São económicas as razões que arrastam homens e nações na senda da história. O resto vem depois, por mais que gritem que está antes.
A educação vive no limbo da resignação. Depois de quatro anos sinistros e nada resolvido, 30.000 novos escravos aguardam, suspensos, a decisão de um tribunal administrativo. Quando o novo diploma que regula a vida dos alunos sair finalmente da Assembleia da República, descobriremos, restauradas, as velhas ideias que nos conduziram aonde estamos: que o aluno é igual ao professor; que a sociedade é sempre culpada por alguns não quererem estar na escola; que os pequenos delinquentes são bons e a escola é má e que as reprovações são retrógradas e traumatizantes para os bons selvagens.
A saúde escasseia para os que mais precisam: a pública à míngua dos cortes sem eira, a privada cativa dos negócios sem beira.
A justiça segue incompreensível para os que nada podem, torneável para os poderosos, alheia aos escrúpulos e à ética.
O excesso de leis e a sua complexidade são a melhor forma de evitar a justiça. Os normativos legais são redigidos numa linguagem opaca, prolixa, quando não imbecil. A incoerência entre diplomas que se referem à mesma matéria é frequente. A quantidade de leis, decretos-lei, portarias e despachos torna a sua assimilação coisa de dedicação exclusiva, logo fora do alcance do cidadão comum. A extensão dos textos legais e a sua redundância frásica transforma-os em melopeias, que matam de cansaço qualquer leitor. Cada vez que se altera a lei, o novo texto tem um chorrilho de sucessivas remissões. Sempre que o interessado desbrava uma, logo se vê remetido para outra, num vórtice de loucos. Legisla-se sobre o que importa e sobre o irrelevante, a uma cadência que torna inevitáveis as incongruências técnicas e a vida em sobressalto, salvo para os que possam pagar o aconselhamento jurídico e o escandaloso preço da litigância. Disto se alimentam os fiscais do regime, ávidos de exercerem os pequenos poderes em que foram investidos. Precisamos de menos leis e de leis objectivas. Precisamos que as leis perdurem, para que se possa saber com o que se conta. Uma regra limitando a extensão das leis, definindo-lhe um tempo de vida mínimo e obrigando a publicar textos inteiros, sem remissões, faria a diferença.
O cidadão que reflecte sobre a vida colectiva não compreende que o furto de dois gravadores, à luz do dia, na própria casa da democracia, só penalize os jornalistas, seus legítimos donos; não compreende que se distinga corrupção por acto lícito de corrupção por acto ilícito e não compreende a trapalhada legal em que o Governo se envolveu a propósito da taxa adicional sobre o IRS. O cidadão que reflecte sobre a vida colectiva não compreende a decisão de Mota Amaral ao proibir o uso das escutas sobre o negócio PT-TVI, invocando a Constituição, quando a Constituição não o impediu de as pedir, nem impediu os respectivos magistrados de as enviar. Fica perplexo (o cidadão) e pergunta: para que as pediu, então? Que mudou? A declaração de Pacheco Pereira, que as considerou avassaladoras e prova do envolvimento de quadros do PS?
O cheiro a ranço que de tudo isto exala parece só incomodar os que se alimentam de uma cultura de revolta. Para esses, a atmosfera seria purificada com uma lei de meia dúzia de linhas. Uma lei que desse representatividade aos cidadãos politicamente interessados mas que não se revêem nos actuais partidos políticos. Uma lei que transformasse os seus votos em branco, que não abstenções, em cadeiras vazias na Assembleia da República.Uma lei assim, estou convicto, contribuiria para regenerar a seriedade das relações entre os eleitos e os eleitores e melhoraria a ética da produção legislativa, há demasiados anos entregue a clubes que se inquietam pouco com o pulsar dos não arregimentados. Para tonificar a chamada sociedade civil e protegê-la da anestesia geral que políticas sem resultados lhe têm instilado, precisamos de melhor educação e de reduzir a endogamia partidária.
Em 1995, Robert Lucas, coveiro de Keynes, então professor da Universidade de Chicago, ganhou o Nobel da economia pelo contributo que deu ao estabelecimento da teoria das expectativas racionais. A ideia central da teoria de Lucas sugere que os agentes do mercado aprendem com os erros, particularmente quando estes obedecem a um padrão evidente, que pode ser utilizado para estabelecer previsões. Anteciparão, então, os efeitos das medidas dos governos para actuar de imediato segundo as expectativas produzidas. À luz desta teoria, pelo menos, duas perguntas são legítimas, depois de tudo isto: por que irão os nossos credores confortar-se mais com uma estabilidade política podre, que só sabe subir impostos, que com um improvável (mas teoricamente possível) novo governo que reduzisse a despesa no que a estrutura da dívida tem de supérfluo? Pode um primeiro-ministro sem crédito, interna e externamente, responsável por 5 anos de devaneio político e financeiro, mobilizar os portugueses e tranquilizar os agentes do mercado com dois passes de capote e um tango mal dançado?
Na milonga obscena em que o país se transformou, sobrevivem melhor os que souberem dançar o tango. A crise e as presidenciais garantem-lhes a música por enquanto.
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