in Público, 20/7/2011
Santana Castilho *
Não se pode fazer política sem ludibriar o eleitor?
.1. Todos sabem, mas são poucos os que se insurgem contra a incoerência e o ludíbrio na política. Passos Coelho, candidato, disse da carga fiscal o que Maomé não disse do toucinho. Como homem de palavra que se dizia, garantiu não subir os impostos, pelo menos os que oneravam o rendimento. Se, afirmou, em limite, a isso fosse obrigado, então, taxaria o consumo. A primeira medida que Passos Coelho, primeiro-ministro, tomou, foi confiscar um belo naco do rendimento do trabalho dos portugueses. Lapidar!
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O ministro das Finanças explicou aos ludibriados como se consumará a pirueta. Fê-lo em conferência de imprensa original, estilo guia turístico: à vossa esquerda (página 5 do documento de suporte), podem ver o gráfico tal; à vossa direita (página 27 do documento de suporte) podem contemplar o quadro X. Estilo novo, por estilo novo, poderia ter ido mais além. Poderia ter recolhido previamente as perguntas e incluir um desenho no documento de suporte, estúpidos que somos, para nos explicar por que razão os rendimentos do capital foram protegidos. Dizer-me que o não fez para não desincentivar a poupança e porque era tecnicamente impraticável, fez-me sentir gozado. Reduzir o alvo aos cidadãos e deixar de fora as empresas de altíssimos lucros, remete para o lixo o discurso da equidade e faz-me sentir ludibriado.
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2. Nunca concordei com a demagogia da redução do número de ministros e com o disparate de constituir giga ministérios. Porque as pessoas, mesmo que sejam ministros, têm limites. Porque a quantidade é sempre inimiga da qualidade. Os primeiros sinais fazem-me sentir grosseiramente ludibriado. A poupança de ministros logo resultou em destemperança de secretários de Estado. E a incoerência entre os princípios anunciados e as práticas seguidas não tardou a ser inscrita em Diário da República. Com efeito, foi criada uma comissão eventual para acompanhar a execução do programa de assistência financeira a Portugal. Tem 30 elementos, trinta. Esta “estrutura de missão”, ESAME, de sua sigla, vai fazer aquilo que, obviamente, seria missão do Governo, designadamente do Ministério das Finanças. Para quem tanto falou de cortar gorduras do Estado, sinto-me ludibriado.
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3. Como já afirmei publicamente, o expediente da suspensão do encerramento das 654 escolas, não é mais do que uma manobra política de duplo efeito: imediatamente, recolhem-se louros e popularidade; verdadeiramente, verifica-se o que está pronto e o que está atrasado, quanto às construções em curso. E, porque é isso que está no programa do Governo, continuar-se-á a política de criação de mega agrupamentos, aprofundando a desertificação do interior e tornando irreversível um deplorável crime pedagógico. No início de Julho, Nuno Crato suspendeu o fecho de 654 escolas. Dias volvidos, confirmou que 266 das 654 encerrariam imediatamente. Não teremos de esperar muito para confirmar o ludíbrio total.
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4. O ministro da Educação tornou-se popular pela ênfase que emprestou a algumas ideias sobre Educação. Uma delas consistiu em acusar o ministério de ser dono da Educação. Matando com ferro, com ferro começou a morrer no quadro desta pífia adaptação curricular do ensino básico, a que procedeu de forma monolítica. O que é este ajustamento? Tão-só a recuperação da proposta de Isabel Alçada (com excepção do fim do par pedagógico de EVT), inviabilizada pelo PSD, que alegou falta de estudos que a sustentasse (mais uma vez a incoerência e o ludíbrio político em flagrante). No 1º ciclo, onde residem carências graves, tudo ficou na mesma. No restante, o mais relevante são mais horas para Matemática e Língua Portuguesa, como defendeu Maria de Lurdes Rodrigues em 2008. Como reagirão os bons alunos (que também existem) a mais horas, de que não necessitam? Nuno Crato ignora que muito Estudo Acompanhado já era dedicado à Língua Portuguesa e à Matemática, sem que os resultados se tornassem visíveis? Não se interrogou sobre os resultados dos dispendiosos PAM (Plano de Acção da Matemática) e PNL (Plano Nacional de Leitura), que significaram milhares de horas e milhões de euros despejados sobre a Língua Portuguesa e sobre a Matemática e que não impediram os piores resultados em exames dos últimos 14 anos? O problema não é de quantidade mas de qualidade das aprendizagens. E para isso confluem várias variáveis, que o taylorismo de Crato não considera. Cito algumas. As escolas deviam ter autonomia total para encontrar soluções para o insucesso. As horas retiradas às Áreas Curriculares não Disciplinares deveriam ter sido postas à disposição das escolas, que as aplicariam em função da natureza diferente dos problemas que sentem. Claro que isto supunha directores eleitos e Inspecção Geral de Educação organizada por áreas científicas e núcleos de escolas. A autoridade do professor e a disciplina na sala de aula fariam mais pelos resultados do que todos os planos ou acréscimos de horas. A burocracia esquizofrénica que escraviza os professores já deveria ter sido implodida. Os blocos de 90 minutos são um disparate e os tempos de 45 são insuficientes. Não pode haver disciplinas em que o professor vê o aluno de semana a semana. É imprudente, numa formação básica, reservar para a Matemática e para a Língua Portuguesa o conceito de disciplinas estruturantes. Onde ficam a Educação Física e as restantes expressões, por exemplo? É perigoso o que se está a fazer com a História e a Geografia. Ou quer-se, desde logo, subordinar tudo a um determinado modelo de Homem e Sociedade?
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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