31/10/2010

E agora, professores?

excerto de artigo de Santana Castilho*, «E agora, professores?», considerando as repercussões dos resultados eleitorais na Educação

[...] Outra vencedora, triste vencedora para quem viveu quase meio século a lutar para que um dia pudesse votar livremente no seu país, foi a abstenção. Houve 3 milhões, 678 mil e 536 cidadãos eleitores que se alhearam desse dever cívico. Os 36,56% do PS passam para 21, 75%, se referidos ao número total de eleitores. É um número que merece reflexão. Em rigor, o PS foi escolhido apenas por 21,75 % dos portugueses com direito a voto. Não será esta uma derrota pesada da democracia?

A próxima legislatura nada terá de semelhante à anterior. A Assembleia da República ganhou protagonismo e as forças partidárias que a compõem ganharam particulares responsabilidades e capacidade de influenciarem a definição das políticas. Há quem recorde, com pertinência que compreendo, o compromisso assumido pela generalidade dos partidos que se opuseram ao PS e agora têm poder acrescido. Mas a pré-campanha, a campanha em si e os debates televisivos foram muito significativos quanto ao valor real dos compromissos na índole dos políticos que temos. O valor que atribuem à Educação é meramente circunstancial. Nada resiste para além da efemeridade de um discurso (e de um compromisso) de circunstância. A urgência de resolução dos milhentos problemas que tornam a vida nas escolas num inferno, e que estão longe de ser os mais importantes de um sistema de ensino sério, dependeria muito mais dos novos inquilinos da 5 de Outubro que de compromissos e programas. Mas com este resultado, a visão estalinista que orientou a Educação nacional não vai mudar. Vai apenas adoçar-se com protagonistas presumivelmente mais delicados, que continuarão a senda da transformação de cada professor num simples funcionário que ensine pouco, preencha cada vez mais papéis, relatórios e fichas, registos de toda a espécie, grelhas, actas e matrizes programadoras de todos os comportamentos, projectos e planos educativos, individuais ou de grupo. Com este resultado, os professores portugueses também não escapam à dicotomia dos resultados: ganharam, tendo perdido.

E agora?
Vamos entrar em jogos complexos que se arrastarão no tempo. Ao desanuviamento antecipável não vão corresponder soluções céleres. O PS perdeu a maioria absoluta mas os professores não se livraram de Sócrates que, agora delicadamente, continuará a querer vergá-los.

Porque a maioria absoluta se foi, a divisão da carreira não desaparecerá facilmente, muito menos a razão de cariz económico (entretanto reforçada com um défice maior que o de 2005) que determinou as quotas. Porque o PS ganhou, Sócrates vai persistir nesta gestão das escolas e nesta avaliação de desempenho, que classificou de instrumentos centrais das suas políticas. Porque Sócrates perdeu a maioria absoluta, Sócrates não pode perder outras coisas. Não pode perder, por exemplo, o sucesso estatístico que fabricou. Não pode, por isso, abrir mão de tudo o que promova resultados sem saber. Não abrirá mão do estatuto do aluno e da indigência que promove, na qual se inscreve a farsa do ensino profissional. A precariedade imposta ao exercício da profissão docente e a sistemática retirada de direitos aos professores não foram meros instrumentos conjunturais.Foram, outrossim, pilares de uma política que será excluída, liminarmente, do pacote de cedências para consumo parlamentar, que o PS estará já a preparar.

Sócrates vai ter que negociar muito sobre muitas coisas. A Oposição não lhe pode impor tudo. E no jogo das trocas, a Educação será sempre um elo fraco. Excepto para ele, que deu, pessoalmente, demasiado a cara pelas desastrosas reformas feitas.

*Professor do ensino superior - s.castilho@netcabo.pt

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