCP. Os deputados do PS voltaram a votar contra o programa de Governo, que apenas postulava a suspensão da prova, “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Apenas um deputado, Paulo Trigo Pereira, se absteve, depois de ter defendido publicamente a PACC (Público de 7.12.15) com uma imprecisão de monta. Com efeito, depois de invocar a alta qualidade do respectivo sistema de ensino, afirmou que a Finlândia tem uma prova semelhante. Mas a verdade é que não tem. E basta ler o texto que o próprio citou para verificar que confundiu um exame rigoroso de fim de secundário e entrada na universidade com um exame aplicado a quem detém um grau académico de mestre, pelo menos, e um título profissional de professor.

No primeiro debate em que António Costa participou como primeiro-ministro, Paulo Portas perguntou-lhe se acabariam os exames dos 6º e 9º anos. Costa mandou-o ler o programa de Governo, afirmando que o mesmo era “muito claro quanto às provas que serão mantidas”. Costa errou. Costa mostrou desconhecer o programa do seu próprio Governo, que nada diz sobre as provas que serão mantidas ou eliminadas, apenas referindo a intenção de reavaliar a sua realização. E, cereja no topo do desconcerto, na manhã desse mesmo dia, o ministro da Educação havia garantido que não seriam tomadas decisões sobre os exames sem ser ouvida a comunidade educativa.

Perante o apagamento do Ministério da Educação, com a AR a substituir o Governo, seguem-se mais duas iniciativas da Oposição, sobre as metas e o financiamento do ensino privado.

Enquanto isto, na Universidade de Coimbra contratam-se bolseiros como cobradores de propinas, há unidades de investigação sem dinheiro para funcionarem, a incompetente direcção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, responsável pelo vergonhoso processo de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento continua em funções (como, aliás, substancial parte das chefias apostadas em se oporem a uma efectiva mudança política) e a primeira iniciativa do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi pedir à OCDE que, daqui a 18 meses, faça o favor de nos comunicar o que decidiu sobre o nosso futuro! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/12/2015

Alô ministro, está cá?

no Público
16 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho *

Quem me tem lido sabe bem como considerava grave que a coligação PSD/CDS pudesse ter consolidado, em novo Governo, o desastre educacional que construiu no anterior. O caminho estava delineado a partir do famigerado “Guião para a Reforma do Estado”: criação de “escolas independentes”, instituição do cheque-ensino e reforço dos contratos de associação. A generalização do ensino vocacional para os marginalizados da vida, a aprovação (à revelia da Constituição) de um novo ordenamento jurídico para o ensino privado, a municipalização da educação (consagrando a predominância da gestão administrativa sobre a pedagógica) e a criação de cursos “inferiores” (sem atribuição de grau académico) no ensino superior politécnico, foram alguns dos instrumentos iniciais, que culminariam com a revisão (então em preparação) da Lei de Bases do Sistema Educativo. A reviravolta política que António Costa protagonizou barrou este caminho, que estava a construir uma escola pública pobre, mínima, para a maioria, e uma escola rica, privada (mas financiada pelos impostos de todos), para alguns. Mas dizer que a legislatura desfavorável a uma escola pública sólida ficou para trás e que se está a iniciar um novo tempo político não chega. Era preciso ter soluções e um plano de acção objectivo, corolário óbvio de problemas identificados e prioridades estabelecidas. E isso não existe. Basta ler o programa de Governo do PS para a Educação, um repositório de meras intenções e de banalidades que, entre outros tópicos vitais ausentes, nada diz sobre a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo, indicia que a municipalização é para continuar, deixa sem referências clarificadoras o financiamento, a gestão das escolas, os “curricula” escolares, os mega-agrupamentos, as metas, as condições de trabalho dos professores e o regime de concursos, designadamente a extinção das BCE. E basta interpretar os primeiros sinais que já foram dados, a saber:

1. O programa do Governo em funções refere a intenção de “reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade” e não a sua extinção imediata. Mas os exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico foram abolidos no parlamento, na manhã seguinte à tomada de posse do Governo. O programa do Governo em funções estabelece a suspensão da PACC (Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos), “procedendo à reponderação dos seus fundamentos, objetivos e termos de referência”. Mas a dita foi liminarmente extinta por via de projectos de lei do BE e do PCP.

Quem me tem lido sabe bem que aprovo uma e outra medida. Mas não deviam ter esta forma de resolução. Outrossim, deveriam ter sido determinadas pelo Governo, como matérias que são, sem qualquer dúvida, de administração educativa. As medidas vão-se sucedendo de modo avulso e com um cunho de urgência desgarrada. Com prudência mínima, exigível, poderíamos ser poupados a este espectáculo. O tempo que o Presidente da República usou em demasia para permitir a entrada em funções de António Costa, podia e devia ter sido aproveitado para preparar um programa de Governo que, no mínimo, previsse o que já havia sido acordado entre PS, Bloco, PCP e Verdes.

2. O programa de Governo anuncia o fim do ensino vocacional. Recorde-se que esta modalidade de ensino procurava, supostamente, ensinar uma profissão a alunos com um passado de insucesso escolar. Recorde-se que sempre considerei um erro forçar uma orientação de cunho profissional numa idade precoce, quando todos deveriam cumprir um programa de formação básica, preliminar à prossecução de estudos secundários, esses sim, orientados para uma via profissionalizante ou de preparação para o superior. Mas esta constatação não resolve, por si, o problema sobejamente conhecido: há uma faixa considerável de alunos que nunca cumprirá o ensino obrigatório sem respostas específicas, que removam as dificuldades que têm. Que sucederá aos alunos que cumprem a sua escolaridade obrigatória nesta via? Terminam nela o plano de estudos até aqui previsto? Ou são imediatamente integrados no designado ensino regular? Se assim for, como fazer essa transição, sendo certo que em várias disciplinas as matérias ensinadas eram reduzidas no vocacional e muitos alunos tinham, repito, perfis de reprovações repetidas e dificuldades de vária ordem assumidas? Estão preparadas respostas adequadas? Está previsto dinheiro para as financiar?

Os problemas do ensino não se resolvem com mais ou menos exames. Precisam de medidas sociais promotoras de combate à pobreza, medidas pedagógicas de fundo, condições laborais dos professores humanizadas e valorizadas e envolvimento sério e exigente das respectivas instituições de formação inicial.

Sobre tudo isto, o que pensa o novo ministro da Educação? Está cá? Pensará algo? Ou tem o Bloco e o PCP para pensarem por ele?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

07/12/2015

ESE-IPVC - 35.º aniversário

Correio do Minho
2015-11-13

Santana Castilho defende mais respostas para o ensino especial   



A Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE-IPVC) celebrou esta semana o 35.º aniversário e contou com Santana Castilho, docente universitário, que defendeu na ocasião a necessidade de “reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais” e ainda “reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação no 4.º e 6.º anos de escolaridade”. 
Em dia de festa, a tuna do IPVC abriu as comemorações com uma atuação que precedeu os responsáveis da instituição. Rui Teixeira, presidente do IPVC, e César Sá, director da ESE-IPVC, dirigiram os seus discursos à academia, abrindo alas para a palavra do convidado. 
Numa lição académica, Santana Castilho dissertou sob o tema ‘O Estado da Educação no Dealbar da XIII Legislatura: Passado Recente e Futuro desejável’. 
Centrado em três grandes vertentes, o seu discurso científico abordou o impacto da globalização na educação a nível mundial, europeu e nacional, o estado da educação em Portugal até ao presente e, por último, apontou medidas fundamentais e ações estruturantes para melhorar o sistema educativo em Portugal. 
Entre as ideias defendidas pelo professor do ensino superior, o orador principal destacou ainda a importância da cultura e expressão artística como essenciais ao desenvolvimento, discursando sobre “as elevadas cargas curriculares actuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças” e a urgência de “recuperar a importância das artes, expressões e actividades físicas e desportivas”.

02/12/2015

Quando se confunde a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras

no Público
2 de Dezembro de 2015

por Santana Castilho*

1. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, o desemprego voltou a subir, a emigração não parou, o investimento não cresceu, o débil crescimento económico estagnou e os casos TAP e Novo Banco agigantaram-se (na TAP vendem-se terrenos e prédios para pagar a factura da compra e no banco há que injectar 1400 milhões até ao fim do ano).

Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, António Costa foi dizendo, cá, que havia chegado o novo tempo: o da recuperação de salários e pensões, da descida de impostos, do investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e na Cultura, do fim da austeridade. E foi dizendo, lá, em Bruxelas, que cumpriria as regras orçamentais acordadas, baixando défice e dívida.

Subida a ladeira do poder, também aqui o tempo é novo: o de cumprir, fazendo.

2. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e política para governar, vieram a público dois importantes relatórios em que se analisa a Educação nacional. Refiro-me ao Estado da Educação 2015, do Conselho Nacional de Educação, e ao Education at a Glance 2015, da OCDE. Pelo primeiro, ficámos a saber que o insucesso escolar aumentou nos últimos três anos, em todos os anos da escolaridade, enquanto diminuiu, pela primeira vez em 41 anos de democracia, a taxa de cobertura do pré-escolar. Com o segundo, verificamos que a diferença entre gerações, no que a qualificações respeita, é a maior de todos os países que integram a OCDE e que o esforço das famílias para financiar os estudos superiores é o maior da União Europeia. A um e a outro registo não é alheia a natureza da ideologia que pontificou na última legislatura, durante a qual todas as políticas públicas foram marcadas por uma “economização” bruta, que as redefiniu e geriu como se de simples mercadorias se tratasse, propalando-se mesmo a ideia segundo a qual os direitos humanos fundamentais, as dimensões básicas da vida, em que a Educação se inclui, dependem da conjuntura económica por que se passa.

3. Se relativamente ao tópico 1 aguardo para ver, relativamente ao 2 já vi, de António Costa, que chegue.

Vi disparates de quem não sabe do que fala em matéria de concursos de professores e banalidades no mais, quando apresentou 55 propostas de intervenção, a que chamou “o primeiro capítulo do programa de Governo”. Referi-o nesta coluna em 6 de Maio transacto.

Vi generalidades, recuperação de tristes conceitos de Maria de Lurdes Rodrigues, propostas ocas e ideias implícitas de pouca consideração pelos professores portugueses, em sede de programa eleitoral. Tratei-o em artigos de 12 de Agosto e de 9 de Setembro.

E vi, por fim, o epílogo de um percurso, que desvaloriza a complexidade dos problemas do sistema de ensino, quando nomeia para a pasta um jovem cientista de 38 anos, de mérito reconhecido internacionalmente na sua área, mas que saiu do país aos 23, viveu os últimos 15 no estrangeiro e de quem não se conhece uma linha escrita sobre Educação, ou um pensamento expresso sobre o tema. A naturalidade e a candura com que Tiago Brandão Rodrigues fala das coisas que viveu geram empatia imediata e genuína. Isto, que é muito para uma primeira impressão, é pouco mais que nada para fazer rápido o que é urgente, em matéria de Educação.

Que se seguirá? O Parlamento a governar e Tiago Rodrigues na lapela de Costa, a ver?

O fim dos exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do ensino básico, que sempre defendi, merecia um processo diferente daquele que igualmente sempre critiquei: a mesma lógica impositiva que os criou foi usada para os abolir.

Estes exames, de que sempre discordei, repito, são um epifenómeno menor de uma questão maior, qual seja a de conferir coerência à avaliação educacional, dando instrumentos e meios para tornar eficaz a sua vertente mais nobre, a formativa, a única que pode resolver o insucesso e o abandono. Gostaria de ter visto serenidade onde se pode apontar ímpeto revanchista. Gostaria de ter visto um normativo global do Governo em vez de uma intervenção casuística da Assembleia. Gostaria de ter visto preocupação democrática para obter compromissos de prazo suficiente, que parassem o faz/desfaz em que vivemos há 41 anos, perdendo recursos e tempo, sem audição dos que estudam e investigam, sem respeito pelos alunos, pelos pais e pelos professores. Gostaria de ter visto uma Esquerda superior, preocupada com o que a Direita sempre desprezou.

Oxalá me engane e a breve trecho o jovem ministro da Educação me tenha aqui a retractar-me do que hoje escrevo. Mas a convicção de momento é que perdemos um cientista de gabarito sem ganharmos um ministro capaz, porque António Costa confundiu a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

01/12/2015

apresentação: Mataram as Searas

um romance/novela de José Caldeira Duarte,
apresentado hoje pelo Professor Santana Castilho

....... clicar para ampliar: 



18/11/2015

O tempo e os ódios

no Público
18 de Novembro de 2015
por Santana Castilho*
 
Já se disse muito sobre o fanatismo religioso, que reduz a zero séculos de civilização. A barbaridade que Paris acaba de viver, mais uma, fez-nos retomar o tema, mantendo-se, na maior parte das análises, o foco apenas apontado ao fanatismo religioso: de um lado os “maus”, do outro os “bons”. Talvez devêssemos ampliar o campo das análises, para responder a perguntas que deveríamos estar a formular, com o intuito de intervirmos, de modo mais eficaz, nas nossas escolas e na nossa sociedade.

Comecemos por recordar algumas, apenas algumas, de tantas outras barbaridades recentes, cujos autores pertenciam às comunidades que atacaram:

A 20 de Abril de 1999, aconteceu no instituto Columbine o massacre que viria a dar filme. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, ambos estudantes, atacaram alunos e professores, ferindo 24 e matando 15.

A 26 de Abril de 2002, na Alemanha, Robert Steinhäuser, de 19 anos, voltou à escola donde fora expulso e matou 13 professores, dois antigos colegas e um polícia.

Em Setembro de 2004, dissidentes chechenos assaltaram uma escola em Beslan, na Ossétia do Norte, onde sequestraram 1200 reféns, entre crianças e adultos. Tomada de assalto por forças russas, morreram na escola 386 pessoas e foram feridas 700.

Em 2005, Cho Seung-Hui, estudante sul-coreano de 23 anos, há 15 emigrado nos Estados Unidos, descrito como perturbado e solitário e referenciado por importunar colegas com telefonemas e mensagens, trancou com correntes as portas da universidade Virginia Tech e matou, uma a uma, 32 pessoas.

A 22 de julho de 2011, ocorreu uma violenta explosão na zona dos edifícios do governo, em Oslo, a que se seguiu o massacre na ilha de Utoya, com um balanço de 77 mortos, a maioria jovens que participavam numa espécie de universidade de verão, organizada pelo Partido Trabalhista Norueguês. Anders Behring Breivik, de 32 anos, o autor, foi descrito como nacionalista de extrema-direita, inimigo da sociedade multicultural e defensor do anti- islamismo.

Em Dezembro de 2012, Adam Lanza, jovem de 20 anos, protegido com um colete à prova de balas e vestido de negro, depois de ter assassinado a própria mãe, entrou na escola primária de Sandy Hook, em Newtown, também nos Estados Unidos da América, e matou 20 crianças e seis adultos.

Posto isto, as perguntas:

Como nasceu o ódio que levou os jovens protagonistas citados, nascidos no ocidente “civilizado” ou educados nas suas escolas, a fazerem o que fizeram?

Como se justifica que jovens europeus abandonem a cultura e os valores em que viveram para se envolverem voluntariamente, com dádiva da própria vida, em acções extremistas, de culturas fanáticas? Que atracção os motiva, que desilusões os catapultam, que ódios os animam, que desespero os alimenta? É o quê? É porquê?

Que ódios bombardeiam hospitais, assaltam escolas e assassinam em salas de concerto?

As constituições dos estados democráticos têm teoricamente acolhido a educação como componente nuclear do bem-estar social. Mas nem sempre a têm promovido, na prática, a partir do enraizamento sólido dos valores civilizacionais herdados. A substituição da visão personalista pela utilitarista tem empobrecido a nossa filosofia de ensino e aberto portas a desesperos e fanatismos. A solidão e o abandono, tantas vezes característicos desta via, podem ser compensados com o aliciamento fácil para pertencer a grupos fanáticos, dotados de cativantes espíritos de corpo, sejam eles religiosos ou políticos.

Talvez fosse tempo de roubar tempo ao tempo, ao tempo dedicado às chamadas disciplinas estruturantes, para termos algum tempo para olhar o modo como empregam o seu tempo os jovens para os quais nem a Escola, nem as famílias, nem a sociedade, têm tempo.

Talvez seja tempo de todos, particularmente os que definem as políticas de educação, relerem uma carta a um professor, transcrita no livro Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001, de João Viegas Fernandes:
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados…
… Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". 

Porque, digo eu, parece não termos aprendido com a História. Porque, insisto eu, podemos policiar ruas e caminhos, estádios e salas de concerto, mas só pais, professores, tolerância, justiça e amor moldam consciências.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

17/11/2015

“O Estado da Educação”: palestra em Barcelos

Palestra 
“O Estado da Educação” 
por Professor Doutor Santana Castilho 
(2015-11-19) 

O Agrupamento de Escolas Alcaides de Faria tem a honra de convidar Vª Ex.ª para assistir a uma palestra subordinada ao tema “O estado da educação“. 

CONVITE -“Palestra Estado da Educação” 

ver mais: http://aeaf.edu.pt/?p=5289

Contactos
Escola Secundária Alcaides de Faria
Av. João Duarte, 405
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04/11/2015

A esquerda e um novo encontro com a história constitucional

no Público
4 de Novembro de 2015

por Santana Castilho*

As afirmações que se seguem são correctas no essencial, ainda que uma análise mais longa pudesse melhorá-las, com detalhes:

1. Nos 41 anos da nossa democracia, o PS suportou demasiadas vezes políticas de direita, corroendo, assim, a sua matriz ideológica.

2. Porque o PS, finalmente, resolveu fazer diferente e negociar com o PCP, PEV e BE, logo soaram as trombetas do alarme social e financeiro, sopradas pelos monopolistas do “arco da governação”.

3. A tradição de desentendimento político entre a esquerda e a acusação sistemática de que PC, PEV e BE preferiam o protesto à responsabilidade de governar, agora que parecem em vias de reversão, viraram virtude para os arautos da inevitabilidade. Assumiram-nas como garantidas e aterroriza-os a hipótese de se ter fechado esse ciclo.

Não lhe conhecemos nem a forma nem a fórmula, são muitos que não o querem, mas acredito que a esquerda portuguesa se prepara para um novo encontro com a nossa história constitucional. O que daí resultará tem risco alto e as fragilidades à partida são evidentes, como é próprio das mudanças relevantes em política. Porém, se desse encontro sair um governo de legislatura, teremos, definitivamente e sem retorno, uma outra forma de fazer política em Portugal. Ao contrário, se falhar, contemos com uma longa hegemonia da direita, reforçada pela provável maioria que conquistará em eleições antecipadas, que governará com o absolutismo que lhe conhecemos e a que juntará boa dose de previsível vingança. Antecipa-o o discurso de Cavaco Silva e a linguagem dos avençados do “ajustamento” e da doutrina do “não há alternativa”, agora em perda, mas bem patente nas televisões e na imprensa.
A evolução problemática (e pouco falada) das finanças públicas de alguns países do norte da Europa, Alemanha inclusa, poderá abrir novas janelas negociais à rigidez do Tratado Orçamental, quem sabe mesmo se à desejável discussão sobre a sustentabilidade das dívidas soberanas. Com efeito, ao invés da relevância dada ao acordo transatlântico, (que sem sequer ter sido, ainda, assinado, já foi, pelo Presidente da República, surpreendentemente, incluído na lista das obrigações de Portugal) pouco ou nada se disse na comunicação social sobre a 107ª sessão plenária da ONU, que “decidiu elaborar e aprovar, mediante um processo de negociações intergovernamentais, um instrumento jurídico multilateral para os processos de reestruturação das dívidas soberanas”. Porém, enquanto essas janelas não forem abertas, é essencial cumprir o Tratado Orçamental, ainda que com políticas diferentes daquelas que, recentemente, sonegaram direitos e aumentaram as desigualdades sociais, sendo vital que PCP, PEV e BE o aceitem e aceitem que é bem melhor ser o PS a fazê-lo que qualquer direita enraivecida.
Posto isto, recordemos o óbvio e alguns factos: as eleições legislativas não nos permitem escolher o primeiro-ministro, mas, outrossim, 230 deputados, ainda que o seu resultado influencie, de acordo com a Constituição, a indigitação deste; a coligação PSD/CDS ganhou as eleições, com 38% dos votos expressos (2.079.049); o PS, PCP, PEV e BE, ainda que não tenham concorrido coligados, obtiveram, em conjunto, 51% dos votos apurados (2.736.845); se avaliarmos os resultados tomando por referência o número de eleitores potenciais, poderemos afirmar que apenas 21,9% dos portugueses manifestaram o seu apoio à coligação PSD/CDS; mais do que Cavaco Silva, é António Costa quem tem, agora, o poder de decidir sobre o futuro Governo do país; que se saiba, nenhum partido impôs ao PS, para que um Governo de esquerda seja constituído com estabilidade e apoio parlamentar, a violação de qualquer dos tratados internacionais que Portugal subscreveu, ainda que algum deles lhes não mereça concordância.
Tudo visto, o acordo que unirá a esquerda implica um equilíbrio difícil entre programas políticos diferentes e uma realidade pautada pela força dos mercados e pelo poder financeiro da ganância e da especulação. A esquerda tem que saber suportar as influências das ondas de rumores postos a circular sobre eventuais avanços e recuos. Tem que enfrentar um tempo mediático, dissonante do tempo necessário a negociações complexas e sérias. Tem que resistir a discutir na praça pública aquilo que só sob reserva negocial pode terminar em compromisso entre quatro organizações políticas que, tendo propósitos comuns, têm muitas divergências sobre a forma de os conseguir.
Termos em que só a virtude da prudência se pode opor, com sucesso, ao desassossego das falanges de direita, compreensível e irremediavelmente feridas pela síndrome de Hubris (perda de contacto com a realidade, própria de governantes excessivos, que se julgam detentores da verdade única).

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

21/10/2015

Coincidências surpreendentes

no Público,
21 de Outubro de 2015

por Santana Castilho*

Nas vascas da morte anunciada das políticas educativas que mais comprometeram o futuro de todos nós, houve coincidências que surpreenderam. Uma, coloca graves questões. As outras acabarão diluídas na espuma noticiosa dos dias, depois de contagiarem, subliminarmente, a opinião pública. Recordemo-las:  

- O fim da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) coincidiu com o fim de Nuno Crato. Mas o fim da prova, que agrediu a dignidade e o emprego de milhares, é o início de problemas sérios, que pedem soluções urgentes. É preciso apurar quem foi excluído de concursos por não ter passado na PACC, indemnizar quem foi prejudicado por isso e corrigir, quanto ao futuro, os atropelos que resultaram da ilegalidade cometida. E é, naturalmente, preciso devolver aos prejudicados as quantias pagas por uma prova ferida da inconstitucionalidade agora decretada.

É patético que, neste momento político, Nuno Crato afirme que a PACC é para continuar e é deplorável vê-lo refugiar-se no argumento segundo o qual o erro não foi cometido por ele mas por quem o antecedeu há oito anos.

Espero bem que da solução parlamentar e governativa a que se chegar resulte uma intervenção profunda no modelo de selecção e formação inicial dos professores, cuja exigência é genericamente insuficiente nos planos cultural, científico e didáctico e resulte, ainda, a utilização do período probatório para os fins para que foi criado.

- Um estudo da Universidade Nova de Lisboa, fartamente glosado na imprensa, concluiu que as escolas privadas com maus resultados nos rankings fecham e as públicas não.

Curiosamente, este estudo (e a forma como foi divulgado) deu conforto à política seguida de privilegiar o privado em detrimento do público, apesar de ser óbvio que os rankings apenas medem uma dimensão (resultados em exames) das muitas (e bem mais importantes) que dão corpo às aprendizagens, apesar de ser óbvio que os rankings mudariam se trocássemos os alunos que as escolas públicas têm que receber pelos alunos que os colégios de topo livremente seleccionam e apesar de outro estudo, o “Estado da Educação 2014”, do Conselho Nacional da Educação, dizer que, entre 2005 e 2014, fecharam 5737 estabelecimentos de ensino público, enquanto abriram 239 estabelecimentos de ensino privado.

- Outro estudo, também generosamente referido na imprensa, conduzido por uma investigadora norte-americana, convidada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, apurou que o sucesso escolar dos alunos portugueses não depende da dimensão das turmas, mas sim da qualidade dos professores, aprovou as metas e defendeu mais avaliação para todos, designadamente recomendando que os resultados obtidos pelos alunos contem para a classificação do trabalho dos professores. Sendo certo que considero erradas as conclusões da douta investigadora americana (as razões e os argumentos estão amplamente expostos nesta coluna, em artigos anteriores), é extremamente curiosa a coincidência entre a sua divulgação e o tempo político que vivemos, com Nuno Crato, surpreendentemente, a afirmar que o seu trabalho “vai manter-se”.

- Um terceiro estudo, este com chancela europeia (Eurydice), a que a imprensa deu farta atenção, disse que, tomado o PIB per capita por referência, os professores portugueses estão entre os mais bem pagos.

Ora o estudo teve por base valores brutos de diplomas legais completamente desactualizados e não valores líquidos finais. Com efeito, ignorou os cortes salariais vigentes desde 2011, as medidas fiscais extraordinárias e a circunstância de nenhum professor português poder hoje alcançar o topo da carreira. Para quem me lê, deixo um outro modo de olhar para o problema: o salário ilíquido dos professores contratados varia entre 777,60 e 1266,76 euros e o de um professor do quadro, do 1º escalão, igualmente ilíquido, é de 1385,98 euros, todos, de facto, obrigados a mais de 50 horas de trabalho por semana.

Curiosamente, esta notícia deu conforto à intenção, anunciada pelo Governo cessante, de desvalorizar a carreira dos professores, em sede da chamada Tabela Remuneratória Única.

As referências curtas que acabo de fazer a situações que interessam ao nosso sistema de ensino podem ser aprofundadas através da leitura de “A Escola e o Desempenho dos Alunos” (122 páginas editadas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos), “O Estado da Educação 2014” (385 páginas editadas pelo Conselho Nacional de Educação) e Acórdão nº 509/2015 (33 páginas produzidas por um juiz relator do Tribunal Constitucional). Para ler tudo, gastei cerca de 30 horas. Num quadro de penúria (a vários títulos) da nossa imprensa, quantos jornalistas da nossa praça, no âmbito da voracidade noticiosa em que se movem, poderão consumir esse tempo e, assim, cruzar factos e dados, cuja necessidade de conhecimento é aguçada pelas coincidências que citei?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

12/10/2015

O Futuro da Escola Pública


Ciclo de Debates e Reflexões 2015 – Portugal e o Futuro
organizado pelo Núcleo Pensamento Inusitado em parceria com a GRACI – Grémio das Artes e Ciências
O Futuro da Escola Pública 

orador: PROFESSOR SANTANA CASTILHO

21 de Outubro (quarta-feira) — 20h30
no Café Restaurante Martinho da Arcada

jantar, seguido de debate conduzido pelo jornalista Fernando Sobral do Jornal Negócios


07/10/2015

Sem memória, o povo falou

no Público,
7/10/2015

por Santana Castilho*

Temos que aceitar a democracia, particularmente quando ela nos contraria. Mas é natural que fiquemos desapontados e legítimo que, respeitando-os, analisemos os resultados. Os eleitores romperam o ciclo dos últimos quatro anos, retirando 28 deputados (falta apurar quatro) e cerca de 750 mil votos à coligação. Mas, na realidade, preferiram a continuidade à mudança. O povo português é hoje o único na Europa a premiar com uma vitória eleitoral os responsáveis por quatro anos de austeridade desumana. Por falta de memória? Por medo? Seja por que for, há que respeitar a escolha.
Os portugueses escolheram perdoar à coligação, como se de nada relevante se tratasse, 19 violações da Constituição da República Portuguesa, decretadas pelo Tribunal Constitucional (entre elas, as relativas aos orçamentos de Estado de 2012, 2013 e 2014, Código do Trabalho, Código de Processo Penal, Código de Processo Civil, Rendimento Social de Inserção, requalificação dos funcionários públicos, despedimentos sem justa causa, cortes salariais na função pública e enriquecimento ilícito, por duas vezes).

Os portugueses escolheram passar uma esponja sobre um Governo que promoveu o empobrecimento generalizado e o agravamento das desigualdades sociais, presidido por um cidadão que incumpriu o que prometeu para lá chegar, mentindo repetidamente ao povo. 

Os portugueses escolheram permitir a continuidade em funções de um Governo que incentivou a emigração de quase meio milhão de concidadãos em quatro anos, que vendeu os activos portugueses mais rentáveis, que paralisou a Justiça, que promoveu o declínio da escola pública e do Sistema Nacional de Saúde.

Os portugueses escolheram aceitar que os salários e as pensões continuem a ser cortados e as crises bancárias continuem a ser pagas com os impostos de todos. É certa a necessidade de recapitalizar o Novo Banco. Dizem os responsáveis, que os portugueses reelegeram, que o dinheiro virá do Fundo de Resolução. Digo eu que virá dos contribuintes e já disse a Comissão Europeia, há dias, que os impostos podem aumentar. A seguir virá o orçamento de 2016, altura para aparecer o corte de 600 milhões nas pensões, prometido à UE. E se a meta do défice não for cumprida em 2015, o que é provável, o reforço da austeridade em 2016 é óbvio. Assim votaram os portugueses, que não terão de que se queixar.

Os portugueses escolheram as propostas da coligação sobre o decantado plafonamento, significando isso a descapitalização do sistema público, com o consequente corte de pensões e subsídios, a bem da sustentabilidade.

Vale aos portugueses, por ora, que a incompreensível escolha que fizeram não chegou à maioria absoluta.

A coligação PSD/CDS venceu as eleições, mas tem à sua frente uma maioria absoluta de deputados que se lhe opõem. O PS sofreu uma derrota pesada e António Costa começou uma existência difícil, legitimamente questionado dentro do partido. Belo pântano que estas eleições deixaram à Nação!

Diz a imprensa que Cavaco receberá hoje (escrevo a 6 de Outubro) Passos Coelho. Não será, ainda, para o convidar a formar Governo. Mas isso irá acontecer, sendo para já adquirido que António Costa não se demite, porque rejeita aplicar a si próprio o veredicto que aplicou a Seguro.

Passos já afirmou publicamente querer negociar com o PS. E negociar o quê? Só pode ser uma de duas coisas: constituição de um Governo de que o PS faça parte, ou um acordo de incidência parlamentar. Se conseguir uma ou outra coisa, terá um mínimo de estabilidade para começar a governar e ficará adiado o provável cenário futuro de eleições antecipadas. Mas se o PS aceitasse participar num Governo de bloco central, para mais em posição de menoridade, entraria em modo de suicídio político garantido. Admito que, não dando esse passo e em nome do que assume ser o interesse nacional (engolindo Costa o que disse em campanha), viabilize o orçamento de Estado a apresentar pela coligação, que lhe fará algumas cedências. Teremos, assim, a continuação da austeridade (que Wolfgang Schaeuble já saudou, sem decoro) e tempo ganho pelo PS para se entender internamente, de modo a não repetir, em situação de eleições antecipadas que se seguirão, os ziguezagues e os erros graves que cometeu nestas.

O PIB recuou para os valores de há 4 anos. A dívida pública, de que se fala muito, e a dívida privada, de que se fala pouco, esmagam os particulares e o Estado. O futuro de Portugal é função destas duas variáveis, que nos tornam dependentes do que a Europa (leia-se Alemanha) decidir corrigir em sede de Tratado Orçamental. Com o resultado destas eleições, não teremos um Governo que pugne por uma verdadeira união monetária, alicerçada na indispensável integração fiscal e orçamental, sem a qual a crise das dívidas soberanas continuará a impedir o investimento, o consumo e o emprego. Foi isto que os eleitores, que deram a vitória à coligação, desprezaram.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)